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OBSERVATÓRIO DA JUSTIÇA BRASILEIRA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS


Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Av. Antonio Carlos, n. 6627, Pampulha, Sala 4117
Belo Horizonte, Minas Gerais.
CEP 31270-901

Ref.: Convocação nº 001/2010


Área temática: Judicialização e equilíbrio de poderes no Brasil

RELATÓRIO FINAL DA EXECUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA:

“Judicialização da política e demandas por juridificação: o Judiciário


frente aos outros poderes e frente à sociedade”

Instituição proponente:
Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP)

São Paulo
Março/2011
Judicialização e equilíbrio de poderes no Brasil
Convocação nº 001/2010

Instituição Proponente
Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP

Equipe de Pesquisa
Carlos Ari Sundfeld (Coordenador)
Ester Gammardella Rizzi
Evorah Lusci Costa Cardoso
Flávio Beicker (Assistente de Coordenação)
Francisco Carvalho de Brito Cruz
Gabriele Estábile Bezerra
Gustavo Cesar Mazutti
Lucas Aidar dos Anjos
Luciana Silva Reis (Assistente de Coordenação)
Luciana de Oliveira Ramos (Assistente de Coordenação)
Mariana Ferreira Cardoso da Silva
Nicole Julie Fobe
Renan Barbosa Fernandes
Salomão Barros Ximenes

Consultores
Conrado Hübner Mendes
Gabriel Pereira
Mauricio Albarracín

Observatório da Justiça Brasileira (OJB) – UFMG


Leonardo Avritzer (Coordenador)
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Av. Antonio Carlos, nº 6627, Sala 4117 – Pampulha
Belo Horizonte, Minas Gerais

O presente trabalho é uma versão para publicação do relatório final de execução


do projeto de pesquisa intitulado “Judicialização da política e demandas por
juridificação: o Judiciário frente aos outros poderes e frente à sociedade”,
concluído pela Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) em dezembro de
2010, no âmbito da Convocação nº 001/2010, Área Temática: Judicialização e
equilíbrio de poderes no Brasil, promovida pelo Observatório da Justiça
Brasileira, centro de pesquisas vinculado à Faculdade de Filosofia e Ciências
Humana, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Copyright© – 2011.
Sumário

I. Apresentação e estrutura .................................................................... 5


II. Objetivos e justificativas: o conceito de judicialização, a construção
do marco teórico e o desenho da pesquisa .............................................. 6
II.1 Judicialização e seleção da bibliografia ................................................. 7
II.2 Como fazer pesquisa empírica a partir da “judicialização”?.................... 10
II.3 Construindo um marco teórico .......................................................... 15
II.3.1 Interação entre Poderes e protagonismo do Judiciário .................... 17
II.3.2 Potenciais democratizantes no STF ............................................... 19
II.3.3 Onde situar a presente pesquisa .................................................. 20
II.4 Desenho da pesquisa ....................................................................... 23
II.4.1 Análise quantitativa: o que chega e o que faz o STF ....................... 25
II.4.2 Análise qualitativa: onde encontrar a judicialização? ...................... 27
III. Nota metodológica: recorte e seleção de dados ............................. 30
III.1 Ações de controle repressivo de constitucionalidade ........................... 30
III.1.1 Levantamento de dados ............................................................ 30
III.1.2 Grade de análise....................................................................... 34
III.2 Ações de controle preventivo de constitucionalidade ........................... 36
IV. O controle de constitucionalidade preventivo.................................. 39
IV.1 Análise descritiva dos casos ............................................................. 40
IV.1.1 Impetrante ............................................................................... 40
IV.1.2 Ato questionado ........................................................................ 41
IV.1.3 Liminar .................................................................................... 42
IV.1.4 Julgamento final ....................................................................... 43
IV.2 Análise argumentativa do STF .......................................................... 44
IV.2.1 Legitimidade ativa ..................................................................... 44
IV.2.2 Objeto do controle preventivo ..................................................... 45
IV.2.3 Razões levantadas em julgamentos extintivos............................... 46
IV.2.4 Julgamento de mérito ................................................................ 47
V. O controle de constitucionalidade repressivo ................................... 49
V.1 Fatores de entrada: caracterização das demandas ............................... 49
V.1.1 Quadro geral de temas das ações propostas .................................. 50
V.1.2 Quem acessa o STF: atores-demandantes ..................................... 65
V.1.3 O tempo de questionamento: algumas hipóteses............................ 83
V.2 Fatores de saída: como decide o STF? ................................................ 85
V.2.1 Dados gerais sobre os tipos de resposta e não-resposta .................. 85
V.2.2 Qual a resposta do STF: decisões liminares e de mérito .................. 90
V.2.3 O papel da liminar no controle de constitucionalidade brasileiro: teoria
e dados empíricos ............................................................................... 95
V.2.4 Controle Medidas Provisórias: um grupo especial de ações na
jurisprudência do STF .........................................................................102
V.2.5 Perfil dos casos com alguma resposta do STF................................120
V.2.6 A “não-resposta do STF”: extinção sem julgamento de mérito ........130
V.3 Conclusão parcial ............................................................................140
VI. Processo decisório no STF: análise qualitativa e apontamentos para
uma nova agenda de pesquisa .............................................................141
VI.1 Seleção e relato dos casos analisados ..............................................143
VI.1.1 Raposa Serra do Sol .................................................................146
VI.1.2 Importação de pneus usados .....................................................148
VI.1.3 Direito de greve dos servidores públicos .....................................149
VI.1.4 Fundo de Participação dos Estados (FPE).....................................151
VI.1.5 Verticalização das coligações partidárias .....................................155
VI.1.6 Fidelidade partidária .................................................................157
VI.2 Técnicas de julgamento ..................................................................159
VI.2.1 Mandado de injunção com efeitos constitutivos ............................159
VI.2.2 Interpretação conforme, modulação de efeitos e outras técnicas:
lidando com as dificuldades da decisão sobre inconstitucionalidade ..........163
VI.2.3 Decisão aditiva, julgamento extra-petita e formação de um precedente
judicial .............................................................................................172
VI.2.4 Execução das decisões: atribuindo tarefas a tribunais inferiores .....177
VI.3 Procedimentos decisórios ................................................................181
VI.3.1 Atores externos: amici curiae e outros ........................................181
VI.3.2 Audiência pública: organização e possível impacto .......................189
VI.3.3 Tempo de tramitação: diferenças que chamam a atenção .............196
VII. Considerações finais .....................................................................197
VIII. Referências bibliográficas ...........................................................204
I. Apresentação e estrutura
A presente pesquisa tem como objeto de estudo o controle de
constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em sua forma
preventiva e repressiva, analisado a partir de uma perspectiva interna ao
processo decisório que se desenvolve no referido tribunal. De maneira resumida,
a escolha desse objeto e enfoque de análise encontra justificativa no debate
acerca da interação entre os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, que
guarda estreita relação com a ideia de “judicialização da política”, tema da linha
de pesquisa à qual se vincula o presente trabalho.
Sob esse enfoque, foram traçados os dois principais objetivos deste
trabalho. O primeiro deles é o de produzir informações – de certa forma ainda
escassas em trabalhos acadêmicos – que possam de alguma forma lançar luz
sobre como se dá a dinâmica das relações entre as instâncias decisórias
superiores do país, elegendo o controle de constitucionalidade como campo
privilegiado de observação da atividade do Supremo Tribunal Federal em sua
interação com os Poderes Legislativo e Executivo.
Além disso, também buscou-se contribuir para a construção de uma
agenda de pesquisa em direito e ciências sociais que priorize a análise
institucional dos órgãos jurisdicionais, o que significa mapear técnicas decisórias
e mecanismos procedimentais usados por tribunais para delimitar seu próprio
espaço de deliberação. É justamente por meio do estudo desses parâmetros que
o presente trabalho procura fornecer subsídios para uma análise crítica da
qualidade do processo deliberativo e legitimação democrática de órgãos
jurisdicionais em geral, tomando como modelo o STF.
Considerando o objeto de análise, bem como os objetivos
supramencionados, este relatório foi estruturado da seguinte forma: inicialmente
(Capítulo II), é apresentada uma exposição mais detalhada dos objetivos e do
desenho concebido para a presente pesquisa, narrando as dificuldades
encontradas e as escolhas feitas na delimitação do tema da “judicialização da
política”, as quais levaram à construção do chamado marco teórico desta
pesquisa. Em seguida, é exposta a metodologia de coleta e análise das
informações usadas para a construção de um banco de dados sobre controle de
constitucionalidade repressivo e preventivo envolvendo atos normativos
originários do Legislativo e do Executivo federais (Capítulo III).

5
Finalmente, os Capítulos IV e V trazem os resultados da pesquisa
empírica e as discussões realizadas a partir dos marcos teóricos adotados para
análise do controle preventivo e repressivo de constitucionalidade pelo STF.
Realizou-se nessa etapa final da análise quantitativa uma análise cingida, tendo
em vista as variáveis que compõem aquilo que se chamou de fatores de entrada
e fatores de saída.
Tendo em vista algumas conclusões parciais (V.3, infra), considerou-se a
hipótese de que talvez não seja possível identificar a “judicialização da política” a
partir de uma leitura exclusivamente quantitativa de pouco mais de duas
décadas de atividade do STF. Por essa razão, promoveu-se, a título
exemplificativo e em alguns casos selecionados, uma investigação qualitiativa
das técnicas e procedimentos decisórios adotados pelo Supremo, enquanto
elementos que poderão vir a compor o eixo de análise de uma nova agenda de
pesquisa (Capítulo VI). Nas considerações finais (Capítulo VII), são sumarizadas
algumas das hipóteses e conclusões levantadas ao longo do relatório, bem como
discutidas algumas perspectivas de análise do tema para trabalhos futuros.

II. Objetivos e justificativas: o conceito de judicialização,


a construção do marco teórico e o desenho da pesquisa
Inicialmente, é preciso esclarecer que a presente pesquisa não se
desenvolve a partir do conceito de judicialização da política, como seria razoável
supor. Isso se explica por uma série de razões, que serão adiante expostas. A
primeira e mais evidente delas é a de que não há na literatura especializada
disponível sobre o tema qualquer consenso sobre uma definição para o termo
“judicialização da política” (cf. tópico II.2, infra). Da mesma forma, tampouco há
espaço e tempo suficientes nesta pesquisa para arriscar qualquer construção
conceitual a respeito (se é que isso seja possível).
Muito embora várias sejam as tentativas de formulação de um conceito
fechado e acabado, como será visto mais adiante, no tópico em que é
apresentada uma pequena revisão bibligráfica sobre o tema, não se pode afirmar
com razoável certeza se há alguma mais “correta” que outra, ou apresente uma
melhor compreensão da “judicialização“. Diante das dificuldades que se
apresentam para aqueles que que se dispuseram a produzir trabalhos teóricos

6
sobre o assunto, natural que, em um estudo com enfoque prioritariamente
empírico, como é o presente, os desafios sejam semelhantes, senão maiores.
As dificuldades para definir de forma minimamente precisa a idéia de
judicialização da política têm impacto direto sobre quaisquer trabalhos aplicados
que pretendam se dedicar ao assunto. Na realidade, há mesmo quem sustente
que um trabalho de cunho empírico (senão impossível) dificilmente poderia ser
concluído com sucesso (Maciel/Koerner, 2002). Tendo um objeto de tão difícil
apreensão, natural que a investigação do tema seja baseada em uma escolha
fundamental: optar por uma noção ou idéia que sintetize um dos possíveis
sentidos que o termo judicialização da política possa exprimir, o que será
apresentado mais adiante (cf. tópico II.3, infra).
O primeiro passo para fundamentar a necessidade de uma escolha de tal
dimensão, bem como instruir o desenho de pesquisa e a formulação de um
marco teórico, foi a realização de um estudo da literatura especializada sobre a
judicialização. Necessário ressaltar que essa pesquisa teórica não teve como
objetivo mapear a totalidade da literatura brasileira sobre o tema da
“judicialização da política”, mas sim acessar textos que tratam da elaboração e
aplicação do conceito, de modo a melhor entender qual posição pode ser
assumida por uma pesquisa empírica que tenha por objetivo compreender o
fenômeno comumente associado a tal conceito.

II.1 Judicialização e seleção da bibliografia


Tendo esse objetivo em mente, e considerando as limitações de tempo
da pesquisa, a equipe decidiu iniciar o estudo do tema a partir da literatura, por
meio de levantamento da bibliografia brasileira disponível na Scientific Electronic
Library Online - SciELO1, que congrega os mais importantes periódicos
científicos em diversas áreas, dentre elas, a ciência política e o direito.2 Além
disso, também foram procurados artigos disponíveis nas principais bibliotecas de
direito e ciência política da cidade de São Paulo, i.e., bibliotecas da Faculdade de

1
Cf. http://www.scielo.org/php/index.php.
2
A opção por trabalhar apenas com artigos foi concebida não apenas em razão das limitações
temporais do presente trabalho, como também por conta dos objetivos e enfoques acima
propostos, cuja priorização seria por resultados empíricos a respeito da dinâmica na relação
institucional entre os Poderes e o mapeamento de procedimentos e técnicas decisórias, em
detrimento de maiores discussões de cunho teórico-conceituais.

7
Direito da USP3, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP4 e
da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas.5
A pesquisa na Rede SciELO foi feita em duas frentes. Selecionando-se
sempre a opção “pesquisa regional: Brasil”, foi feita inicialmente uma busca no
método “por palavra”, com o uso da palavra-chave ”judicialização”, e depois uma
busca no método “proximidade léxica” com a palavra-chave “judicialização
política”. Nas bibliotecas, a busca foi feita por meio da palavra-chave
“judicialização política”.

A seguir, são expostas as listas de resultados encontrados.

Levantamento bibliográfico na Rede SciELO:

Pesquisa (palavra-chave): “judicialização”

Busca por palavra

Pesquisa Regional: Brasil

Resultados:

1. Arantes, Rogério Bastos, “Direito e política: o Ministério Público e a defesa dos direitos
coletivos”, Revista Brasileira de Ciências Sociais 14 (1999): 83-102. ISSN 0102-6909

2. Carvalho, Ernani Rodrigues de, “Em busca da judicialização da política no Brasil:


apontamentos para uma nova abordagem”, Revista de Sociologia Política 23 (2004):
127-139. ISSN 0104-4478

3. ______. “Revisão judicial e judicialização da política no direito ocidental: aspecto relevantes


de sua gênese e desenvolvimento”, Revista de Sociologia Política 28 (2007): 161-179.
ISSN 0104-4478

4. Chieffi, Ana Luiza, e Barata, Rita Barradas, “Judicialização da política pública de assistência
farmacêutica e eqüidade”, Cadernos de Saúde Pública 25 (2009): 1839-1849. ISSN
0102-311X

5. Couto, Estêvão Ferreira, “Judicialização da política externa e direitos humanos”, Revista


Brasileira de Política Internacional 47 (2004): 140-161. ISSN 0034-7329

6. Da Ros, Luciano, “Poder de decreto e accountability horizontal: dinâmica institucional dos três
poderes e medidas provisórias no Brasil pós-1988”, Revista de Sociologia Política 16
(2008): 143-160. ISSN 0104-4478

7. Faria, José Eduardo, “O sistema brasileiro de Justiça: experiência recente e futuros desafios”,
Estudos Avançados 18 (2004): 103-125. ISSN 0103-4014

3
Cf. http://143.107.2.22/fdusp/biblioteca.htm.
4
Cf. http://www.sbd.fflch.usp.br/site/modules/tinycontent/index.php?id=4.
5
Cf. http://www.fgv.br/bibliotecas/sp/catalogo/.

8
8. Lobato, Anderson Orestes Cavalcante, “Política, constituição e justiça: os desafios para a
consolidação das instituições democráticas”, Revista de Sociologia Política 17 (2001):
45-52. ISSN 0104-4478

9. Maciel, Débora Alves e Koerner, Andrei, “Sentidos da judicialização da política: duas análises”,
Lua Nova 57 (2002): 113-133. ISSN 0102-6445

10. Oliveira, Vanessa Elias de, “Judiciário e privatizações no Brasil: existe uma judicialização da
política?”, Dados 48 (2005): 559-686. ISSN 0011-5258

11. Taylor, Matthew M.; e Da Ros, Luciano, “Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização
como resultado contingente da estratégia política”, Dados 51 (2008): 825-864. ISSN
0011-5258

12. Verbicaro, Loiane Prado, “Um estudo sobre as condições facilitadoras da judicialização da
política no Brasil: a study about the conditions that make it possible”, Revista Direito
GV 4 (2008): 389-406. ISSN 1808-2432

13. Verissimo, Marcos Paulo, “A constituição de 1988, vinte anos depois: suprema corte e ativismo
judicial "à brasileira", Revista Direito GV 4 (2008): 407-440. ISSN 1808-2432

14. Vianna, Luiz Werneck; Burgos, Marcelo Baumann; e Salles, Paula Martins, “Dezessete anos de
judicialização da política”, Tempo Social 19 (2007): 39-85. ISSN 0103-2070

15. Yepes, Rodrigo Uprimny, “A judicialização da política na Colômbia: casos, potencialidades e


riscos”, Revista Internacional de Direitos Humanos 4 (2007): 52-69. ISSN 1806-
6445

Pesquisa (palavra-chave): “judicialização política”

Busca por similaridade

Pesquisa Regional: Brasil

Resultados:

16. Carvalho, Ernani, “Trajetória da revisão judicial no desenho constitucional brasileiro: tutela,
autonomia e judicialização”, Sociologias 23 (2010). ISSN 1517-45222

17. Engelmann, Fabiano, “Internacionalização e ativismo judicial: causas políticas e causas


jurídicas nas décadas de 1990 e 2000”, Contexto internacional 29 (2007). ISSN 0102-
85292

18. Marchetti, Vitor; e Cortez, Rafael, “A judicialização da competição política: o TSE e as


coligações eleitorais”, Opinião Pública 15 (2009). ISSN 0104-62762

19. Monteiro, Jorge Vianna, “Quão suprema é a revisão judicial no jogo de políticas públicas?”,
Revista de Administração Pública 40 (2006). ISSN 0034-76122

20. Monteiro, Jorge Vianna, “Intermediação política, revisão judicial & MP nº 324”, Revista de
Administração Pública 40 (2006). ISSN 0034-76122

9
21. Taylor, Matthew M., “O judiciário e as políticas públicas no Brasil”, Dados 50 (2007). ISSN
0011-52582

22. ______. “Citizens against the State: the riddle of high impact, low functionality courts in
Brazil”, Revista de Economia Política 25 (2005). ISSN 0101-31572

23. Vieira, Fabiola Sulpino, e Zucchi, Paola, “Distorções causadas pelas ações judiciais à política de
medicamentos no Brasil”, Revista de Saúde Pública 41 (2007). ISSN 0034-89102

Levantamento bibliográfico na base de artigos das bibliotecas da Faculdade de


Direito da USP, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
e da DireitoGV:

Pesquisa (palavra-chave): “judicialização política”

Resultados:

24. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, “Poder judiciário na constituição de 1988. Judicialização da
política e politização da justiça”, Revista Jurídica da Procuradoria Geral do Município
de São Paulo 1 (1995): 21-42.

25. Sadek, Maria Tereza, “O Judiciário em questão”, São Paulo Perspectiva 10 (1996): 53-59.

II.2 Como fazer pesquisa empírica a partir da “judicialização”?


Conforme adiantado anteriormente, o presente tópico se propõe a
discutir os limites e possibilidades de realizar uma pesquisa empírica tendo por
tema uma expressão de conteúdo semântico relativamente vago e muitas vezes
ambíguo. Embora haja um crescente interesse pelo tema da “judicialização da
política”, conforme evidencia a vasta produção bibliográfica – tanto no campo da
ciência política, quanto do direito –, a análise da literatura mostrou que alguns
déficits conceituais e metodológicos podem ser identificados. O principal deles
talvez diga respeito à ausência de uniformidade na abordagem do tema.
A análise preliminar do material bibliográfico selecionado permitiu
identificar e mapear pelo menos quatro sentidos comumente atribuídos à
expressão “judicialização da política”: ela é tratada ora como “replicação de
procedimentos tipicamente jurídicos” em diversas instâncias decisórias
(Tate/Vallinder, 1995: 13), ora como causa de um “aumento das demandas
judiciais” (noção criticada por Carvalho, 2004: 130), ora como “resultado de uma
iniciativa de protagonismo do Poder Judiciário” (e.g., Castro, 1997:150-152), ou
como um “fenômeno circular complexo” (Faria, 2004: 105-107). Esses sentidos
serão melhor expostos e discutidos a seguir.

10
Uma interessante síntese da questão é elaborada por Vanessa Oliveira
(2005), e pode servir como ponto de partida para discutir os problemas inerentes
ao estudo do tema:
“Por judicialização da política entendo a utilização de procedimentos
judiciais para a resolução de conflitos de ordem política, tais como
controvérsias a respeito de normas, resoluções e políticas públicas em
geral, adotadas/implementadas pelos Poderes Executivo e Legislativo.
Assim, utilizando o conceito de Tate e Vallinder (1995:13), trato por
judicialização o ‘processo de expansão dos poderes de legislar e
executar leis do sistema judiciário, representando uma transferência
do poder decisório do Poder Executivo e do Poder Legislativo para os
juízes e tribunais.’ Simplificadamente, chamei de judicialização a
capacidade de o Judiciário intervir em políticas públicas, interferindo ou
alterando, em alguns casos, o status quo vigente. (Oliveira, 2005:
559 a 560, sem grifos no original).6

Da síntese sobre o tema apresentada por Vanessa Oliveira, alguns


elementos são bastante importantes para a análise inicial do que seria o conceito
“clássico” de judicialização, pelo menos nos termos formulados pelos pioneiros
no uso da expressão. Segundo Tate/Vallinder (1995: 25), a idéia de
judicialização sempre pressupõe a existência de procedimentos judiciais, uma
vez que trata da ação do Poder Judiciário.
Ao mesmo tempo que parece estar se tratando da ação corriqueira deste
Poder, há, no entanto, a identificação de um processo de expansão do exercício
do poder jurisdicional – seja por um aumento do número de processos, seja pela
maior intensidade de intervenção de suas decisões. Em outra palavras, a
judicialização deveria sempre ser entendida como um fenômeno ou processo no
tempo, cuja evolução poderia ser “medida” com base em análise comparativa da
alteração de indicadores em dois momentos distintos (Taylor e Da Ros, 2008:
830).
Diante desse tipo de abordagem do problema, algumas questões acabam
sendo inevitavelmente levantadas, tais como quais seriam os casos a serem

6
O texto segue (Oliveira, 2005: 560): “Todavia, para poder intervir, o Judiciário deve antes
ser acionado. Este processo, independentemente do ator que o promove – se partido
político, organizações da sociedade civil, pessoas físicas etc. –, será chamado de politização
da justiça, quando se referir ao acionamento desse Poder de modo a interferir em um
processo político, nos termos acima descritos.Tratarei a judicialização como um processo de
três fases, que implica: primeiramente no acionamento do Judiciário através (sic) do
ajuizamento de processos – ou politização da justiça; em segundo lugar, no julgamento do
pedido de liminar (quando houver); e, por fim, no julgamento do mérito da ação, que enseja
a judicialização da política propriamente dita. Este é o que chamarei aqui de ciclo da
judicialização.”

11
contabilizados para medir este processo de amplificação da demanda judicial; ou
mesmo se e em que medida o simples fato de haver mais casos em tramitação
na Justiça brasileira poderia ser um elemento de comprovação do fenômeno da
judicialização.
Para responder a estas perguntas, alguns autores passam a introduzir,
então, um novo elemento na tentativa de definição do fenômeno da
judicialização: esta seria um aumento não da simples atividade jurisdicional, mas
daquela que tem como objeto conflitos de ordem política. Ou, elaborado de outra
forma, a judicialização envolveria conflitos que dizem respeito às decisões que
têm sua esfera de deliberação típica na esfera do Poder Executivo e do Poder
Legislativo.
Nota-se, aqui, que a idéia de judicialização como um fenômeno de
ampliação da atividade do Poder Judiciário passa a ser descrito e caracterizado
pela combinação de dois elementos distintos: (a) um aumento significativo do
número de processos judiciais em tramitação; e (b) uma modificação
(quantitativa) no número de casos em que o Judiciário passa efetivamente a
concentrar diversas decisões que, no momento anterior, haveriam de ser
tomadas no âmbito dos demais Poderes, o que alguns chamam de maior
intensidade da ação do Poder Judiciário, ainda que em decorrência de um arranjo
institucional específico (Carvalho, 2010).
Neste ponto, no entanto, deve-se enfrentar um problema inicial. O Poder
Judiciário tem como funções típicas, constitucionalmente definidas, revisar atos
dos outros Poderes – ao menos nos casos em que se aprecia a
constitucionalidade de normas e demais atos normativos. Ao delegar a
verificação de decisões legislativas e políticas públicas ao Poder Judiciário, é
absolutamente plausível que se admita que a Constituição transfere para sua
esfera de deliberação uma parte das decisões tomadas pelos outros Poderes.
O que aparentemente estaria se afirmando com o conceito de
judicialização, então, é que, em um determinado momento, em comparação com
um anterior, haveria um aumento da função jurisdicional e, em decorrência
desse aumento, o desequilíbrio entre os três Poderes. O Poder Judiciário estaria
assumindo o protagonismo como instância de decisão última a respeito de
conflitos de ordem política, antes dirimidos por outro Poder. Como, no entanto,
comprovar tal desequilíbrio?

12
Essa breve exposição de alguns aspectos comumente associados ao
conceito de judicialização já revela as dificuldades de se formular perguntas de
pesquisa empírica a partir de tais aspectos, o que pode denotar certa fraqueza
do potencial explicativo da ideia de judicialização. Não por outra razão, os
trabalhos analisados não procuram desenvolver uma análise empírica, no sentido
de indicar, ainda que exemplificativamente, os casos em que a decisão tomada
pelo Judiciário deveria estar a cargo dos demais Poderes.7
Em razão das limitações inerentes a um conceito de difícil formulação,
encontram-se críticas de alguns autores na literatura sobre o tema. Ernani
Rodrigues de Carvalho (2004), e.g., afirma que, para discutir o conceito de
judicialização, seria necessária uma visão mais ampla do que a proposta
colocada por Tate/Vallinder (1995), autores que introduziram este debate.
Ao contrário do que esses autores defendem, o conceito de judicialização
não poderia se restringir ao seu caráter procedimental (i.e., não poderia estar
baseado no aumento puro e simples do número de processos), mas deveria
tratar também do caráter substancial do processo. Em outras palavras, seria
necessário questionar, também, até que ponto os juízes modificam as leis ou
atos dos demais Poderes, ou mesmo até que ponto essas decisões realmente
interferem na aplicação de escolhas políticas fundamentais.
Essa pretensão (de apontar as interferências do Judiciário na esfera de
atuação dos demais Poderes) também pode ser confrontada com outro tipo de
questionamento: em que medida a intervenção do Judiciário na esfera de
deliberação dos outros Poderes é nefasta para o sistema constitucional e para a
separação de Poderes? Em alguma medida, por ser órgão revisional, não seria
próprio de sua atividade apreciar matérias que já passaram por outras esferas de
deliberação?
Afirmar que uma decisão judicial implica interferência (ingerência ou
intervenção) em uma escolha política pressupõe um referencial normativo
relativamente consolidado e consistente sobre aquilo que os órgãos jurisdicionais
poderiam/deveriam ou não fazer. Esse desafio acrescenta mais uma dificuldade

7
Ainda que historicamente possa se afirmar que o Executivo ou mesmo o Legislativo tomaram as
decisões fundamentais sobre, por exemplo, a política de saúde pública, não é razoável inferir a
partir desse fato (e sem qualquer fundamentação) que o Judiciário, sob uma perspectiva
normativa, não deveria interferir em questões desse tipo. Não basta dizer que este sempre foi o
“estado natural das coisas”, para reprovar a atuação do Judiciário na apreciação dessas questões, e
tachá-la de indevida.

13
para se trabalhar com o conceito de “judicialização”, e que pode ser traduzida da
seguinte forma: a idéia judicialização, por si própria, não admite qualquer juízo
de valor.
Débora Maciel e Andrei Koerner (2002), também em perspectiva
crítica, discutem o balanceamento entre os três Poderes como uma possível
origem do processo de judicialização, dialogando com a obra de Werneck
Vianna et alli (1999), que afirmaria a predominância do Executivo sobre o
Legislativo e o insulamento desses Poderes como os fatores que estariam
levando os atores sociais a procurarem o Judiciário para efetivar suas
demandas e expectativas. Os autores, no entanto, acreditam que descrever a
dinâmica inter Poderes em termos de uma “judicialização da política” prejudica
uma análise mais acurada da realidade: “quanto mais contextualizado o foco
analítico, menos consistente e vantajoso parece ser o recurso ao conceito de
judicialização para identificar a dinâmica da expansão das fronteiras do sistema
judicial e os seus efeitos institucionais” (2002: 128).
Os autores concluem, ainda, que a concepção original de “judicialização
da política” seria marcada por uma concepção formal das atribuições e relações
dos Poderes e que, tanto no debate público quanto no acadêmico, haveria
fluidez no uso desta expressão. Por conta disso, o ângulo de interpretação que
combina formulações de teoria do direito e de direito constitucional com
análises macro-sociológicas sobre as transformações sociais das últimas
décadas seria útil para estudos jurídicos e como quadro geral, mas não seria
apropriado para constituir uma base suficiente de formulação de problemas de
pesquisa empírica sobre as instituições judiciais. Haveria espaço, portanto,
apenas para conceitos mais específicos, sem pretensões de generalização ou
universalização, para explicar toda a relação entre Judiciário e demais Poderes.
Dessa análise sumária de alguns poucos autores, já é possível perceber
as dificuldades de se desenhar uma pesquisa empírica que pretenda contribuir
para o debate sobre a judicialização da política. Isso se torna especialmente
difícil se se deseja dar à pesquisa um enfoque que não seja temático – i.e., se a
pretensão não é estudar a judicialização da saúde ou do direito à educação, por

14
exemplo, e sim, a judicialização como um fenômeno institucional que está
alterando a relação entre os Poderes.8
Para avançar nesta discussão e, assim, tentar situar a presente pesquisa
dentre os demais trabalhos que debatem o tema, o tópico seguinte é dedicado à
exposição clara das premissas e escolhas fundamentais para realização de
qualquer pesquisa empírica sobre o tema, diante das inúmeras dificuldades
apontadas para se trabalhar com a idéia pouco convidativa de “judicialização da
política”.

II.3 Construindo um marco teórico


A primeira impressão que surge do exame da literatura é a de que o
conceito de judicialização parece ter ao menos um ponto comum em todos os
contextos nos quais é invocado: ele serviria para designar um processo de
expansão do exercício do poder jurisdicional dos tribunais, que passa a ser usado
na decisão de conflitos de ordem política. O que seriam propriamente conflitos
políticos não é algo evidente entre os autores, assim como as perguntas sobre se
e em que medida essa expansão seria fruto de um “voluntarismo ativista” do
Judiciário, ou resultado exclusivo do desenho de competências previsto na
Constituição Federal desde outubro de 1988.
Como salientado no tópico anterior, essa constitui uma das principais
dificuldades práticas de uma pesquisa empírica, uma vez que a definição dessas
questões tem impacto direto no recorte e forma de seleção do material de
análise. Arantes (1997), por exemplo, menciona que um recorte possível seria o
que abrangesse quaisquer conflitos envolvendo realização de políticas públicas.
Um uso mais restrito do conceito, por outro lado, costuma associar a
judicialização ao deslocamento para o Judiciário de disputas políticas típicas do
jogo político-partidário (e.g., Taylor e Da Ros, 2008).
Associada a essa idéia-base, está a noção de desequilíbrio entre os três
Poderes ou anomalia institucional. Posto de outra forma: o Judiciário seria
chamado a intervir nos casos em que o funcionamento do Legislativo e do
Executivo se mostrasse falho (e.g., Castro, 1997); não-digno de confiança

8
Neste ponto, é importante ressaltar que a instituição proponente desta pesquisa tem como
objetivos promover o papel da academia no controle social das decisões do STF, o que se alcança
por meio da realização de análises institucionais do Tribunal que possam, inclusive, influir em
futuras agendas de reformas. Esta pesquisa insere-se nesse contexto.

15
(Ferreira Filho, 1995); ou, ainda, ineficaz, no contexto mais geral de crise da
capacidade regulatória do Estado (Faria, 2004).
Neste ponto, é importante notar que parte da literatura parece considerar
de forma séria a hipótese de que judicialização seria um fenômeno advindo de
um determinado desenho institucional – presente na Constituição de 1988, por
exemplo, que teria atribuído amplos poderes ao Judiciário –, muito mais do que o
resultado de uma “vontade” dos tribunais de intervirem.9 No entanto, ainda não
está muito claro se a formatação de competências e as formas de acesso às
instâncias decisórias garantidas na Constituição Federal devam ser encaradas
como uma das causas da judicilização, ou apenas uma de suas condições
facilitadoras (ou necessárias). É possível que, no presente trabalho, sejam
encontrados dados que apontem para um ou outro sentido.
Longe de tentar justificar a filiação do presente trabalho a um autor ou
uma corrente teórica definida, o que se procurou fazer nos tópicos seguintes é
justamente apresentar as linhas mestras que a equipe de pesquisa julgou
relevantes para caracterizar, ainda que de modo um pouco precário (ante às
dificuldades de conceituação apontadas acima), possíveis maneiras de acessar o
fenômeno da “judicialização da política” com vistas à realização de uma pesquisa
empírica. Essas linhas constituem uma espécie de marco teórico, em função do
qual a presente pesquisa foi concebida e executada.
Esse marco é construído a partir de duas preocupações centrais: Em
primeiro lugar, considerando a primeira idéia freqüentemente associada à
judicialização – de que se trata de uma expansão do exercício do poder
jurisdicional –, qual a melhor maneira de pesquisar o Judiciário de maneira a
caracterizar sua atuação (supostamente expansiva) frente aos demais Poderes?
Em segundo lugar, considerando a segunda idéia freqüentemente associada à
judicialização – de que ela representaria uma espécie de anomalia institucional –,
o que uma pesquisa empírica pode dizer sobre a legitimidade democrática das
decisões do Judiciário? A exposição clara dessas preocupações e da postura
adotada pela equipe de pesquisa diantes destas, é condição necessária para
compreensão das escolhas feitas ao longo do processo de desenho da pesquisa.

9
Este ponto é o argumento central de Carvalho (2010); também Oliveira, 2005, ao afirmar que a
judicialização compreende o processo de acionamento do Judiciário, já que este não age por
iniciativa própria. De modo contrário, ainda há alguns autores (como Castro, 1997) que destacam
como causa do fenômeno a pró-atividade dos tribunais na definição das questões sobre as quais
devem intervir.

16
II.3.1 Interação entre Poderes e protagonismo do Judiciário
Como visto nos tópicos anteriores, uma idéia subjacente à noção de
“judicialização da política” é a de um protagonismo dos órgãos do Poder
Judiciário na definição de questões de grande relevância nacional, referidas, de
um modo geral, como questões de natureza política, em razão da legitimação
democrática que demandam. Alguns autores chegam mesmo a indicar como
exemplo dessas questões a definição de políticas públicas (tais como saúde,
educação etc.).
Dessa forma, reputa-se razoável partir da premissa de que um estudo
empírico sobre “judicialização da política” deve necessariamente reservar um
espaço de destaque para a produção de dados que possam esclarecer a dinâmica
das relações entre os Poderes, de modo a permitir que se faça uma leitura da
realidade com vistas a definir: (i) o que seria protagonismo do Judiciário? (ii) O
Judiciário brasileiro é de fato protagonista? (iii) Em caso afirmativo, ele não
poderia, nem deveria ser? O presente trabalho, como dito, não pretende
esclarecer de modo peremptório todas essas questões complexas. Ele tem a
finalidade apenas de fornecer informações e subsídios para outros trabalhos que
tentem enfrentar e responder essas perguntas.
A despeito das dificuldades anteriormente apontadas acerca da
caracterização do que seriam questões essencialmente políticas como um âmbito
temático ou locus propício para a ocorrência do fenômeno da judicialização (cf.
II.2, supra), a presente pesquisa procurou evitar tais problemas por meio da
seguinte escolha: tratar exclusivamente de ações envolvendo controle de
constitucionalidade.
Por mais que seja problemático o conteúdo semântico da “judicialização
da política”, parece razoável assumir que problemas de ordem constitucional
(ainda que não em todos os casos) possam, em geral, serem caracterizados
como questões de natureza política. Dessa forma, em relação ao recorte
adotado, acredita-se que, por mais que muitos casos relevantes para a
“judicialização” fiquem de fora10, ele abarca uma parte expressiva das questões e
problemas levados ao STF que tenham, em grande medida, a configuração de
disputas políticas. Em outras palavras, parte-se da premissa de que o controle de

10
Ao mesmo tempo em que outros casos, sem relações diretas com a idéia de “judicialização” e
interação de poderes sejam incluídos.

17
constitucionalidade seria um âmbito privilegiado para observação da interação
entre Poderes e, por conseguinte, também do suposto fenômeno da
“judicialização da política”.
Tendo isso em mente, ainda que uma definição fechada e acabada do
que seria tal fenômeno esteja distante das perspectivas deste trabalho, pode-se
dizer que esta pesquisa se estrutura a partir de duas perguntas principais. Em
primeiro lugar, quem acessa o STF e quais questões são levadas à sua
apreciação e deliberação. Em segundo, como decide o STF. Essas perguntas
representam, na verdade, as duas pontas de todo processo jurídico, quais sejam,
o pedido e a resposta da jurisdição.
O palpite (e a aposta!) da presente pesquisa é justamente o de que a
judicialização, enquanto um fenômeno circular, implica a provocação do STF, por
meio do ajuizamento de uma demanda, que, no caso, trata-se de um pedido de
declaração de inconstitucionalidade.11 Por outro lado, a circularidade estaria no
fato de o STF poder reagir à demanda que lhe é proposta. Como estamos no
âmbito do controle de constitucionalidade, inevitável reconhecer, aqui, que um
dos problemas tocados é justamente o da relação entre o Judiciário e os demais
Poderes, que terão sua produção normativa controlada pelo STF.
Olhar para a a figura central do conceito que ora se debate (o Poder
Judiciário), procurando entender sua forma de raciocínio argumentativo e como
essas questãos são enfrentadas nos votos dos ministros, na fundamentação de
suas decisões, é essencial para caracterizar o fenômeno. Como será visto mais
adiante, uma das maneiras de se fazer isso é justamente observando a
argumentação do tribunal ao, por exemplo, delimitar sua própria competência e
reagir à provocação de terceiros. Nessa tarefa, acreditamos que a expertise de
juristas pode ser muito útil.
É preciso deixar claro que a pesquisa não se compromete com uma
caracterização acabada da chamada “judicialização”. O exercício do poder
jurisdicional é visto no contexto de nada mais que um processo de demanda e
resposta – um processo circular, pois a resposta da jurisdição vai influenciar os

11
No caso da ADC, o pedido é inverso, sendo que o que se pretende é a confirmação da
constitucionalidade de um texto normativo, a fim de que cessam as dúvidas sobre a aplicabilidade
do ato impugnado. Por outro lado, no caso da ADPF, o pedido é para que determinada situação ou
ato normativo, que por ser anterior à promulgação da Constituição Federal não pode ser declarado
inconstitucional, seja declarado incompatível com a constituição (i.e., declaração de não haver sido
por ela recepcionado).

18
tipos de pedidos feitos, e vice-versa. É nesse sentido que a presente pesquisa
buscou dados para elucidar a interação entre os Poderes, que estaria atuando
como suposto protagonista na tomada de decisões de caráter
predominantemente político.
Nesse sentido, a proposta é entender o que ocorre no interior de tal
processo, e não somente nas pontas. A rigor, portanto, a ideia de judicialização
não é ela mesma um conceito-chave para a realização da pesquisa – poder-se-ia
simplesmente falar em um estudo do processo decisório do Supremo Tribunal
Federal. No entanto, como o texto a ser desenvolvido pretende deixar claro (cf.
tópico II.3.3, infra), uma pesquisa desenhada nesses termos cumpre um papel
claro na discussão teórica sobre o termo.

II.3.2 Potenciais democratizantes no STF


Outro elemento da discussão presente nos textos e também no debate
sobre a “judicialização da política” diz respeito aos impactos que o fenômeno
poderia ter sobre a legitimidade democrática das escolhas e decisões
fundamentais a serem tomadas no país. Caso se considere, como visto nos
tópicos anteriores, que a judicialização pode ser traduzida na idéia de
protagonismo judicial na definição de questões públicas de grande alcance
nacional, essa decisão (ou conjunto de decisões) deve responder a uma
demanda por legitimação democrática, dado a natureza política das questões
envolvidas.
Essa preocupação com a legitimação das escolhas políticas, por estar
imbricada com o debate acerca da “judicialização da política”, não ficou de fora
do espectro de análise da presente pesquisa. Não por outra razão, a idéia de
mapear os potenciais democratizantes da atuação do Supremo Tribunal Federal
se faz presente como um dos elementos do marco teórico adotado no âmbito da
presente pesquisa.
A idéia de potenciais democratizantes perpassa, enquanto um dos eixos
componentes do marco teórico que forjou a concepção da presente pesquisa, a
análise da “judicialização” enquanto processo, permitindo que se observem os
diversos canais de abertura do STF para a sociedade civil, bem como seus limites
e alcance, não apenas no momento em que o Tribunal é provocado para se

19
manifestar sobre determinada questão, mas também durante as sucessivas
etapas de construção de uma decisão.

II.3.3 Onde situar a presente pesquisa


Partindo da noção geral, apresentada pela literatura, do que seria
“judicialização da política”, qual seja, a de que o Judiciário desempenha um papel
de destaque na definição de questões complexas como políticas públicas – idéia
tratada como fio-condutor para grande parte da literatura especializada, ainda
que não isenta de críticas–, é possível identificar três diferentes enfoques ou
linhas de pesquisa específicas para tratar do tema.
A seguir, busca-se identificar essas linhas, relacionando-as com algumas
abordagens feitas até aqui em trabalhos acadêmicos sobre o tema, bem como
procurando indicar qual linha guarda mais afinidade com a presente pesquisa.
Note-se que, com isso, não se pretende construir uma tipologia exaustiva da
literatura sobre “judicialização da política”. Afinal, é possível que vários trabalhos
e autores possam se situar dentro de mais de uma tendência, ou mesmo que
não possam ser identificados com nenhuma delas. A finalidade desta
identificação é apenas a de mostrar quais são os possíveis espaços de discussão
do conceito, de modo a apontar também com mais clareza o espaço que esta
pesquisa pretende ocupar.
Uma primeira tendência da literatura parece estar preocupada em
identificar (i) fatores causais e conseqüências da expansão do poder jurisdicional
e do aumento da litigância, ou a ela correlacionados. Nesse sentido, alguns
trabalhos procuram apontar mudanças institucionais que vieram com a
democratização do país – e.g., a coletivização do processo, aumento de
competências do Ministério Público e a própria Constituição de 1988, ao trazer
direitos sociais e amplas prerrogativas para o Judiciário – ou, no contexto mais
global, com o advento do Estado de Bem-Estar Social. Em parcela desses
trabalhos, parece haver também uma avaliação negativa do modelo institucional
que decorre de tais mudanças, mas não é possível afirmar a existência de um
consenso a respeito dessa leitura.
Alguns trabalhos que parecem estar associados a essa primeira tendência
são Arantes (1997), Castro (1997), Carvalho (2010), Faria (2004), Ferreira Filho

20
(1995), Lobato (2001), Sadek (1996), Taylor e Da Ros (2008), Verbicaro (2008),
Vianna et alii (1999), Vianna e Burgos (2007) e Yepes (2007).
A segunda tendência encontrada na literatura sobre judicialização é a que
busca a idéia de judicialização para (ii) construir uma leitura própria da questão
a partir de um recorte delimitado de problemas e temáticas específicas. Em
outras palavras, esses trabalhos procuram investigar a existência ou não do
processo de judicialização dentro de áreas temáticas específicas – ou mesmo
lançam mão da expressão para tentar explicar a realidade do que ocorre em
áreas ou sub-áreas específicas.
Nesses estudos, geralmente é trabalhado o conceito mais genérico de
judicialização, i.e., o da expansão do poder jurisdicional para áreas antes
adstritas a outros espaços decisórios. Nesse sentido, fala-se, por exemplo, em
judicialização da saúde (Chieffi/Barata, 2009; e Vieira/Zucchi, 2007) e
judicialização da política externa (Couto, 2004; e Engelmann, 2007).
Por fim, a terceira tendência identificada é aquela que procura trabalhar o
conceito de judicialização a partir da perspectiva interna ao Poder Judiciário,
tendo como (iii) foco prioritário de análise o processo decisório e a participação
dos diversos atores que buscam de alguma forma influenciá-lo. Nesse processo,
importam diversas variáveis, tais como as motivações e a fundamentação técnica
desenvolvida pelos órgãos judiciais, bem como o papel desempenhado pelos
atores envolvidos.
Aqui, refere-se tanto àqueles atores que provocam o Judiciário a decidir
sobre determinada questão com viés político, quanto àqueles que procuram
influenciar os tribunais e juízes durante o processo, como terceiro interveniente,
amici curiae ou palestrante em audiência pública, por exemplo.
Neste ponto, trata-se de investigar não apenas se decisões judicias têm
impacto sobre questões “políticas” (output), mas também se e como os juízes e
ministros tratam esse tipo de questão e os dilemas que envolvem uma decisão
sobre temas “politicamente sensíveis”. É nesse sentido que Carvalho (2004)
ressalta a necessidade de discutir o conceito de judicialização não se atendo
somente ao caráter procedimental (o simples aumento do numero de processos),
mas também ao caráter substancial do processo, i.e., tentando investigar qual o

21
papel que o Judiciário se avoca e como ele lida com as dificuldades inerentes à
função que pretende desempenhar.12
Essa tendência parece estar relacionada a uma reação, especialmente da
literatura de ciência política, à vulgarização do conceito, entendendo-se que há
uma “fluidez” no uso da expressão (Maciel e Koerner, 2002). Como trabalhos que
se colocam nessa tendência podem ser citados Carvalho (2004), Maciel/Koerner
(2002), Oliveira (2005), Veríssimo (2008), Marchetti/Cortez (2009) e Taylor
(2005; 2007).
O trabalho proposto por esta pesquisa está mais afeito a essa terceira
tendência. Isso significa que não se pretende fazer um estudo das causas e
efeitos da judicialização, apontando possíveis benefícios ou prejuízos do processo
na sociedade atual. Também não se trata de aplicar o conceito no estudo de um
tema específico (como direito à saúde ou educação, e.g.). A idéia, aqui, é levar a
sério a proposta da linha de análise segundo a qual os processos de
judicialização só serão adequadamente compreendidos com a abertura da “caixa
preta” do Judiciário (Taylor, 2005). Mais do que a judicialização, julga-se
relevante compreender como e com base em quais fundamentos um dos três
Poderes da República – aquele que tem a decisão em última instância – julga
temas que em algum medida dizem respeito também aos outros Poderes.
Aqui, é necessário fazer uma ressalva. Dizer que a proposta de pesquisa
está relacionada a essa terceira tendência não significa adotar os modelos
analíticos propostos pelos autores citados. Além disso, não se pretende elaborar
um novo conceito de judicialização a partir das eventuais falhas dos conceitos
hoje existentes.
Mais do que categorizar e explicar analiticamente a atividade do Poder
Judiciário – à semelhança de alguns trabalhos de ciência política analisados –, o
objetivo aqui é apontar algumas maneiras de investigação dessa atividade que
permitam mostrar a visão de um tribunal de cúpula sobre a interação entre os
Poderes, além de eventuais déficits de legitimidade, bem como potenciais
democratizantes que se fazem presentes ao longo desse processo.13

12
Independentemente de uma avaliação se esse papel é ou não juridicamente legitimado em face
do desenho institucional traçado na Constituição Federal de 1988.
13
Nesse sentido, a pesquisa aplicada ora proposta aponta para a necessidade de um exercício de
imaginação institucional que teorize sobre o funcionamento apropriado das instâncias decisórias
sob um viés normativo localizado dentro do marco do estado democrático de direito.

22
Para isso, não é suficiente trabalhar apenas com o resultado da atividade
jurisdicional, i.e., com o binômio “intervém/não intervém”, extraído das decisões
judiciais. É preciso avaliar a complexidade do processo decisório jurídico como
um todo, que abarca uma multiplicidade de instrumentos à disposição de uma
multiplicidade de atores, e cujo resultado nem sempre se permite situar nos
extremos do binômio acima apontado.
Nesse sentido, para abarcar essa complexidade no âmbito do Supremo
Tribunal Federal, buscou-se: (i) caracterizar as demandas que lá chegam, tanto a
partir de uma tipologia propriamente jurídica dos temas que mais suscitam
questionamentos, quanto a partir de uma tipologia dos próprios atores que
demandam;14 (ii) no que se refere à resposta dada pelo Tribunal, considerar os
significados diversos que podem ter uma liminar, uma decisão de mérito ou uma
decisão que extingue o processo, e qual impacto cada tipo de decisão pode ter
sobre diferentes tipos de atos normativos.15
Para além disso, quando se desce aos detalhes do processo decisório, é
possível perceber que o impacto das decisões do STF nos demais poderes e na
sociedade civil pode variar a depender das técnicas de julgamento empregadas
(e.g., modulação de efeitos da decisão e interpretação conforme a constituição),
bem como do procedimento decisório do tribunal (e.g., realização de audiência
pública e possibilidades de ingresso de amici curiae).
O tópico a seguir é dedicado a detalhar como se deu a execução do
presente trabalho, tendo em vista as considerações feitas acima a respeito dessa
espécie de marco teórico, a partir do qual a pesquisa foi concebida e traçada. A
esse relato foi dado o nome de desenho da pesquisa.

II.4 Desenho da pesquisa


A presente pesquisa pretende fornecer um panorama do controle de
constitucionalidade, tanto repressivo quanto preventivo, exercido pelo STF.
Quanto ao controle de constitucionalidade repressivo, optou-se, em um primeiro
momento, por se trabalhar com o controle concentrado-abstrato, tendo sido
possível construir um banco de dados o mais exaustivo possível, por meio da
catalogação completa dessas ações no sítio do STF na internet.
14
Aqui, deve-se ter em mente, por exemplo, que os atores da sociedade civil legitimados para a
propositura de ações de controle de constitucionalidade (como entidades de classe e sindicatos)
não formam um grupo homogêneo.
15
Cf., a respeito, as considerações feitas no tópico V.II, infra.

23
Esse recorte abrange, portanto, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade
(ADI), as Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC), e as Argüições de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), propostas perante o STF
entre 1988 e julho de 2010, questionando a constitucionalidade de atos
normativos emanados do Legislativo (Congresso Nacional) e Executivo federal.
Dessa forma, foram excluídas as decisões em sede de Recursos Extraordinários
(RE) e Mandados de Segurança (MS), nas quais, em geral, é proferido um juízo
de constitucionalidade para o caso concreto, e em caráter incidental.
A escolha por trabalhar apenas com as ações do controle repressivo
concentrado-abstrato se justifica diante da necessidade de trabalhar com dados
exaustivos por meio do instrumental do sítio do STF na internet, em que todas
essas ações estão devidamente catalogadas e identificadas. De modo diverso, o
tribunal não fornece uma base segura para coleta de dados relativos ao controle
exercido incidentalmente em recursos regulares (como RE e MS). Necessário
fazer a ressalva, entretanto, de que o estudo do controle preventivo de
constitucionalidade foi feito somente com base em decisões proferidas em sede
de MS, único meio legítimo admitido pelo STF para esses casos (cf. III.2, infra).
No que se refere ao controle repressivo, optou-se por trabalhar com dois
grupos de ações: aquelas que questionam atos originários do Poder Legislativo
Federal e aquelas que questionam atos originários do Poder Executivo Federal.
Tal recorte justifica-se pelo fato de ser o controle de constitucionalidade uma das
atividades institucionais que mais claramente se coloca na fronteira entre os
Poderes, fazendo com que seu estudo possa fornecer importantes subsídios para
o estudo da separação de Poderes como algo que é supostamente afetado pela
chamada “judicialização da política” (cf. item II.3.1, supra).
Quando se fala em panorama, entretanto, tem-se um tipo de análise
mais afeita aos estudos quantitativos, por meio do qual é possível, e.g., apurar
os motivos da extinção sem julgamento de mérito (algo que está ligado à “auto-
limitação” do Tribunal, à sua decisão de não decidir, por meio da ausência de
resposta).
No entanto, conforme explicado logo abaixo (II.4.2, infra), não é viável
apontar, por meio desse tipo de estudo, as inúmeras variáveis que aparecem em
toda a extensão do processo decisório, especialmente aquelas que aparecem em
seus detalhes, como apontado na conclusão da seção anterior. Assim, para além

24
do panorama acima descrito, também foi feita uma pesquisa exploratória de
novos procedimentos e técnicas que começam a aparecer no processo decisório
do STF.
Para tanto, escolheu-se analisar determinados casos de ampla
repercussão, inclusive na mídia, que foram considerados como ilustrativos do
fenômeno de “judicialização da política” no Tribunal ou de ativismo judicial. Tais
casos trazem questões diretamente relacionadas às variáveis mencionadas,
como será visto logo adiante.
Com as observações dos tópicos seguintes, pretende-se deixar claro que
o desenho da pesquisa origina-se da identificação, na literatura, de um campo no
qual os juristas podem fazer contribuições mais acuradas. Se a judicialização é
entendida como processo de demanda e resposta, i.e., nos termos da estrutura
do próprio processo jurídico, há várias contribuições que o estudo do Direito
pode fazer para o entendimento desse processo, cujas peculiaridades internas
ainda não foram detalhadas pela literatura analisada. Enxergar as possibilidades
que existem em tal processo é uma maneira de identificar os espaços de
democratização, assim como déficits de legitimidade, existentes no fenômeno da
judicialização.

II.4.1 Análise quantitativa: o que chega e o que faz o STF


O presente trabalho é dividido em duas partes. A primeira consiste em
uma análise de cunho quantitativo do controle de constitucionalidade preventivo
(durante o processo legislativo no Congresso Nacional) e repressivo (após a
edição do ato normativo pelo Executivo e pelo Legislativo), realizada com base
dados coletados e trabalhados a partir das informações oficiais, disponíveis no
sítio do STF na internet. A construção de dois bancos de dados – um relativo ao
controle de constitucionalidade de atos do Legislativo, e outro, para o Executivo
federal – é descrita com maiores detalhes no Capítulo III, infra.
Como será visto, esses dados foram coletados e analisados tendo em
vista os dois eixos propostos como marco teórico do presente trabalho: a
interação entre Poderes; e os potenciais democratizantes do STF (cf. item II.3,
supra). A partir das perguntas centrais para esta pesquisa – “quem acessa o
STF?”, “o que é levado a ele?” e “Como decide o STF?” –, essas informações

25
coletadas foram divididas em dois grupos, cada um abrangendo diferentes
variáveis.
No primeiro grupo, chamado de fatores de entrada, encontram-se
informações que dizem respeito aos elementos que caracterizam a demanda que
é levada ao STF. Aqui, esses dados podem ilustrar a “judicialização da política”
entendida não apenas como um aumento da demanda judicial (dados como a
distribuição temporal e periodização das ações propostas ajudam a lançar luz
sobre essa tese), mas também como uma mudança qualitativa dessa demanda
(cf. item II.3.1, supra).
Isso porque as informações e hipóteses levantadas permitem caracterizar
o perfil de quem acessa o STF (tipo de demandante), quais os assuntos mais
recorrentes no controle concentrado de constitucionalidade (temas das ações), e
com que velocidade essas questões emergem da arena política (Congresso
Nacional e Executivo) para serem judicializadas.16
Ademais, essas informações também podem auxiliar na investigação da
presença de potenciais democratizantes no controle de constitucionalidade
brasileiro, haja vista que permitem caracterizar o perfil dos demandantes que
acessam o STF – constitucionalmente legitimados (art. 103, da Constituição
Federal) para provocar o controle concentrado de constitucionalidade –, bem
como o tipo de questão e os problemas que levam ao tribunal.
Sob esse aspecto, também relevante frisar que é o próprio STF quem
confere maior abertura ou restritividade no acesso ao controle concentrado de
constitucionalidade, já que ele mesmo fixa os parâmetros e critérios para aferir a
legitimidade de sindicatos, associações e entidades de classe (pertinência
temática). Dados sobre essa abertura à sociedade civil também são
apresentados no item V.1.2, infra.
O segundo grupo de informações analisadas, chamado de fatores de
saída, procura dialogar com a tese de que a “judicialização da política” diz
respeito não somente ao tipo de demanda judicializada, mas também à forma
com que o STF reage à demanda que lhe é proposta (cf. item II.3.1, supra). Em
outras palavras, esses dados podem esclarecer melhor se e como o STF tem se

16
Por judicialização, aqui, entende-se o simples ato de propor uma demanda judicial (no caso,
tendo por objeto o controle concentrado de constitucionalidade de um ato normativo).

26
mostrado mais ou menos “interventivo”17 ao controlar a atividade normatizante
atribuídas constitucionalmente ao Legislativo e, em algumas hipóteses, também
ao Executivo federal.
Destacam-se, neste ponto, não somente os dados sobre o julgamento
final de mérito (ações julgadas procedentes, parcialmente procedentes ), mas
também acerca das ações que foram extintas sem julgamento de mérito (aquilo
que “ficou pelo caminho”, i.e., ações que não obtiveram uma resposta
jurisdicional formal). Além disso, há espaço para discutir a importância que as
decisões em sede de liminar tiveram no controle de constitucionalidade brasileiro
(inclusive levantando hipóteses sobre as reações que os resultados liminares
produzem nos demandantes e no Poder demandado), e as razões pelas quais
essas decisões provisórias estão em movimento descendente, diminuindo sua
participação dentre as decisões do STF cada vez mais.
Tendo em vista o número bastante reduzido de acórdãos encontrados
relativamente ao controle preventivo, este é admitido apenas excepcionalmente
pelo STF, como será visto. Dessa forma, sua análise, ainda que pudesse ser
estruturada da mesma maneira que a concebida para o estudo do controle
repressivo, encontra-se destacada no Capítulo IV, e concentra tanto um exame
de enfoque quantitativo, aqui chamada de análise descritiva (IV.1, infra), quanto
uma análise qualitativa da argumentação desenvolvida pelos ministros nesses
casos, aqui chamada de análise do entendimento do STF (IV.2, infra).

II.4.2 Análise qualitativa: onde encontrar a judicialização?


O Capítulo VI é dedicado a uma análise qualitativa das decisões
proferidas pelo STF em sede de controle de constitucionalidade. Como adiantado
anteriormente (cf. II.2, supra), esta análise foi precedida da constatação de que
um mero estudo quantitativo do controle de constitucionalidade talvez não
pudesse dizer muito sobre aquilo que normamente se identifica como
“judicialização da política” no Brasil.

17
Deve-se tomar o cuidado, aqui, de entender “interventivo” não como um juízo de valor negativo,
como se o STF estivesse agindo fora de suas prerrogativas constiitucionais, ou mesmo que ao
julgar uma lei inconstitucional não tome sua decisão com base em parâmetros objetivos. Para
todos os efeitos, a idéia de um STF “interventivo”, no presente trabalho, é usada tão-somente para
designar o fato de que estatisticamente (ou quantitativamente) o STF tem barrado mais ou menos
a produção normativa dos demais poderes.

27
Essa conclusão está resumida no tópico V.3, infra, e tem como base a
seguinte informação: ainda que seja feita a ressalva de que se trata apenas de
casos de controle de constitucionalidade de atos do Executivo e Legislativo
federais, fato é que, ao menos do ponto de vista quantitativo, em menos de 10%
do total de casos analisados há uma efetiva “intervenção” do STF, ao julgar
procedente uma ADI e declarar inconstitucional um ato normativo produzido pelo
Legislativo ou Executivo, como será visto oportunamente (cf. V.2, infra).18
De maneira geral, pretende-se apontar para uma nova agenda de
pesquisas dentro da ampla temática da “judicialização da política”, além de
oferecer uma contribuição consistente para o debate, utilizando a expertise da
equipe de pesquisa em análise de argumentação jurídica desse tipo. Em termos
mais concretos, o objetivo da análise empreendida é observar do ponto de vista
qualitativo as variáveis internas ao processo decisório do Tribunal. Para tanto, foi
preciso descer ao nível argumentativo dos votos dos ministros para observar
como o tribunal como um todo se situa no contexto da interação entre os
poderes entre os Poderes.
Muito embora possa parecer trivial, à primeira vista, que o exercício do
controle de constitucionalidade pelo STF consista em barrar (por meio da
declaração de inconstitucionalidade) leis e demais atos normativos federais e
estaduais considerados incompatíveis com a constituição – tarefa muitas vezes
traduzidas na idéia de legislador negativo (Pinheiro, 2009: 20) –, há diversos
casos nos quais as decisões do tribunal deixam de se situar em extremidades
opostas (a exemplo do binômio procedente/improcedente), e passam a adentrar
uma espécie de zona cinzenta.
Isso acontece, por exemplo, quando o tribunal, para não declarar a
inconstitucionalidade de uma lei, decide “salvar” o trabalho do legislador e
enuncia aquela que, no seu entender, seria a única interpretação
constitucionalmente possível de determinado texto normativo. Trata-se daquilo
que a teoria jurídica costuma dar o nome de interpretação conforme a
constituição, e que muito difere da noção clássica do STF como mero legislador
negativo que simplesmente extirpa do ordenamento jurídico as normas
inconstitucionais (Bonavides, 2001: 247-49).

18
Trata-se de número relativamente baixo se considere a judicialização como um aumento
(numérico) dos casos em que o Judiciário intervém no trabalho dos demais poderes.

28
Independentemente da postura crítica que se possa ter diante de uma tal
técnica decisória (Silva, 2006: 203-05), fato é que questões como a relação
entre os Poderes e o papel que o STF se avoca em situações como no exemplo
acima, permitem ser melhor compreendidas em uma análise qualitativa da
argumentação desenvolvida pelos ministros. Isso porque, caso consideremos
decisões desse tipo apenas por seu output, traduzido no binômio ação julgada
procedente/improcedente, informações como esta são facilmente perdidas.19
Dessa forma, procurou-se investigar, dentre as distintas técnicas
decisórias de que tem lançado mão (e.g., modulação de efeitos, interpretação
conforme a constituição, etc.), como o tribunal, enquanto última instância do
Poder Judiciário e intérprete privilegiado da constituição é o único (em princípio)
capaz de controlar sua atividade, fixando os limites e o alcance de suas próprias
prerrogativas. Essa discussão, invariavelmente, toca a problemática da interação
entre os Poderes, conforme será visto oportunamente.
Além disso, a análise qualitativa também se relaciona a outro dos eixos
de análise proposto no marco teórico (cf. II.3.2, supra). Um dos potenciais
democratizantes da atividade do Supremo consiste na possibilidade, prevista em
lei20, de que entidades de classe, especialistas em assuntos técnicos e
representantes de partes com interesses antagônicos em determinada questão
constitucional participem, em alguma medida, dos trabalho do STF.
Essa abertura do tribunal tem se dado por meio de dois institutos
específicos: os amici curiae e as audiências públicas. Como será visto, a lei
delegou ao próprio tribunal a definição de questões como procedimento para
requerer e a decisão sobre a pertinência, em cada caso, da participação de
atores da sociedade civil como amici curiae ou palestrante em audiência pública.
Aqui, mais uma vez por meio da análise qualitativa, buscou-se avaliar como o
tribunal tem lidado com a questão da abertura à sociedade civil, vista como um
fator com potencial de agregar legitimidade democrática para suas decisões.

19
Não raro, os ministros optam por conferir uma interpretação conforme ao dispositivo normativo
impugnado, e julgam a ação improcedente ou parcialmente procedente (ou negam provimento ao
recurso). Cf., por exemplo, a ADI 442/SP, Rel. Min. Eros Grau, J. 14.04.2010; e ADPF 46/DF, Rel.
Min. Marco Aurélio, J. 05.08.2009, e item VI.1, infra.
20
Lei nº 9.868/99, art. 7º, § 2º, e art. 9º, § 1º; e Lei nº 9.882/99, art. 6º, § 1º.

29
III. Nota metodológica: recorte e seleção de dados

Neste tópico, expõe-se como foram construídos os três bancos de ações


usados nesta pesquisa para a realização do mapeamento do controle de
constitucionalidade proposto. São: (i) o banco das ações de controle de
constitucionalidade concentrado que questionam atos normativos com origem no
Poder Executivo federal; (ii) o banco das ações de controle concentrado que
questionam atos normativos com origem no Poder Legislativo federal; (iii) o
banco das ações de controle preventivo de constitucionalidade.
Como será adiante exposto, os dois primeiros – que se referem ao
controle repressivo de constitucionalidade – são exaustivos, abarcando todo o
universo de análise, enquanto o último pretende ser uma amostra apenas
representativa. Como será visto mais adiante, a segunda parte do presente
trabalho (análise qualitativa) não foi realizada com base nos casos selecionados
para composição desses três bancos abaixo descritos, tendo observado a um
critério de seleção amostral, por razões que serão expostas oportunamente (cf.
Capítulo VI, infra).

III.1 Ações de controle repressivo de constitucionalidade

III.1.1 Levantamento de dados


A coleta de dados para a construção dos bancos de ações de controle de
constitucionalidade repressivo partiu primordialmente de um levantamento
anterior feito em pesquisa realizada no âmbito da instituição proponente,
levantamento este que contemplava todas as ações de controle de
constitucionalidade concentrado21 distribuídas no STF no período compreendido
entre 05/10/1988 e 21/07/2009 e cujo objeto de questionamento eram normas
federais ou atos normativos que tenham tido origem no Poder Executivo.22
A partir desses dados já coletados, foram construídos dois bancos: um
banco para as ações de controle de constitucionalidade concentrado que
questionam atos normativos com origem no Poder Executivo federal e outro

21
ADI (ações diretas de inconstitucionalidade), ADPF (argüições de descumprimento de preceito
fundamental) e ADC (ações diretas de constitucionalidade).
22
desenvolvida no âmbito do Projeto Pensando o Direito, da Secretaria de Assuntos
Legislativos/Ministério da Justiça (Convocação nº 002/2009), com o apoio do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Volume #30, Série Pensando o Direito, disponível em:
http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team={DFCCBE36-4D36-4650-B6DA-E68546FD1E4E}.

30
contendo as ações de controle concentrado que questionam atos normativos com
origem do Poder Legislativo federal.
Para tanto, as atividades desempenhadas pela equipe de pesquisa
compreenderam basicamente a execução de três tarefas fundamentais: (i)
seleção e coleta de novas ações de controle concentrado que questionem atos
originários do Poder Executivo, ajuizadas entre 21/07/2009 (data de
encerramento da coleta do levantamento anterior) e a data de 31/07/2010,
escolhida como marco final para elaboração dos bancos de dados; (ii) a
verificação e atualização das informações colhidas no banco anterior,
especialmente aquelas que dizem respeito à modificação do status das ações que
aguardavam julgamento; (iii) seleção e coleta de ações de controle concentrado
que questionem atos originários do Poder Legislativo, de 1988 até a data limite
de 31/07/2010.
O site do STF apresenta-se como nossa principal ferramenta de pesquisa,
assim, foi necessário lidar com as limitações das informações disponíveis
eletronicamente e das fichas de acompanhamento processual. Isso se justifica
tendo em vista o caráter público dos dados ali disponíveis, bem como as
limitações para coleta e seleção in loco dos casos a serem analisados.
Para a realização do levantamento, partiu-se dos dados encontrados em
“quadros-resumo” das ações, elaborados pelo próprio tribunal, que podem ser
acessados por meio da ferramenta de busca disponível no endereço
http://www.stf.jus.br/ portal/peticaoInicial/pesquisarPeticaoInicial.asp.23 Nem
todas as ações protocolizadas e distribuídas possuem esse tipo de cadastramento
no site, por isso, um grupo de ações cujas informações não estão disponíveis
eletronicamente não pode ser considerado no presente levantamento.24 A
pesquisa foi feita pelo número das ações, em ordem crescente a partir da última
ADI, ADC ou ADPF verificada no levantamento anterior.25
Na atualização do banco de ações que questionam atos do Executivo
federal, foram encontradas 55 novas ações, 6 das quais questionando atos
23
Um exemplo de quadro-resumo pode ser visualizado em: http://www.stf.jus.br/portal/
peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=994&processo=994. Acessado em 13.set.2010.
24
Alguns exemplos de ações que se encaixam nesse grupo são ADI 4321-4328; 4336; 4339;
4340; 4341; 4349; 4385; 4390; 4404 e 4415 (dados de Outubro/2010).
25
Segundo o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, as ações de controle de
constitucionalidade concentrado são numeradas em ordem crescente, de acordo com a ordem
cronológica de sua entrada no Tribunal. Cf. RISTF, art. 55, inc. XXIII, disponível
em:http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimento
Interno/anexo/RISTF_agosto_2010.pdf. Acessado em 13.set.2010.

31
normativos editados por órgãos que compõem o Executivo federal (incluindo a
própria Presidência da República) e, portanto, relevantes para o banco em
questão. Dentre as 49 ações restantes, que questionavam leis ordinárias,
complementares e emendas constitucionais, cujo trâmite necessariamente passa
pelas duas casas legislativas federais, foi preciso identificar quais se originavam
de projeto de lei ou de proposta de emenda constitucional apresentada pelo
Executivo Federal. Os meios para obter estes dados foram os sites da Cãmara
dos Deputados e do Senado Federal.26
Em primeiro lugar, procuraram-se os “dados da norma” segundo o sítio
eletrônico da Câmara dos Deputados (Página Inicial > Atividade Legislativa >
Legislação > Detalhes da Norma). Em seguida, verificou-se a “proposição
originária” (Página Inicial > Atividade Legislativa > Projeto de Lei e Outras
Proposições), atentando-se para o campo autor, a fim de determinar se a lei
havia sido proposta do Executivo ou do Legislativo.
Cabe ressaltar que muitas vezes as proposições originárias citadas no site
do Senado e no da Câmara são distintas, de modo que se considerou como
origem o Executivo sempre que houver Medida Provisória anterior, ainda que
tenha havido propostas de emenda em uma das Casas do Legislativo. Isto
porque não seria possível saber a exata matéria da reforma, podendo não se
tratar do mesmo dispositivo impugnado via Judiciário.
Após este procedimento, concluiu-se que, das 49 ações propostas até
31/07/2010, questionando leis federais e emendas constitucionais, 24 envolvem
legislação cujo autor do projeto é o Executivo, as quais serão incluídas em nossa
análise. Somadas às 6 anteriormente identificadas, há 30 novas ações para o
banco de ações de controle concentrado de atos do Executivo.
Em relação à construção do banco de ações que questionam atos
originários do Legislativo federal, o procedimento foi análogo ao que foi feito na
análise da interação Judiciário-Executivo: a pesquisa pela origem do ato
normativo se deu diretamente nas páginas da Câmara dos Deputados e do

26
http://www2.camara.gov.br/ (Atividade legislativa – Legislação – Pesquisa Simplificada) e
(Atividade Legislativa – Projeto de lei e Outras Proposições – Pesquisa pelo número da proposição);
e http://www.senado.gov.br/ (Portal Legislação – Legislação Federal – Pesquisa Rápida).

32
Senado Federal acima citadas, por meio das quais se identificou o autor do
projeto como sendo membro de uma das casas legislativas da esfera federal.27
Seguindo essa trajetória de pesquisa, apurou-se que, dentre as 4.434
ADI, 215 ADPF e 28 ADC propostas, distribuídas e catalogadas no sítio do STF na
internet até 31.07.2010:
• 877 ações – aproximadamente 66% do universo de análise desta
pesquisa e 20% do total de ações no STF – dizem respeito ao controle de atos
normativos originados do Poder Executivo Federal.
• 458 ações – que correspondem a 10% do total de ações ajuizadas no
STF, e 34% do universo de análise desta pesquisa – versam sobre a produção
normativa com origem no Legislativo federal (Câmara dos Deputados, Senado
Federal, ou, designados conjuntamente, Congresso Nacional).
Necessário esclarecer que foram considerados atos originários do
Executivo federal, além das normativas que ele tem competência para editar,
como resoluções e portarias, também os projetos de lei e propostas de emenda
constitucional de sua iniciativa, bem como projetos de lei de conversão de
Medidas Provisórias. Da mesma forma, foram exclusivamente considerados atos
originários do Poder Legislativo federal aqueles cuja origem se encontra em
projeto ou proposta apresentada por Deputado ou Senador (quer da situação,
quer da oposição), assim como todas as resoluções do Congresso e decretos
legislativos. Essa distinção é necessária, tendo em vista que parte significativa da
produção normativa do Executivo federal também se submete ao processo
legislativo tradicional. 28
Como é de se supor, foram encontradas algumas ações que questionam
mais de um ato normativo, e que, portanto, pertenceriam a ambos os bancos
construídos. Optou-se, todavia, por se manter os bancos separados, para que
pudesse ser viabilizada a comparação proposta.

27
Cf. http://www2.camara.gov.br/ (Atividade legislativa – Legislação – Pesquisa Simplificada) e
(Atividade Legislativa – Projeto de lei e outras proposições – Pesquisa pelo número da proposição).
28
É preciso destacar, ademais, que na seleção das ações que versam sobre atos normativos
editados ou com origem no Poder Executivo federal, não se considerou que a sanção da lei
ordinária ou complementar sinalizaria o endosso do Executivo ao projeto de lei a ele submetido
após o trâmite regular nas casas legislativas. Isso porque, por mais que essa interação entre os
poderes decorra necessariamente do próprio arranjo institucional do processo legislativo ordinário,
a finalidade de coleta e produção desses dados e informações diz respeito única e exclusivamente à
atividade normativa do Poder Executivo (e aos instrumentos que ele tem à disposição para inovar a
ordem jurídica), bem como de que forma os demais atores envolvidos no processo reagem a essa
atividade.

33
III.1.2 Grade de análise
Para fazer o proposto panorama do controle de constitucionalidade
repressivo, foi utilizada, para ambos os bancos de dados, uma grade de análise
comum que apontasse para o que podem ser consideradas as principais variáveis
de análise da tramitação de uma ação de controle de constitucionalidade.
Essa grade de análise havia sido anteriormente desenvolvida para a
pesquisa já citada, cujo banco de dados foi atualizado no presente trabalho.29
Dessa forma, o que se propôs foi desenvolver os desdobramentos originais do
banco de dados já estruturado, cruzando algumas das informações coletadas
com novos elementos, pertinentes ao novo objeto de pesquisa.
As variáveis analisadas são divididas em dois grupos, de acordo com o
momento em que incidem na tramitação da ação pelo STF. Assim, fala-se em
fatores de entrada e fatores de saída.
Relativamente aos fatores de entrada, a preocupação central é
compreender como as demandas judiciais de controle de constitucionalidade
chegam ao STF, independentemente da resposta dada pelo Tribunal. Nesse
sentido, busca-se identificar e classificar as espécies de atos normativos que são
submetidas ao STF (atos normativos questionados); o perfil dos demandantes,
i.e., daqueles que acessam o STF (atores); quais são os temas e as questões
centrais discutidas; bem como o tempo decorrido entre a edição do ato e a data
de ajuizamento da ação.
Por outro lado, o que se denomina fatores de saída diz respeito àquelas
variáveis internas (imputáveis) ao Tribunal, ou seja, o tipo de resposta que o STF
oferece, e o momento em que ele a oferece (tempo de tramitação, quer
considerando a decisão proferida em sede de liminar, quer o momento em que o
STF decide definitivamente o processo).
Importante frisar, neste ponto, que, para efeitos do presente trabalho, a
resposta do STF não é considerada apenas aquela oferecida pelo tribunal em
uma decisão final, com julgamento de mérito. Assim, optou-se por considerar
como resposta do STF também os julgamentos de liminares. Isso porque, a
rigor, o que o tribunal faz ao apreciar um pedido de liminar é rever ou não o ato
normativo impugnado, muito embora o faça em caráter transitório (ou
retratável). Dessa forma, ainda que somente em termos de efeitos imediatos,

29
Controle de Constitucionalidade dos atos do Poder Executivo, op. cit..

34
não há que se falar em distinção entre a revisão do ato normativo na decisão de
mérito e em sede de liminar, suficiente para obstar uma análise conjunta desses
dois tipos de resposta oferecida pelo Supremo Tribunal Federal.
A aplicação da mesma grade de análise aos grupos de ações permite a
extração de dados e produção de gráficos comparativos entre a atuação do
Supremo perante a produção normativa dos Poderes Executivo e Legislativo.
Assim, é possível avaliar se a constitucionalidade dos temas discutidos no âmbito
dos demais Poderes é tratada de maneira semelhante ou distinta pelo STF e
pelos agentes que a ele têm acesso, a depender se o ato normativo questionado
tem origem no Legislativo ou no Executivo federal.
Em relação ao grupo de ações que questionam atos originários do
Executivo, além das análises comparativas baseadas nos fatores de entrada e de
saída, também foi realizado um estudo específico das ações que foram extintas
sem julgamento de mérito; e também das ações que questionam medidas
provisórias (MP). Como será visto, esses dois grupos de ações (das que
questionam MP; e das que foram extintas sem julgamento de mérito)
representam perfis predominantes no universo do controle de constitucionalidade
de atos originários do Executivo federal, o que justifica a análise aprofundada.
O estudo mais detalhado das ações extintas sem julgamento de mérito
fornece um mapa mais completo da relação entre Judiciário e Executivo, na qual
é marcante a ausência de decisão do Tribunal. Umas das perguntas relevantes
nesse campo de análise é justamente como e em quais circunstâncias
exatamente ocorre essa espécie de “inativismo”.
Em relação ao segundo ponto, o controle de constitucionalidade da figura
normativa da medida provisória, note-se que a melhor compreensão acerca de
suas peculiaridades é importante tendo em vista o contexto político e o desenho
institucional brasileiro, no qual este tipo de ato é uma das mais importantes
ferramentas legislativas à disposição do Poder Executivo, tendo em vista seu
alcance e força normativa equiparados aos da lei ordinária. O maior destaque
para a análise das ações que questionam MP justifica-se também frente à
constatação de que esse ato normativo é, dentre as possíveis formas de atuação
normativa do Poder Executivo Federal, segundo conclusões da pesquisa
anteriormente realizada, o que mais sofre questionamento no âmbito do STF.

35
Optou-se por expor essas duas análises mais detalhadas no texto que
discorre sobre os fatores de saída. Em relação à análise das ações extintas sem
julgamento de mérito justamente porque trata do detalhamento de um tipo de
resposta dado pelo STF. Em relação à análise das ações que questionam medidas
provisórias porque notou-se que as constatações mais interessantes sobre esse
grupo de ações envolviam justamente as variáveis concernentes aos fatores de
saída, como se mostrará adiante.

III.2 Ações de controle preventivo de constitucionalidade


Na segunda etapa do estudo panorâmico sobre o controle de
constitucionalidade, a proposta foi investigar o entendimento do STF acerca da
apreciação prévia de constitucionalidade das normas, i.e., aquela que ocorre
ainda no momento do processo legislativo, sem que exista propriamente uma lei.
O controle se dá, então, sobre um projeto de lei ou uma proposta de emenda
constitucional. Para atingir esse objetivo, foram analisados qualitativamente os
acórdãos proferidos pelo Tribunal nos quais o controle prévio de
constitucionalidade esteja em questão.
O controle de constitucionalidade preventivo realizado pelo Supremo
Tribunal Federal é um objeto de pesquisa relevante para se analisar a interação
entre o Poder Judiciário e Poder Legislativo. Esse tipo de controle se distingue do
controle repressivo em razão do momento de apreciação da constitucionalidade,
que se dá, no caso do preventivo, antes da entrada em vigor do ato questionado.
Novamente, a principal fonte da equipe foi a página eletrônica do
Supremo Tribunal Federal na internet. Inicialmente, foi usada a ferramenta de
pesquisa de jurisprudência por meio de palavras-chave, na seção “pesquisa
livre”.30 Em pesquisa preliminar, haviam sido encontrados 13 acórdãos a partir
das palavras-chave “projeto adj2 legislativo”, “controle adj2 preventivo”,
“Comissão de Constituição e Justiça”, “Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania”, “CCJC”, “controle prévio” e “veto presidencial”, todos em mandados
de segurança.31 Posteriormente, foi realizada pesquisa com base em duas novas
palavras-chave, “mesa adj2 câmara” e “mesa adj2 senado”, com o objetivo de
encontrar todas as ações que teriam como parte esses dois órgãos ou seus

30
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp
31
MS 20.257, MS 21.648, MS 21.754 AgR, MS 22.183, MS 22.503, MS 22.864 MC-QO, MS 23.047
MC, MS 24.041, MS 24.138, MS 24.642, MS 24.667 AgR e MS 27.931 MC

36
presidentes. Com base nesse segundo critério de pesquisa, foram encontradas
12 novas ações consideradas relevantes para o estudo, sendo 7 mandados de
segurança32, 2 ADPF33 e 3 ADI34.
Neste ponto, cabem algumas considerações sobre a escolha daquelas
palavras-chave. O controle de constitucionalidade preventivo parece ser algo
admitido pelo STF apenas em ações concretas – i.e., aquelas nas quais não se
questiona a norma abstratamente, como nas ações de controle concentrado
(ADI, ADPF e ADC), e sim, tendo em vista um caso concreto.35 Os resultados das
pesquisas por palavras-chave mostram que o tipo de ação mais frequentemente
usado para o controle preventivo no Judiciário parece ser o mandado de
segurança, interposto por um parlamentar visando sustar um processo legislativo
que estaria supostamente viciado à luz da Constituição.36
Esse mandado de segurança, para ser julgado pelo STF, deve ser
interposto contra a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do Senado Federal
ou seus Presidentes, já que, constitucionalmente, a competência da Corte para
julgar mandados de segurança contra autoridades do Congresso Nacional incide
apenas nesses casos.37
Uma possibilidade de ampliação do universo de pesquisa tornou-se
encontrar todas as decisões em mandados de segurança impetrados por
parlamentares contra órgãos do Congresso Nacional, em particular contra a Mesa
da Câmara ou contra Mesa do Senado.
Para se chegar a essas decisões, além da busca por palavras-chave, foi
feita também consulta à Assessoria de Gestão Estratégica do STF, sobre a
possibilidade de “acesso à lista de todos os mandados de segurança impetrados,

32
MS 1423, MS 8364, MS 20717, MS 21191, MS 24356, MS 26307 e MS 26600
33
ADPF 1 QO/RJ e ADPF 43 AgR/DF
34
ADI 466, ADI 1330 e ADI 3929
35
A impossibilidade de controle preventivo em abstrato foi estabelecida pelo Tribunal, por
exemplo, na ADI 466/DF e na ADPF 43/DF, precedentes relevantes em levantamento cruzado
justamente por instarem tal situação.
36
O fundamento jurídico dessa interposição seria o direito público subjetivo dos parlamentares de
não serem obrigados a participar de deliberação de projeto de lei ou de proposta de emenda
constitucional que viole as limitações materiais, circunstanciais, bem como as demais constantes
do art. 60 e seguintes da Constituição Federal. Disso decorre, como será visto, que apenas o
parlamentar possui legitimidade para a impetração desse tipo de mandado de segurança.
37
Constituição Federal, art. 102, I, “d”: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: d)
o "habeas-corpus", sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o
mandado de segurança e o "habeas-data" contra atos do Presidente da República, das Mesas da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral
da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;

37
desde 1988, por parlamentares contra a Mesa das Casas Legislativas ou contra
seus Presidentes, e ao inteiro teor dos acórdãos proferidos em tais ações.” A
consulta foi respondida em 14 de outubro de 2010, sendo que 32 mandados de
segurança foram apontados.38 Além disso, foi realizada ainda uma terceira
estratégia de pesquisa, que consistiu em fazer um levantamento dos precedentes
citados pelo Tribunal nos casos analisados.
Sumarizando, a base inicial de pesquisa foi constituída a partir do
cruzamento de três fontes: a) pesquisa jurisprudencial por meio de palavras-
chave na página eletrônica do STF; b) resposta a consulta específica,
encaminhada pela Assessoria de Gestão Estratégica do STF; e c) levantamento
dos precedentes citados pelo Tribunal nos casos das duas primeiras fontes.
Coerentes com o objeto específico desse estudo, foram selecionados e
analisados somente mandados de segurança propostos após 1988 contra a
presidência e/ou mesa diretora da Câmara dos Deputados e/ou do Senado
Federal que tenham como objeto o processo legislativo, seja este de iniciativa do
Executivo ou dos demais poderes, inclusive nas hipóteses de iniciativa privativa
do Legislativo. Tal escolha somente por ações concretas deste tipo justifica-se a
partir da admissão do Tribunal sobre sua prerrogativa de controle preventivo
somente nesse tipo acionamento. Quando propostos com tal objeto, os
mandados de segurança extrapolam a proteção a direito líquido e certo dos
parlamentares/impetrantes, assumindo uma utilização especial como incidente
jurídico para resolução de conflitos de atribuição ou conflitos entre órgãos.39
Com base nesse recorte, foram excluídas a maior parte das ações
propostas contra as referidas Casas Legislativas, com destaque para aquelas
propostas contra atos de natureza administrativa, funcional ou jurisdicional –
e.g., mandados de segurança propostos contra atos de gestão das presidências
ou mesas diretoras, contra resposta a questão de ordem argüida em tese, contra
atos dos órgãos legislativos em procedimentos disciplinares ou ainda contra atos
relacionados a Comissões Parlamentares de Inquérito.
Assim, após triagem das ações que compunham a base inicial, foram

38
Destaque-se que a própria Assessoria do STF relata dificuldades em se levantar as ações de
controle preventivo no período anterior ao ano 2000, razão pela qual os MS identificados pelo
órgão são majoritariamente da década compreendida entre 2000 e 2010. (STF. Central do
Cidadão. Protocolo de Atendimento n° *46685*).
39
Gilmar Ferreira Mendes; Inocêncio Mártires Coelho; Paulo Gustavo G. Branco, Curso de Direito
Constitucional, 2ª ed., São Paulo : Saraiva, 2008, p.538.

38
identificados, tabelados e analisados 36 mandados de segurança. Com isso, foi
alcançado um universo relevante de ações propostas no contexto da Constituição
de 1988, suficiente para as conclusões apresentadas nesse estudo sobre o
padrão decisório do STF e a (in)efetividade do mecanismo de controle judicial
dos atos do processo legislativo ainda em trâmite.
Para o estudo do controle preventivo, julgou-se relevante, em um
primeiro momento, fazer uma exposição descritiva dos dados coletados da
análise das ações. Assim, é possível ter acesso dados quantitativos sobre os i)
impetrantes; ii) os atos questionados; iii) o resultado do julgamento da liminar;
e iv) o resultado do julgamento final.
Além disso, foi realizada uma análise propriamente qualitativa, voltada ao
entendimento do STF, no que toca os seguintes pontos: legitimidade ativa para
impetrar os mandados de segurança; objeto do controle preventivo; razões
levantadas em julgamentos que extinguem a ação sem apreciação do mérito; e
razões levantadas em julgamentos de mérito.

IV. O controle de constitucionalidade preventivo


É certo que a Constituição Federal não prevê especificamente esta forma
de controle, uma vez que prioriza a modalidade repressiva. No entanto, ao
estabelecer parâmetros para o processo legislativo constitucional e ao limitar o
poder de reforma, diversos autores afirmam que o sistema constitucional
brasileiro dá ensejo ao exercício de tal modalidade, mesmo que não prevista
explicitamente.40
O STF não tem sua competência para controle de constitucionalidade
preventivo fixada expressamente na Constituição, mas vem firmando a
possibilidade de seu exercício41, mesmo que extremamente limitado pela própria

40
Há autores que qualificam essa modalidade como “controle de constitucionalidade preventivo
'indireto'. Nesse sentido: Anna Cândida da Cunha Ferraz, Notas sobre o controle preventivo de
constitucionalidade, Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal, 142(36):292,
abr./jun., 1999; Elival da Silva Ramos, Controle de Constitucionalidade no Brasil - perspectivas de
evolução, São Paulo, Saraiva, 2010, pp. 62-67.
41
A construção jurisprudencial do instituto ocorre a partir do MS 20.257/DF, apontado como
leading case na matéria pelas decisões da Corte. No caso, em que se questionava ato da mesa do
Congresso que admitiu a deliberação acerca de proposta de emenda que o impetrante alegava ser
tendente a abolir a República, delimitaram-se os principais pressupostos e contornos da matéria.
Nesse sentido, o Tribunal entende caber mandado de segurança em que a vedação constitucional
se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando mesmo sua apresentação ou
votação. Nesses casos, a inconstitucionalidade é considerada formal e se refere ao próprio processo
legislativo, o que se depreende do § 4º ao artigo 60 da Constituição de 1988, que mantém a

39
jurisprudência do tribunal e pelo relativamente pequeno número de demandas
propostas. Não há, portanto, procedimento específico para o controle preventivo,
que costuma ser exercido por meio do mandado de segurança.42
Da ausência de regulação normativa dessa “atribuição” decorre o fato de
que a jurisprudência do tribunal assume papel de fonte jurídica primária do
procedimento de controle preventivo pelo Judiciário. Por isso, a análise dos casos
a que se chegou a partir da pesquisa descrita abaixo é fundamental para
entender como o tribunal enxerga suas competências, qual sua concepção de
separação de Poderes e onde ele coloca os limites para sua atuação.
No estudo específico da relação entre o Judiciário e os demais Poderes, a
análise dessa modalidade de controle jurisdicional se justifica pelo fato de que a
apreciação da constitucionalidade de “matérias ainda em trâmite legislativo” abre
considerável espaço de conflito institucional e de críticas à eventual “politização”
do Judiciário, sendo relevante perceber como o STF tem enfrentado a tensão daí
decorrente.43
De início, deve-se reconhecer que, apesar de um relativamente pequeno
número de ações propostas com este propósito no período pós 1988, a
jurisprudência do STF delimita quase unanimemente as possibilidades de
exercício do chamado controle de constitucionalidade preventivo dos atos do
Legislativo. Há, portanto, um conjunto de critérios delimitadores de legitimidade
e objeto que parece ter se formado na prática do tribunal, assim como é possível
perceber um padrão de processamento de tais matérias.

IV.1 Análise descritiva dos casos

IV.1.1 Impetrante
A pesquisa buscou identificar os impetrantes dos mandados de segurança
observando se eram parlamentares, partidos ou outros agentes, obtendo os
seguintes resultados: dos 36 mandados de segurança componentes do universo

mesma estrutura que o § 1º ao artigo 47 da Constituição de 1969, vigente quando do julgamento


do MS 20.257/DF, em 1980.
42
Gilmar Ferreira Mendes; Inocêncio Mártires Coelho; Paulo Gustavo G. Branco, Curso de Direito
Constitucional, 2ª ed., São Paulo : Saraiva, 2008, p.538.
43
“Sem dúvida, grande vantagem haveria impedir-se de modo absoluto a entrada em vigor de ato
inconstitucional. Todavia, a experiência revela que toda tentativa de organizar um controle
preventivo tem por efeito politizar o órgão incumbido de tal controle, que passa a apreciar a
matéria segundo o que entende ser a conveniência pública e não segundo a sua concordância com
a lei fundamental.”. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, 31ª ed, São
Paulo : Saraiva, 2005, p.36.

40
de análise, 1 restou sem informações sobre o autor nas fontes da pesquisa; 25
(mais de dois terços) foram ajuizados por parlamentares; 1 deles foi ajuizado por
partido político; e 9 por outros agentes. O resultado preponderante foi de que a
maioria dos mandados impetrados teve parlamentares no pólo ativo, o que se
compatibiliza com o entendimento do Tribunal quanto à exclusiva legitimidade
parlamentar para o controle preventivo.
Buscou-se também identificar os partidos políticos aos quais os
palamentares impetrantes dos mandados de segurança pertenciam, procurando
identificá-los, também, se, à época da proposição, o respectivo partido
compunha os blocos parlamentares de apoio ao governo nas Casas Legislativas,
ou se pertencia à oposição. Dos impetrantes de 26 mandados ajuizados por
parlamentares e partidos 20 deles faziam parte da oposição ao governo federal à
época (mais de três quartos); 4 faziam parte da base do governo; e 2 restaram
indefinidos.44 Há ainda uma evidente inversão de protagonistas de ações entre os
governos Collor/Itamar/Fernando Henrique e o governo Lula, o que sinaliza que,
aparentemente, esse tipo de controle preventivo de constitucionalidade costuma
ser buscado pelas minorias parlamentares, na tentativa de reverter e/ou impedir
derrotas legislativas sofridas.

IV.1.2 Ato questionado


A análise dos atos questionados buscou saber o tipo de ato que os
mandados de segurança buscavam obstar andamento. Dos 36 mandados
componentes do universo de análise da pesquisa 3 deles restaram sem
informações; 14 deles (mais de um terço) tiveram como atos questionados
propostas de emendas à Constituição Federal (PECs); 7 questionavam projetos
de lei (PLs); 9, atos da mesa da Casa Legislativa (em sua maioria atos que
possibilitavam a votação em plenário de PECs – MS 25080, MS 23047 e MS
21311 – PLs ou PLCs – MS 23334 e MS 24138); 2, resoluções do Congresso
Nacional; e 1, outros atos.
Nota-se na análise destes dados que a maioria dos mandados buscava
questionar dispositivos frutos de debate extenso, polêmico e amplo na arena
política. O número de PECs questionadas vai neste sentido - 17 se somados atos
de mesa relativos a possibilidade de votação de emendas constitucionais, o que

44
Em alguns casos o partido não tinha posicionamento claro, restando “Indefinido” neste campo de
análise.

41
também confirma a percepção de que se recorre ao controle preventivo na
tentativa de impedir derrotas políticas significativas ou mesmo ampliar o debate
sobre matérias altamente polêmicas antes da tramitação final.

IV.1.3 Liminar
No que diz respeito ao resultado do julgamento dos pedidos liminares dos
mandados de segurança enquadrados no universo de análise, foi obtido o
seguinte quadro: dos 36 mandados analisados 1 não continha pedido liminar; 11
não tiveram seus pedidos liminares apreciados (entre esses estão todos aqueles
cujos autores não são parlamentares, totalizando 10); 21 foram apreciados e os
pedidos não concedidos (aprox. 58% do total); e 3 foram apreciados e
concedidos.
Analisou-se subsidiariamente o tempo de espera dos pedidos de liminar
apreciados em dias a partir da data de distribuição até a data do julgamento da
liminar. Metade dos pedidos (12 casos) foram apreciados em até 5 dias45, 4
liminares foram apreciadas entre 11 e 30 dias e 7 liminares foram apreciadas
entre 31 e 90 dias. Em um caso o tempo de apreciação foi maior que um ano.
Portanto, um terço (12) dos 36 MS com pedido liminar propostos
obtiveram uma resposta muito rápida do tribunal e quase dois terços (23/36)
obtiveram uma resposta relativamente rápida. Entre aqueles cuja liminar foi
concedida, em dois casos o deferimento ocorreu em até 1 (um) dia, sendo que
no terceiro caso a concessão ocorreu em 12 (doze) dias.
Nos casos cujos autores são parlamentares, conclui-se que a resposta do
tribunal aos pedidos liminares se deu rapidamente em mais de 90% dos casos
(23/25). Nota-se que os três casos que o Tribunal concedeu a liminar foram de
mandados de segurança de iniciativa de parlamentar. Nesses casos, a taxa de
sucesso foi de 12% (3/25), comparada a nenhum sucesso logrado pelos outros
atores-impetrantes.
Esses dados evidenciam o papel secundário que as liminares
desempenham nos casos de controle preventivo de constitucionalidade – ao
menos nos moldes admitidos pelo STF. De um modo geral, essas liminares são
julgadas rapidamente e, invariavelmente, são indefereidas (não concedidas).

45
Em um deles (MS 23334) o pedido liminar foi julgado por prevenção antes da distribuição da
ação, pelo presidente do Tribunal, por conta do STF encontrar-se em recesso.

42
Como será visto mais adiante, a relevância das liminares adquire outros
contornos no controle repressivo de constitucionalidade (cf. item V.2.3, infra).

IV.1.4 Julgamento final


Relativamente aos julgamentos finais dessas ações, a pesquisa teve o
seguinte resultado: dos 36 mandados analisados, 4 continuam aguardando
julgamento; dos 32 julgados, apenas 5 cinco foram conhecidos e julgados
improcedentes, i.e., tiveram o mérito apreciado, enquanto 27 foram extintos sem
julgamento do mérito (aprox. 81%), sendo que destes 15 não foram conhecidos
– 8 concernentes a impetrantes não-parlamentares – e 12 restaram
prejudicados, a maioria deles por ilegitimidade ativa superveniente46 após a
votação e aprovação ou arquivamento dos atos questionados. Na análise dos
resultados dos julgamentos finais dos mandados de segurança observou-se que
nenhum deles teve a segurança concedida no julgamento final, mesmo aqueles
cujas liminares foram concedidas.
O tempo da data da distribuição até o julgamento final também foi
observado. Em 11 (onze) casos o julgamento se deu em até 1 (um) mês, sendo
que em 6 (seis) deles ocorreu em até 5 dias; 3 (três) casos levaram de 1 (um) a
3 (três) meses até o julgamento e 5 (cinco) casos foram julgados no intervalo de
3 (três) meses a 1 (um) ano. Assim, percebe-se igualmente um padrão
majoritariamente rápido de resposta do tribunal, uma vez que a maioria dos
casos propostos (19/36) foram julgados em menos de um ano, sendo que pouco
menos de um terço (11/36) levou menos de 30 (trinta) dias para que a decisão
final fosse proferida.
Dentre os 11 (onze) casos julgados em menos de trinta dias estão os 9
(nove) MS impetrados por não-parlamentares, o que expressa a posição
amplamente pacificada no STF quanto à ilegitimidade de tais autores, tendendo o
tribunal, por conseguinte, a resolver a matéria rapidamente; nos 2 (dois) outros
casos a liminar havia sido concedida, sendo rapidamente cassada pelo plenário.
Em um deles a cassação se deu com a extinção sem julgamento do mérito e no
outro houve o indeferimento do pedido no plenário.
Uma vez que a taxa de sucesso na obtenção de liminares por
parlamentares é muito pequena (12% dentre as ações com impetrantes

46
Ou seja, o parlamentar impetrante do mandado de segurança perde seu mandato ou deixa de
pertencer àquela casa legislativa.

43
parlamentares e 8,6% do todo), não seria possível extrair conclusões definitivas
em relação à concessão das liminares e o resultado do julgamento final.
Contudo, os dados indicam uma tendência ao rápido julgamento das ações nas
quais as liminares são monocraticamente deferidas, i.e., quando se apresenta
uma efetiva ameaça de intervenção entre os Poderes. Os dois MS cujas liminares
foram monocraticamente concedidas, sendo rapidamente cassadas pelo plenário,
estiveram sob a relatoria do Min. Marco Aurélio.47
O MS 26307, cuja liminar foi concedida (no prazo de um dia após a
distribuição) diretamente pelo plenário, após questão de ordem apresentada pelo
relator Min. Ricardo Lewandowski, resolvida no sentido de admitir tal
possibilidade, foi o único caso no qual a liminar chegou a vigorar durante período
considerável de tempo (entre 19/12/2006 e 19/05/2010), mas o processo veio a
ser extinto por perda superveniente de objeto.48

IV.2 Análise argumentativa do STF


IV.2.1 Legitimidade ativa
O Tribunal também delimita o instituto do controle preventivo
propugnando que, nesses casos, a legitimidade ativa para a propositura do
mandado de segurança preventivo em face do processo legislativo é exclusiva
dos parlamentares da casa legislativa na qual se encontra em discussão a
proposição questionada (MS 23.565). Nesse sentido:
“A ‘ratio’ subjacente a esse entendimento jurisprudencial apóia-se na
relevantíssima circunstância de que, embora extraordinária, essa
intervenção jurisdicional, ainda que instaurada no próprio momento de
produção das normas pelo Congresso Nacional, tem por precípua
finalidade assegurar, ao parlamentar (e a este, apenas), o direito
público subjetivo – que lhe é inerente – de ver elaborados, pelo
Legislativo, atos estatais compatíveis com o texto constitucional,
garantindo-se, desse modo, àqueles que participam do processo
legislativo a certeza de prevalecimento da supremacia da Constituição,
excluídos, necessariamente, no que se refere à extensão do controle
judicial, os aspectos discricionários concernentes às questões políticas e
aos atos ‘interna corporis’, que se revelam essencialmente insindicáveis
(RTJ 102/27 - RTJ 112/598 - RTJ 112/1023 - RTJ 169/181-182)”.49

47
Cuida-se do MS 21754 e MS 22503.
48
Questão de ordem resolvida em 19-dez-2006, vencido o Min. Marco Aurélio, que negava a
possibilidade de que o Relator trouxesse a liminar a exame do Plenário.
49
MS 24.645, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 15.9.2003.

44
Esse entendimento já havia sido firmado no MS 21.642, do mesmo
relator – Min. Celso de Mello, quando apontava que “titulares do poder de agir
em sede jurisdicional, contudo, hão de ser os próprios membros do Congresso
Nacional, a quem se reconhece como líquido e certo, o direito público subjetivo à
correta observância da disciplina juridico-constitucional regradora da formação
das espécies normativas”.50 Foi a partir desse entendimento que o Tribunal não
conheceu dos MS 21.303, 23.328, 23.565, 24.576, 24.593, 24.667, 24.689 e
24.888, nos quais não figuram parlamentares como impetrantes da demanda.

IV.2.2 Objeto do controle preventivo


Do ponto de vista das matérias que podem ser objeto do chamado
controle preventivo, a jurisprudência do STF vem firmando tanto limitações
formais quanto limitações materiais ao poder reformador. No que se refere à
apreciação de propostas de emenda à Constituição, o Tribunal tem admitido o
controle preventivo quanto aos limites formais (art.60, caput e §2º, CF51), aos
limites circunstanciais (art.60, caput e §1° e §5°, CF52) e aos limites materiais
(art.60, §4°, CF53).
Na delimitação desses aspectos com base nos precedentes do Tribunal,
destaca-se o relatório do Min. Celso de Mello no julgamento de pedido de liminar
no MS 24.645. Cumpre destacar que, a partir do entendimento firmado pelo MS
20.257, reafirmado no MS 24.645, o Tribunal abre a possibilidade de controle
material preventivo nas hipóteses de cláusulas pétreas, uma vez que a própria
tramitação de matérias contrárias aos limites materiais de reforma se mostraria
inconstitucional.

50
E continua: “o parlamentar, fundado na sua condição de co-partícipe no procedimento de
elaboração das normas estatais, dispõe de prerrogativa de impugnar o eventual descumprimento,
pela instituição parlamentar, das cláusulas constitucionais que lhe condicional a atividade jurídica.”
O MS 21642 aparece como precedente em vários acórdãos e foi citado a partir do MS 21648, pois o
primeiro não se encontra no site do STF.
51
Art. 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros
52
§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de
defesa ou de estado de sítio.
§ 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode
ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
53
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

45
Quanto aos projetos de lei, diferentemente das propostas de emenda
constitucional vedadas por “cláusula pétrea”, somente caberia controle
preventivo quanto aos aspectos formais – vício de origem, nulidades
procedimentais ou irregularidades no processo legislativo (MS 24.138/DF). O
vício formal precisaria ser alegado em face das garantias do processo legislativo
constitucional. Alegadas violações a dispositivos dos Regimentos Internos das
casas legislativas, segundo entendimento majoritário do STF nos anos
compreendidos por este levantamento, fugiriam ao âmbito do controle judicial de
constitucionalidade, por se tratar de matéria interna corporis do Legislativo,
levando ao não conhecimento das alegações pelo pleno do Tribunal e à cassação
das medidas liminares eventualmente concedidas.54

IV.2.3 Razões levantadas em julgamentos extintivos


Segundo entendimento firmado no STF, a aprovação da proposta
legislativa torna prejudicado o Mandado de Segurança, levando à sua extinção
(MS 22.864), uma vez que, do contrário, se lhe estaria emprestando efeito de
ação direta de inconstitucionalidade (MS 21.648).
A partir desse entendimento, o Tribunal não conheceu os MS 21.648,
22.442, 22.487 e 22.872 devido à ilegitimidade ativa superveniente. Nesses
casos, a jurisprudência entende que, havendo promulgação da emenda ou do
projeto de lei questionados, o parlamentar perde a legitimidade ativa, que se
funda no impedimento de deliberação flagrantemente inconstitucional,
justamente porque a deliberação já ocorreu.55
Nos casos em que o Tribunal não conhece da impetração, o que ocorre,
em geral, em menos de uma semana (a exceção são os 62 dias do MS 28.901),
a liminar não chega a ser apreciada. Nos casos em que houve ilegitimidade ativa
superveniente, o relator indeferiu a liminar e o decurso do tempo encarregou o
projeto de lei ou de emenda de ser promulgados. Nesses casos, o tempo entre a
distribuição do processo no STF e a decisão final é bastante elevado, quando
comparado aos demais MS. Enquanto os MS não conhecidos em razão da perda

54
Cf. MS 22.503, MS 21.754, MS 22.183.
55
Cumpre salientar também que, no MS 28.901, apesar de o impetrante ser parlamentar, o
mandado de segurança não foi conhecido porque a relatora, Min. Ellen Gracie, entendeu haver
impossibilidade jurídica no pedido de arquivamento de projeto de lei e extinguiu o processo com
base nos artigos 267, inciso VI e 295, inciso I do Código de Processo Civil. A fundamentação da
Ministra coloca a própria possibilidade de intervenção do Poder Judiciário na tramitação do Poder
Legislativo fora de questão.

46
superveniente do objeto chegaram a ser discutidos em plenário, resultando em
acórdãos extintivos; os 12 MS considerados prejudicados, em regra, foram
extintos diretamente em decisão monocrática, sendo que nesses casos o tempo
de julgamento também foi elevado.
Fica assim evidente que o entendimento favorável à extinção dos MS em
razão do encerramento da fase legislativa, seja com o não conhecimento do MS
em plenário ou com o despacho monocrático de prejudicialidade, dá ao Tribunal
grande capacidade de domínio sobre sua pauta. Com isso, evita confrontar-se
com o Legislativo, ao mesmo tempo que consolida a quase absoluta ineficácia do
instituto. Uma vez encerrado o processo legislativo, levando-se à extinção do MS,
os mesmos argumentos poderão ser levados novamente ao conhecimento do STF
em sede de controle repressivo.

IV.2.4 Julgamento de mérito


Somente em quatro casos a Corte conheceu o MS, chegando a apreciar o
mérito das ações antes de indeferí-las. Em apenas um caso, houve o deferimento
do pedido liminar e o conhecimento do MS no plenário.56 Nesse caso, que tratava
de MS contra reforma constitucional do sistema de previdência social, alegava-se
violação a limitações formais ao poder de reforma. O Min. Marco Aurélio, ao
conceder a liminar, aceitou a argumentação da inicial de que não se tratava de
matéria interna corporis.57
O Tribunal, no entanto, não conhece do mandado de segurança quanto às
primeiras alegações, por se tratar de questão interna corporis do Poder
Legislativo, não sujeita à reapreciação pelo Poder Judiciário; o MS é conhecido
somente quanto às alegações em relação às limitações formais inscritas no §5º
do artigo 60 da CF, mas o Tribunal entende não haver contrariedade ao processo
legislativo constitucional, cassando (em 27 dias) a liminar concedida pelo Min.
Marco Aurélio e indeferindo o pedido.
Nos demais três casos em que os MS foram conhecidos e indeferidos não

56
I.e., MS 22.503.
57
Isso porque “em discussão não se fazem assuntos ligados à economia interna da Câmara dos
Deputados, nem procedimento circunscrito ao âmbito da conveniência política, da
discricionariedade. Evoca-se, na inicial deste mandado de segurança, o desprezo ao processo
legislativo, que possui regência de estatura constitucional, sendo marcantes os preceitos
insculpidos nos artigos 59 a 69 da Carta Política da República. A expressão ‘processo legislativo’ é
conducente a presumir-se a organicidade e esta é balizada pelas normas em vigor”. Cf. MS
22.503/DF. Nesse caso, o relator também aceitava o argumento de que a tramitação do projeto de
emenda desrespeita o §5º do artigo 60 da Constituição Federal.

47
houve concessão de liminar, sendo o julgamento final proferido no prazo de 169
a 1.972 dias. Como no caso anterior, o principal argumento após a análise do
pedido, é o de que os projetos de emenda na verdade não contrariam material
ou formalmente dispositivo constitucional, não havendo, portanto, vício no
processo legislativo. Além disso, há uma evidente interpretação restritiva dos
limites ao poder de reforma na fase legislativa (MS 24.642 e MS 23.047).
No MS 24.138, o questionamento diz respeito a projeto de lei. Assim, o
caso não pode ser subsumido à disciplina dos parágrafos do artigo 60 da
Constituição Federal.58 O Tribunal ratifica o entendimento segundo o qual não
cabe controle preventivo material de projeto de lei, decidindo, por unanimidade,
indeferir o mandado de segurança nos termos do voto do relator.
Consideradas as análises acima, é possível identificar cinco tendências
que se evidenciam no que tange a possibilidade de controle preventivo judicial de
projetos de legislação que tramitam nas casas do Poder Legislativo Federal:
i) O controle preventivo é buscado por parlamentares da minoria
legislativa em sentido estrito, que recorrem ao Judiciário tanto para assegurar
seus direitos de minoria como, principalmente, reverter judicialmente decisões
tomadas pela maioria. Esse limite também se deve ao entendimento restritivo do
STF quanto à legitimidade ativa da propositura deste tipo de ação somente por
parlamentares. A idéia de judicialização, aqui, no sentido de levar ao judiciário
questões interna corporis, parece não encontrar respaldo no STF, o que leva à
segunda conclusão.
ii) A baixíssima taxa de sucesso das ações de controle preventivo
(apenas 3 liminares concedidas, das quais 2 foram cassadas em menos de um
mês; e nenhum julgamento favorável) indica que este, apesar de admitido na
jurisprudência da Corte, não tem sido um meio de efetiva intervenção, porque

58
Nesse sentido se manifesta o relator, o Min. Néri da Silveira, ao apreciar o pedido de liminar:
“Não vejo, na espécie, entretanto, caracterizada hipótese de concessão de liminar pretendida, em
ordem a impedir venha a Câmara dos Deputados a deliberar sobre o Projeto Lei de nº 5.483, de
2001, que alterou o art. 681 da CLT58. Cumpre observar, desde logo, que não se trata de
deliberação sobre proposta de emenda constitucional. Sustenta-se que o projeto de lei em foco é
inconstitucional e inconveniente, pelas razões longamente deduzidas na inicial. Não há, entretanto,
argüição de vício de origem, nem de qualquer nulidade ou mesmo irregularidade em seu
processamento. O que se pretende, em realidade, é discutir, por antecipação, a quaestio iuris de
inconstitucionalidade do Projeto de Lei. Releva notar que a matéria, sujeita ao debate da Câmara
dos Deputados, - se, nela, aprovada, - ainda dependerá da deliberação do Senado Federal.” Cf. MS
24.138/DF.

48
não se trataria de um momento oportuno para o exercício do controle judicial de
constitucionalidade.
iii) Ao consolidar entendimento favorável à extinção dos MS quando
finalizado o processo legislativo, o Tribunal claramente aponta no sentido de
priorizar o controle repressivo em detrimento da via preventiva.
iv) Esse entendimento também fortalece a capacidade de gestão e
controle da pauta do Tribunal, que nos MS estudados optou, em sua grande
maioria, por não interferir no processo legislativo e preferir aguardar seu
desfecho, seja ele qual for.
v) Apesar de reconhecido pelo Tribunal nas hipóteses de “cláusulas
pétreas”, o controle preventivo de emendas constitucionais materialmente
inconstitucionais59 praticamente inexiste na prática do STF, tendo sido priorizada,
nos 3 casos em que se obteve uma decisão final de mérito, a não intervenção na
fase legislativa, com a aplicação de uma interpretação restritiva dos limites
constitucionais que autorizariam o controle preventivo.

V. O controle de constitucionalidade repressivo


Este capítulo tem por objetivo realizar a comparação entre o controle
concentrado e repressivo de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal
Federal sobre os atos normativos dos Poderes Executivo e Legislativo federais. A
exposição dos dados é feita a partir da divisão analítica entre fatores de entrada
e fatores de saída, conforme já explicado anteriormente (cf. Capítulo III, supra).

V.1 Fatores de entrada: caracterização das demandas


Neste ponto específico, a preocupação reside em compreender como as
demandas judiciais que questionam a constitucionalidade da produção
normativa do Legislativo e Executivo chegam ao STF, sem, em um primeiro
momento, avaliar a reposta dada pela Corte Constitucional a essas ações. Para
isso, foram coletados os seguintes dados: (i) o perfil dos demandantes (i.e., de
quem acessa o STF, tanto como autores de ação quanto como amicus curiae);
(ii) o tema sobre o qual esses atos normativos versam; (iii) o tipo de ato
questionado (e.g., leis ordinárias, leis complementares, emendas constitucionais,

59
O reconhecimento dessa possibilidade não é pacífico na literatura. Ver, por exemplo, Conrado
Hübner Mendes, Controle de Constitucionalidade e Democracia, Rio de Janeiro, Elsevier, 2008, p.
146, nota 22.

49
medidas provisórias etc.); e (iv) o tempo decorrido entre a produção normativa e
sua impugnação no Judiciário.
As análises feitas adiante não esgotam as possibilidades de cruzamento
de dados, apresentando somente o que pareceu mais relevante para a equipe,
considerados os objetivos de pesquisa propostos. Assim, em relação ao tipo de
ato questionado, cumpre ressaltar que essa categoria fez parte da coleta de
dados, mas não mereceu uma análise diferenciada no exame dos fatores de
entrada (exceto para os casos de controle de atos do Executivo, como será
visto), sendo muito mais relevante para os cruzamentos feitos no tópico dos
fatores de saída. Além disso, em relação ao tempo de questionamento, também
se trata de uma análise preliminar, a partir da qual podem ser estabelecidas
hipóteses e conjecturas, as quais poderão ser confirmadas por meio de mais
análises cruzadas dos dados.

V.1.1 Quadro geral de temas das ações propostas


V.1.1.a Criando uma classificação temática
A classificação temática é muito relevante para a qualificação das
demandas que chegam ao STF, especialmente quando se tem um quadro de
categorias cuja linguagem seja a mesma do objeto categorizado, ou seja,
categorias que se constroem a partir da própria linguagem jurídica. Isso porque,
dessa forma, é possível manter maior proximidade com as discussões que
realmente incorreram em cada ação classificada, sem a necessidade de se fazer
abstrações ou generalizações indevidas.
A primeira versão do quadro de temas aqui apresentado foi desenvolvida
em pesquisa anterior realizada pela instituição proponente60, oportunidade na
qual foram analisados dois modelos de classificação formulados por estudiosos
da atuação do STF, um de Marcus Faro de Castro61 e outro de Werneck Vianna62.
A despeito do rigor metodológico com que ambos foram concebidos, verificou-se
que as categorias por eles criadas não eram suficientes para assegurar que tais
modelos pudessem ser adotados.

60
V. Notas nº 23, supra, e nº 77, infra. O texto sobre os temas reproduz em grande medida do
texto da pesquisa anterior, cabendo ressaltar, entretanto, que o quadro de temas foi parcialmente
reformulado, a partir das novas ações aqui classificadas.
61
CASTRO, Marcus Faro de. “O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política”. Revista
Brasileira de ciências Sociais, v. 12, n. 34, p. 147-156, 1997.
62
BURGOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins; VIANNA, Luiz Werneck. Dezessete anos de
judicialização da política. Tempo social. Nov-2007, pp. 39-85.

50
Com efeito, a classificação de Marcus Faro contém itens cuja distinção se
afigura de difícil fundamentação, o que demandaria diversas escolhas da equipe
de pesquisa, contribuindo para que o resultado final se afastasse em muito dos
termos em que a classificação foi criada. A separação, por exemplo, entre
“política fiscal e tributária”, de um lado, e “política monetária” e “política de
rendas” de outro talvez demandasse mais justificativas. Além disso, caberia
inquirir o que representa o tema “política local”, quando o próprio STF não possui
definição clara sobre o alcance desta expressão.63
Por outro lado, os critérios de Werneck Vianna se mostraram
problemáticos na medida em que os grupos temáticos não poderiam ser
facilmente compreendidos e instrumentalizados. De fato, em alguns casos,
pareceu bastante difícil distinguir “regulação da sociedade civil” de “política
social”, e esta de “relações de trabalho” ou de “regulação econômica”, por
exemplo. E mesmo a instituição de regras de interpretação em caso de possível
conflito – como a de que, em havendo menção a trabalho, deve-se classificar
sempre como “relações de trabalho” – não deixa de assinalar a imprecisão dos
termos e a ambigüidade do quadro geral de grupos temáticos.
O STF também procede a uma classificação própria dos temas das ADIs,
ADCs e das ADPFs64. No entanto, não há disponível um quadro de referência que
permita uniformizar as interpretações sobre as ações ajuizadas, podendo isso
resultar na classificação de duas ações idênticas de modo inteiramente diverso.65
Ainda, há casos em que a classificação se resume a “assuntos diversos”, termo
bastante amplo que não permite compreender o real objeto da ação.
Além de tais situações extremas, merece destaque a constatação de que
os grupos temáticos mais adotados pela Corte são o de “Administrativo” e o de
“Constitucional”, categorias amplas, que pouco explicitam o tema de cada ação.
Com efeito, na dimensão das discussões atinentes à competência do STF, a área
de direito administrativo é uma das mais significativas, sendo exigida sempre a

63
A questão da definição do alcance do termo “política local” foi discutida em alguns casos
analisados pelo STF, relativos à competência para execução de serviços de saneamento público. Cf.
ADI-MC 1746; ADI-MC 2098; ADI 1842; ADI 2077. Para um trabalho a respeito, cf. Veridiana
Mansour MENDES, A titularidade do serviço público de saneamento básico na jurisprudência do
STF. Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público,
2008. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/131_veridiana.pdf.
64
A classificação do STF encontra-se, por exemplo, na seção “Detalhes”, do “Acompanhamento
Processual” de cada ação. Cf., por exemplo, a classificação disponível no site do STF para a ADI nº
4100, em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=2626442.
65
Cf., por exemplo, a ADI nº 736, ADI nº 1003 e ADI nº 1056.

51
referência à Constituição Federal (sob pena de descabimento da ação de controle
concentrado).
O grupo de pesquisa formulou, assim, um critério próprio para aplicar a
todos os casos analisados, a partir da leitura da ementa dos julgados e dos
dispositivos normativos objeto de cada ação.66
A categorização foi orientada para identificar especificamente os temas
presentes no controle de constitucionalidade repressivo dos atos do Executivo e
Legislativo federais. Ou seja, nossa classificação foi criada a partir de um recorte,
sendo composta, à medida que se realizava a análise, pelos temas que nos
pareceram representativos do conjunto de casos.
Assim, em virtude da especificidade de muitos temas, foram criados
subgrupos para algumas categorias-gerais, aptos a abrigar casos semelhantes.
Isso se deu conforme o grau de recorrência de cada assunto, razão pela qual
alguns temas foram divididos em sub-temas, ao passo que outros restaram mais
genéricos, não havendo motivo para decompô-los. Como exemplo, no tema
“direito penal” não há subclassificações, ao passo que a categoria “serviço
público” foi decomposta em: (a) telecomunicações/radiodifusão; (b) energia
elétrica; (c) água e saneamento básico; (d) transporte; (e) concessão e
permissão.
As ações foram classificadas de acordo com os 20 temas abaixo:
1. Ambiental
2. Civil/Comercial (societário)
3. Consumidor
4. Direitos Fundamentais
4.1. Classificação indicativa
4.2. Direito à informação
4.3. Exercício profissional
4.4. Liberdade de imprensa e de expressão
4.5. Posse e porte de arma
4.6. Sigilo

66
Na seção “Petição Inicial”, do “Acompanhamento Processual” de cada ação, é possível consultar
as seguintes informações: dispositivo legal questionado, fundamentação constitucional, resultado
da liminar, decisão plenária da liminar, data de julgamento plenário da liminar, data de publicação
da liminar, resultado final, decisão final, decisão monocrática da liminar, decisão monocrática final,
incidentes, ementa, indexação, fim do documento. Por vezes, algumas dessas informações não
estão disponíveis, porém o dispositivo legal questionado foi encontrado na totalidade dos casos e
foi essa a nossa principal base para identificar a temática tratada na ação.

52
4.7. Direitos sexuais e reprodutivos
4.8. Anistia
5. Econômico
5.1. Empresa pública/Sociedade de economia mista
5.2. Programa Nacional de Desestatização (PND)
5.3. Planos econômicos
5.4. Regulação
5.5. Sistema financeiro nacional
6. Educação
7. Eleitoral e organização partidária
8. Financeiro (orçamento, precatórios e prestação de contas)
9. Índios/quilombolas
10. Organização institucional
10.1. Agências reguladoras
10.2. Autarquias e outros órgãos
10.3. Ministério Público/Defensoria Pública
10.4. Ministérios
10.5. Congresso Nacional
11. Outras políticas públicas
11.1. Crédito Rural
11.2. Reforma agrária
11.3. Salário mínimo
11.4. Esporte
11.5. Criança e adolescente
11.6. Habitação
12. Penal
13. Processo
13.1. Administrativo
13.2. Civil
13.3. Constitucional
13.4. Penal
13.5. Trabalhista
14. Processo Legislativo
15. Seguridade Social

53
15.1. Assistência social
15.2. Previdência
15.3. Saúde
16. Serviço Público
16.1. Concessão e Permissão
16.2. Energia elétrica/Gás
16.3. Portos
16.4. Telecomunicações/Radiodifusão
16.5. Transporte
16.6. Cartórios e registros
17. Servidor Público
17.1. Cargo/contratação
17.2. Concurso
17.3. Direitos e prerrogativas
17.4. Previdência
17.5. Remuneração
18. Trabalho
19. Trânsito
20. Tributário
Importa destacar que nenhuma ação foi classificada de modo a abarcar
mais de um dos temas estipulados. Cada ação foi classificada por apenas uma
categoria, com a finalidade de se extrair dados gerais dos temas mais
recorrentes na pauta do Tribunal. Desse modo, nos casos que poderiam ser
enquadrados em diversas temáticas, deu-se prioridade ao tema que pareceu
mais relevante na ação, tendo em vista as informações de cada processo,
apresentadas no início deste tópico.
Não obstante as críticas que podem ser direcionadas à ausência de
objetividade na escolha do tema de destaque em cada um desses casos, esse
procedimento configura prática comum na aplicação de classificações de objetos
de grande complexidade, tais como as ações de controle de constitucionalidade,
especialmente pelo fato de sua causa de pedir ser aberta. Além disso, buscou-se
tratar com a maior clareza possível as opções feitas nesses casos, razão pela
qual são descritas abaixo algumas das categorias empregadas na classificação
das ações analisadas.

54
No mais, procurou-se não levar em consideração questões formais/
processuais levantadas pelos ministros ou pela parte que ajuizou a ação. Assim,
é plenamente possível que a leitura da ementa indique que uma ação tenha sido
julgada pelo STF com base em argumentos formais. Da mesma maneira, é
possível que as próprias petições iniciais tenham levantado apenas pontos
relativos à forma. No entanto, a preocupação central foi com a matéria de fundo
dos dispositivos normativos questionados, à exceção do tema “Processo
Legislativo”, como será visto.
A seguir, são apresentados esclarecimentos acerca de algumas
classificações criadas para a presente pesquisa:

Organização institucional

Esta categoria abarca as ações em que o dispositivo questionado trata da


estrutura interna de determinado órgão. Aplica-se também às ações que versam
sobre normas que atribuem competência a algum órgão para que ele exerça
certa função. É o caso, e.g., da ADI nº 81, que trata de um Decreto-Lei Federal
que determina competência aos Conselhos de Educação para intervir no domínio
econômico por meio da fixação de preços, reajustamentos, tabelamentos de
anuidades, etc. A partir dos casos encontrados, houve uma subdivisão em: (i)
Ministérios; (ii) Ministério Público/Defensoria Pública; (iii) Autarquias e outros
órgãos; (iv) Agências Reguladoras; e (v) Congresso Nacional.
Relativamente aos Ministérios, pode-se citar o exemplo da ADI nº 1325,
na qual a Medida Provisória tratava justamente da organização da Presidência da
República e dos ministérios. O art. 49, da MP 1038/95, um dos artigos
questionados nessa ADI, ilustra bem a questão da estrutura e da competência
conforme explicação acima: “até que sejam aprovadas as Estruturas Regimentais
dos órgãos essenciais da Presidência da República e dos Ministérios Civis, de que
trata o art. 38, ficam mantidas as estruturas, as competências, inclusive as
transferidas, e atribuições, a denominação das unidades e a especificação dos
respectivos cargos, vigentes em 27 de junho de 1995.”
Quanto a Ministério Público/Defensoria Pública, a classificação incidiu nos
casos em que estes foram considerados enquanto instituição, e não
relativamente aos direitos e prerrogativas de seus membros (o que se
classificaria como sendo um tema de Servidor Público). Assim, aqui são incluídos

55
os casos de atos normativos que estabelecem as competências desses órgãos
auxiliares da Justiça.
Autarquias e outros órgãos constitui categoria residual, usada para
grupos de ações que não apareceram em grande número. Assim, aqui se inclui
desde o INCRA (ADI nº 1700), até atos normativos relativos à estrutura e
competência da Polícia Rodoviária Federal (ADI nº 1413), passando por atos que
regulamentam a criação de municípios.
Na subcategoria das Agências Reguladoras, foram incluídas ações que
questionam leis que criam agências reguladoras, que são um grupo significativo
nas ações que questionam atos originários do Executivo federal (e.g., ADI nº
3273 e ADI nº 3596).
Por fim, foi criada também a subcategoria Congresso Nacional, para
classificar aquelas ações que questionam decretos legislativos e regulamentos
expedidos por aquele órgão que estabelecem normas de organização dos
trabalhos legislativos, por exemplo (e.g., ADI nº 1635, que trata de limites para
instauração de Comissões Parlamentares de Inquérito na Câmara dos Deputados
e no Senado Federal).

Seguridade Social

Este tema reúne as questões referentes às normas destinadas a


assegurar os direitos relativos à previdência social, à assistência social e à saúde,
com destaque para as disposições sobre os planos de custeio e benefícios. O item
‘previdência social’ inclui o debate acerca de normas que tratam da cobertura
dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada, incluindo a proteção
à maternidade, a proteção ao trabalhador em situação de desemprego
involuntário, a pensão por morte do segurado, etc. Assim, todas normativas
referentes a contribuições sociais foram classificadas neste tema, não em
Tributário. Está excluído, entretanto, o que tocante às normas que regulam a
previdência do servidor público, dado que foi reservado um item específico de
classificação para essa matéria.
Em ‘assistência social’ tem-se a regulamentação da política social
destinada à promoção de auxílio aos necessitados, especialmente nos que se
refere à proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice,
às crianças e adolescentes carentes. Já sob o item ‘saúde’ foram reunidas ações

56
nas quais se tem como objeto de discussão normas que versam sobre as ações e
serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como para a
redução do risco de doenças e de outros agravos.

Índios / quilombolas

Inclui as ações dirigidas contra normas voltadas à proteção do


indígena/quilombola, especialmente as que tratam do direito originário sobre as
terras tradicionalmente ocupadas por tais populações. Trata-se de categoria que
incidiu somente nas ações que questionam atos originários do Executivo federal.

Educação

Sob essa categoria, foram reunidos os questionamentos acerca de


normas que versam sobre as políticas voltadas à promoção da educação,
envolvendo, dentre outras, disposições relativas à organização do sistema de
ensino, à universalização do atendimento escolar, à melhoria da qualidade do
ensino, à formação para o trabalho etc.

Processo legislativo

Em linhas gerais, o processo legislativo diz respeito ao “conjunto de


ações realizadas pelos órgãos do Poder Legislativo com o objetivo de proceder à
elaboração das leis”.67 Na presente pesquisa, isso se tornou um tema a partir do
momento em que foram encontradas ações em que, pela descrição do dispositivo
legal questionado, já foi possível perceber que se tratava de um problema
referente ao processo de elaboração desse dispositivo e não propriamente à
matéria de fundo.
O exemplo mais significativo desse tipo de situação encontra-se nas
ações em que uma determinada Medida Provisória é questionada por substituir
outra Medida Provisória cujo prazo de apreciação pelo Congresso Nacional ainda
não havia se esgotado. Ou seja, a alegação de inconstitucionalidade não
questiona o aspecto material da MP, mas sim o fato dela não poder substituir
outra MP que ainda tramita no legislativo. Um exemplo é a ADI nº 1315.

Outras políticas públicas

67
Definição apresentada no sítio eletrônico da Câmara dos deputados: http://www.camara.gov.br/
internet/processo/default.asp?selecao=VIDEO (consulta em: 11/12/09).

57
Com relação à classificação “Outras Políticas Públicas”, é preciso salientar
que se trata de uma categoria excepcionalmente criada com a finalidade de
abarcar políticas públicas que não se encaixariam em nenhuma das demais
categorias, e.g. “Saúde” e “Educação”. Com efeito, não se ignora o fato de que
grande parte das políticas públicas e programas governamentais promovidos
pelo Executivo Federal são instituídos por meio de atos normativos (em razão do
princípio da legalidade). No entanto, a maior parte desses programas
governamentais permite ser inserida em categorias específicas, o que explica seu
caráter subsidiário.68
Foram verificados seis subtemas distintos: salário mínimo (atos
normativos que alteram seu valor, ou estabelecem algum tipo de vinculação
entre seu valor); reforma agrária (política prevista no art. 184 e seguintes, da
CF); crédito rural (política específica que não se enquadra nas práticas de
incentivos econômicos e fiscais a outros setores, já contemplados nas categorias
econômico/regulação e econômico/Sistema Financeiro Nacional, que serão mais
bem detalhadas mais adiante); esporte (Estatuto do Torcedor e lei que
regulamenta o desporto); criança e adolescente (classificação que abarcou a ADI
nº 3446, na qual se questionava vários dispositivos do Estatuto da Criança e Do
Adolescente); e habitação (leis que estabelecem financiamento para habitação).

Trabalho

Abrange discussões relativas ao complexo de normas que regula as


relações empregatícias, além de outras relações normativamente especificadas,
incluindo-se as normas relativas às relações coletivas entre trabalhadores e
tomadores de serviço (associações coletivas). Também a regulação do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) foi situada sob esse item.

Processo

O tema “Processo” foi subdividido em cinco itens, a saber, “Processo


civil”, “Processo Penal”, “Processo Trabalhista”, “Processo Administrativo”, e
“Processo Constitucional”. Com relação aos três primeiros subtemas, não são

68
Considerando a diversidade de políticas públicas identificadas no levantamento do material
analisado, foi criado o tema “outras políticas públicas”, justamente para incluir essas políticas e
programas governamentais que não tinham relação direta com quaisquer dos outros temas. O
procedimento adotado foi verificar se o tema do ato normativo e da impugnação perante o STF se
encaixava em uma das categorias prévias. Em caso negativo, criou-se uma subcategoria dentro do
grande tema “outras políticas públicas.”

58
necessários grandes desenvolvimentos. Com efeito, cada item diz respeito ao
conjunto dos institutos que possibilitam a instrumentalização do ramo do direito
material ao qual se ligam.
A categoria “Processo Administrativo”, que inclui questionamentos acerca
do plexo normativo que orienta a solução de controvérsias no âmbito da
Administração, é residual, funcionando somente se não for possível o
enquadramento em outro tema, como tributário ou previdenciário, por exemplo.
Por fim, o item “Processo Constitucional” abarca aspectos tocantes aos
procedimentos de competência do STF para o controle de constitucionalidade,
como, e.g., as disposições sobre o processo e julgamento de ADIs, ADCs e
ADPFs – notadamente à Lei nº 9.868/99 e Lei nº 9.882/99.

Serviço Público

Assumem o caráter de serviço público as atividades que consubstanciam


serviços essenciais à sociedade e que, por isso, são prestadas privativamente
pelo Estado ou pelo setor privado em regime de concessão ou permissão.69 A
partir dessa concepção, o tema “serviço público” foi destrinchado em seis sub-
temas, de acordo com o que foi encontrado na pesquisa: telecomunicações/
radiodifusão70; energia elétrica/gás71; concessão e permissão; portos; transporte
(fluvial, ferroviário e terrestre)72; e cartórios e registros.73
A categoria concessão e permissão foi utilizada em casos mais genéricos,
que tratavam de forma abstrata sobre concessão e permissão para que agentes
privados prestassem serviços públicos. A ADI nº 1582 é um exemplo, dado que o
dispositivo questionado aborda algumas possibilidades de atuação da União em
casos de serviços públicos prestados por pessoas jurídicas em regime de
concessão.

Servidor Público

69
Para mais detalhes, cf. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, 13. ed.
São Paulo: Malheiros. 2008. pp. 133-135.
70
É exemplo desse subgrupo a ADI nº 561, cujo dispositivo legal questionado é o Decreto Federal
nº177/91, que regulamenta os Serviços Limitados de Telecomunicações.
71
Por exemplo, a ADI nº 3100, na qual se tratou da comercialização de energia elétrica.
72
Por exemplo, a ADI nº 3383, em que o dispositivo questionado “dispõe sobre exploração,
mediante permissão e autorização, de serviços de transporte rodoviário interestadual e
internacional de passageiros”.
73
Por exemplo, a ADI 208, em que o dispositivo questionado tratava da organização do serviço
notarial.

59
Para esta categoria, foram consideradas todas as ações cujo objeto de
impugnação era atos normativos que disciplinavam um dos seguintes sub-temas:
concurso público; remuneração dos servidores; previdência de servidores
públicos; cargos e contratação; e direitos e prerrogativas.
No que tange “remuneração dos servidores”, essa subcategoria
contempla desde disposições salariais, até gratificações e outros tipos de
proventos. Na subcategoria “cargos e contratação”, foram incluídas todas as
ações relativas exclusivamente à criação de cargos e reenquadramento de
servidores (e.g., ADI nº 809), contratação temporária (e.g., ADI nº 1567),
regulamentação do estágio probatório dos servidores públicos (e.g., ADI nº
1880) e também contratação de voluntários.
Por fim, há um subtema chamado “prerrogativas e direitos” que
contempla, dentre outras, ações cujo objeto é ato normativo que institui vedação
do exercício de atividade advocatícia por servidores (e.g. ADI nº 4100), ou
mesmo a regulamentação do direito de propriedade por parte de servidores
militares (e.g., ADI nº 3340).

Direitos Fundamentais

O termo “direitos fundamentais” é bastante amplo, podendo abrigar uma


diversidade de casos. Para os fins dessa pesquisa, no entanto, o tema “direitos
fundamentais” tem caráter residual. Isso quer dizer que é possível encontrar
direitos ditos fundamentais em outros temas da classificação, restando nesse
apenas aqueles que não couberam em outra categoria.
É o caso, e.g., de ações que tratam sobre: suspensão do registro de
armas de fogo (e.g. ADI nº 2290); classificação indicativa (e.g. ADI nº 2390);
direito ao sigilo de dados pessoais (e.g. ADI nº 4006); direito à informação (à
verdade), entre outros. Cumpre ressaltar que ações que versavam sobre
regulamentação de profissões, com atos que estabeleciam criação de conselhos
ou regulavam o exercício da advocacia, por exemplo, foram classificadas sob
subtema “exercício profissional”.

Financeiro (orçamento, precatórios e prestação de contas)

Com relação ao a esse tema, foram consideradas não somente questões


estritamente orçamentárias, relativas à elaboração do orçamento anual
(compreendendo tanto o plano plurianual, as leis de diretrizes orçamentárias,

60
quanto à lei orçamentária em si e a criação de créditos extraordinárias,
suplementares e especiais), mas também todo tipo de impugnações que
versassem sobre dívida ativa e passiva da União, seja em face de um Estado,
seja em face de um município – notadamente, os casos em que o ato normativo
tem por objeto a remissão de dívidas entre os mencionados entes. Nessa última
hipótese, também são abrangidos os casos relativos ao pagamento de
precatórios e sua regulamentação.
Além disso, também foram considerados atos normativos que cuidam da
dotação orçamentária de órgãos da administração direta e indireta. Nesse
sentido, quando o tema central gira em torno da destinação de determinada
receita, oriunda da arrecadação de um tributo qualquer, a questão é considerada
estritamente “financeira”, e não “tributária”. Note-se que o Cadastro Informativo
dos Créditos de Órgãos e Entidades federais não quitados (CADIN) também se
encontra abrangido na categoria “financeiro (orçamento)”.
Por fim, ressalte-se que dotações orçamentárias para políticas
específicas, tais como a questão da vinculação dos investimentos em educação
(art. 212, caput, da CF) ou de recursos mínimos na saúde (art. 198, § 2º, da
CF), também foram classificadas como relativas ao tema “financeiro
(orçamento)”. Excepcionalmente, questões financeiras relativas à Previdência
Social, a despeito de se poder considerá-las “financeiro (orçamento)”, pelo fato
de tratarem de questões orçamentárias, foram incluídas no tema “seguridade
social (previdenciário)”.74

Econômico

Dentro desta categoria, decidiu-se por enquadrar todas as questões


relativas à atuação do Estado no e sobre o domínio econômico. Em outras
palavras, seja enquanto agente regulador, seja na qualidade de agente
econômico que participa diretamente do processo de produção, por meio das
empresas com aporte de capital público.
Com relação à atuação do Estado na economia enquanto agente
normativo e regulador, criaram-se os seguintes subtemas: Programa Nacional de

74
Ressalte-se que, nessa hipótese excepcional, somente foram registrados dois casos: (i)
amortização da dívida previdenciária (ADI nº 1705); e (ii) dotação orçamentária para pagamentos
da Previdência Social decorrentes de litígios administrativos e judiciais (ADI nº 1252).

61
Desestatização; planos econômicos; regulação; empresa pública e sociedade de
economia mista; e sistema Financeiro Nacional.
No primeiro subtema, foram incluídas todas as ações que versassem
sobre algum aspecto do Programa Nacional de Desestatização, conhecido pela
sigla PND, instituído pela Lei nº. 8.031, de 1990, posteriormente modificado e
regulamentado por uma série de atos, notadamente por meio de Medidas
Provisórias. Com relação ao segundo, foram incluídas todas as ações que
impugnavam planos econômicos, tais como o plano Brasil Novo, de 1990 (ADI nº
259), inclusive relativas ao Plano Real.
O que motivou a criação de categorias específicas, tais como planos
econômicos, Sistema Financeiro Nacional e PND, que, à primeira vista, poderiam
sem grandes problemas ser inseridas no subtema “regulação”, foi o volume de
ações encontradas em cada uma dessas categorias no grupo de ações que
questionam atos originários do Executivo. Dessa forma, não haveria sentido
colocar tais casos em uma categoria genérica, sendo que grande parte deles
dizem respeito a três atuações de regulação específicas, hipótese em que tais
dados seriam perdidos ou mesmo dariam margem a interpretações equivocadas
acerca dos temas de maior incidência perante o STF.
Assim, dentro da categoria regulação, foram contempladas todas as
ações cuja impugnação incidia sobre atos normativos que disciplinam atividades
econômicas diversas das consideradas acima como “serviço público” – registre-
se, inclusive, a tentativa de determinar o valor de mensalidades escolares (ADI
nº 1126), publicidade de produtos fumígenos (ADI nº 3311), bem como, e.g., o
plantio e a comercialização de alimentos transgênicos (ADI nº 3328). Além disso,
nessa categoria foram incluídas ações que versassem sobre medidas de
desindexação da economia.
Por fim, foi criada a categoria “empresa pública / sociedade de economia
mista”, justamente com a finalidade de medir a incidência de ações cujo objeto
de impugnação é ato normativo que versa sobre a atuação do Estado enquanto
agente econômico diretamente participante do processo produtivo. Ressalte-se
que esta categoria contempla apenas os casos em que a impugnação incide
sobre questões abstratas envolvendo empresa pública e sociedade de economia
mista.

62
Nesse sentido, caso o enfoque principal seja relativo aos serviços ou
atividades desenvolvidas pelo agente e essa atividade se enquadre na categoria
de “serviço público”, o tema da ação foi
foi classificado como “serviço público”.

V.1.1.b Distribuição temática das ações


Lembrando que o número de ações de controle concentrado no STF que
questionam atos normativos do Legislativo Federal é 458 e, do Executivo
Federal, 877, pode-se admitir algumas comparações quantitativas.
Gráficos 1 e 2

63
De acordo com o que se apreende dos gráficos, quando o ato é emanado
do Legislativo Federal e, posteriormente, questionado ante o STF, predomina a
temática eleitoral e de organização partidária (14%), seguida de servidor público
(12%), tributário (11%) e processual (10%). Já para atos de origem no
Executivo, maior expressão tem o tema de servidor público (14%); em segundo
lugar, despontam questões econômicas (13%) e também são representativos
seguridade social (12%) e tributário (11%). Ou seja, em termos gerais, para
atos dos dois Poderes, o que mais chega ao Supremo são as discussões a
respeito de servidor público, tributário e seguridade social, massificadas pelo
maior número de questionamentos
questionam da produção do Executivo.
Em alguns casosos, essa distribuição se explica, inclusive, por conta das
exigências constituicionais para regulação de determinado tema ou assunto ora
por meio de lei de iniciativa de ambos os Poderes Legislativo ou Executivo
(âmbito de competências
tências concorrentes, em que não há exclusividade de nenhum
dos dois Poderes para autoria do projeto de lei).
Ainda assim, verifica-se
verifica se uma certa constância nos temas ajuizados seja
do Executivo ou do Legislativo, sendo a discrepância mais notável a de eleitoral
elei e
organização partidária, como os assuntos da produção do Congresso que mais
ensejam recurso ao Supremo Tribunal, porém com baixa incidência na agenda do
Executivo.
Gráfico 3

64
V.1.2 Quem acessa o STF: atores-demandantes
A Constituição Federal, em seu art. 103, explicita os legitimados para a
propositura das ações de controle concentrado de constitucionalidade75: o
Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos
Deputados; a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do
Distrito Federal; a Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-
Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; o
Partido político com representação no Congresso Nacional; e a Confederação
sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. A partir desta previsão
constitucional, foram classificados os demandantes das ações de controle
concentrado.
Incluem-se no campo dos demandantes também aqueles que não teriam
legitimidade ativa segundo a constituição, como indivíduos ou municípios, ou
segundo a jurisprudência do próprio STF. Aqui, considerou-se a autodeclaração
dos demandantes nas petições iniciais ou as informações disponíveis sobre
sindicatos e entidades de classe em seus estatutos sociais ou páginas na internet
para realizar sua classificação. O intuito da pesquisa é verificar quem invoca o
STF, independentemente de haver um pronunciamento posterior do tribunal
declarando a ilegitimidade ativa destes atores76 ou uma limitação constitucional.
Nos gráficos abaixo, identifica-se que, nos casos de controle de
constitucionalidade de atos normativos de iniciativa tanto do Legislativo Federal,
quanto do Executivo federal, os atores que mais demandam o STF são os
partidos políticos, seguidos dos sindicatos e entidades de classe. Em conjunto,
essas entidades são responsáveis, respectivamente, por 71% e 80% das ações

75
Este era o rol de legitimados originalmente previsto para as ADIs, que foi posteriormente
ampliado para ADCs com a Emenda Constitucional 45/2004. O mesmo rol foi ampliado para as
ADPFs, por meio da Lei 9882/1999. Aplica-se também às ações diretas de inconstitucionalidade por
omissão, com regulamentação dada pela Lei 12.063/2009.
76
Não foi feita, portanto, uma análise sobre como o STF delimita a legitimação ativa do controle de
constitucionalidade, embora essa informação apareça incidentalmente nesta pesquisa quando
apresentamos as razões para a extinção de processos sem julgamento de mérito nos casos de
controle de constitucionalidade de atos normativos do executivo federal. Entre essas razões está a
ilegitimidade de parte (v. item 2.4, infra). Este trabalho de avaliação da legitimidade ativa à luz do
STF poderia trazer informações interessantes, acerca de padrões de receptividade do tribunal às
demandas de determinados atores. Cf. Carolina Cutrupi Ferreira, Os critérios de legitimidade
reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal para propositura de ação direta de
inconstitucionalidade. Monografia apresentada à Escola de Formação, sbdp, 2007. Disponível em:
http://www.sbdp.org.br/ arquivos/monografia/95_Carolina%20Cutrupi%20Ferreira.pdf.

65
de controle concentrado nos casos do Executivo e Legislativo Federal. Por esta
razão será dado maior enfoque à análise destes atores neste trabalho.
Gráfico 4

Demandantes
número total de casos
Legislativo Executivo

Partido político 125


343

Sindicato 105
226

Entidade de classe 102


138
Procuradoria-Geral da 59
República 62

OAB 26
49
Governador e legislativo 35
estadual 38

Outros (indivíduo, município) 7


20

Presidente, Senado e Câmara 4


4

66
Gráfico 5

Para melhor compreender a variação da participação desses


demandantes ao longo do tempo, optou-se
opt por utilizar os períodos presidenciais
comparação.77 Por se tratar de um estudo sobre “judicialização
como unidade de comparação
da política” no STF, esta unidade temporal poderia identificar padrões de
participação dos diferentes grupos de demandantes conforme a composição do
governo federal. Essa periodização foi realizada de dois modos, um a partir da
data de propositura da ação no STF e outra
outra a partir da data do ato normativo
cuja constitucionalidade é avaliada. Nos gráficos abaixo (em cada título ou
subtítulo), procura-se
se indicar com clareza qual desses dois critérios foi utilizado
para periodização em cada caso.

77
Os períodos presidenciais utilizados nessa pesquisa são Sarney (5.10.1988, data de promulgação
da Constituição
ção de 1988, marco temporal inicial da coleta de ações nesta pesquisa até 14.3.1990),
Collor (15.3.1990 a 1.10.1992), Itamar Franco (2.10.1992 a 31.12.1994), FHC I (1.1.1995 a
31.12.1998), FHC II (1.1.1999 a 31.12.2002), Lula I (1.1.2003 a 31.12.2006), Lula
L II (1.1.2007
até 30.07.2010, marco temporal final de coleta das ações nesta pesquisa).

67
Gráfico 6

LEGISLATIVO: Demandantes por período


presidencial
(número total de casos/data de propositura da ação)

35

30

25

20

15

10

0
Sarney Collor Itamar FHC I (95/98) FHC II Lula I (03/06) Lula II
(88/90) (90/92) (92/94) (99/02) (07/10)

Partido Político Sindicatos


Entidades de Classe PGR
Governador e legislativo estadual OAB
Não Legitimados (Indivíduos) Presidente e Câmara

68
Gráfico 7

LEGISLATIVO: Demandantes por período


presidencial
(número total de casos/data de promulgação do ato normativo)

45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Antes de Sarney Collor Itamar FHC I FHC II Lula I Lula II
88 (88/90) (90/92) (92/94) (95/98) (99/02) (03/06) (07/10)

Partido Político Sindicatos

Entidades de Classe PGR

Governador e legislativo estadual OAB

Não Legitimados (Município e Indivíduos) Presidente e Senado

Nas ações de controle concentrado de constitucionalidade de atos


normativos de iniciativa do Legislativo federal é interessante notar a inversão da
participação dos demandantes partidos políticos e entidades sindicais entre os
períodos presidenciais de FHC e Lula. Enquanto o volume de demandas dos
partidos políticos diminui, o das entidades de classe aumenta entre os períodos
de governo dos dois presidentes.
Essa tendência se mantém quando o referencial é não o instante de
acionamento do STF, mas período governamental no qual o ato normativo de
origem do Legislativo federal foi editado. Isso porque um ato normativo
publicado durante um determinado governo poderia vir a ser questionado
durante outro período presidencial diante de uma correlação de forças diversa no
momento de sua edição. Os partidos políticos despontam entre os principais
demandantes de atos normativos de origem do Legislativo federal promulgados

69
durante o governo FHC I. Já durante o governo Lula I, as demandas dos partidos
políticos sofrem queda acentuada, enquanto as demandas das entidades de
classe aumentam. Note-se
se que a Procuradoria Geral da República tem atuação
expressiva ao questionar a constitucionalidade
con nalidade de atos normativos do Legislativo
L
federal, promulgados durante o governo de Fernando Collor.
Gráfico 8

70
Gráfico 9

Para
a atos normativos de origem do Executivo
Executivo federal, os partidos
políticos concentram suas demandas no período FHC I e repetem um pico de
demandas no mandato de Lula II. Aqui se repete a tendência encontrada no
universo das ações que demandam atos normativos de origem do legislativo
federal, na qual os sindicatos apresentam um pico de demandas durante o
governo FHC I e declive
live durante os governos de Lula, enquanto as entidades de
classe aumentam suas demandas durante os governos Lula.
As tendências a serem apontadas da diferença “momento de entrada no
STF” e “momento de edição do ato normativo” são que, embora as entidades de
classe atinjam maiores patamares como demandantes no governo Lula, boa
parte destes atos foi produzida no primeiro mandato de FHC. O mesmo se
percebe com relação aos partidos políticos, que aumentam sua participação no
marco Lula II, porém no que se refere
refere aos atos emanados nesse governo, sua

71
faixa é estável, revelando resquícios do governo anterior ou anteriores, sendo
levados ao Judiciário.
Os partidos políticos, sindicatos e entidades de classe, por serem os
principais demandantes nos dois universos de ações desta pesquisa, e por
apresentarem interessantes variações ao longo dos períodos presidenciais, terão
maior enfoque neste trabalho. Uma análise mais detida desses atores revela que
eles não representam interesses homogêneos. Por outro lado, as entidades de
classe e sindicatos, a despeito de constituírem categorias de atores diferentes
constitucionalmente, podem ter muito em comum quanto aos interesses que
representam, por exemplo, quando comparadas as demandas de entidades de
profissionais (sejam elas entidades de classe ou sindicatos) e das de caráter
econômico, conforme o setor da economia que representem.
Por essa razão, optou-se por produzir dados sobre a variação dos dois
períodos FHC em contraposição aos dois períodos dos governos Lula,
conjuntamente nos dois universos de ações desta pesquisa (Legislativo e
Executivo), em relação aos atores partidos políticos, sindicatos e entidades de
classe e aos temas que levam ao STF. Para tanto, foram levadas em
consideração as datas de promulgação dos atos normativos questionados e não a
data de propositura das ações.

72
Gráfico 10

Distribuição de temas por período


presidencial
(data de ajuizamento/número total de casos dos dois universos - ações
questionando atos do Executivo e do Legislativo)

Índios/Quilombolas

Consumidor

Penal

Trânsito

Civil/Comercial

Outras políticas

Educação

Direitos Fundamentais

Ambiental

Serviço Público

Financeiro

Processo Legislativo

Eleitoral

Trabalho

Organização Institucional

Processo

Econômico

Servidor Público

Tributário

Seguridade Social

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Lula I e II FHC I e II

73
Gráfico 11

Distribuição de temas - FHC I e II


(porcentagem somados os casos dos dois universos - Legislativo e
Executivo)

Outras políticas Civil/Comercial Trânsito


2% Penal
2% 1% 1%
Educação Índios/Quilombolas
2% 0%
Direitos
Fundamentais
3%
Ambiental
4% Seguridade Social
14%
Serviço Público
4%
Tributário
Financeiro
11%
5%

Processo Legislativo
5% Servidor Público
10%
Eleitoral
6%

Trabalho Econômico
6% 9%
Organização
Institucional Processo
6% 9%

Gráfico 12

Distribuição de temas - Lula I e II


(porcentagem somados os casos dos dois universos - legislativo e
executivo)
Educação
2% Trânsito
Civil/Comercial 1% Índios/Quilombolas
Eleitoral 2% 1%
3%
Ambiental Financeiro
4% 12%
Serviço Público
5%

Tributário
Trabalho 12%
6%

Econômico
6% Servidor Público
11%
Penal
6%

Organização Processo
Institucional 8%
Direitos 7%
Fundamentais
7%
Seguridade Social
7%

74
Da análise dos três gráficos acima sobre a distribuição dos temas dos
atos normativos de origem do Legislativo e do Executivo
Executivo federal, promulgados
nos períodos presidenciais FHC e Lula, pode-se
pode se observar que,
que em termos
absolutos, o número de casos apresentados ao STF é maior no período FHC e
também que há grande variação dos temas entre os períodos de governo dos
dois presidentes.
Nos governos
rnos FHC, as demandas nos temas de seguridade social,
tributário, servidor público, econômico e processo representam juntas 53% dos
casos questionando atos normativos do período no STF. Comparativamente, nos
governos Lula, os atos normativos mais demandados
demandados no STF correspondem ao
tema financeiro. Tributário e servidor público mantém paralelo com a
porcentagem de demandas dos períodos FHC, e o tema de processo ultrapassa o
questionamento de atos normativos econômicos do período FHC.
Também é interessante notar
notar em outros temas menos demandados a
variação entre os dois governos. Os atos normativos no tema eleitoral são mais
questionados no período FHC do que no período Lula. Ademais, ações cujo tema
é processo legislativo, nas quais são questionadas preponderantemente
preponderantemente Medidas
Provisórias, como exposto na apresentação de temas acima, deixam de ser
questionadas no período Lula. E em outro sentido, normas de penal e direitos
humanos do período Lula são mais questionadas do que no período FHC.
FHC
Gráfico 13

Distribuição de atores - FHC I e II


(porcentagem e números total de casos dos dois universos -
Legislativo e Executivo)
100%

80%
312
60% 400 426
476

40%

20% 227
139 113
63
0%
Partidos Políticos Sindicatos Entidades de Outros atores
Classe

75
Gráfico 14

Distribuição de atores - Lula I e II


(porcentagem e número total de casos dos dois universos -
legislativo e executivo)
100%

80%
222
60% 264 247 271

40%

20%
110
68 85 61
0%
Partidos Políticos Sindicatos Entidades de Outros atores
Classe

Gráfico 15

Ações de Autoria de Partidos Políticos


x Data de ajuizamento
(número absoluto de casos - universos do Executivo e Legislativo)

PPR
PSTU
PST
PRTB
PHS
PFL/DEM
PPS
PSC
PMDB
PL/PRONA/PR
PDT
PC do B

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130

Lula I e II FHC I e II

Quando distribuídas as demandas dos partidos políticos ao longo do


tempo, especialmente por períodos presidenciais, é possível notar que há uma

76
alternância entre os partidos demandantes, sendo PFL/DEM, PSDB e PPS os
principais partidos políticos demandantes de atos normativos nos períodos de
governo Lula e PT, PDT e PC do B, durante os governos FHC. Isso indica que há
uma relação entre a tematização no STF e a composição político-partidária do
governo federal e de sua oposição.
Já em relação às entidades de classe e aos sindicatos, é preciso notar,
como já anteriormente afirmado, que eles representam diversas atividades,
profissionais, econômicas e de interesses difusos e coletivos, e por isso não
podem ser tomadas como um todo homogêneo de interesses. Por constituírem
um grupo de atores relevante, que litiga com freqüência no STF, e para melhor
compreender quem representam ao acessarem o STF, merecem uma tentativa
de classificação que procure aproximar as entidades de classe e os sindicatos
segundo os interesses representados. A partir dessa aproximação, tais entidades
poderão, então, ser avaliadas em relação aos temas que levam ao STF.
Entidades de classe e sindicatos foram classificadas, principalmente, com
relação à sua finalidade econômica ou profissional. O intuito era justamente o de
refinar a análise o mais próximo possível de seu perfil de atuação. Uma entidade
de classe de profissionais exerce uma função que muitas vezes confunde-se com
o papel desempenhado por sindicatos de profissionais.
Da mesma forma, sindicatos que representam atividades de
determinados setores econômicos podem atuar de forma parecida a entidades de
classe representativas de atividades econômicas desses mesmos setores. Além
dos sindicatos e entidades de classe, foram encontradas também entidades de
benefício público ou mútuo, que atuam com diferentes finalidades (defesa de
interesses difusos e coletivos, religiosos etc.), e empresas, representando
diferentes setores econômicos. A seguir, o esquema de classificação
desenvolvido para os fins desta pesquisa e que foi utilizado tanto para a
classificação dos demandantes, quanto dos participantes como amicus curiae ou
em audiências públicas78:

78
A classificação foi desenvolvida em Controle de Constitucionalidade dos atos do Poder Executivo,
op. cit. e aperfeiçoada na atual pesquisa. Para agrupar de modo mais fidedigno as carreiras
profissionais, seja quanto às atividades desenvolvidas, seja quanto ao seu caráter público ou
privado, recorremos às definições da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), de 2002,
elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego e disponível em: http://www.mtecbo.gov.br.

77
1. ENTIDADES DE BENEFÍCIO PÚBLICO OU MÚTUO
a. Entidade de interesses difusos e coletivos
b. Entidade de interesses religiosos
c. Entidade de assistência social
d. Entidade desportiva

2. ENTIDADES DE CLASSE
a. Entidade de classe de profissionais
i. Carreiras públicas
1. do poder executivo
2. do poder judiciário
3. do poder legislativo
4. do ministério público ou da defensoria pública
5. de policiais e militares
6. outras carreiras públicas
ii. Setores econômicos
1. do setor econômico primário (agricultura)
2. do setor econômico terciário (serviços)
iii. De representação geral de profissionais
b. Entidade de classe de setores econômicos
i. do setor econômico primário (agricultura, aqüicultura, pesca,
pecuária, mineração)
ii. do setor econômico secundário (indústria)
iii. do setor econômico terciário (comércio, finanças, serviços)
c. Outras entidades de classe

3. SINDICATOS
a. Sindicatos de profissionais
i. Carreiras públicas
1. do poder executivo
2. do poder judiciário
3. do poder legislativo
4. do ministério público ou da defensoria pública
5. de policiais e militares
6. outras carreiras públicas
ii. Setores econômicos
1. do setor econômico primário (agricultura, mineração)
2. do setor secundário (indústria)
3. do setor econômico terciário (comércio, finanças, serviços)
iii. De representação geral de profissionais
b. Sindicatos de setores econômicos
i. do setor econômico primário (agricultura, pecuária)
ii. do setor econômico secundário (indústria)
iii. do setor econômico terciário (comércio, finanças, serviços)

4. EMPRESAS
a. do setor econômico secundário (indústria)
b. do setor econômico terciário (finanças, serviços)

78
Como se pode perceber, as subdivisões de cada tipo de entidade se
comunicam. Os gráficos abaixo permitem avaliar melhor a representatividade
dos diversos grupos de interesse das entidades de classe e sindicatos. Nota-se a
grande representatividade das entidades profissionais como um todo, quando
comparadas às demais. Dentre as entidades profissionais, despontam as
carreiras públicas. Por sua vez, entre as entidades econômicas é clara a
representatividade do setor terciário. Esse diagnóstico é válido tanto para o
universo das ações de controle de constitucionalidade de atos normativos de
origem do Legislativo, quando do Executivo federal.
Gráfico 16

79
Gráfico 17

Tais dados podem indicar a alta capacidade de mobilização judicial destes


grupos na defesa de seus interesses; bem como podem refletir um recorte de
legitimação ativa produzido pela própria Constituição de 1988. Aqui, mais uma
vez, seria relevante um estudo complementar sobre como o STF recepciona
estes atores e como interpreta a Constituição, com relação à sua legitimidade
ativa. Isso porque o próprio tribunal pode criar um filtro de acesso de grupos de
interesse à sua jurisdição por meio de sua jurisprudência.

V.1.2.a Amicus curiae

Além das entidades que apresentam demandas ao STF, há também


aquelas que participam do debate constitucional de modo incidental, por
exemplo, como amicus curiae. Estas costumam entregar documentos ao tribunal,
contendo informações, teses jurídicas ou mesmo moções de apoio às ações,
procurando subsidiar e influenciar as decisões tomadas pelo tribunal. A atuação
dos amici curiae pode servir também como termômetro do impacto esperado
com a decisão judicial. Isso porque temas de grande repercussão costumam
atrair grupos de entidades, que incidem coletiva ou individualmente no caso, por
meio do instituto do amicus curiae.
O amicus curiae é um instrumento que permite a participação de um
maior número de atores, por ser menos restritivo que o rol de legitimados à
propositura de ações de controle concentrado no STF. E é tido pelo próprio
Tribunal como um meio de participação que promoveria a democratização do
debate constitucional e a pluralidade de argumentos.

80
Os resultados da pesquisa mostram que, do total de 458 casos
impugnando atos editados pelo Legislativo federal, 84 (ou 18,3%) receberam
pedidos de ingresso como amicus curiae. Por outro lado, das 877 ações
questionando atos do Executivo federal, 113 (ou 12,9%) tiveram esta tentativa
de participação incidental. Vale ressaltar que foram consideradas todas as
petições de amicus curiae apresentadas, independentemente de elas terem sido
deferidas pelos ministros relatores. O objetivo aqui, assim como em relação aos
demandantes, era o de medir a demanda de participação e não o filtro de
legitimidade desenvolvido pela jurisprudência do STF.
Gráfico 18

81
Gráfico 19

Observa-se nos quadros acima que há uma sobrerrepresentação das


entidades que mais apresentam amici curiae, pois elas estão também entre as
que mais apresentam demandas ao STF, ao lado dos partidos políticos. Entidades
de classe e sindicatos despontam entre os atores que mais propõem amici curiae
e, ao mesmo tempo, são também as legitimadas para a propositura de ações de
controle concentrado de constitucionalidade no STF.
As entidades de classe têm forte representatividade, participam como
amici curiae de 49,6% do total de ações de controle de constitucionalidade de
atos normativos de origem do Executivo federal que possuem amici curiae
propostos e de 48,8% do total de ações de controle de constitucionalidade de
atos normativos de origem do legislativo federal que possuem amici curiae
propostos. Os sindicatos, por sua vez, apresentam amici curiae em 37,2% das
ações questionando atos do Executivo federal; e em 29,8% das que impugnam
atos do Legislativo federal.
Surge, no entanto, um ator novo nesse debate constitucional, as
associações de interesses difusos e coletivos, ingressando, respectivamente, com
20,4% e 15,5% dos amici curiae.

82
Gráfico 20

Na evolução no tempo, pode-se


pode se apreender forte aumento de petições de
amici curiae nos casos que foram apresentados ao STF entre os anos de 2003
200 e
2005, em contraponto com os períodos anteriores. Este gráfico, portanto, precisa
ser analisado com atenção ao fato de que os anos não correspondem à data em
que os amici curiae foram protocolados no STF, mas sim à data em que o caso
no qual procuraram incidir foi apresentado
apresentado para apreciação do STF.
Isso explica a presença de amici curiae antes da promulgação da Lei nº
9.868/1999 (sobre
sobre o processo e julgamento de ADI e ADC)
ADC e da Lei nº
9.882/1999 (sobre
sobre o processo e julgamento da ADPF),
ADPF , as quais, embora não
regulem a admissão do amicus curiae em si, abrem oportunidade para que, a
critério do relator, sejam ouvidos “depoimentos de pessoas com experiência e
autoridade na matéria” (art. 9º, par. 1º e art. 6º, pár. 1º, respectivamente).

V.1.3 O tempo de questionamento: algumas hipóteses


O tempo de questionamento - lapso temporal entre a publicação da
norma e o ajuizamento da ação de controle de constitucionalidade – pode ser um
importante fator para compreender como são trazidas ao STF as demandas de
controle
role de constitucionalidade por cada grupo de demandantes. Pode revelar,
por exemplo, a capacidade de organização de determinados grupos para
responderem rapidamente ou não à publicação de determinada norma que
consideram inconstitucional. O rápido questionamento
questionamento pressupõe, por parte dos

83
demandantes, uma capacidade de organização para demandar que depende de
condições de acesso à informação e disponibilidade de recursos e infra-estrutura
infra
para intervir judicialmente.
Eventualmente, a celeridade pode refletir ainda a extensão da discussão
travada na esfera do Congresso Nacional ao STF, representando a insatisfação de
grupos políticos nas negociações da norma confrontada. Por outro lado, uma
maior rapidez no questionamento por parte dos partidos políticos, associada
asso à
grande quantidade de demandas,
deman pode aponta para o uso do controle de
constitucionalidade com instrumento de pressão política. Aqui, explica-se,
explica então,
tanto a velocidade quanto a demora, aguardando-se
aguardando se a melhor conjuntura política
para se manifestar a oposição ao ato normativo.
Gráfico 21

84
Gráfico 22

A análise dos gráficos mostra que predomina, para ambos os grupos


analisados,, reação em até um ano da edição do ato: 58% para atos do
Legislativo e 68% para atos do Executivo. As porcentagens aproximam-se
aproxim
bastante, inclusive, quando o ato é questionado entre 1 e 6 meses após ser
emanado (33%, Legislativo e 30%, Executivo). Interessante notar, entretanto,
com relação aos atos normativos do Executivo federal, a substancial
porcentagem de normas que são levadas ao controle do STF no curtíssimo prazo
de 11 dias a 1 mês de sua edição.
A similaridade dos tempos de questionamento para os dois grupos de
ações leva a crer que a variação desses tempos pode estar mais relacionada aos
demandantes, ao tema do ato questionado e às características do processo de
deliberação desse ato, do que ao espaço de origem deste, Executivo ou
Legislativo.

V.2 Fatores de saída: como decide o STF?

V.2.1 Dados gerais sobre os tipos


tipos de resposta e não-resposta
não
Uma segunda chave de análise quantitativa aplicada às ações de controle
repressivo de constitucionalidade diz respeito ao que se optou por chamar de

85
fatores de saída, que correspondem aos elementos e informações necessários
para caracterizar o papel do STF na dinâmica do fenômeno da judicialização de
questões políticas. No presente tópico, serão analisadas as variáveis internas do
STF que de algum modo podem, isolada ou conjuntamente, influenciar na sua
atividade de controle da constitucionalidade de tais atos.
Em linhas gerais, esses fatores de saída dizem respeito a duas
informações essenciais: (i) qual o tipo de reação do tribunal, em termos de
output, diante da demanda que lhe é apresentada – aqui, como será visto, foram
consideradas tanto as duas formas de resposta, quanto de não-resposta; e (ii) a
influência dos tipos de resposta em liminar na tramitação desses processos,
como uma variável que age sobre o resultado final da ação (com resposta ou
não-resposta) e o comportamento dos agentes envolvidos. Esses dois fatores,
juntos, constituem aquilo que a equipe de pesquisa buscou para tentar responder
à questão: “como decide o STF?”.
Nos gráficos abaixo, encontram-se resumidas algumas informações
e dados gerais sobre a atividade do STF em controle concentrado de
constitucionalidade questionando atos normativos oriundos do Legislativo e do
Executivo federais. Neles, está retratado o universo de pesquisa referente a cada
Poder: o primeiro diz respeito aos atos emanados do Executivo federal,
enquanto o segundo concerne aos atos oriundos do Legislativo federal.

86
Gráfico 23

Gráfico 24

87
Os dados constantes dos gráficos acima revelam inicialmente os
percentuais de ações que tiveram ou não resposta do STF. Aqui, é possível
verificar que foram consideradas as ações que ainda aguardam julgamento, de
mérito ou de liminar. Observa-se que a proporção de ações aguardando
julgamento é bastante semelhante entre as ações questionando atos originários
do Poder Executivo e Legislativo: 25% e 27%, respectivamente.
Além disso, esses gráficos apresentam a proporção de casos que foram
extintos sem resolução de mérito, ou, para utilizar a terminologia aqui adotada,
ações extintas sem qualquer resposta do tribunal, quer em sede de liminar, quer
no mérito (cf. tópico 2.4, infra).
Do mesmo modo, os dois gráficos também apresentam o universo ou
volume das ações que obtiveram algum tipo de resposta do tribunal (decisão
liminar ou de mérito). Das ações em que se impugnam atos emanados do
Executivo, 28% tiveram alguma resposta do STF. No caso das ações
questionando atos do Legislativo federal, a porcentagem de ações que tiveram
alguma resposta do tribunal sobe para 39%.
Por meio dos gráficos anteriores, também é possível visualizar a taxa ou
proporção de sucesso das ações em que se impugnam atos normativos em
âmbito federal, mapeando também até que ponto essas ações prosperaram no
Supremo.
O primeiro aspecto que merece destaque é o número de ações extintas
sem qualquer tipo de resposta do STF. No caso de questionamento de atos
normativos oriundos do Executivo, o número de ações sem resposta equivale a
46%, enquanto que do total de ações relativas a atos emanados do Legislativo,
33% delas não receberam resposta. O outro tipo de ações sem resposta, as que
ainda aguardam julgamento, correspondem a 25% do universo total do
Executivo e 27% do universo do Legislativo. Observa-se, portanto, que o total de
ações sem resposta envolvendo atos do Executivo é de 71%, enquanto que no
Legislativo, o total de ações sem resposta é de 60%.
Já no universo das ações com resposta (segundo disco de cada gráfico),
nota-se que no caso do Executivo a maior parte delas (12% do total de 29%) é
composta de processos que foram extintos sem julgamento de mérito e com a
liminar julgada improcedente. No caso do Legislativo, os dois principais tipos de

88
processos que aparecem são de ações em que houve julgamento de mérito,
sendo 11% julgadas procedente e 10% julgadas improcedente.
Os dados apresentados até aqui serão mais bem analisados nos tópicos
seguintes, a fim de permitir uma visão mais apurada daquilo que o STF
realmente faz com o conjunto de conflitos que lhe é apresentado por meio do
controle concentrado de constitucionalidade.
De imediato, já é possível identificar que a intervenção do STF (com
efeitos diretos e permanentes) no produto da atividade normativa dos Poderes
Executivo e Legislativo é relativamente baixo (3% e 11% do total de ações
ajuizadas até o momento perante o tribunal), a contrario senso daquilo que
parecem sugerir alguns trabalhos acerca do tema da “judicialização da política”,
e que foram examinados no segundo capítulo do presente trabalho.
Para uma análise mais aprofundada dos dados explicitados nos gráficos
23 e 24, serão examinadas, inicialmente, as respostas oferecidas em sede de
decisão liminar e de mérito. Em seqüência, ainda dentro da análise referente à
questão de “como decide o STF”, serão identificados dados relativos às ações
envolvendo medidas provisórias, por se tratar de um grupo de ações com
características específicas em decorrência do tipo de ato normativo que está em
jogo.
Por fim, serão examinadas aquelas ações que “ficaram pelo caminho”, ou
seja, que não atingiram seu objetivo aparente de obter uma decisão de mérito,
reconhecendo a inconstitucionalidade. Note-se que este tópico será dedicado
exclusivamente às ações extintas sem julgamento de mérito envolvendo atos
normativos originários do Executivo federal.79 A principal questão que será
discutida nesta etapa da pesquisa é “porque o STF extingue o processo sem
decidir o mérito (e, muitas vezes, também a liminar)?“

79
Isso porque não foi possível replicar, em razão de limitações de tempo e recursos humanos, esse
levantamento e essa análise também para atos do Legislativo, como será feito nos dois primeiros
tópicos do presente capítulo. Em função dos diferentes tipos de atos normativos à disposição de
cada Poder, a hipótese é que esses resultados se revelariam consideravelmente distintos. Um
indicativo disso pode ser extraído dos dois primeiros gráficos deste capítulo. O controle
concentrado de atos do Executivo tem uma taxa relativamente baixa de julgamento de mérito
(6%), ao passo que a do Legislativo é maior (21%), o que significa que, proporcionalmente, mais
ações envolvendo atos do Executivo são extintas sem qualquer tipo de resposta do tribunal (46% e
33%, respectivamente).

89
V.2.2 Qual a resposta do STF: decisões liminares e de
mérito
Por uma questão de uniformização da nomenclatura utilizada para
designar as variáveis internas do tribunal, o presente capítulo é dedicado à
análise daquilo que se denomina “resposta do STF”. Nos limites do presente
trabalho, é preciso deixar claro que por “resposta do STF” não se considera
apenas aquele provimento final, em que se julgada o mérito da questão. Uma
justificativa para isso é que, a rigor, o que o tribunal faz ao apreciar o que lhe é
apresentado, inclusive em sede de pedido de liminar, também é rever ou não o
ato normativo impugnado, muito embora, nesse primeiro momento, o tribunal o
faça em caráter transitório, ou reversível.
Além disso, é fundamental ter em mente que, no controle concentrado de
constitucionalidade, os efeitos de uma decisão concessiva de liminar ou uma
decisão procedente são, a rigor, os mesmos: a suspensão dos efeitos do ato
normativo declarado inconstitucional. Assim, não há uma distinção suficiente
entre as decisões de liminar e de mérito (dois tipos de resposta) que justifique
uma análise separada ou distintiva desses dois tipos de resposta que o STF
oferece.
Essas considerações levam à constatação de que cada vez mais se faz
premente a necessidade de desconstruir a idéia segundo a qual a única resposta
de um tribunal somente pode ser aquela da qual decorre a coisa julgada, e que
“diz qual é o direito de forma definitiva”. Isso já foi revelado pela pesquisa
anteriormente desenvolvida, e que inspirou a execução da presente pesquisa,
visto que o tribunal muitas vezes decide de forma definitiva por meio de uma
liminar.80 Nesse sentido, verificou-se que as manifestações do tribunal acerca da
constitucionalidade do ato questionado, ainda que em sede de liminar, têm igual
potencial para influenciar o comportamento dos diferentes atores envolvidos na
dinâmica do controle de constitucionalidade no Brasil.
Portanto, foram consideradas como respostas as seguintes manifestações
do tribunal: (i) decisão de mérito - quer para reconhecer o vício de
inconstitucionalidade, quer para afastar a alegação do vício, confirmando a
constitucionalidade do ato; e (ii) a liminar cujo pedido foi apreciado – ora

80
Cf. “Controle de Constitucionalidade de Atos do Executivo Federal”, op. cit.

90
resultando no indeferimento do pedido, ora resultando na sua concessão e na
conseqüente suspensão da eficácia do ato normativo impugnado.
Relativamente às 458 ações de controle concentrado de
constitucionalidade tendo como objeto ato normativo emanado do Poder
Legislativo, 278 (ou 60%) não tiveram qualquer tipo de resposta do tribunal,
seja porque ainda aguardam julgamento (125 ações, ou 27%), seja porque
foram extintos sem manifestação do tribunal acerca da constitucionalidade do
ato (153 ações, ou 33%), quer em sede de liminar, quer no julgamento de
mérito.
Os dados relativos às ações em que se impugnam atos do Executivo
federal são um pouco distintos, sendo que é maior a proporção de casos sem
resposta do tribunal se comparado às ações envolvendo atos do Legislativo. Das
877 ações analisadas, 401 (46%) haviam sido extintas sem qualquer
manifestação do tribunal (sem provimento liminar e sem decisão de mérito), ao
passo que outras 219 ações (25%) ainda aguardavam julgamento.
A análise dos dados revelou uma proporção reduzida de ações em que
são impugnados atos normativos de origem do Executivo federal com julgamento
de mérito dentre os processos já encerrados: são apenas 9% dos casos,
conforme se verifica no gráfico abaixo. Dentro desse universo de ações, há um
número equilibrado de processos julgados procedentes ou improcedentes.81
Gráfico 25

EXECUTIVO: processos extintos

26
4%
551 com
92% 52 julgamento
9% de mérito
26
4%

Sem julgamento de mérito Com revisão Sem revisão

81
Ressalte-se que, nesta etapa do trabalho, não se faz qualquer distinção entre períodos de
governo (exceto, eventualmente, que haja alguma indicação expressa nesse sentido, seja no texto,
seja nos gráficos). Os bancos legislativo e Executivo são analisados em face da totalidade das
ações que cada uma abrange.

91
No que tange às ações envolvendo atos normativos de origem do
Legislativo federal, no entanto, verifica-se
verif se uma tendência um pouco diferente da
observada acerca das ações do Executivo. Proporcionalmente, o número de
ações que questionam atos do Legislativo que chegam a ter um julgamento de
mérito é maior do que no caso do Executivo. No gráfico abaixo, pode-se
pod verificar
que quase um terço dos processos encerrados tiveram seu mérito apreciado
(32%). Dentro desse universo, observa se
observa-se que 51 ações são julgadas
procedentes (com revisão), enquanto que 44 ações são julgadas improcedentes
(sem revisão).
Gráfico 26

A explicação para essas diferenças nos dados relativos às ações


envolvendo atos do Executivo e do Legislativo parece estar ligada a dois fatores
centrais: (a) o perfil de quem acessa o STF objetivando a declaração de
inconstitucionalidade de atos normativos
normativos oriundos do Executivo e do Legislativo;
(b) o tipo de ato normativo típico impugnado em cada esfera de poder, com
preponderância de medidas provisórias
provisóri s no caso do Executivo e de leis ordinárias
no caso do Legislativo.82 No entanto, há de se ponderar que
que ao menos um fator
analisado não perde força: o tempo de tramitação do processo desde seu
ajuizamento, passando pela apreciação da liminar (deferida ou não), até a
decisão final (extinto o processo com ou sem julgamento de mérito).

82
A idéia, aqui, é que a espécie de ato normativo típico do Poder Legislativo - a lei - não sofre das
mesmas restrições
strições temporais de eficácia que outro instrumento bastante utilizado pelo Poder
Executivo, a Medida Provisória, cujo fim da vigência acaba resultando na extinção do processo sem
julgamento do mérito por perda do objeto. Cf. item V.2.4, infra.

92
Conforme já mencionado anteriormente, para se conhecer qual é o papel
desempenhado pelo tribunal no controle concentrado de constitucionalidade
brasileiro, serão analisadas as respostas dadas pelo STF nesse contexto.
Os gráficos 27 e 28, a seguir, expõem os tipos de resultados encontrados
nos casos do Executivo e do Legislativo em que houve algum tipo de resposta
(mesmo que a ação tenha sido extinto antes de atingir a fase de decisão de
mérito), separando-os
os entre aqueles que (i) receberam apenas uma resposta em
liminar (com ou sem revisão), (ii) tiveram julgamento de mérito (com ou sem
revisão).
Gráfico 27

No gráfico relativo às ações em que são impugnados atos normativos


originários do Executivo federal, observa-se
observa se que dos 202 casos com resposta do
STF, em 150 deles a resposta oferecida pelo tribunal se limita à decisão que
aprecia o pedido de liminar. Destes, em 102 não há suspensão da eficácia do ato
impugnado (i.e.,, o STF não o revisou), e em 48 casos houve a revisão do ato em
sede de liminar.

93
Relativamente
elativamente aos atos do Poder Legislativo, caso se considerem
cons apenas
as ações extintas, em 48% dos casos (143) houve pelo menos uma resposta do
STF. Em 16% deles, a única resposta oferecida pelo tribunal foi uma decisão em
sede de pedido de liminar, sendo que em 17 casos (6%) a liminar foi concedida,
e em 31 (10%), denegada.
Gráfico 28

Já com relação às ações em que são questionados atos normativos de


origem do Legislativo federal, nota-se
nota se que dos 143 casos examinados, 95 deles
tiveram seu mérito apreciado, sendo que destes 44 ações foram julgadas
julgada
improcedentes (i.e., sem revisão final) e 51 julgadas procedentes (i.e.,
( com
revisão final). Do total de 143 casos, 48 apenas tiveram o pedido de liminar
apreciado. Em 17 casos, a liminar foi concedida, e em 31, denegada.
Diante disso,
so, a análise exposta nos tópicos seguintes foi realizada com
base nas ações de controle concentrado de constitucionalidade que tiveram
algum tipo de resposta do STF. O universo de ações analisadas nesses tópicos é
formado, então, pelas 257 ações com resposta
resposta e que têm por objeto atos
normativos com origem no Executivo federal; e 180 ações com resposta do STF
em que são impugnados atos normativos oriundos do Legislativo federal. Frise-se
Frise

94
que o ponto comum a todos esses casos é justamente o fato de que houve
algum tipo de resposta oferecida pelo STF, seja em sede de liminar, seja em
decisão final, sobre o mérito.
Feitas essas considerações, os tópicos abaixo são dedicados à análise de
dados extraídos de variáveis escolhidas a partir desses casos nos quais houve
algum tipo de resposta do tribunal, seja no exame de um pedido de concessão
de liminar, seja decidindo pela procedência ou improcedência da ação, em uma
decisão de mérito.

V.2.3 O papel da liminar no controle de constitucionalidade


brasileiro: teoria e dados empíricos
A primeira interação do tribunal com as demandas que lhe são
apresentadas em controle concentrado de constitucionalidade costuma acontecer
com o julgamento do pedido de liminar (quando ele existe), para que, sendo
concedido esse pedido, a eficácia do dispositivo normativo impugnado seja
suspensa.
Apenas para se ter uma idéia da dimensão do papel ocupado pelas
liminares no atual controle concentrado de constitucionalidade brasileiro, basta
verificar que, das 877 ações ajuizadas perante o STF para exame da
constitucionalidade de atos normativos que tiveram origem no Executivo federal,
em 797 (ou 90,9%) havia pedido de liminar para suspender a eficácia do ato
impugnado. Relativamente às ações envolvendo a produção normativa do
Legislativo federal, o pedido está presente em 387 (ou 84,5%), das 458 ações
analisadas.83
O objetivo do provimento em sede de liminar é assegurar um resultado
efetivo de mérito, caso o tribunal esteja convencido da presença de fortes
indícios acerca da inconstitucionalidade de uma lei ou outro ato normativo. Por
disposição legal, a decisão liminar tem efeitos para o futuro, com eficácia ex
nunc, i.e., a partir da decisão que a defere (cf. art. 11, § 1º, da Lei nº
9.868/99), sem retroagir até a data de edição do ato normativo impugnado. A

83
Importante salientar que o papel das decisões liminares ganhou força com a regulamentação das
“ações constitucionais” (ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de
constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental), por meio da Lei nº
9.868/99 e da Lei nº 9.882/99, que também disciplinam o procedimento e os efeitos da concessão
de liminares em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

95
própria lei, no entanto, admite que o tribunal, com a concordância da maioria de
seus membros, possa atribuir efeitos mais amplos à decisão de liminar.
Não bastasse o elevado número de casos em que o titular da ação pediu
a concessão da liminar, a hipótese ora levantada, segundo a qual as liminares
desempenharam, por um longo período, um papel central no controle exercido
pelo tribunal, também encontra respaldo em uma série de informações colhidas
ao longo da pesquisa.
A despeito do que parece sugerir a legislação e a teoria jurídico-
constitucional, os dados levantados na pesquisa mostram que os resultados
obtidos com os pedidos de liminar têm efeito diverso daquele freqüentemente
descrito para ações judiciais ordinárias em trâmite perante outros tribunais e
instâncias. Em outras palavras, a finalidade da liminar (pelo menos durante um
período relativamente longo da história do controle de constitucionalidade pós
1988) diverge da noção tradicional de “assegurar da efetividade de um
provimento de mérito”.
O presente tópico é destinado a descrever os possíveis efeitos dessas
decisões – usualmente tidas como provisórias – sobre os agentes envolvidos.
Necessário destacar contudo, que o papel aqui descrito para as liminares não
alcança a história recente do STF, tendo experimentado uma relativa
84
modificação, conforme será visto mais adiante.
Necessária a ressalva, contudo, de que esse papel diferenciado das
liminares parece ter mais relevância, no entanto, apenas para as ações que
questionam atos emanados do Executivo, sendo menos evidente nos processos
que impugnam a constitucionalidade de atos de origem no Legislativo. Isso se
deve, ao que tudo indica, ao perfil de quem acessa o STF e ao tipo de ato
normativo impugnado nesses casos.
A relevância da liminar no controle concentrado também decorre do fato
de que, como visto no tópico anterior, em um grande número de casos, a
resposta oferecida pelo STF se limita à decisão proferida em sede de liminar.
Esse dado é claramente ilustrado no gráfico abaixo.

84
Isso porque, apenas para adiantar o que será exposto mais a frente, a partir de 2002, constata-
se uma sensível queda nos julgamentos de liminares pelo pleno do STF, por meio da aplicação do
art. 12, da Lei nº 9.868/99, que aprevia o rito de tramitação das ações de controle de
constitucionalidade, e permite que o tribunal, em razão da matéria, decida somente o mérito final
da questão. Tem-se, com isso, uma queda sensível da taxa dos chamados julgamentos duplos (em
liminar e em decisão de mérito), evitando-se, com isso, que o tribunal se manifeste duas vezes
sobre a mesma questão.

96
Gráfico 29

Verifica-se
se que, dos casos envolvendo atos oriundos do Poder Executivo,
apenas em 10% houve uma decisão em sede de liminar, e também uma decisão
final, de mérito. Nesses casos, o tribunal acabou se manifestando em duas
oportunidades sobre a questão que lhe foi apresentada. Por outro lado, na
grande maioria dos casos (90%), o pronunciamento do tribunal se deu em
apenas uma oportunidade, quando da apreciação do pedido de liminar.
Diante disso, evidencia-se
evidencia se que, na maior parte dos casos, a única
interação entre o Tribunal e aqueles que o acessam ocorreu em sede de
julgamento
mento de liminar. Nesse sentido, a liminar converte-se
converte se em única resposta
do tribunal àquilo que lhe é demandado. A hipótese levantada no presente
trabalho é a de que, enquanto única resposta do STF, sinalizando o
entendimento do tribunal que provavelmente se confirmará na decisão de
mérito, a resposta liminar exerce um efeito decisivo na demanda apresentada.
Em razão dele, há poucos casos nos quais o tribunal chega a se manifestar duas
vezes sobre a questão da constitucionalidade, na liminar e também no
julgamento de mérito.
Esse número é muito diferente, considerando os casos envolvendo a
produção normativa do Legislativo, muito embora ainda se possa verificar uma
leve tendência de que a resposta liminar se sobreponha aos casos que
alcançaram um julgamento de mérito (55% a 45%).

97
Gráfico 30

Em se tratando de controle de constitucionalidade, a antecipação do


provável entendimento do tribunal por meio da decisão liminar pode operar
sobre os agentes envolvidos de duas maneiras possíveis.
Na primeira situação, a resposta negativa do tribunal, afastando a
alegação de indícios de inconstitucionalidade em sede de liminar, tem impacto
direto, fazendo com que demandantes percam interesse na demanda. Estes são,
em sua maioria, partidos políticos), que buscam apenas uma
u resposta
confirmatória imediata para sua demanda. No caso mais típico, o das Medidas
Provisórias, e.g., isso se manifesta por meio da ausência de aditamento da inicial
quando há reedição da MP, o que revela uma espécie de desistência tácita do
demandante
e ante a sinalização negativa do tribunal.
Na segunda situação, na qual o STF efetivamente concede o pedido de
liminar, suspendendo a eficácia do ato impugnado até a decisão de mérito, a
hipótese que se sustenta é a de que o próprio autor do ato impugnado
(Legislativo ou, de maneira mais evidente, o Executivo) recua em sua posição,
diante da manifestação do tribunal, acatando (ainda que liminarmente) a
alegação de inconstitucionalidade do ato normativo, e retira, por meio de
processos legislativos, sua validade.
vali
Esses dados e hipóteses poderão ser melhor compreendidos com os
dados apresentados no item V.2.6,
V.2.6 infra,, nos quais se buscou avaliar as razões
alegadas pelo tribunal para extinguir as ações de controle do Legislativo e do
Executivo, mesmo tendo julgado os pedidos de liminar (90% e 55% dos casos
indicados nos gráficos acima, respectivamente).

98
Em certo sentido, essas considerações também servem para demonstrar
a fragilidade do argumento de que a decisão liminar do tribunal tem caráter
meramente transitório, com efeitos limitados, comparativamente aos de uma
decisão final de mérito. Guardadas as devidas proporções, de um ponto de vista
prático, a decisão da liminar produz efeitos bastante semelhantes aos de uma
decisão definitiva de mérito no controle concentrado de constitucionalidade,
efeito potencializado pelos autores dos atos normativos que foram questionados.
Destaca-se que, desta forma, o Tribunal determina, mesmo antes de
uma decisão final terminativa, retirar a validade de certos atos normativos. Esse
efeito se relaciona pela forma que as decisões liminares são recebidas pelos
agentes envolvidos: muitas vezes como uma antecipação da decisão final,
decorrendo uma reação como se final fosse.
Essa hipótese se sustenta por duas razões principais. A primeira delas é a
de que a decisão liminar, tal qual a definitiva, repercute diretamente no
comportamento dos atores envolvidos no processo de controle concentrado de
constitucionalidade. A segunda, e principal, razão para se sustentar uma
hipótese como essa é a de que, nesse cenário, a decisão liminar, pelo fato de ser
a única resposta do tribunal, também adquire contornos de definitiva, haja vista
que o tribunal não volta a se manifestar sobre a questão, em sede de julgamento
de mérito, permanecendo os argumentos e a ratio decidendi contidos na decisão
liminar.
Mais uma vez, isso apenas tem o condão de reforçar a hipótese de que as
liminares têm elevado potencial para influenciar o comportamento dos atores
envolvidos no processo de controle de constitucionalidade (aqui considerados
Executivo, de um lado, e demandante, de outro), o que acaba também por
justificar sua análise na presente pesquisa.
Considerando a relevância das decisões proferidas em sede de liminar
nos casos analisados, por todas as razões expostas até aqui, é igualmente
importante verificar o “grau de coerência” do STF envolvendo as duas respostas
oferecidas em cada caso.
Na presente pesquisa, considera-se grau de coerência nada mais do que
a medida da freqüência com que o tribunal confirma ou reverte, na decisão de
mérito, o conteúdo e o sentido da decisão proferida por ele mesmo em sede de
liminar. Em outras palavras, o que se buscou analisar é em que medida a

99
resposta dada pelo tribunal em sede de liminar coincide ou não com o resultado
da decisão final de mérito.
Gráfico 31

Esse dado serve para endossar as hipóteses acima levantadas, e diz


respeito, em outras palavras, ao que se convencionou chamar, no âmbito da
presente pesquisa, de taxa de manutenção das decisões liminares nas decisões
decis
de mérito. O que foi possível apurar é que, dentre os processos envolvendo atos
normativos do Poder Executivo, o resultado liminar é, quase que
invariavelmente, confirmado na decisão final.
Assim, em aproximadamente 91% dos casos, o resultado da liminar
limina é o
mesmo da decisão final (considerando o grupo de casos em que há as duas
respostas do Tribunal). Ressalte-se
Ressalte se que essa comparação foi feita com base nos
dados sobre a existência ou não de revisão (total ou parcial) do ato
questionado.85
Os dados relativos
os às ações envolvendo atos oriundos do Executivo são
um pouco distintos dos dados extraídos dos processos envolvendo atos
normativos do Legislativo, conforme explicitado no gráfico a seguir.
Gráfico 32

85
Ressalte-se,
se, no entanto, que as conclusões a seguir expostas foram tomadas com base em
universo reduzido, considerando exclusivamente os casos em que houve apreciação do pedido de
liminar e também julgamento de mérito, caso contrário não haveria duas manifestações
manifestaçõ do tribunal
(liminar e de mérito) que pudessem ser comparadas: – total de 23 ações do banco do Executivo e
40 ações do banco do Legislativo.

100
Aqui, a taxa de manutenção do resultado liminar na decisão de mérito é
consideravelmente inferior, ocorrendo em apenas 75% dos casos, ao passo que
nas ações em que se questionam atos com origem no Executivo, a taxa de
manutenção chega a 91%.
No que diz respeito à prática de concessão
concessão de liminares pelo tribunal,
outro ponto importante a ser destacado encontra-se
encontra se ilustrado nos dois gráficos
reproduzidos abaixo. Neles, é possível visualizar que a maioria das decisões
proferidas pelo STF em sede de liminar não implica a revisão da atividade
ativi
normativa de cada Poder, ainda que haja uma tendência um pouco maior para
que se conceda a liminar nos casos em que o ato impugnado foi editado pelo
Poder Legislativo.
Esse dado é relevante, pois demonstra relativa cautela do tribunal na
apreciação dos
s pedidos de liminar.
liminar. Isso refuta diretamente a hipótese de que o
STF seria mais condescendente com os pedidos que lhe são feitos ao decidir uma
liminar, uma vez que sua decisão ainda poderia ser revista, no julgamento final.
Ao contrário, não é possível afirmar
afirmar que o tribunal não tem se revelado nem
mais, nem menos concessivo com os pedidos no momento de conceder ou
denegar um pedido de liminar.
Nos gráficos abaixo, é possível identificar os pedidos de liminar
apreciados pelo STF referentes
referente a atos de cada um dos outros Poderes
oderes (Executivo
e Legislativo). Aqui, é retratado o que se pode chamar de taxa de sucesso na

101
concessão das liminares em ações referentes a atos originados no Executivo e no
Legislativo.
Gráficos 33 e 34

O percentual de liminares deferidas


deferidas em processos que versam sobre atos
normativos do Poder Legislativo atinge uma taxa de cerca de 45% do total de
casos em que houve pedido de liminar. Por outro lado, o percentual de liminares
deferidas quando as ações têm por objeto atos normativos emanados
emana do
Executivo federal cai para 37%. Muito embora não se possa ignorar a existência
de uma diferença entre as duas situações, essa desproporção entre os dados não
é sensível ou relevante o suficiente para permitir alguma conclusão de impacto a
partir deste quadro.

V.2.4 Controle
ontrole Medidas Provisórias: um grupo especial de
ações na jurisprudência do STF
O estudo em separado das medidas provisórias foi realizado após a
constatação pela equipe de pesquisa de que este seria o ato normativo com o
maior índice de questionamento no Judiciário, além de terem o maior número de
pedidos de liminar apreciados e decisões do mérito – implicando ou não a revisão
da atuação normativa do Poder Executivo. Daí a razão de ter se entendido
necessário um aprofundamento em seu estudo, tornando possível traçar o perfil
exato, em termos quantitativos, das ações de controle de constitucionalidade que
tivessem por objeto medidas provisórias.
Gráfico 35

102
60

Medidas provisórias

50
Leis

40
Decretos presidenciais

Portarias, circulares, despachos e


30 instruções
normativas, atos, pareceres, orientaçã
o, ordem
Resoluções

20

Decretos-lei

10
Emendas constitucionais, Constituições

0
entrada apreciação LIMINAR sucesso na LIMINAR julgamento de MÉRITO sucesso no MÉRITO

Da análise do gráfico acima, que mostra o quadro geral das ações conra
atos normativos originados do Poder Executivo, é possível notar que os casos
envolvendo medidas provisórias são aqueles que possuem maior participação,
tanto no número de ações ajuizadas (47% das ações), como também no número
de pedidos de liminar apreciados (60% dos pedidos) e nas decisões que implicam
a revisão da atividade normativa do Poder Executivo federal em sede de liminar
(60% das decisões).
Esse predomínio, no entanto, não é repetido nos casos em que há
julgamento de mérito, tendo em vista que as ações que envolvem MPs
representam apenas 29% das decisões com provimento final – casos em que
ocorre a predominância de ações cujo objeto são leis federais.
Ainda que não se possa precisar com exatidão os fatores que
determinaram esses resultados, é importante observar que a diferença da
quantidade de ações que ingressam no STF por período não implica,
necessariamente, que haja maior ou menor númeor de julgamentos. A tpitulo
exemplificativo, aasta apontar que entre o início de 2005 e final de 2006 foram
ajuizadas 60 ações, ao passo que houve somente 1 decisão de revisão em sede

103
liminar. Em contrapartida, no ano de 2000 foram ajuizadas 51 ações e houve 6
decisões liminares com revisão.86
O gráfico a seguir mostra os tipos de atos que são revisados nas
liminares e decisões
cisões finais pelo tribunal. Novamente, são as medidas provisórias
(46 ações) e as leis federais (16 ações) os atos normativos com maior índice de
revisão pelo STF, dentre os atos normativos do Executivo Federal. Há, no
entanto, uma nítida predominância da revisão de medidas provisórias em sede
de liminar, que não é acompanhado pelas decisões finais.
Gráfico 36

Este gráfico corrobora, novamente, a hipótese de que as liminares,


especialmente no caso das medidas provisórias, desempenham um papel
autônomo e diferenciado de simples medida judicial cautelar que visa a proteger
a utilidade de provimento final de mérito. Nota-se
Nota se que houve um número de
liminares com revisão proporcionalmente maior em ações que questionavam
casos.87
medidas provisórias do que nos demais cas
No caso das MPs em particular, há o fato de haver a perda de objeto com
o decurso do prazo de 60 dias de sua edição (prorrogável uma única vez, por

86
Não obstante estes números demonstrarem como o STF tem gerido a sua pauta, não é possível
identificar nenhuma inferência direta com peculiaridades das medidas provisórias, uma vez que
disparidades como essas ocorrem também nos outros atos normativos.
87
Da análise deste gráfico, extrai-se
extrai se que também nos casos de revisão de Decretos Presidenciais
há proporcionalmente e um número bem maior de revisões em sede de liminar do que em grau
definitivo. Entretanto, em razão do número muito pequeno destes casos, possíveis hipóteses são
menos robustas.

104
igual período desde a EC 32/2000)88, tornando possível que tenha havido a perda
de objeto entre a concessão ou negação da liminar e a decisão final. Deve-se
ressaltar que mesmo antes da EC nº 32/2001, quando eram possíveis ilimitadas
reedições das MPs, havia a perda de objeto quando a reedição da medida
provisória não era acompanhada pelo aditamento da ação pelo impetrante.
Possíveis explicações para a grande diferença entre o número de decisões
liminares e de decisões finais de mérito relacionadas à perda de objeto dessas
ações podem ser identificadas como incentivos dados pelo Tribunal por meio da
decisão liminar ao agente normativo, no caso o Executivo Federal, ou ao agente
postulante da demanda.
Nesse sentido, a concessão da liminar sinalizaria ao Executivo possíveis
vícios formais ou materiais da medida provisória questionada, que, se
insanáveis, induziriam a não reedição da MP, ou, caso contrário, provocariam a
reedição da MP já com as devidas modificações julgadas necessárias pelo
Tribunal nos votos proferidos na decisão liminar.
Na hipótese de denegação da liminar, a indução - negativa nesse caso -
seria direcionada ao agente que levou a demanda ao STF, pois, ao vislumbrar o
provável insucesso na decisão de mérito, deixaria de aditar a inicial após a
reedição da MP, restando assim prejudicada a ação.89
A distribuição de concessão de liminares em ações sobre medidas
provisórias dá uma noção mais clara de como se deu o questionamento desses
atos perante o STF. A diminuição da concessão de liminares, de um modo geral
(e relativas às medidas provisórias) segue, aparentemente, uma diminuição
(ainda que em menor proporção) no questionamento desses atos.
Gráfico 37

88
Conforme o §3o do art. 62 da CF, modificado pela EC nº 32, de 11 de setembro de 2001.
89
Não se deve ignorar, no entanto, que outros fatores podem ser determinantes para a ausência
de decisão de mérito e que não teriam qualquer relação com as hipóteses levantadas, tais como a
possível ausência dos pressupostos processuais por alguma outra causa técnico-processual. Uma
análise mais aprofundada sobre as causas da extinção das ações sem julgamento de mérito e a
ausência de resposta do tribunal no controle de atos do Executivo será feita no item V.2.6, infra.

105
Distribuição
o de Medidas Provisórias ao longo
do tempo
50
45
40
35
30
25 final com revisão (MP)
20 liminar com revisão (MP)
15 entrada de MP
10
5
0
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
De fato, observa-se
observa se uma curva decrescente de questionamento de
medidas provisórias no período que vai de 1994 a 2004, o que indica que a
diminuição da concessão de liminares nesse período segue a diminuição
d do
questionamento. Isso pode mostrar que a alteração da concessão no tempo não
se deve tanto a uma ação do tribunal, mas sim decorre da própria alteração da
quantidade de questionamentos, sendo a atuação do STF mais reativa a essa
mudança de cenário.
Um dado interessante diz respeito ao tempo de questionamento das
medidas provisórias, contado da data da primeira edição da MP. No gráfico a
seguir, que mapeia o lapso entre a edição da MP e o seu questionamento judicial,
observa-se
se que de um total de 394 ações examinadas, grande parte delas (138
ou 35%) demorou de 1 a 6 meses para chegar ao STF, enquanto 24% delas
chegaram ao STF mais rapidamente, levando de 11 dias a um mês.

106
Gráfico 38

Dos processos que efetivamente chegaram ao STF, a esmagadora


maioria
aioria foi extinta sem julgamento do mérito. Dentro deste universo de análise,
excluíram-se
se as ações que ainda estão aguardando julgamento, as que ainda não
foram apreciadas e as que não obtiveram liminar.
Nos casos de liminares concedidas, apenas em 8% há
há posterior decisão
de mérito.. Uma razão para isso pode ser justamente o curto prazo de vigência
das medidas provisórias: com a exaustão do prazo, os processos acabam sendo
extintos por perda do objeto, hipótese que é de fato confirmada por meio do
mapeamento
nto dos processos extintos envolvendo medidas provisórias e com
pedidos de liminar apreciados, conforme o gráfico abaixo.

107
Gráfico 39

Os gráficos a seguir exploram justamente a questão do julgamento de


mérito e da apreciação de pedidos de liminar. Os dados
dados tendem a corroborar a
tese de que, dado o caráter de urgência da ação, tendo em vista o prazo para a
conversão em lei, os processos que têm por objeto o seu questionamento são
apreciados preponderantemente em caráter liminar: com o fim do prazo,
termina-se
se por extinguir também o processo. Disso,
D explica-se o baixo índice de
julgamento de mérito deste ato normativo.
Deve-se
se ressaltar que, em comparação com outros atos normativos, as
MPs têm um considerável índice de julgamento liminar, ao passo que quando
quand se
analisa o julgamento de mérito, o número de decisões cai substancialmente. Os
gráficos a seguir trazem esses dados.

108
Gráficos 40 e 41

Dentre os casos que tiveram o seu mérito ou apenas o pedido de liminar


apreciado, foi realizado um mapeamento dos atores responsáveis pela chegada
das demandas ao tribunal. Pôde-se
Pôde se depreender que as entidades de classe,
sindicatos e partidos são os atores mais ativos em se tratando de
questionamento de atos oriundos do Executivo e, ainda mais, nos casos
envolvendo MP.
Gráfico 42

No entanto, verifica-se
verifica se que dentre os casos que tiveram o seu pedido de
liminar apreciado, mas cujo mérito não chegou a ser julgado, é também a

109
atuação dos partidos políticos que se destaca, na medida em que propuseram
61% das ações extintas sem julgamento do mérito, mas que tiveram o pedido de
liminar apreciado.
Gráfico 43

Isso demonstra que apesar do grande protagonismo dos partidos


políticos levando demandas ao STF, o seu índice de sucesso é bastante limitado,
pois seus questionamentos em vários casos não chegam a ter o seu mérito
apreciado.
Por outro lado, as entidades de classe e sindicatos desdobram-se
desdobram em
maiores esforços para atingir êxito em suas demandas em função dos interesses
de seus representados, o que se revela no alto índice
índice de julgamentos de mérito
em comparação com o percentual de casos levados por esses agentes no total de
ações envolvendo MPs (cf. gráfico 43,
43 supra). Tal hipótese é reforçada ainda
mais por meio do
o cruzamento dos temas mais recorrentes, conforme analisado a
seguir.

110
Gráfico 44

Dentre os temas discutidos nas ações que tinham por objeto as 394
medidas provisórias em análise, foi verificada a predominância de questões
econômicas
nômicas e de seguridade social.
Verificando a incidência de assuntos específicos dentro destes dois
grandes temas, identificou-se
identificou se que no campo da seguridade social há uma
predominância marcante de problemas envolvendo a Previdência Social, ao
passo que o primeiro tema se desdobra em matérias de regulação e de planos
econômicos, havendo também significativa parcela de casos sobre o plano
nacional de desestatização (PND), empresas públicas e sociedades de economia
mista e o sistema financeiro nacional.

111
Gráfico 45

Gráfico 46

Esses gráficos apontam não apenas os temas tidos como mais


problemáticos
ticos na atuação normativa do Executivo federal, mas também
identificam os temas aos quais os atores dão maior importância, quais sejam:
políticas econômicas e reformas previdenciárias. Essa leitura ajuda a corroborar
a hipótese levantada da que a atuação dos partidos políticos estaria relacionada
à utilização do controle de constitucionalidade como instrumento de oposição,
buscando chamar atenção para eventuais falhas
falhas das políticas governistas. Do
mesmo modo, parece evidente a relação entre temas previdenciários
iários e a atuação
de sindicatos e entidades de classe, que têm interesse direto no questionamento
dessas reformas.

112
2.1.3. A resposta do STF na decisão de mérito: excesso de
intervencionismo?
No presente tópico,
tópico serão avaliados alguns dados gerais sobre o
comportamento do STF nos casos em que há julgamento final, procurando traçar
algumas linhas comparativas com as análises que, no tópico anterior, foram
feitas dos casos com resposta em sede liminar, de ações envolvendo
env atos
normativos com origem no Executivo e no Legislativo federal.
O primeiro, e talvez mais evidente desses dados, é a proporção de casos
nos quais houve decisão liminar ou de mérito procedentes.. Como se nota, o
gráfico abaixo ilustra uma proporção bastante equilibrada de julgamentos de
mérito e de liminar, envolvendo atos oriundos do Poder Legislativo (cerca de
12% e 11,5%, respectivamente). Por outro lado, como visto, há considerável
desproporção entre a quantidade de decisões proferidas em sede de
d liminar e
decisões de mérito envolvendo atos normativos com origem no Executivo
federal.
Gráfico 47

Outros dados foram levantados, relativamente ao que se chama de taxa


de acesso ao tribunal (i.e.
i.e.,, ações que lograram ter seu pedido de liminar
apreciado pelo STF). Esses dados foram cruzados com outras informações, tais
como os atores e as respectivas taxas de acesso em sede de liminar.

113
Como se verifica, em ações envolvendo atos normativos originários do
Executivo,, os atores que obtiveram maior sucesso na apreciação dos pedidos de
liminar nas respectivas ações são partidos políticos (47%) e sindicatos e
entidades de classe (34%).
Gráfico 48

Esses dados são um pouco diferentes quando confrontados com os


extraídos das ações de controle concentrado de constitucionalidade
constitucionalidade envolvendo
atos normativos com origem no Legislativo federal. Conforme ilustrado no gráfico
abaixo, a apreciação dos pedidos de liminar, nesses processos, é obtida por três
principais atores: partidos políticos, tal como ocorre nos processos envolvendo
atos do Executivo (33%); sindicatos e entidades de classe, em segundo lugar
(30%); e, curiosamente, outro ator, com atuação bastante discreta no controle
de atos do Executivo, a saber, o Procurador Geral da República (21%).

114
Gráfico 49

LEGISLATIVO: apreciação liminar/ator


1% 0%
Partidos Políticos
3%
6%
Sindicatos e Entidades de Classe
6%

33% PGR

OAB

21% Governadores

Legislativo Estadual

Presidente

30% Outros (não legitimados) + Leg.


Fed.

A comparação entre a distribuição dos casos em que houve julgamento


de mérito (52 casos do Executivo, dos quais, 29 apenas com julgamento de
mérito, e 23 com julgamento de mérito e também em liminar) e dos 173 em que
houve apreciação da liminar (23 dos quais também houve resposta definitiva de
mérito) também parece indicar dados interessantes quando feito o cruzamento
com os tipos de atos questionados e sua participação no total de casos que
atingiram a fase de decisão de mérito, e aqueles que ficaram apenas na
apreciação de liminar.
Como se vê nos gráficos abaixo, os tipos de atos questionados nos casos
com julgamento de mérito estão em uma proporção um pouco diferente dos
tipos de atos questionados nos casos decididos em sede de liminar. Veja-se, e.g.,
o caso das Medidas Provisórias: a maior parte das ações envolvendo atos
oriundos do Executivo federal que tiveram a liminar apreciada versava sobre
medida provisória. No universo de ações com liminares apreciadas, impugnam-se
dispositivos de uma MP em 130 delas, enquanto que aproximadamente 63 ações
com liminar apreciada impugnam leis de iniciativa do Executivo federal e
aproximadamente 58 ações têm por objeto outros tipos de atos normativos de
origem do Executivo.
Gráfico 50

115
Gráfico 51

Relativamente ao controle dos atos normativos emanados do Legislativo


federal, tal diferença não é verificada. Dentre os 95 casos com resposta,
envolvendo esse grupo de ações, apenas 54 tiveram como resposta uma decisão
final, sendo que em 41 houve apreciação
apreciação apenas da liminar. Nesses casos, a
proporção entre as ações envolvendo leis ordinárias (principal veículo de atuação

116
normativa do Poder Legislativo) com decisão de liminar se mantém também
entre os casos que alcançaram um julgamento de mérito, ainda que com uma
relativa queda.
Objetivando um estudo mais aprofundado sobre a resposta do STF às
demandas que chegam ao Tribunal, é necessário analisar quais foram os temas
que tiveram sucesso ou não na concessão de liminares e na procedência ou
improcedência do mérito. Nesse contexto, vale lembrar que aquelas ações em
que a liminar foi concedida ou, no mérito, foram julgadas procedentes, o ato
normativo questionado foi declarado inconstitucional; ao passo que aquelas
ações cuja liminar foi denegada ou, no mérito, foram julgadas improcedentes, o
ato questionado foi considerado constitucional.
Gráfico 52

EXECUTIVO: temas das ações com liminares concedidas


Civil Comercial; 2
Ambiental; 3
Consumidor; 4
Trânsito; 0
Tributário; 8 Direitos Fundamentais; 0

Trabalho; 6

Econômico; 15

Servidor Público; 12

Educação; 1
Financeiro; 6
Eleitoral e organização
Serviço Público; 4 part.; 0

Seguridade
Social; 7 Índios/quilombolas; 0
Organização
Processo; 12 Penal; 0 Institucional; 3
Processo Legislativo; 1 Outras Políticas
Públicas; 1

As ações em que se questionaram atos oriundos do Executivo e cujo


pedido de liminar foi concedido versavam sobre os seguintes temas
(respectivamente): econômico (15), processo (12), servidor público (12) e
tributário (8). Com efeito, quando o Executivo decidiu implementar planos
econômicos objetivando o crescimento da economia nacional, alguns setores da

117
economia se sentem prejudicados e propõem ação direta de inconstitucionalidade
inconstitucionalidade
conta tais medidas.
Ademais, quando se tratava de Medida Provisória cujo tema versava
sobre matéria processual de algum ramo do Direito (Penal, Civil, Trabalhista),
esses tipos de atos normativos normalmente eram objeto de ações de
inconstitucionalidade.
Tais ações visavam a restringir a possibilidade de adoção de medidas
provisórias sobre tais temas (art. 62, parágrafo 1º, inciso I, alíneas b e d da
Constituição Federal de 1988 – redação conforme a EC n. 32/2001). O mesmo
pode ser dito das medidas provisórias que tinham por objeto tratar do regime
dos servidores públicos, pois tais medidas afetam diretamente o orçamento
público. Por essa razão, elas eram comumente questionadas por meio de ações
de controle concentrado de constitucionalidade.
constitucionalid
Gráfico 53

Já os atos do Poder Legislativo são questionados e apreciados por liminar


principalmente quando versam sobre temas como: seguridade social, servidor
público, tributário, trabalho, econômico, direito eleitoral e organizações
partidárias, processo
rocesso e financeiro. A situação praticamente se mantém inalterada

118
quando da análise do mérito: a única exceção é o crescimento das ações sobre o
tema dos direitos fundamentais.
Gráfico 54

A diversidade de temas pode ser explicada pelo fato do Poder Legislativo


ser o criador de normas por excelência, versando sobre os mais diferentes
temas. Isso decorre, em parte, do desenho institucional e da distribuição de
competências presentes no texto constitucional.
Por outro lado, dentro do grupo de competências
competências relativas ao Poder
Legislativo, é possível afirmar, inclusive, que esses são os temas ou áreas
considerados mais sensíveis de regulação ou juridificação por parte do Congresso
Nacional, tendo em vista a reação provocada nos atores legitimados, que
acessarem
arem o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, como
resultado imediato das tentativas de normatização desses temas pelo legislador.
Gráfico 55

119
Esses dados são interessantes, pois revelam, por um lado, qual o foco de
atuação da produção normativa,
mativa, especialmente quando consideramos temas de
competência comum entre ambos os Poderes, tais como leis penais (nenhuma
teve seu mérito apreciado, quer em ações questionando atos emanados do
Executivo, quer questionando atos oriundos do Legislativo).
Curioso,
urioso, por outro lado, é o enfoque que a legislação eleitoral e de
organização partidária tem, por outro lado, no controle da atuação e do
desempenho normativo do Poder Legislativo (18%, por exemplo, das ações que
atingiram um julgamento de mérito), apesar
apesar de não ser um tema de iniciativa
exclusiva do Poder Legislativo.

V.2.5 Perfil dos casos com alguma resposta do STF


Antes de encerrar esta primeira etapa de análise quantitativa aplicada
sobre o que se convencionou chamar de fatores de saída,, serão apresentados
alguns dados que contribuem para esclarecer o perfil dos casos que atingem o
julgamento de mérito e/ou uma resposta do tribunal em sede de liminar.

120
Diferentemente do tópico anterior, aqui os dados serão apresentados, em sua
maior parte, por meio
io de um mesmo gráfico comparativo do desempenho das
ações envolvendo atos do Executivo e do Legislativo.
A principal finalidade, aqui, é tentar compreender se outras variáveis –
tais como tema da ação, tipo de ato normativo questionado ou mesmo perfil dos
demandantes – exercem algum tipo de influência no desfecho das ações que
receberam algum tipo de resposta do STF.
Gráfico 56

No gráfico acima são apresentados os temas em relação aos quais foram


concedidas as liminares pleiteadas. As barras azul e vermelha
vermelha representam a
origem dos atos questionados, se provenientes do Legislativo ou do Executivo,
respectivamente. As ações em que se impugnam atos do Legislativo que tiveram
mais liminares concedidas versavam sobre tributário (seguido de “eleitoral e
organização
zação partidária”, “processo” e “serviço público”), enquanto que as ações
questionando atos do Executivo com maior número de liminares concedidas são
da área econômica (seguida dos temas de “servidor público”, “tributário” e
“processo legislativo”).

121
Aparentemente, a explicação mais plausível para isso é que são estes, de
fato, os temas sobre os quais esses dois Poderes mais atuam. Ou ainda, trata-se
trata
de temas sensíveis, cuja normatização causa maior repercussão e mobilização
dos atores legitimados, levando-os
levando s a utilizarem o controle concentrado de
constitucionalidade, o que levaria a serem estesos temas com o maior número
de atos questionados.
Além disso, é possível sustentar, ao menos aparentemente, que estas
são algumas das áreas naturalmente controversas e nas quais há grande disputa
de interesses, envolvendo grupos organizados e de expressivo grande poderio
econômico que, ao se sentirem prejudicados, acessarão o STF para reverter o
ato em vigor.
Gráfico 57

Dentre as ações que tiveram seu mérito julgado procedente, i.e., nas
quais houve de fato e definitivamente uma revisão da produção normativa dos
demais Poderes, a distribuição dos temas com mais decisões desse tipo é um
pouco diferente se comparada à dsitribuição de temas das ações com liminares
concedidas.
idas. Assim, os temas de seguridade social e eleitoral/organização
partidária recebem um destaque que não tinham na fase da concessão de
liminares, conforme se verifica no gráfico acima.

122
Isso pode ser explicado pela natureza das questões tratadas em cada
caso, o que pode ser feito, e.g., por meio da análise da quantidade de normas
constitucionais existente sobre cada tema. Isso quer dizer que parece plausível
que, a depender da especificidade das regras contidas no texto constitucional
sobre um determinado tema, o controle de constitucionalidade de atos
normativos referentes a esse tema seja mais favorecido pelo arcabouço
constitucional do que outro tema.
Além disso, é igualmente possível explicar os dados explicitados no
gráfico por meio do tipo de ato normativo (resoluções, leis, decretos, emendas,
medidas provisórias, etc.) cuja natureza seja temporária sem condições para
“sobreviver” a um tempo de tramitação médio relativamente elevado no STF,
sem que, invariavelmente, perca seu objeto em algum momento. Esse é o caso,
e.g., das Medidas Provisórias, que tratam de muitos temas econômicos, o que
explica uma preponderância do Executivo no gráfico acima, e uma redução dessa
taxa de sucesso no momento de uma resposta definitiva do tribunal.
Do mesmo modo, foi examinada a quantidade de decisões proferidas por
ano pelo STF no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade tanto dos
atos normativos com origem no Executivo e no Legislativo federal. Nesse
sentido, os gráficos abaixo apresentam o número percentual de decisões em
relação a atos do Executivo e do Legislativo desde 1988. As barras demonstram
a porcentagem de cada ano em relação ao total (de 1988 a meados de
julho/2010), que representa 100%. Estas porcentagens ilustram cada etapa do
processo, sendo, portanto, quatro barras por ano: liminar apreciada, liminar
concedida, mérito apreciado, mérito procedente.
Os anos em que vemos um porcentual muito maior em relação à média
nas tabelas do Executivo e do Legislativo são, respectivamente, 1995 e 2006.
Gráfico 58

123
No caso do Executivo, há uma primeira explicação óbvia: neste ano, o
primeiro do governo FHC, o Executivo federal editou diversas normas que
procuravam implementar a Reforma gerencial do Estado90, sendo que a oposição
político-partidária, bem
em como diversos setores da sociedade mobilizaram-se
mobilizaram
contra os atos do Executivo editados naquele ano, o que explicaria o tamanho da
barra referente ao ano citado.
Gráfico 59

Já no caso das ações envolvendo atos oriundos do Legislativo, uma


explicação possível
ssível é o fato de 2006 ter sido o ano subseqüente à instalação do

90
No mesmo sentido, , cf. Rogério Bastos
Bastos Arantes; e Cláudio Gonçalves Couto, “Constituição,
governo e democracia no Brasil”, Revista Brasileira de Ciências Sociais 21 (2006), pp. 44 e s.

124
CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e de suas metas de julgamento de casos, o
que pode ter gerado este salto inicial no ano citado, embora os anos seguintes
tenham registrado o retorno à média histórica. Outro fator visível no ano de
2006, referente ao gráfico do Legislativo, é que não houve nenhuma liminar
apreciada. Foi o único ano em que tal fato ocorreu. Necessária a ressalva de que
a presente pesquisa não possui dados suficientes para levantar quaisquer
hipóteses consistentes para tentar explicar esses resultados.91
Ademais, outro aspecto a ser destacado no que diz respeito aos gráficos
58 e 59 é a quantidade de ações que tiveram o mérito apreciado. Uma
explicação possível para este ponto é a maior utilização pelo STF do disposto no
artigo 12, da Lei 9868/1999. Esse dispositivo legal permite ao relator da ação de
controle concentrado de constitucionalidade, em face da relevância da matéria e
de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, submeter
a apreciação da liminar diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar
definitivamente a ação. Ou seja, ao invés de julgar a liminar primeiramente para,
somente em outra ocasião, decidir o mérito, o art. 12 revela-se uma importante
técnica decisória no controle de constitucionalidade para se evitar o duplo
julgamento.
Em pesquisa recente sobre o tema, foi verificado que, entre 1988 e 2006,
87% das ações diretas de inconstitucionalidade apresentavam pedido de liminar
e que, no período compreendido entre 2002 e 2006, 62% dos pedidos liminares
foram submetidos ao procedimento abreviado do art. 12.92 Por meio da análise
do resultado dos julgamentos liminares e finais de todas as ADIs julgadas pelo
STF nesse período, o autor conclui que o uso do art. 12 permitiu que o STF
praticamente extinguisse o julgamento antecipado dos pedidos liminares.
Além disso, indeferindo a liminar ou aplicando o art. 12, tem se o mesmo
resultado nas ADIs, o dispositivo questionado permanece vigente e eficaz, e é
possível a chamada ‘prova terapêutica’ do ato normativo: o Tribunal testa os
efeitos da aplicação da norma por um certo período de tempo, após o qual são
avaliados os resultados e é então julgado o mérito.

91
A mesma conclusão é apresentada por Pedro Luiz do Nascimento Filho, “Medidas cautelares em
Ação Direta de Inconstitucionalidade”, In: Diogo R. Coutinho; e Adriana M. Vojvodic (orgs.),
Jurisprudência Constitucional: como decide o STF?, São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 192-195.
92
Cf. Pedro Luiz Nascimento Filho, “Medidas cautelares em Ação Direta de Inconstitucionalidade”,
pp. 192 e ss.

125
Analisadas as decisões proferidas
proferidas a cada ano, também procedeu-se
procedeu ao
exame dos tipos de atos questionados e o sucesso nas ações (i.e.
(i.e., na declaração
de inconstitucionalidade) em cada etapa do julgamento (da entrada ao sucesso
no mérito). O universo analisado no gráfico a seguir é formado
formado pelos atos de
origem no Poder Executivo.
Gráfico 60

Alguns aspectos são visíveis: as curvas referentes a leis e medidas


provisórias chegam a ser inversamente proporcionais. O número de Medidas
Provisórias questionadas é maior que o de leis (40% do total
total de ações contra
menos de 30%); do total de ações em que há apreciação de liminar, vê-se
vê uma
disparidade ainda maior (mais de 50% tratam de MPs contra cerca de 25% de
leis), margem que aumenta ainda mais na taxa de sucesso da liminar (55%
contra 25% do total, aproximadamente).
Porém, os gráficos se invertem quando se passa ao mérito. Na fase de
julgamento de mérito, vê-se
vê que as medidas provisórias representam cerca de
25% do total de ações em que há julgamento; no caso das leis, a taxa é de
50%. Em relação
ção ao sucesso na apreciação do mérito, a disparidade é mantida e
no sentido inverso do das liminares, como já foi mostrado.. Neste caso, as

126
medidas provisórias respondem por cerca de 27% do total, enquanto as leis
respondem por mais de 50%.
Muito embora as medidas provisórias sejam responsáveis por cerca de
40% das demandas que chegam ao STF em controle de constitucionalidade de
atos do Executivo, e correspondam às ações com maior taxa de sucesso em
revisão na liminar (mais da metade das liminares concedidas contra o Poder
Executivo), esse volume cai para menos de 25% quando se trata de decisões
definitivas de mérito, com revisão do ato normativo impugnado.
O gráfico acima apresenta um “ponto de intersecção” interessante, e que
ainda merece ser analisado: a inversão (cruzamento) da participação de medidas
provisórias e leis de iniciativa do Poder Executivo entre as fases de obtenção da
liminar com revisão e a fase de julgamento de mérito.
Outro fator visível é que a curva de ações referentes a decretos
presidenciais é descendente do começo ao fim do processo, chegando a
responder por nenhuma das ações em que houve sucesso no mérito (i.e.,
nenhum decreto presidencial teve sua validade retirada por meio de uma ação de
controle concentrado).
Com relação aos atos emanados pelo Legislativo federal, por sua vez,
verifica-se no gráfico abaixo uma maior regularidade quando se trata de atos
normativos do Poder Legislativo, com predomínio absoluto das ações
questionando leis ordinárias (muito embora o tribunal seja um pouco menos
concessivo quanto aos pedidos de liminares).

127
Gráfico 61

Esse dado aponta para o fato corriqueiro de que a atuação normativa do


Congresso Nacional se dá principalmente por meio da edição de leis ordinárias.
Note-se,
se, por fim, apenas uma curiosidade: a baixa taxa de sucesso de emendas
constitucionais de iniciativa do Poder Legislativo em provimentos finais de
mérito, comparativamente à taxa de sucesso obtida pelos demandantes em sede
de decisão liminar.
Outro dado interessante, e que contribui
contribui para conhecer mais sobre o
controle concentrado de constitucionalidade dos atos normativos federais
exercido pelo STF diz respeito à taxa de sucesso dos demandantes nessas ações.

128
Gráfico 62

O gráfico acima é bastante interessante, e sugere que, muito


muit embora
tenham muitos dos seus pedidos de liminar apreciados (e concedidos), os
partidos políticos têm uma participação reduzida no momento em que o tribunal
decide revisar o mérito do ato normativo impugnado, editado pelo Poder
Executivo. Nesse sentido, no provimento final, os partidos políticos têm menos
sucesso que a Procuradoria-Geral
Procuradoria Geral da República e os sindicatos e entidades de
classe.
Por fim, a replicação dessa grade de análise às ações que questionam
atos normativos do Poder Legislativo revela um predomínio
predomínio dos sindicatos e
entidades de classe e partidos políticos nos questionamentos realizados (por
volta de 44% e 27% dos casos, respectivamente). No entanto, esse predomínio
não é mantido nos pedidos de liminar apreciados (os dois atores têm mesma
taxa
a de sucesso na obtenção da revisão pleiteada em sede de liminar, em torno
de 26%, cada um, dentre todos os casos de deferimento do pedido de liminar).

129
Gráfico 63

Curioso notar o aumento da participação da Procuradoria-Geral


Procuradoria da
República ao longo das fases de julgamento das ações. Muito embora seja
responsável por apenas 14% das ações que chegaram ao STF entre 1988 e
2010, os questionamentos da PGR são responsáveis por praticamente um quarto
(25%) do total da revisão de atos do Legislativo operada pelo Supremo. Isso
pode indicar – sendo necessária mais análises qualitativas e argumentativas para
adequada verificação – uma maior consistência da fundamentação que baseia
basei
essas ações, havendo mais coerência na demanda do proponente ao alegar a
inconstitucionalidade do ato normativo impugnado.
impugnado

V.2.6 A “não-resposta
resposta do STF”: extinção sem julgamento
de mérito
Analisadas as respostas dadas pelo STF nos casos de controle
concentrado
ntrado de constitucionalidade dos atos normativos oriundos do Executivo e
do Legislativo federal, passa-se
passa a analisar, neste item, as ações em que o STF

130
não analisa o mérito, extinguindo a ação. Trata-se das ações extintas sem
julgamento do mérito.
É importante destacar que a análise desse tipo de ações se limitou ao
exame dos processos em que se impugnam atos normativos oriundos do
Executivo federal. Isso significa que as ações extintas sem julgamento do mérito
envolvendo atos do Legislativo federal não foram analisadas.
A razão para essa delimitação do universo deve-se ao fato de que a
maior parte das ações extintas sem julgamento do mérito refere-se às ações que
têm por objeto atos emanados Executivo federal. Conforme demonstrado no
gráfico 25, das 603 ações encerradas, 551 não tiveram o seu mérito apreciado
pelo STF. Isso significa dizer que 92% das ações em que se impugnam atos
originários do Executivo federal são extintas sem julgamento do mérito, ao passo
que apenas 68% dos processos encerrados, e que envolvem atos normativos
emanados do Legislativo federal, foram extintos sem julgamento do mérito.
Diante da expressiva quantidade de ações relativas a atos oriundos do
Executivo que são extintas sem que o STF tenha apreciado o seu mérito,
procedeu-se a uma investigação individualizada destas ações a fim de se
descobrir os motivos que levaram a não apreciação do mérito. O objetivo, com
isso, é compreender as razões que justificam a ausência de resposta do STF
acerca do mérito de determinadas ações. Para tanto, o levantamento dos
motivos que levaram o STF a deixar de apreciar o mérito foi feito em duas
etapas.
Primeiramente, foram sistematizados os critérios principais que justificam
a extinção do processo sem julgamento do mérito pelo STF. Em segundo lugar,
foram coletados os critérios específicos que trazem informações relevantes sobre
o termo processual mais amplo utilizado no critério principal.
Os critérios principais são aqueles que, normalmente, estão explicitados
(i) na ementa; (ii) na parte dispositiva da decisão; e (iii) na motivação da
decisão analisada. Eles estão reunidos na categoria “Motivo Principal I”.
Cumpre observar, porém, que algumas vezes o STF apresenta dois
motivos principais, fazendo uso de termos processuais igualmente abrangentes e
relevantes para justificar a extinção do processo sem apreciação do mérito.
Nesses casos, optou-se por criar uma categoria chamada “Motivo Principal II”
para que não houvesse confusão entre a fundamentação utilizada pelos ministros

131
e as peculiaridades processuais que servem de base para essa fundamentação.
Os casos em que se verifica a existência de dois motivos principais somam 11
ações.
Os motivos principais identificados na pesquisa estão organizados nas
seguintes categorias:
a) Ausência de manifestação do autor. A falta de manifestação do autor
conduz à extinção da ação por preclusão. É o abandono do processo.
b) Deficiência da representação. Trata-se de uma questão meramente
formal, como falta de procuração de poderes especiais para o advogado,
ou qualquer outro problema que leve à inépcia da inicial por problema na
representação do impetrante. Houve poucos casos extintos por este
motivo.
c) Desistência. A desistência, diferentemente da ausência de manifestação
do autor, que leva à preclusão, é feita por meio de petição. Ou seja, é
uma manifestação do impetrante no sentido de declarar o seu desejo de
não levar adiante a lide.
d) Ilegitimidade ativa ad causam. Esse motivo é bastante recorrente, e
justificou a extinção de ações interpostas por entidades de classe,
partidos, associações civis e sindicatos. É interessante notar que, na ADI
1633, a ministra Carmen Lúcia propõe uma ampliação dos critérios de
legitimidade ativa para a propositura de ADIs, visto que este é um dos
motivos principais que levam à extinção do processo sem julgamento do
mérito.
e) Impossibilidade jurídica do pedido. A impossibilidade jurídica do
pedido conjuga-se diretamente com o pedido de se declarar
inconstitucional dispositivo infraconstitucional. O STF entende que, neste
caso, não é possível apreciar a constitucionalidade do texto. Caberia um
exame de legalidade, o que não compete ao Tribunal fazer.
f) Inépcia da Inicial. A inépcia da inicial configura-se por questões formais,
como a deficiência da representação, ou a falta de impugnação
especificada de dispositivos, enfim, questões procedimentais. Por exemplo,
no precedente da ADI 2.187, em Questão de Ordem, houve a recusa em
apreciar o feito devido à falta de procuração com a indicação do ato

132
atacado na ADI, entendendo que este requisito formal constituía exigência
do Tribunal.
g) Litispendência. Quando a constitucionalidade de determinada lei está em
julgamento no STF e outra ação é proposta concernindo o mesmo
dispositivo, o Supremo termina por extinguir a ação alegando
litispendência.
h) Perda de objeto. A perda do objeto está ligada a diversos fatores, que
foram mais bem tratados no campo “Motivo Específico” (v. adiante).
Conjugam-se aqui, por exemplo, a revogação do dispositivo questionado,
a falta de aditamento da inicial em virtude da conversão de determinada
Medida Provisória em lei etc.
Com o objetivo de detalhar esses critérios processuais que integram as
categorias “Motivo Principal I” e “Motivo Principal II”, foi criado o grupo de
“Motivos Específicos”. Isso se deve ao fato de que, além de saber que a ação foi
extinta sem julgamento de mérito por perda de objeto, por exemplo, é
fundamental saber por que a ação perdeu objeto. Essa segunda explicação é que
faz parte da categoria “Motivo Específico”.
A importância dessa categoria adicional é, portanto, discriminar os
termos processuais mais abrangentes utilizados pelo STF, quais sejam a perda
de objeto e a impossibilidade jurídica do pedido.
Para explicitar os motivos específicos que fundamentam a perda de
objeto, adotou-se a seguinte classificação:
h.1) Alteração substancial da redação original do dispositivo
impugnado. Na ADI 1.442, cujo relator é o ministro Celso de Mello, o
Tribunal reconhece que “[a] revogação superveniente do ato estatal
impugnado faz instaurar situação de prejudicialidade que provoca a extinção
anômala do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, eis que a
ab-rogação do diploma normativo questionado opera, quanto a este, a sua
exclusão do sistema de direito positivo, causando, desse modo, a perda
ulterior de objeto da própria ação direta, independentemente da ocorrência,
ou não, de efeitos residuais concretos”.
h.2) Constitucionalidade já apreciada em outra ação. Em respeito à
coisa julgada e/ou à economia processual, o Supremo extingue as ações que

133
versam sobre a constitucionalidade de dispositivos que já foram apreciados
em ocasiões anteriores.
h.3) Falta de aditamento da inicial. Um dos principais motivos de extinção
de ações sem julgamento do mérito, a falta de aditamento da inicial
configura-se quando ocorre alteração substancial do dispositivo impugnado na
ação e o autor não emenda a petição inicial informando sobre a nova redação
do texto.
h.4) Dispositivo impugnado deixou de vigorar. É pacífico no STF o
entendimento de que a revogação do dispositivo, ou a conversão de Medida
Provisória em lei, ou mesmo o transcorrer do prazo para a conversão da MP
configuram motivo de extinção da ação sem apreciação do mérito.
Interessante perceber que o STF entende que, mesmo que o texto
constitucional tenha produzido efeitos, o Tribunal está limitado a declarar a
constitucionalidade ou não do dispositivo, e não apreciar os seus efeitos. Nas
ADI 1.314 e 1.315, questionou-se se o fato de o Presidente revogar uma
Medida Provisória por outra, como meio de se esquivar da apreciação do STF,
não seria uma interferência inconstitucional no princípio da separação de
Poderes. O tribunal não concordou com essa afirmação, entendendo que o
Congresso, a qualquer momento, pode restabelecer os efeitos da primeira MP,
mediante a rejeição da Medida ab-rogatória superveniente.
h.5) Direito subjetivo individual. O motivo foi alegado em um único caso,
por se entender que a ação não pode ter seguimento porque não visa ao
controle abstrato de constitucionalidade, e sim à decisão judicial para
atendimento de interesses subjetivos específicos. Ou seja, o objetivo da ação
de controle concentrado não se coaduna com os seus propósitos
constitucionais.
Outro motivo principal bastante abrangente, e que por isso necessita de
motivos específicos para se entender melhor o que justifica a extinção da ação
sem julgamento do mérito, é a impossibilidade jurídica do pedido. Os motivos
específicos utilizados pelo STF para fundamentar a impossibilidade jurídica do
pedido são:
e.1) Dispositivo questionado é norma individual e concreta. Trata-se
de atos que carecem de abstração e generalidade, por essa razão, não são
passíveis de apreciação de constitucionalidade pelo STF. Foram aqui incluídos

134
os seguintes motivos: (i) regulamentos editados pela Administração, pois não
compete ao Supremo analisar a sua constitucionalidade; (ii) dispositivos
infraconstitucionais que correspondem a outros tipos de dispositivos
normativos de cunho regulamentar. Eles produziam, nas palavras dos
ministros, mera “violação indireta”, i.e., não podiam ser apreciados em sede
de infração à Constituição Federal.
e.2) Não houve esgotamento das vias judiciais. Este motivo se faz
presente nas ações de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) em que o autor não fez uso de todas as vias processuais possíveis
antes de recorrer ao STF por meio desta ação. O Tribunal entende que a
ADPF deve ser utilizada como ultima ratio. Por exemplo, se a norma
impugnada puder ser objeto de ADI, não cabe ADPF. Não é da competência
do Tribunal, portanto, apreciar a questão se ainda houver outros meios
judiciais disponíveis.
e.3) Norma impugnada é anterior à Constituição. Entre 1988 e os
primeiros anos da década de 1990, diversas foram as decisões que
extinguiram ações com base neste motivo. Tendo por precedentes a ADI 2 e
a ADI-MC 1.360, o Supremo entendeu que não cabia alegar a
inconstitucionalidade de leis prévias à Constituição, visto que a anterior tinha
sido, para todos os efeitos, revogada. ADPF foi fixada como procedimento
adequado nesses casos.
Apresentados os critérios utilizados para classificar as razões que levaram
o STF a extinguir as ações analisadas sem apreciar o seu mérito, cumpre
observar os resultados quantitativos obtidos.

135
Gráfico 64

Motivos que justificam a extinção das ações sem


julgamento do mérito

Perda de objeto 56%

Litispendência 0%

Inépcia da inicial 2%

Impossibilidade jurídica do pedido 17%

Ilegitimidade ativa ad causam 22%

Desistência 0%

Deficiência da representação processual 2%

Ausência de manifestação do autor 1%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%

Como se pode verificar do gráfico acima, mais da metade (56%) das


ações analisadas são extintas em razão da perda de objeto. Observa-se
também que a segunda razão mais recorrente para que o STF não aprecie o
mérito da ação é a ilegitimidade ativa ad causam (22%). Em terceiro lugar,
aparece a impossibilidade jurídica do pedido, que justifica a não apreciação
do mérito pelo STF em 17% dos casos envolvendo atos normativos oriundos do
Executivo federal.
Em função da grande quantidade de ações extintas sem julgamento do
mérito por perda de objeto, cabe explicitar os motivos específicos que justificam
a decisão do Tribunal por perda de objeto.

136
Gráfico 65

Perda de objeto - motivos específicos

Alteração substancial da
redação original do dispositivo
0% 1% impugnado
49%
Constitucionalidade já foi
apreciada em outra ação

12% Falta de aditamento da inicial

Dispositivo deixou de vigorar


4%

Trata-se de direito subjetivo


individual

34% Sem informação

O principal motivo que leva o STF a extinguir a ação por perda de objeto
refere-se aos casos em que o dispositivo impugnado deixou de vigorar. Esta
situação representa 49% dos casos examinados. Na maioria das vezes, essa
situação aparece nas ações que são impugnados dispositivos pertencentes a
medidas provisórias. Nos casos em que a MP era reeditada, duas situações
podiam acontecer: (i) a redação do dispositivo impugnado pode ter sido alterada
após o julgamento da liminar, e.g., ou (ii) o dispositivo impugnado pode ter sido
excluído da nova redação da MP. Nesses casos, a ação perde o objeto, pois o
dispositivo questionado deixou de vigorar.
Como indicado no gráfico anterior, a grande maioria dos casos de perda
do objeto (49%) pode ser atribuída a um recuo do próprio Executivo, quer
porque seus objetivos com a MP já foram atingidos, quer porque há uma decisão
liminar desfavorável, ou mesmo diante da mera existência de uma ação
impugnando o ato em trâmite no STF.
O segundo motivo mais recorrente que fundamenta a extinção da ação
sem julgamento do mérito é a falta de aditamento da inicial. Esse motivo,
presente em 34% dos casos, está diretamente ligado ao motivo específico
anterior, na medida em que a reedição da MP implica, segundo o STF, a
necessidade de aditar a petição inicial alterando o conteúdo do dispositivo
impugnado diante da reedição da MP. Somando-se a falta de aditamento com a
descontinuidade da validade do dispositivo impugnado, temos a maioria

137
esmagadora dos casos de extinção sem julgamento do mérito, por perda
suberveniente do objeto que dizem respeito a mudanças legislativas que não
foram determinadas pelo próprio STF, mas que foram por ele influenciadas.
Quando o autor não adita a petição inicial, a ação perde o objeto, pois o
dispositivo questionado deixou de vigorar, assim como acontece no motivo
explicitado acima. Nesses casos, verifica-se que os demandantes são os
responsáveis pela extinção sem julgamento de mérito por ausência de
aditamento da inicial.
Da mesma forma, a ação perde o objeto quando houver alteração
substancial da redação original do dispositivo impugnado, o que acontece
em 12% dos casos analisados.
Apresentadas as razões que justificam a extinção da ação sem
julgamento de mérito por perda de objeto, são apresentados também os motivos
que fundamentam a extinção da ação por impossibilidade jurídica do pedido.
Gráfico 66

Impossibilidade jurídica do pedido - motivos


específicos

15%

Dispositivo é norma individual


4% e concreta

Não houve esgotamento das


vias judiciais (ADPF)

Norma anterior à Constituição

81%

Das ações extintas sem julgamento do mérito por impossibilidade jurídica


do pedido, 81% delas têm como característica a impugnação de um dispositivo
considerado norma individual e concreta. É o caso das normas de caráter
regulamentar, como por exemplo, os regulamentos editados pela Administração
Pública. A partir da leitura das decisões, detectou-se que o fato de o autor
questionar um dispositivo constante de um regulamento é motivo para que o STF
não aprecie o mérito, por entender que a sua insubordinação deve ser
confrontada com a lei que ele especifica e não com a Constituição.

138
A título ilustrativo, vale destacar que na ADI 1347-DF, citada em diversas
outras decisões que fizeram uso do mesmo motivo para extinguir a ação sem
resolução do mérito, o STF decidiu que:
“o eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que
se acha materialmente vinculado poderá configurar insubordinação
administrativa aos comandos da lei. Mesmo que desse vício jurídico
resulte, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta
Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de
inconstitucionalidade meramente reflexa ou oblíqua, cuja apreciação
não se revela possível em sede jurisdicional concentrada."

De acordo com o gráfico 66, 15% das ações são extintas sem
julgamento do mérito por impossibilidade jurídica do pedido em virtude de a
norma impugnada ser anterior à Constituição. Além disso, a propositura de
uma ADPF quando ainda não esgotadas as vias judiciais possíveis deu ensejo à
extinção da ação sem julgamento de mérito por se tratar de um pedido
impossível juridicamente, na medida em que um dos pressupostos para
propositura da ADPF não foi observado. Tal situação representa 4% dos casos
examinados.
Diante dos motivos apresentados nesta seção para justificar a extinção
da ação sem julgamento do mérito, é possível afirmar que os demandantes
nas ações de controle de constitucionalidade concentrado em que se
impugnam atos normativos emanados do Executivo federal são, em certa
medida, responsáveis pela ausência de julgamento de mérito em
determinadas ações.
Isso se deve ao fato de que os principais motivos que levam à
extinção da ação sem julgamento do mérito por perda do objeto são
motivados pela falta de aditamento da petição inicial, tarefa que incumbe ao
demandante realizar quando houver alteração substancial da redação original
do dispositivo impugnado ou quando a norma impugnada deixar de vigorar.
As situações em que os demandantes não insistem na propositura da
ação, deixando de aditar a petição inicial para corrigir a redação do dispositivo
questionado, dão ensejo à seguinte reflexão: nesses casos, os atores
poderiam não estar interessados em um resultado efetivo de mérito, mas sim
em acessar o STF apenas como forma de exercer pressão sobre os centros de

139
poder, impugnando uma norma editada pelo Executivo federal com o objetivo
de questionar as políticas do governo.93
Outra razão que justifica a não apreciação do mérito pelo STF é a
ilegitimidade ativa ad causam, fator que é inerente às características dos
demandantes das ações. Mas, neste ponto, vale mencionar que não obstante a
relação de legitimados das ações de controle concentrado de
constitucionalidade estar explicitada na Constituição Federal, o STF
estabeleceu critérios próprios para considerar um sindicato ou uma entidade
de classe legitimado para a propositura de ADI, ADC e ADPF. Nas ações em
que a ilegitimidade ativa justifica a não apreciação do mérito da ação pelo
STF, pode-se dizer que a causa da extinção não dependeria somente dos
demandantes, mas também dos critérios estabelecidos pelo próprio tribunal
para barrar ou não o andamento da ação.
A partir dessas considerações, é possível esboçar as seguintes
reflexões: a primeira está ligada ao tempo de tramitação das ações e a
natureza dos atos impugnados. Muitas vezes, percebe-se que as ações que
impugnam medidas provisórias perdem o seu objeto porque o STF demorou
muito para julgar o mérito da ação (o que ocorre especialmente nos casos em
que o julgamento da liminar já foi realizado, conforme item 2.2.2., supra).
Considerando-se que as MPs são normas de caráter provisório, é preciso que o
STF dê uma resposta rápida a fim de que a reedição da MP não prejudique o
objeto da ação, garantindo assim uma resposta efetiva do tribunal.

V.3 Conclusão parcial


A principal finalidade do presente tópico é apontar para uma das
constatações mais centrais extraída da análise dos dados exposta acima, e que
justifica a ampliação da pesquisa e inclusão da análise descrita a seguir (no
capítulo VI): o STF tem poucas decisões de mérito em controle concentrado de
constitucionalidade de atos normativos do Legislativo e do Executivo federais,
sendo mais raras ainda as decisões nas quais a produção normativa desses

93
A presente pesquisa não comprova essa afirmação, mas existem trabalhos no campo da ciência
política que demonstram que muitos atores legitimados (como partidos políticos) acessam o STF
para exercer oposição à maioria governista. Nesse sentido, ver Matthew M. TAYLOR. Judging
Policy: Courts and Policy Reform in Democratic Brazil. Stanford: Stanford University Press, 2008 e
Matthew M. TAYLOR e Luciano DA ROS. “Os Partidos Dentro e Fora do Poder: A Judicialização como
Resultado Contingente da Estratégia Política”. Dados 51 (2008), pp. 825-864.

140
Poderes é efetivamente revista pelo tribunal (i.e., de alguma forma declarado
inconstitucional).
Um dos dados que chamou atenção nesta etapa da pesquisa é o alto
número de casos em que as demandas propostas são extintas sem julgamento
de mérito (cf. item V.2.1, supra). O total de ações sem resposta final envolvendo
atos do Executivo e do Legislativo federais alcança os 94% e 79%,
respectivamente. Ao mesmo tempo, é relativamente baixa a quantidade de casos
que atingiram o julgamento final de mérito por parte do tribunal: 6% e 21%,
respectivamente. Além disso, outro resultado que merece destaque é que, dentre
todas as ações ajuizadas, em apenas 3% e 11%, houve julgamento de mérito
(total ou parcialmente) procedente, com efetiva revisão do ato normativo do
Executivo ou Legislativo federais, respectivamente.
Esses dados e informações podem colocar em xeque a própria existênica,
no Brasil, de um ativismo judicial ou mesmo de um movimento de “judicialização
da política”. Ora, ainda que apenas do ponto de vista quantitativo, é
relativamente baixa a taxa de “interferência” do Judiciário no âmbito de atuação
normativa dos demais Poderes. Como se depreende dos dados apresentados, a
idéia de que “judicialização da política” é uma realidade no Brasil fica um pouco
prejudicada, caso se considere o baixo volume de casos em que o Supremo
Tribunal Federal julga necessário “intervir” no trabalho dos demais Poderes da
República.
A contrario senso daquilo que parecem sugerir alguns trabalhos acerca do
tema, e que foram examinados no segundo capítulo do presente estudo, o
intervencionismo do STF (com efeitos diretos e permanentes) no produto da
atividade normativa dos Poderes Executivo e Legislativo é relativamente baixo.
Isso parece apontar para a seguinte conclusão: não é suficiente olhar para os
números e resultados do controle de constitucionalidade no Brasil, para
encontrar algum indicador da suposta “judicialização da política”. Essa
constatação deverá ser melhor explorada no capítulo seguinte.

VI. Processo decisório no STF: análise qualitativa e


apontamentos para uma nova agenda de pesquisa
O presente capítulo destina-se à exposição sucinta de um modelo de
análise qualitativa do teor das decisões do STF, por meio do mapeamento de

141
técnicas decisórias e de formas de interação entre o tribunal e a sociedade civil.
O objetivo, aqui, é tentar oferecer alguns apontamentos para uma nova agenda
de pesquisa que se insere dentro da temática mais ampla da “judicialização da
política”, por meio da investigação do lastro argumentativo desenvolvido pelo
tribunal em suas decisões. Ademais, acredita-se que esse constitui um campo de
análise no qual a expertise dos juristas pode lhes permitir contribuições
consistentes e relevantes para o debate acerca do tema.
Como resslatado no tópico anterior, sua elaboração partiu da constatação
de que, quantitativamente, a atuação do STF no controle de constitucionalidade
de atos dos Poderes Executivo pouco teria a dizer sobre a idéia de judicialização
da política94 – ainda que nos limites traçados para o marco teórico que orienta a
presente pesquisa (cf. item II.3, supra). A hipótese ora levantada, e que parece
ter se confirmado na presente pesquisa (conforme será visto abaixo), é a de que
a abordagem do tema a partir da perspectiva interna dos órgãos diretamente
envolvidos (tribunais em geral e, no caso, o STF), muito mais do que uma mera
análise de input e output, importa uma investigação que desça ao nível
argumentativo das decisões. Em outras palavras, o que se sustenta é justamente
que um estudo do tema com pretensões de ser o mais completo possível
pressupõe, necessariamente, uma análise qualitativa das decisões do tribunal.
Tendo em vista que a finalidade, aqui, é apenas a de testar algumas
possíveis contribuições que uma abordagem diferenciada poderia oferecer para o
debate acerca da “judicialização da política”, a seleção dos casos analisados não
tem pretensões exaustivas, diferentemente do universo de análise quantitativo
(cf. Capítulo III, supra). Não por outra razão, a análise exposta a seguir é muitas
vezes designada como pesquisa exploratória ou mesmo exemplificativa.
Além disso, necessário esclarecer que, em razão de uma baixa variedade
dos temas e técnicas decisórias envolvidas nas ações de controle de
constitucionalidade com decisão de mérito (cf. item V.2.5, supra), optou-se por
não restringir os casos aqui analisados àqueles que compõem o banco de dados
e universo de análise da etapa quantitativa desta pesquisa (Capítulo V). A seguir
são apresentados, inicialmente, a forma de seleção dos casos, juntamente com
um relato sucinto de cada um.

94
A não ser que se considere que a “interferência” do Poder Judiciário na decisão de questões
políticas, por meio do exercício do controle concentrado de constitucionalidade, não passa de uma
hipótese sem confirmação prática.

142
VI.1 Seleção e relato dos casos analisados
O critério utilizado na escolha dos objetos desta pesquisa exploratória foi
o fato de eles serem casos comumente associados ao processo de judicialização
ou de ativismo judicial. Já como uma primeira aproximação da hipótese colocada
a partir do marco teórico – qual seja, a de que judicialização e/ou ativismo
judicial são conceitos que adquirem significados muito distintos a depender da
situação (cf. item II.3, supra) –, e também a partir da bibliografia analisada,
elaborou-se uma tipologia capaz de identificar grandes grupos de problemas e
conteúdos que, quando levados à apreciação judicial, poderiam ensejar alguma
discussão sobre judicialização ou ativismo.
Como ressaltado anteriormente, esses casos não foram extraídos
exclusivamente do universo de análise montado para os capítulos IV e V, supra,
nos quais procedeu-se a um estudo quantitativo do controle concentrado de
constitucionaldade. Por essa razão, dentre os casos abaixo selecionados e
analisados, também estão incluídos recursos extraordinários (RE), mandados de
segurança (MS) e, inclusive, mandados de injunção (MI). Diferentemente das
ações convencionais (ADI, ADC e ADPF), essas ações e recursos são a via
processual por meio da qual o Supremo exerce o que se chama de controle
difuso ou concreto (incidental) de constitucionalidade de leis e atos normativos
do Executivo e Legislativo federal.
Segue a lista dos casos estudados, indicando os critérios sob os quais
foram selecionados para compor este universo exemplificativo de acórdãos
submetidos a uma análise qualitativa do processo decisório e argumentativo
desenvolvido pelo STF e seus ministros, e nos quais, em alguma medida,
questões relacionadas à interação entre os Poderes e a legitimidade democrática
das decisões judiciais foram abordadas (cf. a descrição dos eixos do marco
teórico no item II.3, supra):

(i) Casos que envolvem obrigações impostas ao Poder Executivo

- Raposa Serra do Sol

- Importação de pneus usados

(ii) Casos que envolvem uma forma de substituição do Poder


Legislativo: exercício excepcional do papel de legislador pela Corte em
casos de omissão reiterada do Legislativo

143
- Greve dos Servidores Públicos

- Fundo de Participação dos Estados (FPE)

(iii) Casos em que há intervenção do Judiciário na dinâmica


político-partidária/ no sistema político-partidário/ na competição
político-partidária

- Verticalização das coligações partidárias

- Fidelidade Partidária

É importante salientar, novamente, que essa seleção não tem pretensões


de ser uma amostra representativa dos “casos de judicialização” que existem no
STF. Por se tratar de uma pesquisa exploratória (e não exaustiva), não se
pretende aqui extrair resultados analíticos conclusivos, e sim, apontar aspectos
que parecem estar sendo desconsiderados pelos estudos sobre judicialização.
Vários fatores concorrem para a construção de um caso paradigmático:
gravidade do conflito, grupos de interesse envolvidos, atenção da mídia,
presença de muitos casos semelhantes ao paradigma, possibilidade de
elaboração de novos parâmetros de interpretação e aplicação do direito para sua
solução. Muitos dos casos do STF mencionados pela bibliografia como
representativos de um fenômeno de “judicialização da política” apresentam esses
fatores, que, como pode se perceber, conjugam aspectos internos e externos ao
próprio tribunal.
Estes estudos, no entanto, valorizam a análise deste fenômeno a partir
da sentença, seu impacto/repercussão, se ela intervém ou não em determinada
política pública. As sentenças são tomadas como unidades em estudos
quantitativos, em que a declaração de inconstitucionalidade é considerada
apenas em termos absolutos. A ausência de uma análise minuciosa da
argumentação contida na sentença faz com que se perca todo um campo de
estudo que poderia levar em consideração minúcias do processo de interpretação
e aplicação do direito.
O controle de constitucionalidade passa por uma série de transformações,
a partir da adoção de novas ferramentas decisórias (interpretação conforme,
decisão aditiva, etc.), surgindo com elas uma série de dificuldades atreladas ao
momento da aplicação dessas decisões (modulação de efeitos, diálogo com
outros Poderes, etc.). O exercício dessas novas atribuições do controle de

144
constitucionalidade pode estar relacionado ao campo de estudos da
“judicialização da política”, embora não tenha recebido a devida atenção.
É interessante, sobretudo, identificar a partir desta pesquisa exploratória
de casos, elementos internos ao processo decisório do tribunal, fatores
institucionais tais como: formas de votação, ferramentas de interpretação e
aplicação do direito utilizadas. O objetivo de empreender uma análise detalhada
desses elementos é dar início a uma nova agenda de pesquisa em direito, que
possa contribuir com uma perspectiva de análise institucional para o debate
sobre judicialização da política e STF.
O processo decisório é, portanto, o eixo comum das análises feitas
adiante. Para fins de clareza da exposição, foi elaborada uma tentativa de
tipologia de aspectos interessantes desse processo. Assim, fala-se em 1)
técnicas de julgamento; e 2) procedimentos decisórios.
O primeiro ponto abarca uma discussão sobre mecanismos dos quais se
valem os juízes constitucionais no momento do julgamento e também em um
momento posterior, para garantir a efetividade do que foi julgado. Nesse tópico,
são discutidas figuras como a modulação de efeitos e da interpretação conforme
a Constituição – técnicas de julgamento que foram formalizadas pela
regulamentação legal do processamento constitucional, feita pela Lei nº 9868/99
(que regulou ADI e ADC) e pela Lei nº 9882/99 (que regulou a ADPF)95 –, mas
também outras figuras que, apesar de não estarem "formalizadas”, cumprem um
papel relevante no momento do julgamento e da execução do que foi decidido.
Aqui, merecem destaque a diferença entre efeitos constitutivos e declaratórios da
sentença, o significado da chamada decisão aditiva, e as questões que se
colocam no momento de implementar o que foi decidido.

95
O art. 27, da Lei nº 9.868/99 (Lei da ADI), e o art. 11, da Lei nº 9.882/99(Lei da ADPF),
dispõem que “ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões
de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por
maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela
só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
Essa é a chamada modulação de efeitos da decisão. A interpretação conforme a Constituição é
mencionada no parágrafo único do art. 28, da Lei da ADI: “a declaração de constitucionalidade ou
de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial
de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em
relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.”
Necessário lembrar que a Lei da ADI possui diversos dispositivos contestados face à Constituição
Federal – dentre eles, o próprio artigo 27. Cf. ADI 2.231, proposta pelo Conselho Federal da OAB,
ainda pendente de julgamento.

145
O segundo ponto refere-se a novas formas de processamento das
questões constitucionais. Importam aqui principalmente os mecanismos de
democratização do processo, com a figura do amicus curiae e realização de
audiências públicas, mas também se discute brevemente algumas possibilidades
à disposição da Corte na gestão dos processos, como o julgamento conjunto de
ações e as formas de lidar com o tempo de processamento de cada ação.
Em razão do caráter exploratório da pesquisa aqui apresentada, a forma
de desenvolvimento dos dados acerca dos casos é feita mais sob o formato de
texto ensaístico do que propriamente sob a forma de um relatório resultante de
pesquisa empírica. Com isso, muito mais do que expor dados descritivos, espera-
se levantar hipóteses para futuras investigações neste novo campo de estudo.
Abaixo, seguem os breves relatos elaborados sobre cada caso, e
indicação de alguns pontos de interesse que serão desenvolvidos neste trabalho,
com a finalidade de situar o leitor nas discussões feitas adiante.

VI.1.1 Raposa Serra do Sol


A trajetória do caso Raposa Serra do Sol no STF é representativa das
mudanças do tribunal em relação ao tema da demarcação de terras indígenas.
Em 14 de abril de 2005, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a
reclamação (RCL) 2833, extinguindo por perda de objeto todas as ações que
versavam sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em face da
substituição da Portaria nº 820/98 pela Portaria nº 534/2005 do Ministério da
Justiça. A Corte declarou-se também, com base na alínea “f”, inciso I, art. 102,
da Constituição Federal, competente para processar e julgar ações contra o
decreto presidencial que homologou a reserva. Tomando por base o argumento
de que essas ações versam sobre conflito federativo, o Tribunal avocou para si a
competência para dirimir esses conflitos demarcatórios.
Essa decisão, arrogando competência ao STF por meio da identificação de
um conflito federativo, rompe com uma tradição na jurisprudência do tribunal,
que considerava os conflitos que envolviam demarcação de terras indígenas de
competência das instâncias inferiores. Essa medida, somada a outros eventos,
possibilitou que o STF pudesse, em seguida, construir um caso paradigmático, no
qual seriam assentadas as bases constitucionais para a demarcação de terras

146
indígenas em geral, i.e., apresentando uma solução não só para o caso concreto
da Raposa Serra do Sol.
Em reação a essa decisão (Rcl. nº 2833) e à regulamentação da nova
portaria, em 20 de abril de 2005, o Senador Augusto Botelho (PDT/RR) ingressou
com ação popular no Supremo Tribunal Federal, pedindo, em face da União, a
suspensão liminar dos efeitos da Portaria 534/2005 e, no mérito, a declaração de
nulidade dessa portaria, que demarcou a reserva Raposa Serra do Sol. A liminar
da ação popular foi, então, indeferida. Em 9 de abril de 2008, o Tribunal
suspende – como uma decisão interlocutória nos limites da Ação Popular – a
retirada de não-índios da região, o que gera processualmente o incurso de uma
série de interessados por meio de mecanismos processuais, como pedidos de
litisconsórcio e assistência, e extra-processuais, como visita de uma série de
interessados na lide aos gabinetes dos ministros, especialmente o do então
Presidente do STF, Min. Gilmar Mendes. A incidência desses outros atores no
processo provoca debates entre os ministros sobre os limites dessa atuação,
sobre se eles poderiam inovar os pedidos da petição inicial, bem como sobre os
limites da decisão do próprio tribunal, para saber se poderia julgar o caso extra
petita.
Em 27 de agosto de 2008, o relator, Min. Carlos Britto, julga a ação
popular improcedente, mas o julgamento é interrompido pelo pedido de vista do
Min. Menezes Direito, que apresenta seu voto em 10 de dezembro do mesmo
ano, inovando ao propor 18 cláusulas condicionantes, não apenas ao processo de
demarcação no caso Raposa Serra do Sol, mas ao das terras indígenas em geral.
O caso serviria como exemplo paradigmático para estes outros processos. A
questão só se resolve em 19 de março de 2009, quando o tribunal decide no
sentido da procedência parcial da ação, nos termos dos fundamentos do Relator
Min. Carlos Britto, que mudou seu voto anterior, e das chamadas “salvaguardas
institucionais” do voto do Min. Menezes Direito, ajustadas após deliberação do
colegiado, configurando 19 cláusulas condicionantes. Ficaram vencidos os Min.
Marco Aurélio, que votou pela total procedência da ação e Min. Joaquim Barbosa,
pela total improcedência. As condicionantes apresentadas no processo geram
discussões entre os ministros com relação aos limites da atuação judicial do
tribunal, sobre se esta seria uma técnica de julgamento legítima, bem como com
relação às possibilidades de sua implementação.

147
VI.1.2 Importação de pneus usados
O caso dos pneus envolve uma Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental, ADPF 101, apresentada ao STF pelo Presidente da República, por
meio da Advocacia Geral da União. O demandante pedia que (i) fossem
declaradas inconstitucionais interpretações judiciais que estavam permitindo a
importação de pneus usados para o país a despeito da política de proibição desse
tipo de importação, estabelecida pelo Executivo Federal por meio de portarias da
Secretaria de Comércio Exterior e de resoluções do Conselho Nacional do Meio
Ambiente e (ii) fossem declaradas constitucionais essas normativas de proibição.
O argumento principal é de que aquelas interpretações judiciais, que
fundamentaram decisões liminares autorizando empresas a importarem pneus
usados, estariam violando os preceitos fundamentais do direito à saúde e da
proteção do meio-ambiente – justamente os preceitos que a política proibitiva
estaria assegurando.
A ADPF foi proposta em meio a uma controvérsia na Organização Mundial
do Comércio, na qual o Estado brasileiro era questionado pela União Européia por
essa política estar supostamente estabelecendo barreiras não-tarifárias, em
desacordo com o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Além desse
processo à época em andamento, havia também uma decisão anterior, proferida
em 2002 pelo Tribunal Ad Hoc do Mercosul, que estabeleceu o compromisso do
Brasil de não vedar a importação de pneus usados dos países do bloco. No caso,
foi o Uruguai quem argüiu a incompatibilidade da legislação proibitiva brasileira
com os compromissos de livre comércio assumidos diante do Mercosul.96
A harmonização da jurisprudência das instâncias inferiores do Poder
Judiciário97, que permitiam de maneira ad hoc a importação de pneus usados
e/ou remodelados, era fundamental para evitar uma responsabilização
internacional do Estado brasileiro na OMC, sob o fundamento de ter este uma
política externa incoerente na matéria, ao manter uma política proibitiva
contrariada por permissões do próprio Judiciário.

96
Para um histórico das disputas envolvendo importação de pneus em organismos internacionais,
ver Fabio Morosini, “A Guerra dos Pneus”, Casoteca Latino-Americana de direito e política pública,
2006. Disponível em: http://www.gvdireito.com.br/casoteca/casos.aspx?PagId=GTDJNNWM.
97
No caso, eram questionadas decisões de juízes federais das seções judiciárias do Ceará, Espírito
Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo; bem como, dos TRF’s da 2ª, 3ª, 4ª e 5ª
região.

148
Essa harmonização de interpretação da Constituição poderia ser realizada
pela ADPF 101 com o atendimento da demanda colocada: declaração de
constitucionalidade das normas em vigor, que há muito proibiam as importações
de pneus usados, bem como declaração de descumprimento dos preceitos
fundamentais de direito à saúde e ao meio-ambiente pelas interpretações
judiciais contra essas normas. O caso foi relatado pela Ministra Cármen Lúcia e
teve decisão final em 2009, pela procedência parcial da ADPF proposta, nos
termos adiante detalhados.
Esse caso permite avaliar o desempenho do desenho institucional do
processo decisório do STF nos momentos em que promove interação com atores
que não correspondem às partes que incidem obrigatoriamente no processo
(Advocacia Geral da União, demandante, dentre outros). É um caso com
julgamento de mérito que teve audiência pública e apresentação de amici curiae,
com a participação de atores de diferentes perfis (iniciativa privada, ONGs,
órgãos governamentais etc.).
A importância da avaliação de tais procedimentos reside na capacidade
deliberativa e de legitimação decisória normalmente atribuída a eles.
Mecanismos de participação e de diálogo com atores da sociedade civil em cortes
supremas têm sido considerados teoricamente como espaços de deliberação,
com capacidade de suprir a deficiência de legitimidade das decisões de cortes
não eleitas, decisões estas muitas vezes classificadas como “ativistas”. É preciso,
no entanto, examinar empiricamente o desempenho desse desenho institucional
que promove interação com outros atores, pois, na prática, ocorrem de modo
bastante variado, como será apontado adiante.

VI.1.3 Direito de greve dos servidores públicos


O direito de greve dos servidores públicos está assegurado no artigo 37,
VII da Constituição Federal. De acordo com esse dispositivo, para que o exercício
deste direito seja viabilizado, é necessário que ele seja disciplinado por uma lei,
lei esta que ainda não foi editada pelo Poder Legislativo. Diante desse quadro em
que a obrigação de legislar imposta constitucionalmente não foi cumprida pelo
legislador, está configurada a chamada omissão legislativa.
Ante essa ausência de norma, que viabilizaria o exercício desse direito
por servidores públicos, o tema foi levado à apreciação do STF por diversas

149
vezes, merecendo destaque o julgamento dos Mandados de Injunção (MI)
670/ES, 708/DF e 712/PA, em 25 de outubro de 2007. Tais ações foram
propostas por sindicatos que representam a categoria de alguns servidores
públicos: Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo –
SINDPOL, Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa
– SINTEM, e Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará –
SINJEP, respectivamente.
Os MI 670/ES, 708/DF e 712/PA são considerados paradigmas, pois em
suas decisões, o STF alterou o entendimento acerca dos efeitos do mandado de
injunção: foram atribuídos efeitos constitutivos a este, abandonando-se a
posição defendida anteriormente de que o MI possuía efeitos meramente
declaratórios, como apresentado abaixo.
Importante paradigma na compreensão do posicionamento inicial do
Tribunal acerca dos efeitos do mandado de injunção é o MI 107/DF, julgado em
1990. Nesta decisão, definiu-se que o MI é cabível tanto nos casos em que há
omissão total do legislador – situação de absoluta ausência de normas
regulamentadoras de dispositivos constitucionais pendentes de regulamentação –
quanto nos casos de omissão parcial – hipótese em que ocorre o cumprimento
imperfeito ou insatisfatório de dever constitucional de legislar. Além de tratar
desse e de outros pressupostos de cabimento do mandado de injunção, o STF
determinou que a sua função deveria se limitar a declarar a inconstitucionalidade
da omissão detectada e notificar o legislador para que empreendesse as
providências requeridas.
Não obstante o STF tenha declarado a inconstitucionalidade por omissão
do art. 37, VII, da Constituição e dado ciência dessa omissão ao legislador, este
permaneceu inerte, descumprindo o dever constitucional de regulamentar o
direito de greve dos servidores.
Não tendo produzido efeito as decisões declaratórias da omissão
legislativa, o STF acabou por definir uma regra capaz de viabilizar o exercício do
direito de greve, determinando a aplicação, no que couber, de uma norma já
existente no ordenamento jurídico, até que sobrevenha a regulamentação do
Legislativo.
Tal atitude foi tomada pelo STF dezessete anos depois de proferida a
decisão do MI 107/DF, quando do julgamento dos MI 670, 708 e 712, em 2007.

150
Nesses casos, foi firmado o posicionamento de que o mandado de injunção
passou a conformar atuação mais ampla do que a admitida até então. Ou seja, o
STF considerou que o mandado de injunção possui efeitos constitutivos e não
mais apenas declaratórios.
Diante disso, não compete ao STF somente declarar a
inconstitucionalidade da omissão, quando esta for detectada. Passa a cumprir ao
Tribunal determinar também qual a regra aplicável ao caso concreto para sanar a
omissão legislativa e dar concretude aos preceitos constitucionais que ainda
estão pendentes de regulamentação.
Nos MI 670/ES, 708/DF e 712/PA, ao reconhecer a omissão do legislador,
o STF determinou que, diante da longa inércia do Legislativo federal em
regulamentar o artigo 37, VII da CF, deveria ser aplicada ao caso, no que
coubesse, a lei de greve dos trabalhadores em geral (lei federal nº. 7.783, de
1989).

VI.1.4 Fundo de Participação dos Estados (FPE)


As ADIs 875, 1.987, 2.727 e 3.243, julgadas em conjunto pelo STF, com
decisão final proferida em 24 de fevereiro de 2010, colocaram em discussão um
dos pontos centrais da estrutura federativa brasileira, com enorme potencial de
embate político no âmbito do chamado “pacto federativo”. Trata-se dos critérios
de cálculo do repasse da receita tributária arrecadada pela União e, por expressa
disposição constitucional, repassada aos Estados e Municípios através do Fundo
de Participação previsto no art.159, inciso I, da CF.98
Por esse motivo, o caso, iniciado com a propositura da primeira ADI em
1993, denota o fortalecimento da Corte enquanto instância legítima de discussão
e solução de questões políticas fundamentais. Expressa, nesse sentido, o
fortalecimento de uma nova postura do STF no diálogo com os demais poderes,

98
Art. 159. A União entregará:
I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e
sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma: (EC n°53/2007, NR)
a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do
Distrito Federal;
b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;
c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de
acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do
Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;
d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro
decêndio do mês de dezembro de cada ano; (Incluído pela EC n°53/2007).

151
coerente com as mudanças substantivas de entendimento quanto ao Mandado de
Injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, além do
desenvolvimento de novas técnicas de julgamento no processo de controle
concentrado ancoradas numa interpretação renovada do alcance do art. 27, da
Lei 9868/99, que dispõe sobre a modulação de efeitos.
Especificamente, a não atualização dos critérios nos termos delimitados
pela CF denota certa acomodação de interesses políticos no próprio Legislativo,
capaz de obstruir por mais de vinte anos as reformas institucionais necessárias
ao alcance dos objetivos constitucionais. É nesse contexto que o tema da
“judicialização” e das técnicas decisórias precisa ser estudado no caso.
A CF de 1988 delegou expressamente a Lei Complementar o
estabelecimento de normas sobre a entrega dos recursos do Fundo de
Participação dos Estados, “especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos
previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico
entre Estados e entre Municípios” (art.161, inciso II), determinando ainda que
caberia ao Tribunal de Contas da União o cálculo das quotas de participação de
cada ente federado (art.161, parágrafo único). O Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias estabeleceu o prazo máximo de 12 (doze) meses
para a edição da referida lei complementar (ADCT, art.39, parágrafo único),
contexto no qual foi aprovada a Lei Complementar 62, em 1989.
Seguindo a função distributiva atribuída ao FPE, a LC 62/89
regulamentou a Constituição determinando que 85% do Fundo seria destinado
aos Estados das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 15% aos Estados das
Regiões Sul e Sudeste (art. 2°, incisos I e II). No entanto, resolvida essa razão
distributiva geral entre dois grandes blocos regionais, restava em aberto a
definição dos critérios de participação de cada Estado no âmbito de cada bloco. O
“estado de necessidade legislativa”99 imposto pelo prazo constitucional levou o
Congresso Nacional a explicitamente optar por reproduzir na lei o acordo político
entre os Estados construído no âmbito do Conselho Nacional de Política
Fazendária, estipulando em seu anexo os coeficientes a serem aplicados até o
ano de 1991.100

99
Expressão adotada pela Min. Cármen Lúcia no julgamento conjunto das ADIs (STF. ADI 875.
Acórdão – Inteiro Teor, fl. 279).
100
LC n° 62/89, art. 2°, “§1° Os coeficientes individuais de participação dos Estados e do Distrito
Federal no Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal - FPE a serem aplicados até o

152
Tais coeficientes tomavam como base a média histórica praticada até
então e, nos termos da lei, deveriam ser substituídos por novos critérios, que
deveriam ser fixados em lei específica com base nas informações apuradas pelo
censo de 1990, passando a vigorar a partir de 1992 (LC n° 62/89, art.2°, §2°).
Até que fosse editada a nova legislação, os coeficientes estabelecidos em 1989
continuariam em vigor (§3°).
No entanto, a omissão do legislador ordinário em produzir tal
regulamentação levou à perpetuação dos coeficientes definidos na Lei
Complementar 62/89, que por sua vez reproduzem padrões estabelecidos no
Código Tributário Nacional desde 1965, o que resulta em importantes distorções
entre os entes federados, dadas as profundas mudanças na realidade
demográfica e econômica do país. Esse estado de omissão legislativa, como
reconheceria o próprio STF, havia provocado uma “inconstitucionalização”101
progressiva da referida lei, cada vez menos ajustada aos propósitos
equalizadores estabelecidos na CF.
A ADI 875, proposta em 18 de maio de 1993 pelos Governadores do Rio
Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina contra o art.2°, Incisos I e II, e §§ 1°,
2° e 3°, e o Anexo Único da Lei Complementar 62/1989, foi inicialmente
distribuída ao Min. Néri da Silveira. Segundo os autores, a norma atacada seria
inconstitucional por não observar o comando do art. 161, II, da CF, uma vez que
não dispõe sobre critérios de rateio dos Fundos de Participação. Assim, segundo
os autores, em lugar de fixar regras básicas sobre os critérios distributivos a
serem observados anualmente pelo Tribunal de Contas da União, a Lei
Complementar resumiu-se a estabelecer diretamente os coeficientes. Com isso,
referida norma minimizou a competência constitucional do TCU inscrita no
parágrafo único do art.161, cujo trabalho ficou restrito a um simples cálculo
matemático.
Esta primeira ADI, proposta conjuntamente pelos estados da Região Sul,
que segundo os coeficientes da Lei Complementar 62/89 dividiriam com a Região
Sudeste a menor parcela do FPE – 15%, contra 85% destinados às Regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste -, trazia como questão de fundo o que os

exercício de 1991, inclusive, são os constantes do Anexo Único, que é parte integrante desta Lei
Complementar.”
101
Outra expressão adotada pela Min. Cármen Lúcia no julgamento conjunto das ADIs (STF. ADI
875. Acórdão – Inteiro Teor. Debate. Min. Cármen Lúcia, fl. 278). Com ela, a Ministra afirmava
tratar-se de reconhecimento de inconstitucionalidade superveniente.

153
estados entendiam ser o desvirtuamento do mecanismo distributivo, “que de
instrumento equalizador das desigualdades regionais, converte-se num
instrumento agressivo da igualdade entre os estados, princípio constitucional
explícito, essencial à forma federativa”.102
A ADI 1.987/DF, distribuída por prevenção ao Min. Néri da Silveira em 15
de abril de 1999, também foi proposta em litisconsórcio ativo, nesse caso entre
os Governadores do Mato Grosso e de Goiás, em face da alegada omissão do
Congresso Nacional em regulamentar o art. 161, II, da CF. Segundo tais estados,
o aspecto positivo da Lei Complementar 62/89 seria a definição de 85% do FPE
para as Regiões mais pobres do país. No entanto, as sucessivas prorrogações dos
coeficientes distributivos arbitrariamente estabelecidos por acordo político na LC
n° 62/89 (através das leis complementares 71/92, 72/93 e 74/94),
desconsiderando-se as informações produzidas no Censo de 1990, traziam
graves distorções no cálculo do coeficiente individual de cada Estado, dentro de
cada bloco regional. Com isso, argumentavam os autores, violava-se o objetivo
constitucional de promoção do equilíbrio socioeconômico entre os entes
federados.
O pedido de antecipação de tutela na ADI 875 não chegou a ser
apreciado. Um fato que merece atenção é que em 04 de abril de 2002 o relator
Néri da Silveira determinou a inclusão das ADIs em pauta para julgamento, vindo
a constar na ordem do dia da sessão de 24 de abril de 2002 – data da última
sessão do relator que se aposentava nesse mesmo dia. No entanto, a apreciação
da matéria acabou sendo adiada “em virtude do adiantado da hora”, o que
resultou na posterior retirada de pauta e indicação de nova relatoria, que ficaria
a cargo do Min. Gilmar Mendes (em 26 de junho de 2002).
Por essa razão, as ADIs seguintes foram distribuídas por prevenção ao
Min. Gilmar Mendes. A ADI 2.727, proposta pelo Governador do Estado de Mato
Grosso do Sul e distribuída em 28 de setembro de 2002, tinha fundamento
semelhante ao da ADI 875, atacando os mesmos dispositivos. Agregava às ações
anteriores o questionamento quanto à violação, pela LC 62/89, da vedação de
delegação de matéria reservada a lei complementar. Já a ADI 3.243, proposta
pelo Governador do Estado do Mato Grosso – mesmo autor da ADI por omissão
1.987 - e distribuída em 29 de junho de 2004, questionava a íntegra da LC

102
ADI 875, Petição Inicial, p.14.

154
62/89, com destaque para o dispositivo que determinava a prorrogação dos
coeficientes nela definidos até que sobreviesse novo critério. Nesse caso, ambas
as ações foram submetidas ao rito do art.12 da Lei n° 9.868/99103, prejudicando-
se os pedidos liminares.
Consta do Acórdão do julgamento conjunto que, nas informações, as
autoridades federais requeridas enfatizaram que “não caberia a este Tribunal
[STF] fixar novos critérios, transformando-se em legislador positivo”.104 A AGU
argumentou que a LC 62/89 não poderia ser atacada via ação direta de
inconstitucionalidade, por se tratar de norma de efeitos concretos, e que a
eventual declaração de inconstitucionalidade inviabilizaria a repartição do Fundo
de Participação, levando assim a uma crise federativa. O Procurador-Geral da
República também proferiu parecer contrário às ADIs, alegando que não caberia
ao STF analisar, em sede de controle concentrado, a alegação de má-distribuição
dos recursos e de sua inaptidão para promover o equilíbrio socioeconômico entre
os entes federados.

VI.1.5 Verticalização das coligações partidárias


Em agosto de 2001, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) interpretou a
regra contida no artigo 6o da Lei 9504/97 (Lei das Eleições), determinando que
os partidos políticos que realizassem coligação para eleição de Presidente da
República estariam, dali em diante, proibidos de formar outras coligações para a
eleição de governadores, senador, deputado federal e deputado estadual, que
não aquela formada para a eleição presidencial, uma vez que, apesar de os
partidos políticos gozarem de autonomia, teriam caráter nacional, segundo a
Constituição.105
Em reação a tal instrução, vários partidos ingressam com ação direta de
inconstitucionalidade (a ADI 2626 foi impetrada pelos partidos PC do B, PT, PL,

103
“Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de
seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das
informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-
Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao
Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.”
104
Cf. ADI 875/DF. Relatório – Inteiro Teor, fl. 229.
105
Consulta 715, relatada pelo Ministro Garcia Vieira, e formulada pelos Deputados Federais do
PDT Miro Teixeira, José Roberto Batochio, Fernando Coruja e Pompeu de Mattos. A Consulta é um
mecanismo processual previsto no Código Eleitoral (art. 23, inc. XII), sem qualquer força
normativa ou vinculativa, que possibilita a formulação de questões em tese para o TSE. A
finalidade da resposta às consultas é antecipar os entendimentos do tribunal, que podem servir
como precedente para pronunciamentos futuros.

155
PSB e a 2628 pelo PFL). No entanto, o STF considerou que a instrução do TSE
seria um ato interpretativo não sujeito a controle de constitucionalidade.
Com efeito, as instruções do TSE seriam uma manifestação do exercício
da competência atribuída pelo Código Eleitoral (Lei 4737/65) para cumprimento
das normas eleitorais e a operacionalização do processo eleitoral (art. 23, IX).
Tal competência poderia ser exercida independentemente da consulta prévia, o
que reforçava o argumento acolhido pela maioria dos ministros da ausência de
violação aos principio da legalidade, do devido processo legal e da reserva legal.
Por tais razões, as ADIs 2626 e 2628 não foram conhecidas e a validade
das resoluções do TSE que limitavam a liberdade dos partidos políticos na
constituição de coligações foi mantida.
Pouco após essa decisão, já tramitava um projeto de Emenda
Constitucional no Congresso Nacional para disciplinar as coligações eleitorais,
estabelecendo entendimento contrário à interpretação do TSE. Nesse meio
tempo, o TSE foi novamente provocado a se manifestar a respeito, através de
uma consulta feita pelo PSL (Partido Social Liberal), na qual foi decidido pela
manutenção da verticalização das coligações partidárias para o pleito de outubro
de 2006.106
Ocorre que, em meio à manifestação do TSE, já havia sido aprovada, em
primeiro turno na Câmara dos Deputados, a proposta de Emenda Constitucional
que terminaria com a exigência de verticalização das coligações partidárias. Em
08 de março de 2006, 5 dias após a decisão do TSE, o Congresso Nacional
promulgou a Emenda Constitucional 52, dando nova redação ao artigo 17, § 1o.
Foi assim assegurada aos partidos políticos autonomia para adotar os
critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade
de vinculação entre as candidaturas de âmbito nacional, estadual, distrital ou
municipal; ou seja, foi extinta a exigência de verticalização das coligações
partidárias e, portanto, superado o entendimento do TSE reiteradamente
veiculado em suas instruções.
A partir da aprovação da Emenda, instaurou-se outra polêmica atinente
ao jogo eleitoral. A tensão agora estava relacionada à vigência imediata da nova

106
Consulta realizada em 03 de março de 2006. Cumpre apontar que o PSL, logo após a
formulação da consulta ao TSE (21/03/2006), chegou a solicitar ao STF que somente decidisse a
ADI 3685 após a manifestação do TSE à referida consulta, o que lhe foi negado uma vez que não
era nem impetrante, nem amicus curiae na ADI 3685.

156
regra e, portanto, quanto à sua aplicabilidade ao pleito de outubro de 2006, o
que conflitaria com outro dispositivo constitucional referente à prévia anuidade
das regras disciplinadoras do processo eleitoral.
Em decorrência da aprovação da Emenda e do conflito constitucional
existente, a OAB promoveu ação direta de inconstitucionalidade, ADI 3685,
provocando a jurisdição do STF para que este se manifestasse a respeito da
constitucionalidade ou não da Emenda no que se referia à aplicação imediata da
nova regra.
Em razão da demora nos trâmites legislativos, a EC 52 só entrou em
vigor em março de 2006, mas foi mantida a referência às eleições de 2002,
pretendendo-se com isso a sua aplicação às eleições que ocorreriam dali a seis
meses. Foi impugnada pela OAB a nova redação do art. 17, §2o da CF/88 e o art.
2o da Emenda Constitucional 52/06, que dispunha sobre a vigência imediata da
alteração constitucional.
A decisão tomada pelo Tribunal neste caso é considerada paradigmática
na jurisprudência do STF em termos de procedimentos decisórios pois se tratou
de um julgamento muito rápido, em que houve grande participação de partidos
políticos como amici curiae, e no qual firmou-se a posição praticamente unânime
entre os Ministros no sentido de se tratar de um casuísmo político que deveria
ser reprimido pelo Tribunal em função da segurança jurídica e do principio da
anterioridade anual das regras do processo eleitoral. Baseado nessas razões, o
STF proferiu nesse caso uma decisão de interpretação conforme de um artigo da
própria Constituição, colocando em relevo os limites do legislador reformador
para alterações no texto constitucional.

VI.1.6 Fidelidade partidária


Por meio do julgamento dos Mandados de Segurança 26.602/DF, n.º
26.603/DF e n.º 26.604/DF, o STF estabeleceu no país a regra segundo a qual é
vedado ao parlamentar, durante uma legislatura, abandonar o partido político
pelo qual se elegeu, uma vez que o mandato pertenceria ao partido, e não ao
parlamentar eleito.
Os Mandados de Segurança foram impetrados para impugnar uma série
de atos da Mesa da Câmara dos Deputados, editados por seu Presidente (à
época, Deputado Arlindo Chinaglia, PT/SP), nos quais é negado aos partidos

157
impetrantes (DEM, PPS e PSDB) a declaração de vacância de cargo de deputados
que trocaram de partido, a fim de que pudessem assumir os respectivos
suplentes.
O Presidente da casa entendeu “não estar autorizado a declarar a
renúncia ao mandato por parte dos deputados que trocaram de filiação”, por
conta da ausência de previsão legal no Regimento Interno da Câmara dos
Deputados (Art. 239, § 1º).
O fundamento do pedido de declaração de vacância por parte dos
partidos seria uma interpretação do Tribunal Superior Eleitoral, proferida na
Consulta nº 1398107, e que reconhece aos partidos a titularidade do mandato
eletivo obtido em eleições proporcionais – e, portanto, a regra de fidelidade
partidária –, como uma decorrência necessária do sistema eleitoral adotado pela
Constituição.
Em razão disso, toda e qualquer troca de legenda deveria ser entendida
como renúncia tácita por parte do parlamentar desfiliado. Em outras palavras: a
titularidade do mandato eletivo seria direito líquido e certo do partido pelo qual o
ocupante da cadeira houvesse se elegido.
Os mandados de segurança foram todos negados, com exceção de uma
parte do que estava sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia108, que incluía o
mandato de uma parlamentar cuja desfiliação do partido havia ocorrido após a
resposta do TSE à Consulta. Apenas nesse caso específico, concedeu-se o MS em
parte, ocorrendo modulação dos efeitos da decisão do STF, que acabou por
confirmar o entendimento do TSE.
Para ratificar o entendimento do TSE, dando solução definitiva ao caso, o
STF entendeu que, sendo a desfiliação um ato lícito, esta não poderia ser tratada
como hipótese de cassação do mandato. No entanto, mesmo sendo lícito, trata-
se de ato que apresenta conseqüência jurídica, qual seja, provoca a perda
automática do cargo. Nesse sentido, seria um sacrifício do direito pelo eleito, e

107
Nesse caso, a consulta foi do partido Democratas, que levou ao TSE a seguinte pergunta: “os
partidos e coligações tem o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional,
quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um
partido para outra legenda?” A provocação e a decisão datam ambas do ano de 2007.
108
Trata-se do MS 26.604, impetrado pelo partido Democrata em razão da desfiliação de uma série
de parlamentares de seus quadros, e a conseqüente perda do número correspondente de cadeiras.
O caso é especialmente interessante em razão da solução formulada pelo Tribunal, aplicando a
idéia de modulação de efeitos do controle concentrado em sede de um mandado de segurança,
para que fosse atribuído a titularidade dos mandatos ao partidos cadeiras ao impetrante, com
exceção daquele em que a desfiliação ocorreu em momento anterior a consulta formulada ao TSE.

158
não uma sanção por ilícito. Em última análise, seria direito do partido político
manter o número de cadeiras obtidas na eleição proporcional.

VI.2 Técnicas de julgamento


Como ressaltado anteriormente (cf. item II.4.2, supra), o presente tópico
tem a finalidade de analisar as diferentes técnicas decisórias de que o STF lança
mão ao exercer a função que lhe é atribuída de “guardião da constituição”. Para
tanto, parte-se da premissa de que é insuficiente considerar apenas o resultado
imediato das decisões do tribunal, comumente traduzido em termos de binômios
(procedente/improcedente ou com/sem revisão do ato normativo), sem que
importantes nuances e variações dignas de análise se percam com essa
simplificação.
Ademais, ao considerar-se aquilelas decisões que se situam entre a mera
declaração da inconstitucionalidade de uma lei ou dispositivo, de um lado, e a
simples manutenção do ato normativo impugnado, de outro,109 acredita-se que
questões como a interação entre os Poderes e os limites de sua atuação são
necessariamente abordadas pelo tribunal, oferecendo um rico e importante
campo de análise para a temática da “judicialização da política”.
Em outras palavras, ao decidir um caso em controle de
constitucionalidade110, o STF também fixa os os limites e o alcance de suas
prerrogativas e competências, o que, invariavelmente, o conduz a tocar na
problemática da interação entre os Poderes e o problema da legitimidade de suas
decisões.111

VI.2.1 Mandado de injunção com efeitos constitutivos


No caso do direito de greve dos servidores públicos, ao justificar a
mudança de postura do STF quanto aos efeitos do mandado de injunção no MI
670/ES, o Min. Gilmar Mendes mostra uma preocupação em afastar a crítica de
que o Tribunal estaria exercendo um protagonismo legislativo. Para tanto, o
ministro argumenta que, diante de reiteradas omissões do legislador, a não
atuação do STF naquele momento seria, em suas palavras, uma “omissão

109
Ou seja, decisões que empregam aquilo que, aqui, dá-se o nome de técnicas decisórias.
110
Principalmente, ao optar por uma das técnicas decisórias aqui discutidas.
111
Como visto, são extaamente esses os pontos que correspondem aos dois eixos propostos para o
marco teórico que orienta a presente pesquisa. Cf. item II.3.1 e 2, supra.

159
judicial”. É assim que ele justifica a aplicação da lei de greve dos trabalhadores
do setor privado ao caso do direito de greve dos servidores públicos:
“Nesse contexto, é de se concluir que não se pode considerar
simplesmente que a satisfação do exercício do direito de greve pelos
servidores públicos civis deva ficar submetida absoluta e
exclusivamente a juízo de oportunidade e conveniência do Poder
Legislativo. (...) Enfatizo tão-somente que, tendo em vista as
imperiosas balizas constitucionais que demandam a concretização do
direito de greve a todos os trabalhadores, este Tribunal não pode se
abster de reconhecer que, assim como se estabelece o controle judicial
sobre a atividade do legislador, é possível atuar também nos casos de
inatividade ou omissão do Legislativo.” (Sem grifos no original)

Uma relevante técnica de julgamento adotada nos acórdãos relacionados


a esse caso envolvem a determinação de aplicação das leis federais 7701/1988
(que cuida da especialização das turmas dos tribunais do trabalho em processos
coletivos) e 7783/1989 (que garante o direito de greve no setor privado e
estabelece os requisitos para tanto) aos conflitos e às ações judiciais que
envolvam a problemática do direito de greve dos servidores públicos.
Contudo, mais do que permitir a incidência destes diplomas legislativos,
no que couber, na delimitação do exercício do direito de greve dos servidores
públicos, o Tribunal define o que o Min. Gilmar Mendes entende por “balizas
procedimentais mínimas” para a apreciação e julgamento dessas demandas
coletivas.
Atendendo às peculiaridades inerentes à prestação de um serviço público,
os ministros consideraram que a aplicação da Lei federal nº 7701/1988 teria que
respeitar algumas condições pré-determinadas, quais sejam: (i) se a paralisação
for de âmbito nacional ou abranger mais de uma região da Justiça Federal, ou
ainda abranger mais de uma unidade da federação, a competência para o
dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça; (ii) ainda no âmbito
federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única região da Justiça Federal,
a competência será dos Tribunais Regionais Federais; e (iii) para o caso da
jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a
uma unidade da federação a competência será do respectivo Tribunal de Justiça,
ou seja, as greves de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo respectivo
Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da
paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou
federais.

160
Com relação à Lei federal nº 7783/1989, portanto, o STF buscou “a
coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as
condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação
continuada dos serviços públicos assegura”. Deste modo, conforme delineado na
retificação de voto do Min. Eros Grau no MI 712/PA, verifica-se uma tentativa de
compatibilizar o princípio da continuidade do serviço público com o exercício do
direito de greve dos servidores públicos.
Assim, além de determinar a aplicação da norma supletiva (que
compreende o conjunto dos art. 1o, 9o, 14, 15, e 17 da lei 7.783/89), o Min. Eros
Grau propõe algumas alterações tidas como necessárias ao atendimento das
peculiaridades da greve nos serviços públicos. São elas: (i) apenas é facultada a
paralisação parcial do trabalho; (ii) durante a greve, serão necessariamente
mantidas em atividade equipes de servidores com o propósito de assegurar a
regular continuidade da prestação do serviço público; e (iii) o comprometimento
da regular continuidade na prestação do serviço público é inadmissível,
consubstanciando abuso do direito de greve. Essas seriam, segundo o Min. Eros
Grau, “balizas procedimentais mínimas” para o exercício do direito de greve dos
servidores públicos.
Já o Min. Gilmar Mendes, no MI 708/DF, ressalta que a deflagração da
greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho, não
hevando que se falar propriamente em prestação de serviços, tampouco no
pagamento de salários. Como regra geral, então, o Min. Gilmar Mendes considera
que os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos. Mas faz uma
ressalva de que os salários podem ser pagos aos servidores no caso em que a
greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento ou por outras
situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão
do contrato de trabalho.
Diante dessas decisões, pode-se afirmar que o STF atribuiu para si a
prerrogativa de delimitar os contornos do exercício do direito de greve dos
servidores públicos, ampliando assim sua competência para julgar temas
salientes do cenário nacional. Isso foi possível com a alteração de entendimento
sobre os efeitos do julgamento do mandado de injunção, que deixam de ser
apenas declaratórios da omissão, passando a ser constitutivos para se suprir a
omissão legislativa.

161
Além disso, pode-se concluir do julgamento dos MI 670/ES, 708/DF e
712/PA que a nova postura do Tribunal em atribuir efeitos constitutivos ao
mandado de injunção demonstra a preocupação em fazer valer as suas decisões
no sentido de dar concretude aos preceitos constitucionais. Ao determinar a
aplicação provisória de outras leis para viabilizar o exercício do direito
assegurado no art. 37, VII, da CF, o STF confere, desde logo, aos impetrantes a
possibilidade de exercer o direito de greve, sem ter que aguardar a atividade do
legislador omisso.
Após o julgamento desses três mandados de injunção, foi proposta a
Reclamação (Rcl) 10798, em que o reclamante visa à suspensão de atos da
Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) com o
intuito de viabilizar o movimento grevista do Sindicato dos Servidores do Poder
Judiciário do Estado do Rio de Janeiro (Sind-Justiça). O sindicato alega que o TJ-
RJ descumpriu com a jurisprudência firmada pelo STF em 2007 que garantiu aos
servidores públicos o exercício do direito de greve.
A recente notícia do Supremo sobre o julgamento liminar desta
Reclamação evidencia alguns dos resultados do julgamento do STF. Na Rcl
10798, o Relator Min. Gilmar Mendes negou o pedido de liminar, observando não
vislumbrar, “num juízo precário, inerente à fase processual, que os atos
impugnados veiculem ofensa ao decidido pelo STF no MI 708/DF”. Segundo ele,
“a complexidade do exercício do direito de greve exige que a administração
pública pratique atos tendentes à adequação da lei de greve do setor privado ao
regime estatutário, concretizando, ademais, o princípio constitucional da
continuidade do serviço essencial, o qual não pode ser abolido pelo legítimo
exercício do direito de greve.” 112
Verifica-se, neste caso, que o ministro reiterou o posicionamento adotado
no MI 708/DF, ao assegurar o exercício do direito de greve dos servidores
públicos desde que observados limites ao exercício desse direito em respeito à
continuidade do serviço público. Isso mostra que o STF está firmando o seu
posicionamento mais propositivo e não tão deferente ao legislador. A questão
que se coloca agora é se ficará a cargo do STF moldar o exercício do direito de

112
Cf. notícia disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo
=165238&caixaBusca=N.

162
greve dos servidores públicos, definindo quais os limites da paralisação do
serviço público.

VI.2.2 Interpretação conforme, modulação de efeitos e


outras técnicas: lidando com as dificuldades da decisão
sobre inconstitucionalidade
Iniciando a discussão sobre as técnicas de julgamento relacionadas à
modulação de efeitos e à interpretação conforme, é interessante apontar para os
aspectos curiosos do caso da verticalização das coligações.
Como se tratava de controle de constitucionalidade de uma emenda
constitucional, sua invalidação só poderia ser fundamentada no confronto com
alguma cláusula pétrea. Tal obstáculo foi contornado numa manobra
argumentativa de interpretação sistemática da Constituição, que, combinando
dispositivos esparsos e aparentemente desconexos, criou um fundamento
jurídico para a decisão.
Os ministros do STF empreenderam o que Sepúlveda Pertence chamou
de pesquisa ‘mineralógica’ à procura de uma cláusula pétrea que pudesse ter
sido ofendida. Foram invocados o princípio da segurança jurídica e o principio da
anterioridade anual das regras eleitorais, do qual seria dedutível o direito
individual ao devido processo eleitoral, e que, portanto, seria uma garantia
fundamental, nos termos do § 2o do art. 5o, da CF.
Com esse argumento, é dada procedência ao pedido para que a nova
redação do §1o do art. 17 não fosse aplicável nas eleições de 2006, mas apenas
às subseqüentes, permanecendo vigente naquele pleito a antiga redação do
referido dispositivo. Não houve, portanto, uma declaração de
inconstitucionalidade, nem modulação de efeitos, mas algo parecido com uma
interpretação conforme em que se admitiu a constitucionalidade do dispositivo,
mas a sua inaplicabilidade antes do decurso de um ano de sua vigência.
O resultado, apesar de não anular completamente a decisão legislativa,
postergou sua aplicação para as próximas eleições, por meio da paradoxal
“interpretação conforme a Constituição” de um artigo da própria Constituição -
sendo este um artigo modificado por emenda e o parâmetro de
constitucionalidade, supostas cláusulas pétreas encontradas numa “interpretação
sistemática” da Constituição.
É importante destacar, entretanto, que o Ministro Gilmar Mendes trata o

163
caso como interpretação conforme do art. 2o, da EC 52/06. Esse dispositivo não
trazia uma nova redação para o texto constitucional, mas determinava a vigência
imediata da Emenda e das respectivas modificações. De fato, no caso, parece ter
havido uma incorreção do STF na elaboração da parte dispositiva da ementa
(resumo oficial) do acórdão113, uma vez que haveria se chegado ao mesmo
resultado prático com a simples declaração de inconstitucionalidade do referido
art. 2o, sem necessidade de interpretação conforme para determinação da
vigência temporal da nova redação constitucional.
O caso da fidelidade partidária também apresenta aspectos
interessantes para o estudo sobre as técnicas de julgamento. Ao decidir que a
fidelidade partidária seria “corolário lógico-jurídico necessário do sistema
constitucional vigente”, o STF acaba superando uma série de julgamentos
precedentes, nos quais ele havia afastado a idéia de que a troca de partido
constituiria uma hipótese de renúncia (tácita) ao mandato eletivo.114
Nesses precedentes, o tribunal sempre sustentou que, por um ato
deliberado, o próprio constituinte originário havia excluído essa hipótese do rol

113
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA EC 52, DE 08.03.06. APLICAÇÃO
IMEDIATA DA NOVA REGRA SOBRE COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS ELEITORAIS, INTRODUZIDA NO
TEXTO DO ART. 17, § 1º, DA CF. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA
LEI ELEITORAL (CF, ART. 16) E ÀS GARANTIAS INDIVIDUAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DO
DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, CAPUT, E LIV). LIMITES MATERIAIS À ATIVIDADE DO
LEGISLADOR CONSTITUINTE REFORMADOR. ARTS. 60, § 4º, IV, E 5º, § 2º, DA CF. 1. Preliminar
quanto à deficiência na fundamentação do pedido formulado afastada, tendo em vista a sucinta
porém suficiente demonstração da tese de violação constitucional na inicial deduzida em juízo. 2. A
inovação trazida pela EC 52/06 conferiu status constitucional à matéria até então integralmente
regulamentada por legislação ordinária federal, provocando, assim, a perda da validade de
qualquer restrição à plena autonomia das coligações partidárias no plano federal, estadual, distrital
e municipal. 3. Todavia, a utilização da nova regra às eleições gerais que se realizarão a menos de
sete meses colide com o princípio da anterioridade eleitoral, disposto no art. 16 da CF, que busca
evitar a utilização abusiva ou casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e
de deformação do processo eleitoral (ADI 354, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 12.02.93). 4. Enquanto
o art. 150, III, b, da CF encerra garantia individual do contribuinte (ADI 939, rel. Min. Sydney
Sanches, DJ 18.03.94), o art. 16 representa garantia individual do cidadão-eleitor, detentor
originário do poder exercido pelos representantes eleitos e "a quem assiste o direito de receber, do
Estado, o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das
regras inerentes à disputa eleitoral" (ADI 3.345, rel. Min. Celso de Mello). 5. Além de o referido
princípio conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental
oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts. 5º, § 2º,
e 60, § 4º, IV, a burla ao que contido no art. 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança
jurídica (CF, art. 5º, caput) e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). 6. A modificação no texto
do art. 16 pela EC 4/93 em nada alterou seu conteúdo principiológico fundamental. Tratou-se de
mero aperfeiçoamento técnico levado a efeito para facilitar a regulamentação do processo eleitoral.
7. Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no sentido de que a inovação
trazida no art. 1º da EC 52/06 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua
vigência. (Grifos acrescentados)
114
São três os principais precedentes citados pela defesa e invocados pelos Ministros para
enfrentar a questão da modificação de entendimento anteriormente consolidado pelo próprio
tribunal: MS 20.916, MS 20.927 e MS 23.495.

164
de situações que ensejam a perda de mandato, todas elencadas no art. 55 da
Constituição Federal. A maior evidência de que essa teria sido a “escolha”
consciente do constituinte originário seria o fato de que, historicamente, a atual
constituição não trouxe em seu texto a regra da fidelidade partidária,
diferentemente das constituições anteriores (de 1967 e 1969, por exemplo), que
a previam expressamente.
Com a modificação do entendimento anterior, o STF entendeu que estaria
diante daquilo que alguns Ministros denominam mutação constitucional,
115
concretizada na modificação informal do texto do art. 55, da CF, por via
jurisprudencial, passando a reconhecer, na prática, que pertenceria ao partido a
titularidade do mandato eletivo proporcional.
Dentre os relatores dos mandados de segurança que discutiram a
questão, o Min. Celso de Mello é o único que menciona o contexto político e a
“crise” do sistema político-partidário existente no país à época – cujo principal
expoente era o chamado escândalo do “mensalão” – e, após relatar a história de
um parlamentar que trocou de partidos inúmeras vezes, afirma que,
“considerado esse estado de coisas”, a fidelidade partidária deve traduzir “um
valor constitucional revestido de elevada significação político-jurídica”.116
A escolha argumentativa do Tribunal para enfrentar a questão da
modificação de entendimento anterior por meio da idéia de mutação
constitucional pode ser sintetizada no seguinte raciocínio exposto pelo Min.
Gilmar Mendes:
“O STF estaria reinterpretando a Constituição, em toda a sua inteireza
(...). A evolução jurisprudencial sempre teria sido a marca de qualquer
jurisdição de perfil constitucional. A afirmação de mutação
constitucional não implica o reconhecimento, por parte da Corte, de
erro ou equívoco interpretativo do texto constitucional em julgados
pretéritos. Ela reconhece, ao contrário, a necessidade de contínua e
paulatina adaptação dos sentidos possíveis da letra da Constituição à
realidade que a circunda.” 117

Em sua jurisprudência, o Tribunal comumente invoca, junto com a


decisão que reconhece a ocorrência de mutação constitucional, a necessidade de
modulação dos efeitos da decisão que reverte posicionamento anteriormente

115
Ou seja, sem modificação formal do texto, pela via de emenda constitucional, promulgada pelo
Congresso Nacional. Cf. voto do Min. Gilmar Mendes, fl. 431.
116
Cf. p. 427-431, do MS 26.604.
117
Cf. voto do Min. Gilmar Mendes, MS nº 26.604, p. 448.

165
fixado pela corte. Em linhas gerais, a modulação de efeitos permite ao Tribunal
limitar a produção dos efeitos de uma decisão em relação a seu aspecto
temporal, determinando que possua eficácia tão-somente prospectiva (ou pro
futuro, na expressão de alguns ministros) ou ainda a partir de certo marco
temporal (no passado ou no futuro), que não a data de edição do ato que se
julga inconstitucional.
Além das exigências de caráter formal, tais como quórum mínimo e
reserva de plenário, a lei também estabelece os pressupostos materiais para que
o tribunal decida pela mitigação dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade: (i) a existência de relevante interesse social; ou (ii) que a
decisão represente um sério risco para a segurança jurídica das relações
constituídas sob a égide da lei viciada.118
A estratégia dos Ministros no caso da fidelidade foi, no entanto, a de não
tratar a questão como uma modulação de efeitos nos termos da lei, a fim de
evitar a exigência de quórum de aprovação mínima de dois terços do plenário do
STF.119 A justificativa, aqui, é que se trata de simples mudança de orientação
jurisprudencial (e não de declaração de inconstitucionalidade), bastando que se
invocasse a necessidade de preservar a segurança jurídica das situações
constituídas com base no entendimento anterior do tribunal, o que poderia ser
feito com aprovação por maioria simples dos Ministros presentes à sessão de
julgamento.120
Dessa forma, o Tribunal acabou, por maioria simples do Plenário,
modulando os efeitos para dar eficácia à sua decisão somente a partir da data da
resposta do TSE à Consulta 1.398, de 23 de março de 2007. De um modo geral,
a modulação é justificada de maneira vaga e imprecisa, inclusive na ementa do
acórdão, que invoca razões de segurança jurídica, em vista da mudança, da
evolução jurisprudencial, e também em razão da ausência de modificação formal
da legislação ou do texto constitucional.121

118
Art. 27, da Lei da ADI e art. 11 da Lei da APDF.
119
Nesse sentido, cf. a argumentação desenvolvida pelo Min. Gilmar Mendes, fl. 464 e s.
120
Cf. Min. Elle Gracie, fl. 466. Cumpre destacar que todos os julgados citados como precedente
para fundamentar a necessidade de modulação dos efeitos também tratavam de modificação do
entendimento jurisprudencial anterior. No entanto, nem a pretexto de preservação da segurança
jurídica, deixou-se de observar a exigência de quórum, com aplicação do art. 27.
121
Essa argumentação (preservação da segurança jurídica) aparece no argumento de todos os
ministros que votaram a favor da modulação de efeitos. Cf. Carmen Lúcia (fl. 244 e ss.); Ellen
Gracie (fl. 461 e ss.); Marco Aurélio (fl. 459 e ss.).

166
Curioso notar que, somente ao decidir pela modulação de efeitos, alguns
ministros se ocupam da questão dos limites da jurisdição constitucional e das
competências e prerrogativas do STF no desempenho da sua função de guardião
da Constituição. Aqui, o problema central que deveria ser enfrentado pelo
Tribunal – e que, no entanto, foi apenas tangenciado por alguns ministros – diz
respeito ao seguinte questionamento: estaria o tribunal legislando, ao afirmar a
fidelidade partidária como regra de estatura constitucional, mesmo sem previsão
expressa no texto da Constituição de 1988?
A maior parte dos ministros parece concordar com a leitura do Min.
Menezes Direito, de acordo com a qual o STF não estaria “legislando, nem
criando norma artificial”. O que o tribunal estaria fazendo, in casu, seria apenas
“dar uma interpretação coerente com o que se contém na CF para preservar-lhe
os princípios”.122
O único que aponta para o risco de que o STF estaria legislando é o Min.
Marco Aurélio. No entanto, os óbices levantados pelo ministro não têm relação
com o reconhecimento de hipótese de perda de mandato eletivo não-expressa no
texto constitucional123, mas, sim, a partir do momento em que o STF estaria
buscando definir os limites temporais para produção de efeitos de seu novo
entendimento.
Segundo o Ministro, o arcabouço normativo não mudou no período (o
texto do art. 55 da CF é o mesmo desde sua promulgação), o que mudou foi
apenas a leitura que o Tribunal faz dos dispositivos constitucionais relacionados à
matéria. Nesse caso, modular os efeitos temporais desse novo entendimento
significaria, na prática, “estipular um prazo” para entrada em vigência da própria
Constituição, fixando termo inicial de sua eficácia, com a evolução do
entendimento do Tribunal.124 Em outras palavras, ao modular os efeitos,
conferindo, na prática, “prazo” para vigência do texto constitucional, o Tribunal
estaria excedendo os limites de sua competência, violando a própria Constituição
da qual decorrem seus poderes.

122
Cf. MS nº 26.604, pp. 292 e s.
123
Segundo o Ministro, ao reconhecer a fidelidade partidária, nem o STF nem o TSE estariam
legislando, apenas estabelecendo a concretude e o alcance da própria Constituição. Cf. fl. 457.
124
“O Supremo pode atuar como legislador negativo, mas não como legislador positivo, e o estará
fazendo, inspirado, é certo, na resposta do TSE, ao fixar termo inicial da eficácia, da concretude,
da Constituição Federal.” Cf. fl. 323. Para ele, a idéia de fato consumado, no Brasil, seria uma
miríade para alguns, como justificativa para postergar qualquer modificação. Isso somente seria
admitido se a conduta protegida estivesse “harmônico, afinado, com a ordem jurídica”. Cf. fl. 322.

167
Esses dois casos, referentes à competição política e ao jogo eleitoral,
mostram que não é o simples fato de os temas em questão terem sido levados
ao Judiciário que importam para o diagnóstico de judicialização. Para tal, é
relevante estudar a configuração dos julgamentos, pois o “ativismo” parece estar
propriamente na maneira como o Tribunal estabelece suas prerrogativas (como
ocorreu no caso da fidelidade, ao entender que ocorreu uma mutação que
justifica a extração de uma regra do texto constitucional, ainda que não
expressamente prevista na Constituição) e as dos demais Poderes, verificada no
caso da verticalização, em que se discutiu os limites do Poder Legislativo na
alteração do texto constitucional e, consequentemente, a necessidade de que
STF fiscalizasse o respeito a estes limites, contendo eventuais abusos e
casuísmos.
No caso do FPE, merece destaque o estudo da modulação de efeitos da
decisão em relação às discussões sobre os limites de atuação da Corte e o
diálogo indireto com o Poder Legislativo.
Há, no voto do relator da ADI 875, o reconhecimento de que as técnicas
tradicionais de decisão não poderiam ser aplicadas no caso, sob pena de se
chegar, via ADI, a um vácuo jurídico contrário aos propósitos da própria
Constituição. O princípio da nulidade da norma inconstitucional, portanto, deveria
ser aplicado em ponderação com o princípio da segurança jurídica, pois a simples
cassação da norma inconstitucional (com sua consequente exclusão do mundo
jurídico) não seria apta a resolver os problemas decorrentes da omissão parcial.
O Ministro cita, como exemplo, a hipótese da Corte vir a declarar a
inconstitucionalidade por omissão parcial da norma que define o salário-mínimo
em valor flagrantemente inferior aos parâmetros definidos na Constituição. Nesse
caso, ao se aplicar a técnica de declaração de nulidade, o resultado seria
contrário ao preceito constitucional, uma vez que sequer um valor mínimo
restaria regulamentado. Portanto, em casos como esses, a aplicação ponderada
da regra da nulidade permite à Corte lidar com as conseqüências de sua decisão,
as quais foram amplamente discutidas no julgamento das ADIs sobre o FPE.
Antes de citar um conjunto de decisões recentes da Corte em argüições
de inconstitucionalidade por omissão e mandados de injunção que denotam uma
mudança importante na jurisprudência, preceitua o Relator da ADI 875:
“A questão fundamental reside menos na escolha de um processo

168
especial do que na adoção de uma técnica de decisão apropriada para
superar as situações inconstitucionais propiciadas pela chamada
omissão legislativa. (…) Aqui, não se trata mais de saber se as ações
são de inconstitucionalidade por ação ou por omissão (parcial), mas de
encontrar uma técnica [diferenciada] de decisão para superar o
alegado estado de inconstitucionalidade decorrente de omissão parcial”
(fls. 239-24, sem grifos no original).

Dentre essas novas técnicas, estaria a declaração de


inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, cujos precedentes são as ADIs
3.682 e 2.240 – que reconheceram inconstitucionalidade por omissão legislativa
na regulamentação do processo de criação de novos municípios, sem pronúncia
de nulidade da norma questionada e com estipulação de prazo para supressão do
vácuo normativo, sendo a determinação do Tribunal atendida pelo Congresso.
Nesse ponto, por não admitir uma interpretação extensiva do art.27 da
Lei 9.868/99 que permita tais técnicas decisórias, o Min. Marco Aurélio diverge
da maioria, julgando improcedente os pedidos das ADIs 875, 2.727 e 3.243; e
procedente o pedido de inconstitucionalidade por omissão (ADI 1.987),
assentando seus efeitos a partir da data de julgamento e tomando a lei
complementar como legítima em relação aos rateios pretéritos (ADI 875.
Acórdão – Inteiro Teor, fl. 290).
É importante perceber que, ao rejeitarem tal posição, ancorada na
tradição jurisprudencial da Corte de declarar a inconstitucionalidade por omissão
como forma de apelar ao Congresso Nacional quanto à necessidade de adotar
medidas corretivas, a maioria do Tribunal entendeu que esta técnica não se
mostra eficaz no enfrentamento das situações de inconstitucionalidade, sendo
necessária a adoção de uma decisão determinante.
Nesse sentido, como forma de induzir o Congresso a legislar, é ressaltado
que, a partir de 31 de dezembro de 2012, os coeficientes de repartição
estabelecidos na legislação atual não poderão ser aplicados, com o que se
reafirma a responsabilidade do Poder Legislativo. Ou seja, o problema decorrente
da não aprovação de uma nova lei no prazo fixado (que nos debates é ampliado
em relação à proposta original do Relator, que era de 24 meses) deve ser
resolvido pelo Congresso Nacional, que é o poder competente.
Preocupado com essa questão, o Min. Ricardo Lewandowski ressalta em
seu voto que a Corte não estaria fixando um prazo para o Congresso Nacional, o
que poderia ser entendido como ingerência na pauta do Legislativo, e sim se

169
utilizando de prerrogativa inscrita no art.27 da Lei 9.868/99 para modular a
declaração de inconstitucionalidade (ADI 875. Acórdão – Inteiro Teor, fl. 298).
Apesar de ventilada como questão nas discussões, a Corte não antecipa nesse
momento qual seria a solução jurídica aplicável à hipótese de persistir a mora
legislativa no ano de 2012.
Há assim, um evidente diálogo indireto com o Poder Legislativo,
considerando-se inclusive, na discussão do prazo de vigência da lei
inconstitucional, fatores como “o ano eleitoral”, a “vontade política” dos
legisladores e a necessidade de se aprovar uma reforma tributária. Há, ainda,
indicações na decisão quanto ao conteúdo da norma regulamentadora da
distribuição do FPE que a tornaria compatível com o preceito constitucional.
Nesse sentido, o Min. Relator indica dois parâmetros a serem observados
pelo legislador em observância à CF, art.161, inciso II e parágrafo único:
primeiramente, os critérios distributivos definidos na nova lei devem permitir
“que dados fáticos, apurados periodicamente por órgãos ou entidades públicas
(e.g., o IBGE), possam influir na definição dos coeficientes de participação”; em
segundo lugar, “deve haver a possibilidade [prevista em lei] de revisões
periódicas dos coeficientes” (STF. ADI 875. Acórdão – Inteiro Teor, fls. 259-260).
Tais parâmetros são reafirmados no debate com os demais ministros.
O caso do FPE guarda relação com o caso do direito de greve dos
servidores públicos, discutido anteriormente, pois em ambos o STF se viu
confrontado com uma omissão legislativa. Naquele primeiro caso, entretanto, há
a dificuldade adicional de haver uma lei em vigor, o que não ocorria na questão
dos servidores públicos. Esse aspecto é determinante para as configurações
diversas que cada julgamento assume.
A ADPF 101, referente à importação de pneus usados, é outro caso
que apresenta várias peculiaridades na maneira pela qual se deu o julgamento
da questão. Aqui, não se trata das técnicas regulamentadas de modulação de
efeitos, mas a maneira pela qual o Tribunal resolveu dar conhecimento de sua
decisão implica, na prática, uma espécie de controle dos efeitos do julgamento.
Antes de tudo, cumpre notar que o acórdão desse caso ainda não foi
publicado, ainda que o julgamento tenha se encerrado há mais de 1 ano, no dia

170
24 de junho de 2009. Há apenas a versão provisória de alguns votos disponíveis
para análise.125
No caso, é possível dizer que o dispositivo da decisão do Plenário – o que
efetivamente foi decidido pela Corte – ainda permanece ambíguo. O dispositivo
do voto da relatora Ministra Cármen Lúcia é pelo provimento parcial da ADPF,
para (a) declarar constitucionalmente válidas as normas que proíbem a
importação de pneus, (b) declarar inconstitucionais, com efeitos ex tunc (para o
passado) as “interpretações, incluídas as judicialmente acolhidas, que, afastando
a aplicação daquelas normas, permitiram ou permitem a importação de pneus
usados de qualquer espécie, aí incluídos os remoldados, ressalva feita quanto a
estes àqueles provenientes dos Países integrantes do MERCOSUL, na forma das
normas acima listadas”, (c) excluir dessa incidência de efeitos pretéritos as
decisões judiciais com trânsito em julgado que não estejam sendo objeto de
ações rescisórias (p. 139-140 do voto).
Neste ponto (c), entretanto, a Ministra incluiu uma exceção da exceção,
pois estabeleceu que “Não se incluem nesta exceção [de proteção à coisa
julgada] conteúdos decisórios em aberto ou dispostos de forma ilimitada para o
futuro, pois a partir do que aqui definido ficam proibidas importações de pneus,
dando-se o estrito cumprimento das normas vigentes com os contornos e
exceções nela previstas.” A intenção aqui parece ter sido não permitir que mais
pneus entrassem no país em razão de sentença com coisa julgada (uma
sentença que estabelecesse, por exemplo, que determinada empresa tem direito
a uma licença de importação válida até o ano de 2012), no entanto, essa
intenção não está claramente colocada.
Outro problema está relacionado à questão do Mercosul. Como a própria
Ministra coloca em seu voto (p. 75), na batalha travada entre Brasil e União
Europeia na OMC, o Órgão de Apelação dessa organização decidiu por reverter
decisão anterior, favorável ao Brasil, entendendo que a “isenção de proibição de
importação de pneus usados dada ao Mercosul e as importações de pneus
usados e reformados por meio de liminares, independentemente do volume de
importações que propiciam, configuram uma injustificada e arbitrária

125
Voto da Min. Cármen Lúcia disponível em http://sbdp.org.br/arquivos/material/
683_101%20CL.PDF; voto do Min. Eros Grau em http://sbdp.org.br/arquivos/material/
681_101%20EG.PDF; voto do Min. Gilmar Mendes em http://sbdp.org.br/arquivos/material/
682_101%20GM.PDF; voto do Min. Marco Aurélio em http://sbdp.org.br/arquivos/material/
680_101%20MA.PDF.

171
discriminação”. A decisão da Ministra – pelo menos na versão do voto que há
disponível – mantém, ainda assim, a legitimidade da exceção ao Mercosul.
Os demais votos disponíveis não trazem esclarecimentos sobre essas
questões. O Ministro Eros Grau concorda com a decisão da relatora, mas não
com a fundamentação por ela apresentada, que ele entende se basear na
ponderação de princípios constitucionais, por considerar que este método
hermenêutico fere a racionalidade do direito. Assim, dedica seu voto a
fundamentar de maneira diversa a mesma decisão, sem usar da ponderação de
princípios. O Ministro Gilmar Mendes segue o voto da relatora, destacando os
motivos pelos quais a decisão tem de preservar a coisa julgada (motivos de
segurança jurídica e guarda do preceito constitucional). Já o Ministro Marco
Aurélio é único a julgar a demanda improcedente, por entender que o princípio
da livre iniciativa e o princípio da legalidade devem prevalecer sobre os
argumentos alegados pelo demandante.
A demora na publicação do acórdão e a ambigüidade do dispositivo do
voto da relatora, havendo inclusive uma aparente manutenção da exceção ao
Mercosul em contrariedade à decisão da OMC, fazem com que o julgamento do
caso dos pneus ainda não tenha um provimento definitivo, mesmo que a
deliberação tenha ocorrido há mais de um ano.
Ainda que não se esteja falando aqui de uma técnica de julgamento nos
moldes da modulação de efeitos, trata-se de um expediente relevante, que
certamente altera a maneira pela qual o entendimento do STF nesse caso é
percebido e aplicado pelos demais atores institucionais.
Como visto, os casos estudados neste tópico revelam que a declaração
de inconstitucionalidade apresenta muito mais sutilezas do que o binômio
constitucional/inconstitucional revela. Para entender e criticar a atividade do
Supremo Tribunal Federal, é preciso ter essas questões em conta.

VI.2.3 Decisão aditiva, julgamento extra-petita e formação


de um precedente judicial
No caso Raposa Serra do Sol apresenta-se, a partir de iniciativa do
voto do Min. Menezes Direito, 18 condicionantes não apenas ao processo de
demarcação da reserva em questão, mas de terras indígenas em geral. Estas
condicionantes abordariam aspectos que não foram apresentados na petição

172
inicial da ação popular. Isso trouxe para os debates entre os ministros uma série
de discussões acerca do limite da atividade jurisdicional do STF.
Esses debates envolveram a relação entre o que foi pedido pela inicial e
pelos assistentes e se essas condicionantes corresponderiam a um julgamento
extra-petita. Envolveram ainda o objetivo de alcançar com essas condicionantes
não apenas o julgamento do caso concreto da Raposa Serra do Sol, mas o de
estabelecer parâmetros para a demarcação de terras indígenas em geral, o que
também poderia ser traduzido como a formação de um precedente da corte.
Na petição inicial, solicita-se a declaração de nulidade da portaria
534/2005. Como argumentos para fundamentar o pedido, o autor aponta vícios
no processo administrativo da demarcação. Como reforço argumentativo, aponta
(i) que a reserva em forma contínua traria conseqüências desastrosas para o
Estado de Roraima, (ii) que haveria comprometimento da segurança e soberania
nacionais, (iii) que haveria desequilíbrio no concerto federativo e (iv) que haveria
ofensa ao princípio da razoabilidade ao se privilegiar a tutela do índio em
detrimento de outros princípios constitucionais (fls. 245-7).
O autor da demanda, ao pedir expressamente apenas a nulidade da
Portaria n. 534/2005 demanda do exercício jurisdicional, segundo a Min. Cármen
Lúcia, “examinar a validade, ou não, de um ato administrativo no qual se
especifica a demarcação de uma área de terras indígenas em face da
Constituição e da legislação vigente importa em decidir, então, sobre a validade,
ou não, do provimento questionado, tal como examinou e concluiu o eminente
Ministro Relator, Carlos Britto, que concluiu pela improcedência da ação por não
ter vislumbrado qualquer vício naquele provimento”.
Segundo esse modelo jurisdicional, competiria aos ministros apenas
julgar a procedência ou improcedência da ação. Ele difere de outro modelo, que,
segundo a Ministra, seria o demandado pelo Estado de Roraima, reconhecido
como assistente na ação. O Estado de Roraima inova o pedido, pois buscaria no
exercício da jurisdição a alteração do conteúdo do ato questionado.
O voto-vista do Min. Menezes Direito julga parcialmente procedente a
ação popular para que sejam observadas as condições impostas pela disciplina
constitucional ao usufruto dos índios sobre suas terras e inova ao apresentar 18
cláusulas condicionantes ao processo de demarcação de modo geral, embora não
reconheça nenhuma nulidade, tanto na Portaria 534 do Ministro da Justiça, de 13

173
de abril de 2005, quanto no Decreto Presidencial de 15 de abril de 2005. Passa a
enumerar as 18 cláusulas que, posteriormente, seriam deliberadas pelo
colegiado e acabariam por se tornar as 19 constantes no dispositivo do acórdão.
Nesse sentido, o que faz o Min. Menezes Direito é adicionar à disciplina
da Portaria 534/2005, através de sua decisão, determinado regime jurídico que
deduziu das normas constitucionais relativas à questão indígena, o que se
assemelharia também a um suprimento de inconstitucionalidade por omissão.
Sendo assim, a decisão dada pelo ministro se aproximaria ao modelo de
jurisdição demandado pelo Estado de Roraima.
O voto do Min. Menezes Direito provoca a discussão sobre se tais
condicionantes seriam um julgamento extra-petita. O Min. Carlos Britto pondera:
“Só tenho dúvida – mas isso também será objeto de uma rediscussão – se o
julgamento como proposto pelo Ministro Direito de procedência parcial da ação
não caracteriza uma decisão extra petita, porque nada disso foi pedido na ação
popular, nada do que está aqui foi pedido” (fl. 421).
Ao final de seu voto, o Min. Direito apresenta argumentos que
permitiriam afirmar que não se trata de uma decisão extra petita. Trata-se de
apenas dois parágrafos às fls. 415, nos quais o ministro defende a idéia de que a
ação popular julgada no STF é meramente instrumental à questão do conflito
federativo, que é justamente o motivo pelo qual a ação tramita sob competência
do STF, e que é para este conflito federativo que o Tribunal deve fornecer uma
resposta. Essa adaptação do rito da ação ordinária não subverte seu objetivo,
que é apreciação da demanda sobre a nulidade ou não da demarcação, e dá
ainda sentido compatível com a finalidade da competência originária, que é a
resolução do conflito federativo.
Ao longo dos votos e dos debates, os ministros convencem-se da
utilidade da nova técnica decisória proposta pelo Min. Menezes Direito. O Min.
Carlos Britto se convence de que não se trata de decidir fora da demanda e
esclarece: “com essa técnica criativa, inteligente, de condicionar a execução de
nosso julgado a algumas providências, entendo que essa proposta atua no
campo da operacionalização do nosso decisório” (fl. 748).
Mesmo a linha argumentativa da Min. Cármen Lúcia, que parecia indicar
um julgamento extra-petita no voto do Min. Menezes Direito, propõe ao final
algumas das condicionantes com nova proposta de redação.

174
Além da discussão sobre o seu caráter extra petita, as condicionantes
sugerem também o caráter erga omnes de sua aplicabilidade às demais
demarcações de terras indígenas. Logo depois, ainda em seu voto, o Min.
Menezes Direito afirma: “A partir da apreciação deste caso pude perceber que os
argumentos deduzidos pelas partes são também extensíveis e aplicáveis a outros
conflitos que envolvam terras indígenas.
A decisão adotada neste caso certamente vai consolidar o entendimento
da Suprema Corte sobre o procedimento demarcatório com repercussão também
para o futuro. Daí a necessidade do dispositivo explicitar a natureza do usufruto
constitucional e seu alcance” (fls. 415-6).
O que o Min. Menezes Direito parece ter como objetivo com a adoção
dessa técnica decisória é anunciar ao país o entendimento do tribunal acerca do
“usufruto das terras indígenas”, que nada mais é que o regime constitucional
pertinente a essas terras no entendimento do tribunal. Assim, a partir da análise
das controvérsias envolvidas na demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, o
Min. Direito passou a decidir sobre questões que não haviam sido demandadas
ao tribunal na petição inicial, mas que servem de base para que a corte declare
seu entendimento sobre o regime jurídico das terras das reservas indígenas de
todo o país, e não somente da Raposa Serra do Sol.
Entendimento quanto à extensão dos efeitos no qual é acompanhado por
outros ministros, como o Min. Cezar Peluso:
“a postura que esta Corte está tomando hoje não é de julgamento de
um caso qualquer, cujos efeitos se exaurem em âmbito mais ou menos
limitado, mas é autêntico caso-padrão, ou leading case, que traça
diretrizes não apenas para solução da hipótese, mas para a disciplina
de ações futuras e, em certo sentido, até de ações pretéritas nesse
tema. Parece-me, daí, justificada a pertinência de certos enunciados
que deixam claro o pensamento da Corte a respeito. Isso vale,
principalmente, em relação às novas demarcações, que envolvem um
complexo de interesses, direitos e poderes de vários sujeitos jurídicos,
seja de direito público, seja de direito privado (...)”.

Mas esse entendimento sobre a extensão das condicionantes não parece


ser compartilhado pela Min. Cármen Lúcia, que, após proferir seu voto, é
indagada pelo Min. Gilmar Mendes, que com suas condicionantes estaria, na
verdade, propondo diretrizes que podem afetar os procedimentos de
demarcação. E responde: “Sim. Quanto a isso, não me oponho. Eu apenas digo:

175
como estou dando uma decisão, um voto judicial numa ação específica para este
caso”. Ou seja, parece limitar os efeitos para este caso concreto.
A razão que fundamenta ou legitima o exercício das condicionantes
parece variar muito conforme cada ministro e não se chega a uma deliberação
entre eles acerca disso, i.e., a presença dessas condicionantes parece ser apenas
aceita. A Min. Ellen Gracie, por exemplo, apresenta outra justificativa diversa das
anteriores:
“Inicialmente pensava, visto que o objeto da ação diz respeito apenas
à desconstituição de uma demarcação já realizada, que poderíamos
estar exercendo o pedido original. No entanto, as ponderações
colocadas pelos Colegas me convencem de que, efetivamente esse é o
melhor caminho a ser seguido pela Corte, ainda mais numa matéria de
tanta delicadeza. O Ministro Cezar Peluso mais uma vez o enfatiza ao
dizer que não basta apenas a manifestação desta Corte, é preciso que
o Estado brasileiro, todo o Estado brasileiro se movimente, se mobilize
no resgate dessa dívida ancestral que temos com a população
indígena.”

Essa dificuldade de encontrar uma linha de fundamentação comum entre


os ministros pode decorrer da novidade da técnica, da dificuldade de
compreender seus contornos durante o julgamento ou também em parte pode
decorrer da própria forma como se dá o processo decisório do tribunal,
fragmentado em votos sucessivos dos 11 ministros, com esparsos debates entre
os votos, nos quais não necessariamente se dialoga com as razões de decidir do
ministro que votou anteriormente.126
Além da possível capacidade de persuasão do voto, a forma como o Min.
Menezes Direito apresentou as condicionantes, propondo que elas compusessem
a parte dispositiva da sentença, parece ter provocado todos os ministros a se
manifestarem sobre elas. Afinal, teriam de deliberar se ela estaria ou não e em
quais termos na parte dispositiva da sentença.
O caso da Raposa Serra do Sol ilustra, portanto, o amplo espaço que a
Corte tem para inovar suas técnicas de julgamento, e aponta para os problemas
de deliberação sobre essas novas técnicas, problemas estes que parecem
decorrer da própria dinâmica de julgamento no Tribunal.

126
Cf. Adriana Vojvodic, Ana Mara Machado, Evorah Cardoso, Escrevendo um romance, primeiro
capítulo: precedentes e processo decisório no STF. Revista Direito GV , v. 9, p. 21-44, 2009.

176
VI.2.4 Execução das decisões: atribuindo tarefas a tribunais
inferiores
No caso da fidelidade partidária houve, em certa medida, uma espécie
de abstrativização do controle concreto de constitucionalidade, uma vez que a
discussão sobre a questão da interpretação constitucional foi travada em sede de
mandado de segurança, e não em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ou
argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).127 Apesar disso,
os ministros entenderam, deliberadamente, que a decisão estaria dotada de
efeitos erga omnes, valendo para todos, e não apenas para aqueles que eram
partes nos mandados de segurança.
Um dos indicadores dessa abstrativização é o resultado do debate
travado pelos ministros acerca das exceções à regra da fidelidade partidária –
assim como a própria regra, as exceções também não estão expressas no texto
constitucional. Nesse sentido, a questão dos limites e prerrogativas do STF no
controle de constitucionalidade volta a ser discutida na decisão que reconhece a
fidelidade partidária em um segundo momento, no qual os ministros passam a
discutir maneiras de aplicação da regra, já que esta não poderia atingir algumas
situações específicas.
As ressalvas dos ministros são feitas em relação ao que se chama de
desfiliação justificada, i.e., casos nos quais a troca de partido seria admissível e
que, portanto, não implicariam uma renúncia (tácita) do mandato eletivo. A
primeira dessas situações seria a dos parlamentares que trocarem de legenda
em razão de (i) mudança de orientação ideológica do partido. Ademais, a regra
da fidelidade partidária também poderia ser excepcionada (ii) em casos de
comprovada perseguição política interna ao parlamentar que pretende mudar de
partido.128
Para a implementação de uma decisão nesses termos, o STF se vê diante
da necessidade de regulamentar uma série de procedimentos que assegurem o
respeito à ampla defesa e ao contraditório nos casos de desfiliação justificada.
Nesse momento, o STF acaba enfrentando problemas decorrentes da ausência de
mecanismos e institutos à sua disposição e que sejam adequados para conferir
efetividade à sua decisão.

127
Alguns ministros reconhecem isso expressamente: Min. Joaquim Barbosa, fl. 340; o Min. Cezar
Peluso fala em “efeitos declaratórios” do MS (fl. 399).
128
Cf. Min. Carmem Lúcia, fl. 245; e Min. Eros Grau, fl. 248.

177
É plenamente possível cogitar, aqui, que essas dificuldades talvez sejam
resultado em parte da avocação de competências para cujo exercício o tribunal
ainda não esteja institucionalmente preparado para exercer.
Reconhecendo os limites de sua atuação, o tribunal toma uma decisão
curiosa para contornar o problema que lhe surge: determina compulsoriamente
ao Presidente da Câmara dos Deputados que encaminhe os pedidos de
declaração de vacância ao TSE, sendo que este deveria expedir Resolução que
disciplinasse o procedimento de justificação da desfiliação.129
De acordo com alguns ministros, essa solução seria a mais adequada,
tendo em vista que o TSE disporia de competência suficiente para expedir
verdadeiras normas materiais e processuais.130
O caso Raposa Serra do Sol traz outra discussão interessante sobre o
enforcement das decisões do Tribunal. Uma vez computados os votos dos
ministros, inicia-se um debate entre eles sobre a redação das condicionantes ao
processo de demarcação e sobre como seria executada a decisão. O Min. Gilmar
Mendes (fls. 831-32) propõe em seu voto que o STF delegue a execução da
sentença ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, na pessoa de seu
presidente, sob supervisão do relator da ação, Min. Carlos Britto, sob o
argumento de que a realidade fática de extrema complexidade exige uma
proximidade do judiciário para a rápida e célere resolução de controvérsias
durante os procedimentos de execução. O Min. Gilmar Mendes menciona que
essa delegação de atos executórios a tribunais ou juízes locais é comum a outras
cortes constitucionais e menciona em seu voto o caso paradigmático da Suprema
Corte norte-americana, Brown v. Board of Education, que determinou que as
escolas públicas admitissem alunos negros e brancos em igualdade de condições.
O cumprimento da decisão do caso Brown recebeu intensa resistência das
entidades educacionais, o que levou a uma nova demanda à Suprema Corte, na
qual foi discutido pelo tribunal como se daria o processo de execução da
sentença. A solução adotada foi a delegação aos tribunais locais da execução da
decisão.

129
Ou seja, para a especificação, por parte do TSE, de qual o procedimento para os casos de
desfiliação justificada, em razão de (i) mudança de orientação programática do partido, ou (ii)
perseguição política. A desfiliação justificada não implicaria a perda do mandato eletivo. O TSE
acatou a decisão do STF com a edição da Resolução 22.610.
130
Nesse sentido, cf. voto do Min. Gilmar Mendes, fl. 449.

178
A adoção desse procedimento é relevante, pois a discussão de soluções
sobre como acompanhar o processo de execução da sentença, é, de certo modo,
um reflexo do processo de transformação do controle de constitucionalidade. As
condicionantes ao processo de demarcação de terras indígenas adotadas pelo
tribunal exigiriam o acompanhamento da etapa de execução da sentença. Uma
vez que o tribunal incide sobre políticas públicas, já não é suficiente a mera
declaração de inconstitucionalidade, pois ela não gera efeitos automaticamente.
É preciso, nesta etapa, levar em consideração outros atores institucionais
envolvidos na execução da sentença.
Apresentar propostas de como acompanhar a execução de uma sentença
exige também do tribunal a familiarização com outra linguagem, não mais a de
direitos, mas a da própria política pública. Nesse sentido, o Min. Joaquim
Barbosa, manifesta-se:
“creio que nós estamos aqui embrenhando numa seara na qual o
Supremo Tribunal Federal não tem nenhuma experiência. Nós estamos
adentrando o campo do que se chama judge-made law. É o tipo de
atividade típica de países em que o Poder Judiciário faz o direito. Faz o
direito e delega a sua execução a um juiz. Mas, delega, como? Delega
fixando diretivas claras, fixando metas, fixando prazos. Nós não
podemos delegar isso a um Tribunal Regional e aos juízes de Roraima
sem essas diretivas claras, porque não nós sabemos qual é a realidade
local”.

Os ministros também discutem a possibilidade de estabelecer um prazo


para a implementação da decisão – se deveria ser imediata ou não –, o que
provoca a manifestação durante a sessão, do Advogado-Geral da União, dos
produtores rurais e das comunidades indígenas.
A solução adotada pelo STF é a de execução imediata, mesmo antes da
publicação do acórdão, e a de delegar o acompanhamento da execução para o
relator do caso, Min. Carlos Britto, em conjunto com o presidente do Tribunal
Regional Federal da 1ª Região. Com isso, buscam também evitar um desgaste de
eficácia da sentença, como mencionado pelo Min. Cezar Peluso, “acho que, ao
estabelecermos uma regra de caráter geral, desconhecendo a situação de fato do
local e todas essas implicações possíveis, a Corte toma um passo que pode não
trazer bons resultados de ordem prática”.
A opção do tribunal por transformar o caso Raposa Serra do Sol em um
caso paradigmático, cuja decisão repercutiria para outros processos de

179
demarcação, faz com que o Tribunal mantenha conversações sobre os
parâmetros da execução de sua decisão mesmo após a sentença, como parece
indicar a notícia de reunião do ministro presidente do STF com a Advocacia Geral
da União, a fim de discutir a possibilidade de aplicação do procedimento adotado
no caso em outras áreas de demarcação.131
A discussão sobre a execução das decisões aponta para a conclusão de
que, independentemente de se concordar ou não com a decisão do Tribunal em
cada caso, merecem ser considerados os problemas enfrentados ao se buscar
traçar uma nova política quando se permanece apenas no interior do próprio
Judiciário. O resultado dessa escolha é que os espaços de discussão que
poderiam existir em torno dessa nova política são fechados, permanecendo
restritos à discussão no próprio Judiciário.
Nesse sentido, um questionamento pode ser feito, por exemplo, face à
solução dada ao caso da fidelidade pelo STF: por que razão o Tribunal não
determinou que o Poder Legislativo, enquanto órgão democraticamente
legitimado e que goza de ampla margem de atuação, realizasse a tarefa de
definir as hipóteses de desfiliação justificada e o procedimento para garantia da
ampla defesa e do contraditório? No caso da Raposa Serra do Sol, igualmente,
parece ter sido identificada a necessidade de suprir uma demanda legislativa
sem que se considerasse a participação do próprio Legislativo.
Esses questionamentos direcionam-se a um ponto crucial no debate
sobre judicialização e ativismo, que é justamente a capacidade e a adequação da
realização de políticas pelo Judiciário. Como visto, a discussão sobre esse
aspecto só pode ser alcançada se são entendidas as peculiaridades do
procedimento de cada caso. Pode ser, por exemplo, que, no caso das
demarcações de terras indígenas, a atuação do STF seja bem sucedida,
estabelecendo um modelo de controle de políticas públicas pelo Judiciário.
De qualquer maneira, o que se conclui a partir dos casos estudados é que
a atuação do STF, antes limitada ao controle abstrato de declaração de princípios
a serem seguidos, pode estar se colocando de maneira mais propositiva no que
concerne aos desenhos das políticas públicas. Estudar esse processo a partir da

131
Notícia disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo
=116222&caixaBusca=N

180
perspectiva aqui proposta, interna ao processo decisório, parece ser essencial
para o controle da legitimidade do Tribunal.

VI.3 Procedimentos decisórios

VI.3.1 Atores externos: amici curiae e outros


A figura do amicus curiae foi prevista, ainda que não com esta
nomenclatura, na lei que regulamentou o processo das ADI e ADC, lei 9868/99,
que, em seu art. 7º, § 2º, estabelece que “O relator, considerando a relevância
da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho
irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a
manifestação de outros órgãos ou entidades.” Como se percebe, os requisitos
legais para a admissão de terceiros são a relevância da matéria e a
representatividade dos postulantes. Tais requisitos são, no entanto,
interpretados de maneira muito variada a depender do Ministro relator, que é o
único que pode decidir sobre o pedido de ingresso.132
No caso da verticalização das coligações, foram admitidos como amici
curiae os partidos PMDB, PFL, PDT e PPS, além da assembléia legislativa do Rio
de Janeiro. Apenas o ingresso do PSL foi inadmitido, em razão de o pedido ter
sido formulado 15 minutos depois do início do julgamento.
Apesar de não ter sido requerida divisão de tempo para sustentação oral
dos amici curiae – o que, na visão dos Ministros poderia ser prejudicial à
dinâmica do julgamento – foi solicitado que fosse dada vista dos autos ao autor e
outros interessados e intimada a Procuradoria Geral da República. Na opinião do
Ministro Nelson Jobim, a participação dos atores externos nesse caso configurou-
se mais como um pedido de litisconsorciação do que como mero ingresso na
condição de amicus curiae.
Esse breve relato da admissão de amici curiae no caso da verticalização,
apesar de indicar o grande interesse dos partidos políticos no insucesso da
demanda promovida pela OAB, e em como esse interesse se manifesta com a
abertura da Corte à participação, não parece apontar para conclusões mais

132
Sobre os critérios de deferimento do pedido de ingresso na causa e as diferenças entre os
Ministros, sendo uns mais restritivos e outros mais permissivos, ver Thais Catib De Laurentiis, A
caracterização do amicus curiae à luz do Supremo Tribunal Federal, Monografia apresentada à
Escola de Formação, sbdp, São Paulo, 2007. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/arquivos/
monografia/106_Thais%20Catib%20De%20Laurentiis.pdf.

181
substantivas acerca da participação de atores externos nos casos de controle de
constitucionalidade.
A ADPF 101, sobre importação de pneus usados, é o caso mais
paradigmático dentre os escolhidos para as reflexões sobre o tema. Trata-se de
um ótimo exemplo de caso no qual o Supremo Tribunal Federal foi acessado por
inúmeros atores, em momentos diversos, trazendo demandas variadas. Na ação
proposta pelo Presidente da República, demonstraram interesse tanto
associações e empresas do setor privado, quanto atores do terceiro setor e do
próprio governo.
Os amici curiae admitidos no caso foram:
Setor privado, representando o interesse das empresas importadoras de
pneus – colocando-se, portanto, contra a pretensão aduzida na ADPF 101 – as
empresas Pneus Hauer do Brasil Ltda., Pneuback Indústria e Comércio de Pneus
Ltda., Tal Remoldagem de Pneus Ltda., BS Colway Pneus Ltda., Líder
Remoldagem e Comércio de Pneus Ltda., Ribor Importação, Exportação,
Comércio e Representações Ltda., Associação Brasileira da Indústria de Pneus
Remoldados (ABIP), Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus
(ABR); Setor privado, representando o interesse das empresas produtoras de
pneus novos – colocando-se, portanto, a favor da pretensão aduzida na ADPF
101 – a Associação Nacional da Indústria de Pneumático (ANIP);
Terceiro setor, colocando-se contra a pretensão aduzida na ADPF,
Associação e Defesa da Concorrênca Legal e dos Consumidores Brasileiros
(ADCL); Terceiro setor, colocando-se a favor da pretensão aduzida na ADPF,
Conectas Direitos Humanos, Justiça Global e Associação de Proteção do Meio
Ambiente da Cianorte (APROMAC); Setor público, também a favor da demanda
colocada, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA).
Cabe ressaltar que os pedidos de ingresso na causa formulados por esses
atores foram rapidamente deferidos pela relatora do processo, Ministra Cármen
Lúcia (média de 4 dias entre o ingresso do pedido e o despacho de deferimento),
e apenas em um caso atores133 que postularam o ingresso na causa não foram

133
Tratou-se de um pedido conjunto formulado pelas seguintes empresas: Líder Remodelagem e
Comércio de Pneus Ltda.; Camargo Trending Importação e Exportação Ltda.; Jabur Recapagens de
Pneus Ltda.; Perfil Pneu Grade Auto Center Recapagens Ltda.; E.B.R.P – Empresa Brasileira de

182
atendidos. Nesse caso, a Ministra apontou razões formais – o pedido trazido não
trazia cópia dos atos constitutivos das empresas, entre outros documentos,
estando ausente também instrumento de procuração do representante legal134 –
para negar o acesso.
O fato de nenhum pedido ter sido negado por motivos substantivos
mostra que a Ministra relatora tem uma tendência em manter o processo aberto
à atuação de terceiros. Na maioria dos despachos, para fundamentar o
deferimento dos pedidos, a Ministra Cármen Lúcia apenas cita a descrição que o
postulante faz de si mesmo, mostrando seu interesse na causa; em alguns
casos, também analisa se a representação processual está adequada. Trata-se,
assim, de decisões muito simples, nas quais a Ministra reconhece de pronto a
legitimidade de intervenção daquele terceiro.
Em dois dos despachos, o de admissão da Pneus Hauer do Brasil Ltda.
(que foi o primeiro ator a postular seu ingresso e também o primeiro a tê-lo
deferido) e o de admissão do IBAMA, a Ministra cita decisão do Ministro Celso de
Mello em despacho que admitiu amicus curiae da ADI 2.130. Nessa decisão, o
Ministro qualifica a intervenção de terceiros como “fator de legitimação social das
decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional”, afirmando ainda,
em relação à representatividade das instituições, “a possibilidade de participação
formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os
interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e
relevantes de grupos, classes ou estratos sociais” (grifos no original).
Trata-se aqui de um alargamento da chamada representatividade
adequada, pois o Ministro entende que não apenas atores que representem
grupos, classes ou estratos sociais, mas também aqueles que representem
“interesses gerais da coletividade” podem ser admitidos no processo.
É preciso ressaltar que, no caso dos pneus, tratou-se de uma Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que, por ser um instrumento
processual diverso da ADI e da ADC, em tese, não estaria abarcada pela
regulação da lei 9868/99, onde se coloca a possibilidade de manifestação de
terceiros. A lei 9882/99, que trata do procedimento da ADPF, não traz essa

Reciclagens de Pneus Ltda.; Renovadora Arcos Ltda. Posteriormente, a primeira empresa refez o
pedido e foi admitida como amica curiae.
134
Nos termos do Código de Processo Civil, art. 36, a representação processual deve ser feita por
advogado legalmente habilitado.

183
mesma possibilidade. A regulamentação da figura do terceiro interessado em
casos de declaração de inconstitucionalidade está, entretanto, no próprio Código
de Processo Civil, art. 482, § 3º, sendo este o dispositivo invocado pela Ministra
Cármen Lúcia em seus despachos de deferimento.
A Lei da ADPF (Lei nº 9.882/99) traz, entretanto, outro mecanismo
previsto pela lei da ADI: em seu art. 6º, § 1º, faculta ao relator “ouvir as partes
nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais,
designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão,
ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com
experiência e autoridade na matéria.” Em outras palavras, tem-se aí a
possibilidade de realização de audiência pública – o que também ocorreu no
caso, como será exposto adiante.
Para efeitos de comparação da maneira como é tratado o acesso de
terceiros no STF, é interessante relatar o ocorrido na ADPF 54, sobre a
constitucionalidade da prática de aborto de fetos anencéfalos. Em ambos os
casos, foram tratados temas polêmicos, que afetam uma multiplicidade de
interesses: se no caso dos pneus foram colocados em relevo interesses
econômicos e políticos, neste caso da ADPF 54, são os interesses morais e
religiosos que se colocavam em questão.
Nesta, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio, também acorreram
inúmeros pedidos de ingresso como amicus curiae. O Ministro, no entanto,
adotou solução oposta à adotada pela Ministra Cármen Lúcia: indeferiu todos os
pedidos, por entender que não cabe analogia com o instituto previsto na lei da
ADI, sendo certo que a “admissão de terceiros não implica o reconhecimento de
direito subjetivo a tanto” e “fica a critério do relator, caso entenda oportuno.”
Diante da complexidade do tema e da quantidade de atores que
manifestaram interesse em intervir, o Ministro Marco Aurélio decidiu, por outro
lado, convocar audiência pública, valendo-se do dispositivo legal acima citado.135
Assim, neste caso, os dois institutos de abertura à sociedade civil, participação
de terceiros como amicus curiae e audiência pública, parecem ter se confundido,
sendo o segundo usado como forma de abarcar as demandas do primeiro.

135
Thais Catib De Laurentiis, op. cit., p. 47-51. O Ministro convocou todas as entidades que
pediram ingresso na causa e também outras, escolhidas a seu critério.

184
Como se verá adiante, não parece ter sido este o uso que foi feito da
audiência pública no caso dos pneus. Neste, a audiência foi entendida como um
momento de reflexão sobre as especificidades técnicas do assunto, sendo que o
deferimento dos pedidos de amicus curiae serviu para a apresentação das razões
jurídicas das entidades interessadas. É o que se depreende das manifestações
trazidas pelas entidades no momento de ingresso como amici curiae.136 Assim,
parece haver um sentido para a figura do amicus curiae que não
necessariamente será suprido com a realização de audiências públicas.
Essa breve comparação com a ADPF 54 mostra também que as decisões
sobre manifestação de terceiros são altamente subjetivas e estão ao exclusivo
critério do relator do caso, variando muito conforme o perfil deste. Essa falta de
uniformidade mostra a ausência de um entendimento da Corte acerca desse
novo instrumento procedimental, o que é um problema quando se pensa que
podem ser aplicados de maneira não isonômica justamente os instrumentos cujo
objetivo é conferir maior legitimidade democrática ao processo decisório no STF.
Por fim, é relevante ressaltar que a participação de terceiros não se
restringe à apresentação de manifestações como amicus curiae ou ao
pronunciamento em audiência pública. A ADPF 101 é um caso muito rico em
demandas diversas, que não necessariamente estão localizadas nesses dois
espaços de atuação. Nesse sentido, a sustentação oral no dia do julgamento
também é um mecanismo que vem sendo usado não só pelas partes, mas
também pelos terceiros interessados.
A possibilidade de sustentação oral pelos interessados é expressamente
prevista pela lei da ADPF, art. 6º, § 2º que, nesse sentido, diferencia-se da lei da
ADI, na qual não se prevê expressamente a possibilidade de sustentação oral de
terceiros. A sustentação oral por terceiros no processo de controle concentrado
de constitucionalidade é, de qualquer forma, regulamentada pelo art. 131, § 3º
do Regimento Interno do STF.

136
A manifestação da ABIP encontra-se disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms
/processoAudienciaPublicaAdpf101/anexo/ADPF101ManifestacaoABIP10.pdf, a manifestação da
ABR em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaAdpf101/anexo/ABR_Asso
ciacaoBrasileiradoSeguimentodeReformadePneus.pdf, a manifestação da ANIP em: http://sbdp
.org.br/arquivos/material/421_anip.pdf, a manifestação da Conectas Direitos Humanos, da Justiça
Global e da APROMAC em: http://sbdp.org.br/arquivos/material/419_amicus%20curiae
%20ADPF%20101.pdf. Como se nota, os documentos encontram-se dispersos, não havendo
acesso sistematizado a eles disponível no site do STF. Isso é um problema, na medida em que
dificulta o acesso aos argumentos colocados pelos interessados que, ao provocarem o STF,
pretendem dar visibilidade para suas causas também para a sociedade como um todo.

185
No caso, dos 7 pedidos de sustentação oral, 6 foram deferidos.137 O
pedido indeferido, formulado pela ANIP, foi apresentado, segundo a relatora,
apenas 25 minutos antes do início do julgamento, o que justificou a
impossibilidade de seu deferimento. Assim como no deferimento dos pedidos de
ingresso na causa como amicus curiae, também nos pedidos de sustentação oral,
verifica-se, portanto, uma grande abertura do processo. Foi deferido inclusive o
pedido de uma empresa, Recap Pneus Maringá, que não havia ingressado
anteriormente na causa como amicus curiae.
Além disso, outras demandas, que não de participação por meio de
apresentação de manifestações ou de sustentação oral, foram formuladas nesse
caso pelos atores intervenientes. A própria audiência pública foi uma demanda
apresentada por dois amici curiae, ABIP e ABR, ainda que, como ser verá no
tópico 2.2 adiante, a específica solicitação feita por esses autores não foi um
argumento considerado pela Ministra relatora para justificar a necessidade da
audiência.
Algumas outras demandas apresentadas chegam a causar certa
estranheza se for considerada a natureza do processo, que é de controle de
constitucionalidade concentrado. O primeiro desses pedidos foi apresentado pela
Pneus Hauer do Brasil Ltda., que, admitida como amicus curiae, requereu a
intimação do Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE) para participar do processo. A Ministra interpretou esse pedido como um
requerimento de admissão de mais um amicus curiae e negou a demanda por
considerar que a “admissão do amicus curiae requer adequada
representatividade, além do pedido do próprio interessado para ingressar nos
autos, nessa qualidade.”
Outro pedido surpreendente foi proposto pelo amicus curiae ABIP que,
após o início do julgamento, quando o processo se encontrava com o Ministro
Eros Grau para vistas, propôs argüição de fato novo e superveniente modificativo
da questão em debate. Em um primeiro momento, a entidade chegou até mesmo
a pedir que o feito fosse julgado prejudicado, mas repropôs a demanda, dessa

137
Não há informação cadastrada na página de acompanhamento processual sobre o deferimento
dos pedidos de formulados por Pneuback Indústria e Comércio de Pneus Ltda e por Direitos
Humanos, Justiça Global e APROMAC. É possível dizer, entretanto, que tais pedidos foram deferidos
porque notícia do STF dá conta de que o advogado representante dessas entidades falou no dia do
julgamento. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo
=104530&caixaBusca=N e http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo
=104520&caixaBusca=N.

186
vez pedindo permissão para argüir o suposto fato novo. Não há registro, na
página de acompanhamento processual da ADPF, da resposta dada pela Ministra
a essa demanda.
O amicus curiae ABR também propôs uma demanda atípica assim que foi
habilitada para ingresso na causa: requereu autorização para produção de
provas, o que não é um procedimento previsto para a via de controle
concentrado de constitucionalidade. O pedido foi negado pela Ministra Cármen
Lúcia, sob o argumento de que a fase probatória seria incabível na ADPF porque
a lei que regula esse processo estabelece que a petição inicial deverá conter “a
prova da violação de preceito fundamental” (art. 3º, inciso III), sendo que a
ausência dessa prova é motivo para indeferimento liminar da petição. Assim, o
raciocínio é de que, se a petição foi aceita, é porque a prova já foi
adequadamente produzida. É interessante notar, entretanto, que é justamente
para a discussão da “prova da violação” que se convocou a audiência pública
com especialistas no tema, como se verá adiante.
Outra dessas demandas “inusitadas” foi proposta por empresa, Bética
Indústria e Comércio de Pneus, que não havia se habilitado como amicus curiae
no caso. A empresa requereu, juntamente com a BS Colway Pneus Ltda. – esta,
sim, habilitada como terceira interessada no processo –, que fossem declaradas
válidas as licenças de importação de pneus que possuíam antes do julgamento
do caso (os pedidos foram feitos quase um ano depois de ter sido encerrado o
julgamento). A Min. Relatora não conheceu desses pedidos, mas a íntegra dessas
decisões não está disponível, não sendo possível aferir a fundamentação usada.
Por fim, outra empresa, RIBOR – Importação, Exportação, Comércio e
Representação Ltda., decidiu também inovar ao propor embargos de declaração
da decisão tomada no julgamento final. A empresa constava no processo
também como amicus curiae. Os embargos também não foram conhecidos pela
relatora, em razão de dois fundamentos: em primeiro lugar, por não serem
cabíveis recursos propostos por terceiros (“A jurisprudência deste Supremo
Tribunal está consolidada no sentido do não-cabimento de recursos interpostos
por terceiros não integrantes da relação processual nos processos objetivos de
controle de constitucionalidade na qualidade de partes”), em segundo lugar, por
ser o recurso extemporâneo, uma vez que o acórdão ainda não foi juntado aos

187
autos (sobre as questões que envolvem a demora de publicação desse acórdão,
ver o tópico 1.3. acima).
Todas essas demandas podem ser consideradas atípicas em um processo
de controle de constitucionalidade. O fato de terem sido apresentadas no STF
pode ser um indício de que a grande abertura do processo estimula os atores a
proporem inovações – que, na prática, sempre podem ser acolhidas pelos
Ministros, a depender de sua possível fundamentação jurídica. No caso em
estudo, entretanto, não houve esse acolhimento, o que pode ser explicado, em
parte, por se tratarem de demandas realmente inusitadas, que dificilmente
poderiam ser fundamentadas em bases legais.
Ainda em relação à participação de atores externos, o caso Raposa
Serra do Sol apresenta algumas questões interessantes. Posteriormente ao
encerramento da fase de instrução do processo, vários atores ingressaram com
pedidos de litisconsórcio e assistência perante o Tribunal. A FUNAI requereu
ingresso na qualidade de juridicamente interessada, o Estado de Roraima
requereu ingresso como litisconsórcio ativo necessário. Também postularam
ingresso na lide os produtores rurais afetados pela demarcação e as
Comunidades Indígenas Barro e Socó (fls. 249-52). Esses pedidos são relevantes
para mostrar (i) as tentativas de acesso ao Tribunal, (ii) como o Tribunal recebe
as pretensões de múltiplos atores e (iii) a exata configuração dos pedidos da
demanda, questão central para determinar se o Tribunal excedeu ou não o que
lhe foi demandado ao proferir a decisão. Em última análise, a questão envolve a
relação conflituosa entre novas técnicas e procedimentos decisórios adotados
pelo Tribunal e a disciplina processual clássica adotada.
O Min. Carlos Britto traz esses pedidos a plenário, em questão de ordem,
para que se decida sobre como incorporar esses novos atores e o material que
trazem ao processo. Embora tenham solicitado ingresso no processo após o
encerramento da fase de instrução, o ministro relator despachou a inclusão dos
documentos relevantes ao processo e convocou as partes para manifestarem-se
sobre eles (fls. 343-4). Após essas medidas, o ministro relator encaminha a
discussão ao plenário por meio de questão de ordem. Ao admitir os atores como
assistentes simples, o tribunal deixa claro que, segundo a disciplina processual
atinente a tal posição, eles não poderiam reabrir a fase de instrução ou formular
novas demandas (fls. 345-54).

188
No entanto, os ministros se questionam se os inúmeros documentos e
argumentos trazidos pelos peticionários realmente não acabam por inovar a lide.
Essa questão será retomada, de forma substantiva, no momento de análise da
técnica decisória utilizada pelo Tribunal, para avaliar se o tribunal estaria
decidindo de forma extra-petita.
No caso Raposa Serra do Sol, não houve a realização de audiências
públicas, tampouco o ingresso de amici curiae, em razão de não se tratar de
controle concentrado de constitucionalidade, mas de ação popular. Entretanto,
cabe notar que, conforme consta no acompanhamento processual e nas notícias
envolvendo o caso, inúmeros atores manifestaram-se em reuniões com o
ministro presidente e através de petições e moções de apoio endereçadas ao
tribunal. Essas vias constituiriam modos de incidência extra-processuais.
A par de receber esses atores, o STF também adotou uma postura ativa
nesse contato, por exemplo, com a visita de alguns ministros à área da Raposa
Serra do Sol. O Min. Gilmar Mendes em seu voto faz uma breve avaliação dessa
visita à região, o que indica que também essa seria uma forma de aproximação e
cognição do caso além dos limites do processo. Ou ainda, o Min. Menezes Direito
quando realiza solicitação à FUNAI para que produzisse um mapa da região, que
foi incorporado ao processo como parte de seu voto, e que serviu de base para a
sua fundamentação acerca dos limites da demarcação da terra indígena, ao rever
a teoria dos círculos concêntricos, desenvolvida pelo Min. Nelson Jobim, e
apresentar a proposta do seu método de avaliação do fato indígena.

VI.3.2 Audiência pública: organização e possível impacto


A segunda audiência pública da história do Supremo Tribunal Federal foi
realizada na ADPF 101, no dia 27 de junho de 2008, para a discussão da
constitucionalidade da proibição de importação de pneus usados. A primeira, em
24 de abril de 2007, havia ocorrido na ADI 3510, que questionou a
constitucionalidade da Lei de Biossegurança. A audiência pública é um
instrumento procedimental previsto nas leis que regulamentam a ADI (art. 9º, §
1º) e a ADPF (art. 6º, § 1º), e é voltada a ouvir declarações “de pessoas com
experiência e autoridade na matéria”.
Novamente aqui, há diferença em relação à regulamentação dada pela lei
da ADI e pela lei da APDF ao instituto. Enquanto a lei da ADI prevê que os casos

189
de audiência pública serão convocados “em caso de necessidade de
esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência
das informações existentes nos autos”, a lei da ADPF não prevê esse mesmo
requisito, deixando a convocação da audiência a critério do relator, “se entender
necessário”.
No caso dos pneus, a Ministra relatora elencou dois fundamentos
principais para convocar a audiência pública. Em primeiro lugar, para
fundamentar a “repercussão social, econômica e jurídica” da matéria em
discussão, evoca o grande número de pedidos de ingresso na causa como amicus
curiae. Além disso, aproximando-se da disciplina da lei da ADI, ressalta o caráter
técnico da audiência pública, ao afirmar que “questões técnicas sobre a
importação dos pneus e a forma de tal providência ser adotada ou afastada, nos
termos da legislação vigente, impõe, para maior compreensão das questões
postas, audiência de especialistas”.
Assim, é possível dizer que a Ministra considerou esse instrumento
decisório relevante não apenas para aumentar a representatividade da decisão,
ou sua “legitimação social” – tal como o instituto do amicus curiae – mas
também como maneira de esclarecer pontos técnicos relevantes para o próprio
entendimento da matéria. Como aponta Rafael Scavone Bellem de Lima, em
estudo sobre a audiência ocorrida no caso da Lei de Biossegurança138, trata-se de
duas visões diversas sobre o instituto, o que pode implicar em uso diferente
deste. Se o intuito é ter esclarecimentos técnicos, então a divisão binária dos
participantes em grupos a favor e contra a demanda apresentada talvez não seja
a melhor alternativa, pois induz a organização estratégica dos grupos pode
“estimular a exposição de argumentos técnicos que sustentem uma alternativa
de decisão em detrimento do esclarecimento das diversas questões técnicas
envolvidas em um caso”.139
É relevante notar que, até 2009, quando entrou em vigor a Emenda
Regimental 29, incluindo no Regimento Interno do STF a regulamentação do

138
Rafael Scavone Bellem de Lima, A Audiência Pública realizada na ADI 3510-0: A
organização e o aproveitamento da primeira audiência pública da história do Supremo Tribunal
Federal, Monografia apresentada à Escola de Formação, sbdp, São Paulo, 2008. Disponível em:
http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/125_rafael.pdf
139
Op.cit., p. 26-28. É interessante notar que, no caso da Lei de Biossegurança, o relator quis
enfatizar que as regras de organização da audiência tinham como objetivo justamente evitar a
contraposição de ideias, não se tratando, portanto, de um debate com contraditório estabelecido
(p. 29). Evidencia-se, portanto, a dúvida sobre a utilidade da divisão binária dos participantes.

190
procedimento da audiência pública140, este era ordenado a exclusivo critério dos
relatores do caso. Se, na audiência da Lei de Biossegurança, o relator
determinou que os sujeitos processuais – autor, requeridos e interessados –
indicassem os especialistas que iriam se pronunciar, no caso dos pneus, a
relatora optou por facultar apenas aos amici curiae a indicação de especialistas.
É certo, entretanto, que ainda tenha sido essa a diretiva no despacho que
determinou a realização da audiência, a Ministra Cármen Lúcia facultou
posteriormente a participação de especialistas indicados pelo Presidente da
República.
Assim, pode-se dizer que a primeira e a segunda audiências tiveram
critérios similares de convocação e seleção de especialistas que iriam se
pronunciar. Em ambos os casos, foi solicitado aos atores processuais que
indicassem especialistas, estes não foram simplesmente designados pelo relator,
ao contrário do ocorrido na audiência pública na ADPF 54, sobre o aborto de
fetos anencéfalos, mencionada no tópico 2.1 acima. Isso mostra que, assim
como na seleção de amicus curiae, também na seleção de especialistas
participantes de audiências públicas tem grande peso a subjetividade do relator
no estabelecimento de critérios.141
Também é completamente discricionária a decisão de quanto tempo terá
a cada participante e qual será a duração da audiência pública.142 No caso da
APDF 101, a Ministra Cármen Lúcia determinou que a audiência fosse realizada
em apenas um dia, o que impossibilitou a participação dos 20 especialistas

140
Art. 154. Parágrafo único. A audiência prevista no inciso III observará o seguinte procedimento:
I – o despacho que a convocar será amplamente divulgado e fixará prazo para a indicação das
pessoas a serem ouvidas;
II – havendo defensores e opositores relativamente à matéria objeto da audiência, será garantida
a participação das diversas correntes de opinião;
III – caberá ao Ministro que presidir a audiência pública selecionar as pessoas que serão ouvidas,
divulgar a lista dos habilitados, determinando a ordem dos trabalhos e fixando o tempo que cada
um disporá para se manifestar;
IV – o depoente deverá limitar-se ao tema ou questão em debate;
V – a audiência pública será transmitida pela TV Justiça e pela Rádio Justiça;
VI – os trabalhos da audiência pública serão registrados e juntados aos autos do processo,
quando for o caso, ou arquivados no âmbito da Presidência;
VII – os casos omissos serão resolvidos pelo Ministro que convocar a audiência.
141
A regulamentação do procedimento da audiência pública no RISTF não solucionou esse
problema, pois designa ao relator a faculdade de seleção das pessoas a serem ouvidas, sem
maiores especificações (art. 154, III). Isso significa que pode haver uma seleção tanto entre
especialistas previamente indicados quanto entre especialistas em geral, escolhidos pelo
conhecimento pessoal de cada Ministro.
142
Também neste aspecto a regulamentação feita pelo RISTF não criou critérios mais delimitados,
estabelecendo apenas que “será garantida a participação das diversas correntes de opinião” (art.
154, II) e que cabe ao relator fixar “o tempo que cada um disporá para se manifestar” (inc. III).

191
indicados, sendo que apenas 11 (2 deles dividindo o tempo de 20 minutos dado
a cada participante) efetivamente participaram. Não é possível aferir se o critério
do sorteio em caso de inexistência de consenso entre os participantes de cada
grupo –critério estabelecido pela Ministra no despacho que determinou a
realização da audiência – foi efetivamente cumprido.143
Das entidades que indicaram especialistas144, apenas uma, a ANIP, não
foi contemplada com a participação de nenhum de seus representantes. Uma
questão interessante refere-se à qualificação dos especialistas participantes. O
intuito da audiência foi o de ouvir esclarecimentos técnicos, não sustentações
jurídicas sobre o tema.145 No entanto, pelo menos dois participantes,
representantes da ABR e da Pneuback Indústria e Comércio Ltda. – um deles se
qualificou como advogado ambientalista e o outro como mestre em gestão
ambiental146 – eram também advogados que fizeram sustentação oral no dia do
julgamento.
Outra questão relevante na realização da audiência pública nesse caso
refere-se à divulgação da decisão que determinou a realização da audiência. É
por meio desta decisão que os envolvidos puderam saber do evento e da
necessidade de indicação de especialistas participantes. Para esta indicação, foi
inclusive estabelecido um prazo, até 20 de junho de 2008, ou 7 dias antes da
audiência. A decisão que determinou a realização data de 9 de junho de 2008.
Ela foi cadastrada no andamento processual da ação, no entanto, apenas em 17
de junho, tendo sido publicada no Diário de Justiça apenas no dia 19 deste mês.

143
As transcrições dessa audiência pública não foram disponibilizadas no site do STF, o que limita a
coleta de dados.
144
Houve indicação de especialistas por parte do Presidente da República; do IBAMA; da ABIP; da
ABR; da ANIP; da BS Colway Ltda. e Pneus Hauer do Brasil Ltda.; da Conectas Direitos Humanos,
Justiça Global e APROMAC; da Pneuback Indústria e Comérico Ltda.; e da Tal Remoldagem de
Pneus Ltda.
145
Isso fica claro em esclarecimento dado pelo próprio gabinete da Ministra Cármen Lúcia a
indagação feita pela representante da ANIP sobre o sentido do termo especialista: “O sentido da
palavra especialista é a que consta da Lei n. 9.882/99 (art. 6º, § 1º), sendo óbvio que audiência
pública não é espaço nem promove o momento para sustentação oral jurídica: é a oportunidade
para especialistas da área defenderem as teses de que cuida a ação. (...)Como antes ponderado, a
menos que se cuide de advogado especialista (não no processo, mas na matéria cuidada), o que se
requer é a indicação de especialista no tema debatido e não na defesa da tese judicialmente
discutida.”. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublica
Adpf101/anexo/ADPF101Consulta1.htm.
146
Conforme notícia do site do STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/
verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=92494&caixaBusca=N.

192
No dia 20, uma associação, ADCL, e uma empresa, Líder Remoldagem e
Comércio de Pneus Ltda., que até então não figuravam nos autos como
interessadas, fizeram pedido de ingresso na causa, inclusive para manifestação
em audiência pública. Os pedidos para ingresso como amicus foram deferidos,
mas os pedidos para manifestação em audiência foram, entretanto, indeferidos
por serem considerados intempestivos. Não está claro o fundamento da
intempestividade, vez que as petições foram protocoladas no último dia do prazo
estabelecido pela relatora, sendo que outros atores, que já figuravam na causa –
o Presidente da República, argüente, e a ABIP, amicus curiae – também
apresentara a indicação de participantes da audiência apenas no último dia do
prazo, e puderam participar normalmente da audiência.
É possível que o indeferimento em relação àquelas duas primeiras
entidades tenha se dado porque elas apenas apresentaram o pedido de
manifestação na audiência, sem indicação dos especialistas que participariam. No
entanto, deve-se considerar que a publicação da decisão no Diário de Justiça se
deu apenas no dia 19, sendo que o prazo para indicação de especialistas
terminava no dia 20. Assim, parecem ter sido prejudicadas aquelas entidades
que ainda não estavam inseridas no processo, o que mostra certo fechamento da
audiência pública à participação da sociedade como um todo, restringindo-a aos
sujeitos processuais.
Por fim, ainda em relação à audiência pública realizada na ADPF 101,
algumas palavras sobre o impacto que esse instrumento procedimental teve na
decisão final dos ministros. Como já ressaltado no tópico 1.3, o acórdão desse
julgamento ainda não foi publicado, não sendo possível ter acesso à versão
definitiva dos votos. No entanto, nas versões disponíveis – votos da relatora
Ministra Cármen Lúcia, do Ministro Gilmar Mendes, do Ministro Marco Aurélio e
do Ministro Eros Grau –, é possível perceber que apenas no voto da relatora
questões colocadas durante a audiência pública tiveram um impacto mais
explícito.
Além da relatora, também o Ministro Gilmar Mendes, dentre os votos
disponíveis, cita a realização de audiência pública, mas apenas para informar a
sua realização. Sabe-se que, além da Ministra relatora, os Ministros Ricardo
Lewandowski e Carlos Ayres Britto estiveram presentes durante momentos da

193
audiência147, mas não há notícias sobre a participação de outros. Isso é um
indício de que, se há influência dos debates travados na audiência pública na
discussão e deliberação em Plenário, esta ocorre apenas por meio do voto do
relator.
A Ministra procura deixar claro, em seu relatório, o nível de abertura do
processo à participação de atores externos, revelando que, além da audiência
pública, ocorreram “ainda, aproximadamente vinte audiências no Gabinete com
interessados, representantes do Argüente e dos Argüidos e membros da
sociedade ou de seus representantes políticos aportando subsídios ou
informações sobre a matéria” (p. 12). Além disso, volta a mencionar os
fundamentos de realização da audiência: “A especificidade e a repercussão que
abrangem o tema, somadas à necessidade de um exame mais acurado das
razões e dos fundamentos veiculados na presente ação e melhor compreensão
das questões aqui envolvidas” (p. 34).
Em seu voto, a Ministra Cármen Lúcia chega a citar expressamente um
argumento trazido pelos especialistas ouvidos na audiência pública como
fundamento do raciocínio que está colocando. Para refutar o argumento –
colocado por empresas interessadas na revogação da proibição de importação de
pneus – de que as empresas que reformam pneus dependeriam de matéria-
prima importada por não haver matéria-prima de qualidade no Brasil (em razão
do mau estado das rodovias brasileiras), coloca um dado trazido pelos
especialistas, segundo o qual de 30% a 40% dos pneus usados importados
seriam inservíveis para remoldagem, já que não há classificação prévia à
importação. Ou seja, grande parte do contingente importado seria propriamente
lix. Assim, a Ministra afirma que, como colocado pelo argüente da APDF, a
violação aos preceitos fundamentais da saúde e da proteção ao meio-ambiente
ocorre pelas decisões que permitem as importações, e não o contrário.148

147
De acordo com o informado pela seção de notícias do STF. Disponível em: http://www
.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=104387&caixaBusca=N e http://www.stf.
jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=92427&caixaBusca=N
148
“Os Interessados insistem em que o que os leva a demandar a permissão para continuar a
importação de pneus usados é a má qualidade das rodovias brasileiras, que deterioram bastante os
pneus a serem remoldados. Na audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal, especialistas
informaram que os pneus usados importados não são previamente classificados antes da
importação, havendo resíduo da ordem de 30% a 40% nos contêineres, que são simplesmente
passivo ambiental, inservível para remoldagem. Isso apenas reforça a conclusão de afronta aos
preceitos fundamentais relativos à saúde e ao meio ambiente. Ao contrário do que sustentam eles,
as decisões judiciais que autorizaram as importações de pneus usados é que afrontam o art. 170
da Constituição brasileira, pois o material refugado agride o meio ambiente, causa impacto

194
Ademais, a Ministra dedica mais de 20 páginas do voto a um tópico
denominado “O pneu”, no qual discute minuciosamente a origem e constituição
do objeto, a utilização do pneu pela indústria automobilística e – o que parece
ser mais importante para a argumentação desenvolvida – os procedimentos de
reciclagem disponíveis. Neste tópico, conclui que o pneu possui grande impacto
ambiental, já que não existe nenhum método de reciclagem que exclua
consideráveis custos ambientais.
É interessante notar que, nesta exposição puramente técnica, a Ministra
deixa de citar especialistas que efetivamente participaram da audiência, apesar
de citar muitos dados técnicos e outros experts149. Não se descarta a
possibilidade de que a Ministra tenha tido acesso a esses dados na própria
audiência pública, ou ainda nas audiências reservadas que teve em gabinete. De
qualquer maneira, o modo como foi construído o voto, havendo grande destaque
para a discussão técnica, mostra que essa discussão provocou um impacto, se
não na formação do entendimento da Ministra sobre o tema, pelo menos na
fundamentação por ela usada para embasar, e legitimar, esse entendimento. O
caso dos pneus, com todas as peculiaridades acima detalhadas, é, assim, uma
boa ilustração das estratégias disponíveis à Corte Constitucional para processar
temas polêmicos e altamente técnicos, e legitimar as decisões tomadas sobre
estes.
Esse caso, em comparação com os outros em que ocorreu audiência
pública, também pode mostrar que cada audiência realizada no STF pode ser
considerada como um exemplo particular de interação, pois fatores como
convocação da audiência pública, atores participantes, interação do STF com os
argumentos recebidos na audiência e nos amici curiae se deram de forma

ambiental, contrariando o disposto no inciso VI do art. 170, bem como aos arts. 196 e 225,
especialmente. Ademais, essa transferência de material inutilizável representa, por si só, afronta
ao disposto na Convenção da Basiléia, da qual o Brasil é signatário.” (p. 136-137)
149
São citados, dentre outros, dados do Departamento Nacional de Trânsito – Denatran (p. 79), a
obra BEUKERING, P. J. H.; JANSSEN, M. A. Trade and recycling of used tyres in Western and
Eastern Europe. Resources, Conservation and Recycling, Netherlands, v. 33, 2001 (p. 80), dados
da Organisation Internationale dês Constructeurs d’Automobiles – Oica (p. 80), artigo publicado
pela Confagri - Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal
(p. 86), estudos do Centro de Divulgação Científica e Cultural da Universidade de São Paulo e da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darci Ribeiro (p. 88), estudos do Centro de Estudos da
Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana – Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação
Oswaldo Cruz e outros (p. 89), estudos da Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e
Medicina do Trabalho – Fundacentro (p. 94), estudos realizados pelos “Drs. Salvador Massano
Cardoso e Carlos Ramalheira, professores do Instituto de Higiene e Medicina Social, da Faculdade
de Medicina de Coimbra, Portugal” (p. 97)

195
completamente diferente. Em parte, como reflexo do próprio desenho
institucional, que depende nos dois casos, em boa medida, do ministro relator.

VI.3.3 Tempo de tramitação: diferenças que chamam a


atenção
Apenas para concluir este capítulo, há espaço para uma consideração
acerca da questão do tempo de processamento e julgamento das ADIs 875,
1.987, 2.727 e 3.243, que constituem o caso do Fundo de Participação dos
Estados (FPE). Como essa pesquisa demonstra, há em geral uma altíssima
incidência de casos não decididos no STF, boa parte deles resolvidos pelo decurso
do tempo, pela perda do objeto ou pela consolidação fática da situação jurídica
atacada. Por outro lado, há uma seletividade manifesta em determinados casos,
o que é fruto do processo pouco transparente de construção da pauta do
Tribunal. Nesse contexto, a não decisão ou a demora em decidir, assim como a
decisão rapidamente proferida, certamente representam uma técnica de
tratamento dos casos que não pode ser desconsiderada.
Na interação entre o Judiciário e o Legislativo, essa questão do tempo
processual ganha maior complexidade, afinal, como exigir do Congresso que
aprove uma matéria tão complexa no prazo de dois anos se a própria Corte
demorou oito anos para julgar a matéria a partir de sua inclusão em pauta? Essa
questão é explicitamente levantada pelo Min. Eros Grau em seu voto: “Por outro
lado, acho que o apelo que a Corte poderia fazer ao Legislativo também poderia
resultar num apelo a si próprio. Porque esses dois processos estão incluídos em
pauta há oito anos. De modo que é difícil cobrarmos do Legislativo com a
dificuldade que nós temos para julgar aqui.” (ADI 875, fl. 295).
Por outro lado, como procura ressaltar o Min. Gilmar Mendes, a demora
em julgar, no caso, permitiu à Corte a adoção de uma nova técnica decisória,
ancorada no recente desenvolvimento de sua jurisprudência. Portanto, a
dificuldade no julgamento dos casos relativos ao FPE com base na jurisprudência
tradicional, cuja técnica decisória se mostrava ineficaz para lidar com as
situações de omissão parcial, estaria na raiz da demora de seu julgamento: “Se
nós julgássemos procedente na tradição, envolveria a cassação, e esse é um
caso típico de que o ato normativo não pode ser simplesmente eliminado” (ADI
875, fls. 295-296).

196
Assim, longe de expressar um simples indicador de ineficiência ou
morosidade, a manipulação, por nada menos que 17 (dezessete) anos, do tempo
de processamento da questão expressa a dificuldade na relação da Corte com os
demais poderes, com o reconhecimento implícito de seus limites nessa relação e
a consequente necessidade de transformação permanente de sua jurisprudência.
Neste ponto, é interessante fazer um contraponto com o caso da
verticalização das coligações. No julgamento da ADI, o relator Ministro Gilmar
Mendes adotou o trâmite do art. 12 da Lei nº 9868/99150, sendo que o tempo de
julgamento deste caso foi realmente fora do comum: a ADI foi proposta pela
OAB e distribuída para no dia 09 de março, um dia após a edição da EC 52, e foi
julgada pelo plenário do STF em 23 de marco, a apenas 14 dias de sua
distribuição.
Se o longo tempo de julgamento do caso do FPE mostra a dificuldade da
relação entre STF e Legislativo para a solução de uma omissão legislativa sobre
uma delicada questão federativa, o caso da verticalização mostra, por outro lado,
que a relação pode ser bem direta, com o STF assumindo o papel de um órgão
de respostas rápidas quando se trata de derrubar medidas legislativas tomadas
em contrariedade a entendimento jurisprudencial estabelecido. Nessa
diferenciação de tratamentos, parece ter papel decisivo a temática em questão.

VII. Considerações finais


O objetivo do presente trabalho foi o de levantar dados e produzir
informações que pudessem lançar luz e conferir maior respaldo ao debate acerca
da “judicialização da política”. A escolha do controle de constitucionalidade
exercido pelo Supremo Tribunal Federal como objeto de observação privilegiado
para investigar a interação entre Poderes pode contribuir para uma reflexão mais
aprofundada acerca da real extensão da ideia de que o Brasil se insere em um
contexto de “desequilíbrio” ou “protagonismo” do Poder Judiciário (sobre os
demais Poderes) na definição de questões políticas de importância nacional. No
presente capítulo, buscou-se fazer um apanhado geral dos resultados e
informações mais relevantes apresentadas ao longo da pesquisa.

150
Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de
seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das
informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-
Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao
Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.

197
Como visto, essa interação entre STF (Poder Judiciário) e os Poderes
Legislativo e Executivo federais pode ocorrer em dois momentos distintos. O
primeiro deles é com o chamado controle preventivo de constitucionalidade, ou
seja, que se dá durante o processo legislativo, antes da edição do ato pelo Poder
competente. Verificou-se que essa forma de controle é admitido pelo STF, ainda
que não haja previsão expressa na Constituição. Esse tipo de controle é
restringido, contudo, pelo entendimento de que apenas parlamentares têm
legitimidade ativa para propor mandados de segurança que servem a tal
controle. O levantamento aponta que o controle preventivo é buscado
essencialmente por parlamentares da minoria legislativa, que recorrem ao
Judiciário tanto para assegurar seus direitos de minoria, como, e principalmente,
para reverter judicialmente decisões tomadas pela maioria (cf. IV.2.1 e 2,
supra). A despeito disso, a baixa taxa de sucesso dessas demandas indica que o
prórpio STF não considera esse um momento oportuno para exercício do controle
judicial de constitucionalidade (cf. IV.2.4, supra).
O segundo momento de interação entre os Poderes ocorre no controle
repressivo de constitucionalidade – após a edição do ato normativo. Na presente
pesquisa, foram analisadas quantitativamente apenas ações de controle
concentrado, em que o questionamento é apresentado diretamente ao STF, sem
necessidade de esgotar das vias recursas ordinárias das instâncias inferiores. A
Constituição Federal fez uma escolha clara ao elaborar o rol dos legitimados para
ajuizar essas ações de controle concentrado diretamente perante o Supremo
(art. 103, da CF). A despeito da multiplicidade de legitimados, verificou-se que
os usuários mais frequentes do controle concentrado de atos do Executivo e
Legislativo federais – com larga predominância sobre os outros legitimados –
são, nessa ordem: partidos políticos com representação no Congresso Nacional;
sindicatos; e entidades de classe. Esses atores são responsáveis, juntos, por
mais de dois terços daquilo que o STF julga em matéria de controle concentrado
de atos normativos dos demais Poderes da esfera federal (cf. V.1.2, supra).
Vale ressaltar também que a categoria de sindicatos e entidades de
classe representa, em sua esmagadora maioria, profissionais (principalmente
profissionais de carreiras públicas) e, entre as entidades representativas de
setores econômicos, o setor econômico terciário (cf. gráficos 16 e 17, supra). Em
outras palavras, os legitimados da sociedade civil para a propositura de ações de

198
controle concentrado de constitucionalidade que demandam o STF representam
grupos de interesse razoavelmente homogêneos, com predominância dos
interesses corporativos de carreiras públicas e dos setores da economia terciária.
Em razão do perfil dos maiores demandantes, também podem ser melhor
compreendidos os dados relativos aos temas mais frequentemente judicializados.
Isso porque sindicatos e entidades de classe são chamados legitimados
temáticos, haja vista que, para ajuizarem uma ação, devem demonstrar (e obter
a aceitação do Tribunal) que possuem interesse direto na questão e sua
finalidade social encontra pertinência temática no questionamento da
constitucionalidade do ato impugnado (cf. V.1.1, supra). Assim, os temas mais
judicializados podem ser interpretados como uma decorrência do perfil dos
principais atores do controle concentrado de constitucionalidade, ainda que
sejam necessários maiores estudos para se confirmar essa hipótese. As
discussões predominantes são sobre seguridade social (no grupo de ações que
questionam atos originários do Legislativo e Executivo), tributário/econômico
(Executivo), eleitoral e organização partidária (Legislativo), e servidor público
(Legislativo e Executivo).
De um modo geral, a maior parcela das demandas ajuizadas no tribunal
entre 1988 e meados de 2010 parece ser composta de dois perfis principais: (i)
partidos políticos, de um lado; e (ii) sindicatos e associações de classe, de outro,
judicializando questões relativas à seguridade social, tributário/econômico,
servidor público e eleitoral/organização partidária (este, no caso dos partidos
políticos). Conforme apresentado, esses dois atores são uma constante na
história recente do tribunal, e sofreram uma espécie de inversão em uma linha
do tempo traçada para todo o período. Enquanto o volume de demandas dos
partidos políticos diminui, o das entidades de classe aumenta na passagem dos
períodos de governo FHC e Lula (cf. V.1.2, supra).
Relativamente ao desempenho do STF, a pesquisa também trouxe dados
importantes. O primeiro deles é relativo ao uso das liminares no controle
brasileiro de constitucionalidade, especialmente, no controle de atos do
Executivo federal. Até meados de 2002, os dados permitem supor que em
grande parte dos casos de controle de atos do Executivo (especificamente, de
Medidas Provisórias), não houve julgamento de mérito por conta da reação de

199
uma das partes à decisão liminar (cf. item V.2.4, supra). Isso somente evidencia
o papel relevante que a liminar desempenhou durante o período.
Aqui, duas situações podem ser invocadas para explicar esse resultado:
(i) a concessão da liminar sinalizaria ao Executivo possíveis vícios formais ou
materiais da medida provisória questionada, que, se insanáveis, induziriam a não
reedição da MP, ou, caso contrário, provocariam a reedição da MP já com as
devidas modificações; ou ainda, (ii) na hipótese de denegação da liminar, a
reação seria do demandante que, ao vislumbrar o provável insucesso na decisão
de mérito, deixaria de aditar a inicial após a reedição da MP, restando assim
prejudicada a ação, que termina extina sem julgamento de mérito.
O papel das liminares, no entanto, parece perder força a partir de 2002.
Os dados levantados a partir desse ano indicam um considerável aumento do
número de decisões de mérito no STF, e correspondente decréscimo no volume
de decisões liminares (que até então superavam as decisões de mérito). A
hipótese, aqui, também na linha de outras pesquisas realizada sobre o assunto, é
a de que o tribunal estaria fazendo uso extensivo do artigo 12, da Lei nº
9.868/99 (Lei da ADI), que permite a conversão do julgamento da liminar em
julgamento de mérito, o que, na prática, parece ter acabado com os julgamentos
de liminar (cf. item V.2.3, supra).
Como visto, poucas são as ações que tiveram algum tipo de resposta do
tribunal, o que fez com que a pesquisa se concentrasse também na produção de
dados sobre aquilo que “ficou pelo caminho”. A maior parte das ações extintas
sem julgamento de mérito o foram em razão da perda de objeto (56%), bem
como da ilegitimidade ativa ad causam (22%). O principal motivo que leva o STF
a extinguir a ação por perda de objeto é o fato de que o dispositivo impugnado
deixou de vigorar, o que pode ser explicado por uma espécie de recuo do Poder-
autor do ato questionado. O segundo motivo mais recorrente para a extinção da
ação sem julgamento do mérito é a falta de aditamento da inicial, o que muitas
vezes pode ser atribuído exclusivamente ao demandante. Aqui, a situação parece
ser a de uma espécie de desistência tácita do demandante, ante a reedição do
ato impugnado, o que implicaria que a petição inicial deveria ser emendada para
inclusão do novo ato “reeditado”, sob pena de extinção. Essas duas situações,
conforme descrito no parágrafo acima muito provavelmente têm relação com os

200
casos envolvendo medidas provisórias nos quais há concessão ou denegação da
liminar pedida (cf. V.2.6, supra).
Em que pesem as decisões definitivas de mérito, no entanto, a
sinalização do tribunal é de que os demais Poderes têm “errado” relativamente
pouco. Dentre o universo de 877 ações questinando atos do Executivo e 458
impugnando atos do Legislativo federal, poucas são as ações que culminaram
com um julgamento definitivo de mérito. O total de ações sem resposta final
envolvendo atos do Executivo e do Legislativo federais alcança os 94% e 79%,
respectivamente. Ao mesmo tempo, é baixa a quantidade de casos que atingiram
o julgamento final de mérito por parte do tribunal: 6% e 21%, respectivamente.
Além disso, outro resultado que salta aos olhos é que, dentre todas as ações
ajuizadas, em apenas 3% e 11%, houve julgamento de mérito procedente (total
ou parcialmente), com definitiva revisão do ato normativo do Executivo ou
Legislativo federais (cf. item V.2.5, supra).
De um modo geral, esses resultados parecem revelar que o STF tem se
mostrado pouco interventivo no trabalho dos Poderes Executivo e Legislativo
federais, quer porque, ao julgar o mérito, conclui que os demais Poderes
“acertaram” ao editar um ato normativo constitucional; quer porque, por alguma
razão de ordem processual, as demandas são extintas antes mesmo de serem
julgadas pelo tribunal (como parece ser o caso das “ações sem resposta”). Tanto
para ações que questionam atos originários do Legislativo quanto para ações que
questionam atos originários do Executivo, é muito baixo o número de ações que
recebem decisão de mérito do STF, mas isso se acentua neste último grupo de
ações.
Considerando que o Poder Judiciário, ao menos no âmbito do controle
concentrado de constitucionalidade visto de uma perspectiva quantitativa, se
revela pouco interventivo, pois julga inconstitucionais poucos atos normativos, é
possível que a judicialização não possa ser encontrada numericamente, mas,
sim, apenas ao se analisarem a qualidade e o teor de suas decisões. Assim, é
possível conjecturar que a importância do STF no cenário atual não decorre da
quantidade de ações que julga, mas da maneira como decide determinados casos
vinculados a temas relevantes. A construção da “relevância” ou do caráter
paradigmático de um casos pode ser explicada por inúmeros fatores, como a
gravidade do conflito, grupos de interesse envolvidos, atenção da mídia,

201
presença de muitos casos semelhantes, possibilidade de elaboração de novos
parâmetros de interpretação e aplicação do direito para sua solução. Muitos dos
casos do STF mencionados pela literatura como representativos de um fenômeno
de “judicialização da política” apresentam esses fatores, que, como se pode
perceber, conjugam aspectos internos e externos ao próprio Tribunal.
Para investigar essa questão, foi realizada a segunda parte do presente
trabalho. Nessa etapa qualitativa da pesquisa, buscou-se identificar, pela análise
de alguns acórdãos exemplificativos, qual o impacto das decisões do STF nos
demais Poderes constituídos, procurando também investigar como o Tribunal e
os ministros reagem a esse impacto e ao argumento de que sua decisão
representaria uma violação à idéia de separação dos poderes, contida na
Constituição Federal. Aqui, a análise não se limitou apenas às ações de controle
concentrado de constitucionalidade, abrangendo também outros tipos de ações,
como mandados de segurança e recursos extraordiários.
Essa pesquisa exploratória revelou uma multiplicidade de técnicas de
julgamento empregadas pelo tribunal que, ao fugir do binômio ação
procedente/improcedente, viu-se confrontado, em diversas situações, com o
argumento da separação entre poderes, sendo levado a apontar quais os freios e
limites da sua própria atuação enquanto corte constitucional.
Dessa forma, verificou-se que o Tribunal tem inovado constantemente,
criando novas técnicas (tais como a modulação de efeitos, interpretação
conforme, decisão aditiva, julgamento extra-petita etc.) e trabalhando com
procedimentos de maneira criativa. As técnicas de julgamento são determinantes
para se aferir o “nível de interferência” do Tribunal em cada caso, pois, por meio
delas, é possível se alargar ou diminuir a competência da jurisdição
constitucional (cf. item VI.2, supra).
Por fim, a pesquisa investigou figuras processuais que, em tese,
permitiriam uma abertura do STF à sociedade civil, o que, supõe-se, poderia
conferir maior respaldo e legitimidade democrática às suas decisões, que seriam
proferidas após serem ouvidos os setores da sociedade diretamente envolvidos
com a questão constitucional.
Verificou-se, contudo, que esses procedimentos decisórios são aplicados
de maneira pouco equânime, estando muito atrelados ao critério exclusivo do
relator, que possui total prerrogativa para decidir sobre o ingresso de um amicus

202
curiae, ou admissão de um palestrante em audiência pública, por exemplo.
Interessante notar também que o instituto do amicus curiae parece estar se
consolidando, muito embora seu uso pareça apontar para uma espécie de
sobrerrepresentação de alguns atores, sendo utilizado mais como segunda via de
interação com o tribunal dos mesmos atores já legitimados para a propositura de
ações de controle concentrado de constitucionalidade.
De um modo geral, essa segunda parte da análise teve o escopo principal
de apontar para um novo campo de pesquisa em direito. Muito mais do que ser
de algum modo conclusiva, a análise qualitativa levada a cabo pretende indicar
alguns elementos que devem compor a agenda de pesquisas futuras sobre o
tema da “judicialização da política”, ao menos do ponto de vista do controle de
constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal, seja analisando a
forma de construção argumentativa do tribunal, seja em relação aos mecanismos
de interação do tribunal com outros poderes ou com a sociedade civil.
A análise qualitiva e crítica do próprio processo decisório do STF tem por
objetivo alimentar um debate teórico sobre a legitimação do tribunal, quando
decide casos normalmente considerados pela literatura ou pelo senso comum
como sendo exemplificativos de um fenômeno de “judicialização da política”. Por
detrás do estudo da “judicialização da política” está um debate mais fundamental
sobre a legitimidade democrática do controle judicial da produção normativa de
poderes democraticamente eleitos. E para inserir-se nesse debate, é preciso ir
além da discussão no plano dos princípios sobre “separação dos poderes” e
iniciar uma agenda de pesquisa empírica sobre desenho institucional, processo
decisório e argumentação do tribunal. Pesquisas sob este enfoque poderão
revelar as escolhas institucionais que estão sendo feitas ou que ainda serão
feitas acerca do limite de competência entre os poderes e sua interação com a
sociedade civil.

203
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