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SEOMAN
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Copyright © 2008, Editora Seoman
Callegari, Jeanne
Caio Fernando Abreu: inventário de um escritor irremediável / Jeanne
Callegari. — São Paulo:
Seoman, 2008.
ISBN 978-85-98903-10-1
EDITORA SEOMAN
Rua Pamplona, 1465 — cj. 72 — Jd. Paulista
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PREFÁCIO
José Castello
INTRODUÇÃO: CEM MIL CAIOS
Jeanne Callegari
As cartas de Caio citadas no livro foram extraídas de Caio Fernando
Abreu — Cartas, organizado por ítalo Moriconi e publicado pela editora
Aeroplano em 2002. A carta de Manuel Abreu para o filho Zaél nunca
foi publicada, faz parte do acervo da família e foi gentilmente cedida por
ela, assim como algumas das cartas de Vera Antoun e os postais de
Pedro Paulo de Sena Madureira.
PRÓLOGO
UM
DOIS
TRÊS
"Acontece que não sou [porta-voz] e não quero assumir esse papel, porque
— estou usando o máximo de, desculpem, sinceridade — não sirvo nem
pra porta-voz de mim mesmo. Nos últimos tempos tenho me movimentado
com dificuldade dentro dos meus escombros-de-dentro, por uma série de
razões demasiado pessoais para serem trazidas ao baile (trata-se de um
baile?) ando com uma autocrítica violentíssima e não consigo,
simplesmente não consigo pensar organizadamente (?)
ou ter idéias claras ou/e precisas sobre as coisas, quaisquer que sejam.
Eu disse: quaisquer. Nas cartas que tenho escrito ou nos meus rabiscos
solitários (e vis, talvez) no meio da noite, acabo sempre caindo na mais
lamentável das auto-lamentações: dói, tudo dói, DÓI PRA CACETE, meu
irmão; como uma nevralgia psico-espiritual (!), parece que alguma peça
importante para o meu funcionamento simplesmente quebrou, e eu não
sei o que fazer, e tenho consciência de quanto isso parece ridículo e
juvenil, só não estou mais afim de fingir que tudo-bem, você me entende?,
e é isso mesmo que eu sou, esse "ter nascido me estragou a
saúde"ambulante e crônico."
QUATRO
Estar ali
Como nunca ter chegado.
Estar ali
Por estar ali
E além de mim
0 que eu não ousava.
Ah
Relembro a amplidão dessas varandas intocadas
Os pequenos raios de luz
Nos vidros coloridos das janelas.
Revejo a dura consistência da porta
Cerrando seu segredo.
E me retorno
Ali
No imóvel do gesto que não fiz.
Como se pudesse
Agora
Escancarar portas e janelas
Para sair nu pelas varandas
Desvairado e nu
Profeta, louco, infante.
CINCO
— Eu deveria cantar.
Caio está numa fila de banco, esperando sua vez. De
repente, lhe ocorre a frase: Eu deveria cantar.
Ele corre para casa, excitado. O começo! Ele tem o
começo. E todo o resto.
A idéia, dele e do cineasta Guilherme de Almeida Prado,
já existia há uns dez anos, os rascunhos já tinham uns seis,
o quase-adiantamento para escrever já datava de uns quatro
anos. A idéia inicial era inscrever o roteiro do filme em um
concurso e depois escrever o romance. No entanto, apesar do
roteiro estar terminado, Dulce Veiga não saía. Recusava-se.
Os dragões desistiram de esperar, furaram a fila e foram
publicados antes dela. Mas a idéia para a primeira frase — a
singela "eu deveria cantar" — detonou o processo criativo.
Tudo aquilo que Caio vinha maturando há anos resolveu sair
à tona, com várias mudanças em relação ao roteiro feito a
quatro mãos com Guilherme. Em dois meses, terminou o
livro: escrevia dez, doze horas por dia. Das duas mil páginas
que tinha escrito, no total, tirou umas duzentas. Escrevia,
escrevia, escrevia. Resultado: um belo desvio na coluna. Além
do livro pronto.
O processo é o mesmo que acontece a uma amiga
escritora, Márcia Denser. A mulher com pinta de fatal, a
preferida de Paulo Francis, a devoradora de homens. Alter
ego literário: Diana Marini, a Diana caçadora de seus contos.
Márcia era amiga de Caio desde os anos 70, quando se
trombaram em algum lançamento de livro pela cidade, ambos
com aquele quê de malditos, loucos, sem papas na língua.
Ambos precoces, apadrinhados desde cedo por grandes
nomes: ele por Hilda Hilst, Clarice Lispector e Lygia Fagundes
Telles: ela, por Paulo Francis. Ambos belos: Caio com seu
jeito de Quixote, alto, cabelos lisos, ela loira, loira fatal, rosto
de boneca. Beldades perversas; ficaram amigos. Enquanto
Caio escreveu Sapatinhos vermelhos, uma releitura para
adultos do conto de Andersen, Márcia escrevia sua versão da
Branca de Neve. Ela era a Branca de Neve, cercada de
anõezinhos, cercada de homens por todos os lados. Ele era a
mulher dos sapatos vermelhos, que conseguiu conquistar
três homens com seus sapatos, por mais que os pés doessem.
Eram amigos, Márcia e Caio; ela estava sempre no
apartamento dele.
Enquanto ele escrevia Dulce Veiga, uma aventura no
terreno do romance, que ele só praticara uma vez, aos 18
anos de idade, com Limite branco, ela também se arriscava a
um texto maior, o infantil A ponte das estrelas, e ela o
escreveu em pé, também de dez a doze horas por dia, numa
tentativa de não engordar demais. O fato de os dois — e não
só eles, mas a maioria dos escritores brasileiros da época —
estarem decididos, depois de tantos anos escrevendo contos,
a fabricar romances, não era coincidência. Talvez houvesse
uma necessidade de provar que se conseguia fazer algo de
maior fôlego, algo mais trabalhado, escrito mais com a cabeça
e menos com o coração, com o impulso para o nocaute que
um conto deve ter. E, mais pragmaticamente, era uma
exigência do mercado mesmo, uma questão da época. Os
anos 70 foram todos dedicados ao conto. Havia revistas e
jornais literários, muitos deles nanicos, que os publicavam,
que circulavam, que realmente eram lidos. Nos anos 80, com
o fim da ditadura, acabam os nanicos, e assim um veículo
por onde escoar tanto texto curto. As editoras começam a
preferir romances, porque o leitor médio está mais
acostumado com eles. Rubem Fonseca, por exemplo, grande
contista, publica vários romances nessa época, nem todos
com o mesmo sucesso de crítica que seus livros anteriores de
textos curtos.
"Il y a toujours
quelque chose d'absente
qui me tourmente."
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