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TÍTULO VIII - DA ORDEM SOCIAL
O futuro dos
direitos sociais
Alexandre Bernadino Costa e
Ramiro Nóbrega Sant'Ana
A
s bases dos setores que defi-
nem a estrutura social de nos-
so país - saúde, previdência,
assistência social, educação, meio
ambiente, etc - foram reunidas na
Constituição de 1988 sob o título
“Ordem Social”. Observar o desen-
volvimento do setor social em nossa
recente experiência democrática é o
foco desse artigo.
As normas da Constituição refe-
rentes à Ordem Social se iniciam no
artigo 193, que aponta os dois princi-
pais objetivos a serem alcançados no
campo social: o bem-estar e a justiça
sociais. Avaliar o desenvolvimento
de tais objetivos nesses 20 anos de vi-
gência da Constituição de 1988 é um
bom ponto de partida para observar
se as linhas nela traçadas estão real-
mente sendo realizadas em conjunto
por governantes e sociedade.
É comum associar a idéia de justi-
ça social a uma distribuição igualitá-
ria de serviços e recursos, especial-
mente de renda, entre os membros
da população. E, nesse sentido, vári-
as políticas públicas têm sido manti-
das e elaboradas, com destaque para
benefícios assistenciais geridos pela
previdência e por programas de dis-
tribuição de renda, como o bolsa-fa-
mília. Justiça social, contudo, não
pode ser reduzida à distribuição,
pois a satisfação dos anseios da soci-
edade e o desenvolvimento social di-
ficilmente serão alcançados se a vi-
são dos gestores permanecer estreita
e a participação social, tímida.
A Constituição, em seu texto, defi-
ne o Brasil como um Estado Demo-
CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | OUTUBRO DE 2008
crático de Direito. É exatamente na
elaboração das políticas públicas
que se observa um dissonância entre
essa previsão constitucional e a prá-
tica institucional dos governos nas
três esferas da Federação. Há um
sensível déficit de participação social
tanto na formulação quanto no con-
trole das políticas públicas. A socie-
dade civil afetada pelas diversas polí-
ticas elaboradas não influencia co-
mo poderia a eleição de prioridades
pelos gestores governamentais.
A falta de espaços institucionali-
zados de participação não é o maior
problema, pois tais fóruns existem
nos mais diversos setores. Na verda-
de, há um grande descompasso en-
tre o que é debatido e decidido nos
fóruns de representação social e o
que é acolhido pelos gestores.
É necessário incrementar a parti-
cipação social tanto na formação co-
mo na implementação das políticas
públicas. Para tanto, até a noção de
discricionariedade administrativa
deve ser revisitada, pois, as decisões
dos gestores devem ser legitimadas
pelo crivo da sociedade.
Nesse contexto, justiça social
abarca tanto a distribuição de recur-
sos quanto a identificação do cida-
dão com as ações adotadas pelo go-
verno, pois deve-se respeitar suas
opiniões na elaboração e implemen-
tação das políticas públicas. Essa
participação na implementação, que
denominamos controle social, é
muito importante para reduzir inú-
meras falhas hoje existentes.
Além do conhecido efeito de re-
duzir a corrupção e desvios das ver-
bas destinadas à implementação de
políticas públicas, o controle social
CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | OUTUBRO DE 2008
pode contribuir para a melhor alo-
cação de recursos financeiros e hu-
manos. Existe evidente carência de
destinação de verbas e de servidores
públicos para numerosos setores e,
não raro, quando os recursos são
efetivamente destinados, a má dis-
tribuição deles implica resultados
ruins. Exemplos claros são encon-
trados na educação e saúde, setores
que contam com recursos vincula-
dos previstos em leis, ou até na pró-
pria Constituição, mas que não
apresentam os resultados esperados
pela população.
A melhoria da implementação
das políticas públicas parece ser um
dos caminhos para alcançar os obje-
tivos traçados na Constituição. Mas
isso não depende apenas do controle
social, uma vez que várias soluções
podem partir também dos gestores
governamentais. Para começar, é ne-
cessário que determinadas Políticas
de Estado não continuem a ser trata-
das no Brasil como Políticas de Go-
verno. A saudável alternância de gru-
pos políticos no poder deve ser tem-
perada com a perenidade de deter-
minadas políticas públicas, especial-
mente aquelas que exigem planeja-
mento e manutenção de projetos em
longo prazo. É o caso, por exemplo,
da educação fundamental, vacina-
ção, preservação de ecossistemas
ameaçados (amazônia, mata atlânti-
ca), fomento da cultura popular, etc.
Por outro lado, a Administração
Pública deve lidar com outros dois
sérios problemas de gestão. Em um
nível horizontal, há uma falta de in-
tegração entre as políticas sociais
descritas na Constituição. É uma si-
tuação de ausência de intersetoriali-
dade, isto é, de comunicação entre
os diversos setores. A concepção e a
implementação das políticas públi-
cas não são integrais. Convém, por-
tanto, promover a articulação entre
elas, de forma que a população seja
bem atendida nas suas mais diversas
necessidades. Tal articulação, contu-
do, deve ser fomentada não apenas
entre os diversos órgãos responsá-
veis pelas políticas sociais, mas tam-
bém entre os três entes da Federa-
Há um sensível déficit de participação social tanto na for mulação quanto no controle
das políticas públicas. A sociedade civil afetada pelas diversas políticas elabor adas
não influencia como poderia a eleição de prioridades pelos gestor es go ver namentais.
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ção, já que a divisão constitucional
de competências exige de cada um
atuações diferentes.
A coordenação da atuação entre
as ações nos três níveis da Federa-
ção conduz a outra dificuldade na
gestão, dessa vez em um nível verti-
cal. Trata-se de um problema no Fe-
deralismo Brasileiro. Os municípios
ganharam força e autonomia sem
precedentes no texto constitucio-
nal, o que inclui orçamento e com-
petências próprias (legislativas e
administrativas). Entretanto, boa
parte deles não detém uma efetiva
autonomia, já que permaneceram
muito dependentes de repasses es-
taduais e federais.
Esse problema de articulação en-
tre as esferas de governo também se
faz sentir fortemente na gestão am-
biental. Ela é limitada pela falta de
complementariedade e articulação
nas ações dos entes da Federação, a
qual advêm da má administração
dos recursos e das competências
constitucionais estanques.
Somada a isso, a falta de estrutu-
ra administrativa dificulta ou até in-
viabiliza a participação em determi-
nados programas sociais gerencia-
dos pelos estados ou pela União, mas
que dependem de alguma contra-
partida dos municípios, seja de re-
sultados, seja de prestação de contas.
Isso ocorre de forma grave em pro- tema Único de Saúde e do SUAS - diversas necessidades da população
gramas nacionais de saúde e educa- Sistema Único de Assistência Social). aguardam solução.
ção que implicam repasse de verbas E isso pode ser iniciar já, com a regu- Todos os problemas aqui expos-
para atividades locais. Nesses casos, lamentação das competências co- tos são desafios que devemos en-
diversos municípios não recebem muns previstas no art. 23 da Consti- frentar nos próximos 20 anos se qui-
qualquer repasse, pois estão despre- tuição, especialmente no que tange sermos nos manter firmes na busca
parados para integrar os programas ao sistema articulado de educação e pelos objetivos constitucionais de
nacionais. Essa é uma face do grave à gestão ambiental. justiça social democraticamente
problema de descentralização na Por fim, um problema de gestão construída, e de bem estar que não
gestão das políticas sociais, gerado orçamentária. Há um déficit de pla- resulte apenas de uma igual distri-
por uma falta de correspondência nejamento antes da elaboração dos buição de recursos, mas sim de
entre a gestão local e os padrões na- orçamentos e, como conseqüência igualdade de consideração, respeito,
cionais de investimento e qualidade. disso, temos a reiterada experiência e oportunidades.
Nesse contexto, também é neces- de ver que nem tudo que é orçado é É com esse intento que espera-
sário fomentar a mudança no fede- realmente executado. E a solução pa- mos, nos próximos 20 anos, ver os
ralismo brasileiro, com redução do ra isso não passa, necessariamente, esforços de governo e sociedade civil
isolamento setorial e flexibilização por um orçamento impositivo, mas convergirem para o fortalecimento
das suas atribuições rumo a uma sim por um orçamento planejado. das estruturas de participação, com
maior colaboração e intersecção en- Os Ministérios e Secretarias não po- vinculação das políticas públicas às
tre as esferas de governo (conforme dem chegar ao final do ano com or- suas decisões, e para o crescimento
já se vê na experiência do SUS - Sis- çamento não empenhado, enquanto do controle social.