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REFLEXÕES SOBRE AS CONSEQÜÊNCIAS DA IMPLANTAÇÃO DO PÓLO

INDUSTRIAL E DE SERVIÇOS EM ANCHIETA-ES SOBRE A CULTURA LOCAL

Adilson Pereira de Oliveira Junior1


Andrea Curtiss Alvarenga2

Introdução

Desde 2006, quando foi publicado o Plano de Desenvolvimento ES 2025 prevendo a


instalação de pólos industriais e empresariais fora da Região Metropolitana da Grande Vitória
(essencialmente em Aracruz e Anchieta), vêm ganhando amplitude as notícias apontando
grandes investimentos na região de Anchieta. Em final de 2007, a Baosteel e a Companhia
Vale do Rio Doce (CVRD) anunciaram um projeto siderúrgico em conjunto, a Companhia
Siderúrgica de Vitória (CSV), estimando um investimento total de U$ 5,5 bilhões na sua
construção. No mesmo ano foi anunciada a descoberta de petróleo na camada de pré-sal do
litoral brasileiro desde o Espírito Santo até Santa Catarina, o que mais que dobrou as reservas
de petróleo brasileiras comprovadas. O Espírito Santo, por já ter uma estrutura logística
privilegiada, está sendo priorizado pelo governo federal e o Pólo de Anchieta deverá receber
investimentos consideráveis no intuito de estruturar a instalação das atividades de petróleo e
gás. Ainda em 2008, foi inaugurada a terceira usina da Samarco Mineração, empresa instalada
na região desde a década de 1970 e que pretende ampliar ainda mais sua produção nos
próximos anos com a instalação de mais duas usinas.

Apesar de, no final de 2008, o governo estadual ter dado sinal negativo para instalação da
CSV, alegando problemas ambientais (o que será detalhado mais a frente), é fato que há
interesse tanto do empresariado, como do governo federal e, principalmente, do estadual em
canalizar investimentos para essa região. No entanto, os impactos socioambientais que tais
investimentos trarão para região merecem algumas considerações no intuito refletir sobre
como um processo de desenvolvimento econômico repentino pode descaracterizar um lugar e
a cultura daqueles que o habitam. No Espírito Santo, desde a década de 1960, os sucessivos
governos estaduais optaram por essa via de crescimento, o que trouxe, além dessa
conseqüência, uma extrema dependência do mercado externo, devido ao seu parque industrial
ser pouco diversificado, centrado na produção e exportação de commodities, ter baixo
encadeamento intersetorial e trabalhar com baixa tecnologia e pouca capacidade inovativa.

1
Arquiteto-Urbanista graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (2004). Mestre em Geografia pela
Universidade Federal Fluminense (2008).
2
Arquiteta-Urbanista graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais (1988). Mestre em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (2010). Especialista em Ciências Humanas e
Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Espírito Santo (2005).
Breve histórico da Ocupação

Fundada em 1579 pelo padre José de Anchieta, o antigo povoado de Reritigba ou Iriritiba,
hoje Anchieta, esta localizada à foz do Rio Benevente, na costa sul do Estado do Espírito
Santo. Em 1759, o povoado foi elevado à categoria de vila, passando a se denominar
Benevente. Ainda em 1761, tal vila passou a distrito sede do município de Benevente. Apesar
de, já em 1887, uma lei provincial ter mudado o nome do município para Anchieta, apenas em
1921 uma lei estadual confirmou a mudança de nome da municipalidade (IBGE, 2009).

Anchieta dista da capital, Vitória, aproximadamente 71 km e tem uma área territorial de 405
km². Faz divisa com os municípios de Guarapari e Alfredo Chaves ao norte, Piúma e Oceano
Atlântico ao sul, Oceano Atlântico a leste, Iconha e Alfredo Chaves a oeste. A atual divisão
político-administrativa de Anchieta é representada pelos distritos de Anchieta (sede),
Jabaquara, Iriri e Alto Pongal, e várias localidades rurais.

Até a década de 1970, o município era basicamente rural, tendo no setor primário (agricultura,
pecuária e pesca) as atividades predominantes.

No entanto, em 1977 entra em operação a primeira fábrica da Samarco Mineração, empresa


que explora o minério itabirítico em Mina Gerais e transporta por minerioduto até Anchieta,
onde o processa e exporta pelo porto de Ubú. A segunda fábrica é inaugurada em 1997 e a
terceira em 2008. Atualmente, a capacidade de produção anual da Samarco é de 12 milhões de
toneladas de pelotas de minério de ferro e 1 milhão de toneladas de finos. Seu terminal
marítimo em Ubú tem capacidade de embarcar até 20 milhões de toneladas de minério de
ferro por ano em navios de até 180 mil toneladas.

Entretanto, a Samarco atua como um enclave na região. Suas atividades não geraram um
encadeamento com outros setores industriais. Das 863 pessoas empregadas do setor industrial
em 2000, 70% provinha diretamente dos postos de trabalho gerados pela empresa. Os demais
provinham principalmente da empresas de alimentos, que representavam 31% das plantas
industriais em 2000 (IJSN, 2000a). Todavia, esses 609 empregos gerados são insignificantes
se considerarmos os impactos sócio-ambientais que a atividade mineradora causa na região.
Segundo o próprio governo do estado do Espírito Santo, argumentando sobre o veto à
instalação em Anchieta da CSV, depois de três décadas de atividades da Samarco Mineração,
as condições hídrica e atmosférica da região já estão no limite da capacidade estabelecida
pelos órgãos ambientais (Impacto Ambiental Veta Baosteel em Anchieta, 2008).
Configuração Atual de Anchieta

Mesmo hoje, é significativa a população que tem nas atividades do setor primário sua fonte de
renda. Segundo estudo do Instituto Jones do Santos Neves, boa parte da economia local é
baseada na agricultura familiar, caracterizada pela diversidade de cultivos e técnicas de
plantio devido à grande variação de seu relevo (IJSN, 2000a). Destaca-se o cultivo de banana,
café e coco, em sua região de “meia encosta”, de feijão, arroz e milho na região de várzea e de
látex, na região de chapada. Deve-se mencionar ainda como atividades significativas a
produção de mandioca e a criação de gado, tanto para corte como para leite.

Ainda no setor primário, cabe destaque para atividade pesqueira, que envolve cerca de 600
famílias e 1250 profissionais, produzindo anualmente cerca de 2800 toneladas de pescado. A
atividade pesqueira ajuda a movimentar a economia da cidade. Essa atividade é realizada no
litoral do município ou em alto mar, no arquipélago de Abrolhos, cujo investimento pode ser
considerado um sucesso devido, em grande parte, à formação de parcerias e cooperativas
entre os pescadores da região. Essas cooperativas desenvolvem atividades de beneficiamento
dos produtos e cursos de artesanato.

Pode-se destacar também a presença de pequenas comunidades que sobrevivem da coleta do


caranguejo nos manguezais. Para essas, a preservação desse ecossistema é vista como a
manutenção de seu próprio grupo. Na maricultura se sobressai ainda a coleta de mexilhões,
que tem um crescimento mais rápido que em outras regiões do estado e é feita nas
proximidades da costa do município (IJSN, 2000b).

A praia de Guanabara, localizada entre a praia de Castelhano e o vilarejo de Parati, é mais


deserta e, nela acontece anualmente a desova das tartarugas marinhas de espécie caretta-
caretta. Por esta característica é um local de preservação e possui a assistência ambiental do
Projeto Tamar.

A atividade turística apesar de movimentar a economia local, é desenvolvida em época de


temporada de férias. O turismo, em toda região litorânea sul, é considerada uma atividade
esporádica e intensa nos períodos de sua ocorrência, fazendo com que a população local na
alta temporada se volte para atender a essa demanda, que é considerada pelos próprios
moradores como o trabalho anual, principalmente para aqueles que estão desempregados.

Deve-se mencionar também, a informalidade de boa parte dos estabelecimentos comerciais


que atendem a esse nicho, tendo em vista o fato de esse comércio funcionar esporadicamente,
em sua maioria, muitos operando com licença temporária da prefeitura, sem registro anual de
pessoa jurídica.

O IDH do município é de 0,785, o terceiro melhor da região, sendo classificado pela ONU
como uma cidade de médio desenvolvimento humano. Apesar de deter o maior PIB per capita
da região, muito acima de todos os outros municípios do litoral sul, esse dado mascara o fato
de grande parte do valor produzido ser vinculado às atividades da Samarco Mineração.

Anchieta enquanto Pólo

Fazendo uma pequena análise da criação do Plano de Desenvolvimento- Espírito Santo 2025,
percebemos que as propostas deste apontam para a re-estruturação econômica estadual que
englobará toda região metropolitana e principalmente as cidades pólo, Aracruz e Anchieta.
Estas cidades abrigarão os pólos industriais e empresariais promovendo a descentralização
industrial e de capital, contando com a vantagem de possuírem já portos marítimos, porta de
entrada à economia global.

Toda lógica do plano estratégico de descentralizar (criando centralidades regionais) e


potencializar as diferentes regiões do Estado obedece à “cartilha” da economia neoliberal, que
como aponta Sassen (1998), traz consigo o surgimento da cultura global, a alteração da
realidade socioeconômica e política do Estado-Nação, transformando as cidades em “regiões
transnacionais”. O Pólo Industrial e de Serviços de Anchieta, conforme o Plano de
Desenvolvimento Espírito Santo 2025, contará com:

 a expansão do setor petrolífero, com a construção do Terminal de Apoio Offshore


(petróleo e gás) e o ramal do gasoduto que cortará o território municipal;
 a ampliação do parque de pelotização no setor minero- siderúrgico da Samarco;
 a ampliação do parque logístico do Porto de Ubú e com a instalação da Ferrovia
Litorânea, que passará por Anchieta e terá um ramal que ligue até o Porto de Ubú;
 o complexo metalmecânico;
 um centro de prestação de serviços
 uma termoelétrica.3

Veiculado pela imprensa local, espera-se que a área de ocupação destes novos
empreendimentos seja três vezes maior que a área do Centro Empresarial Metropolitano da

3
Informação obtida no site: http://www.sedes.es.gov.br/default.asp?arq=polo_anchieta
Grande Vitória, Civit4, no município da Serra, e para isso, segundo a imprensa local (Área do
Pólo de Anchieta Será Desapropriada, 2008), o Estado desapropriará uma área aproximada de
2,52 mil hectares. Conforme aponta Santos, a globalização econômica tem como principais
características:

“• a transformação dos territórios nacionais em espaços nacionais da economia


internacional;
• a exacerbação das especializações produtivas no nível do espaço;
• a aceleração de todas as formas de circulação e seu papel crescente na regulação
das atividades localizadas, com o fortalecimento da divisão territorial e da divisão
social do trabalho e a dependência deste em relação às formas espaciais e às normas
sociais (jurídicas e outras) em todos os escalões;
• a produtividade espacial como dado na escolha das localizações;
• o recorte horizontal e vertical dos territórios;
• o papel da organização e o dos processos de regulação na constituição das regiões;
• a tensão crescente entre localidade e globalidade à proporção que avança o
processo de globalização”. (SANTOS, 1994, 24)
O Governo do Estado ao elaborar o Plano de Desenvolvimento- Espírito Santo 2025 teve, e
tem como objetivo colocar o Espírito Santo em igualdade de competitividade com os outros
estados mais desenvolvidos economicamente do sudeste brasileiro. Tendo em vista a
localização privilegiada – ser um estado costeiro, geograficamente bem localizado e na região
mais rica do país – as proposta visam incrementar e reestruturar as áreas portuárias já
existentes, tendo em vista que os portos são portas de entrada da economia global. O Plano
Estratégico tem como objetivo grandes investimentos em infra-estruturas e tecnologia, usando
para isso incentivos fiscais e desapropriando áreas para implantação de plantas industriais
próximos aos portos de Aracruz e de Anchieta.

“O Pólo Industrial e de Serviços de Anchieta foi pensado no sentido de oferecer um


ambiente favorável à instalação de indústrias, empresas fornecedoras de insumos,
matérias-primas, bem como de serviços correlatos e de apoio, constituindo-se em
uma ambiente de dinamismo e de atração de novos investimentos. Além disso,
detém em seu escopo o objetivo de oferecer condições para manutenção da sinergia
entre as empresas instaladas, a fim de possibilitar a criação de vantagens
competitivas e de valor econômico das atividades desenvolvidas no seu interior.”
(AVALIAÇÃO AMBIENTAL ESTRATÉGICA. PÓLO INDUSTRIAL E DE
SERVIÇO DE ANCHIETA- ES, 2008, p.24)
Como parte importante da escala global da economia, as redes produtivas dependem cada vez
mais do transporte marítimo que é responsável pela maioria dos fluxos de bens materiais entre
os continentes, associando-se também a outros tipos de modais. Portanto, a ampliação do
Porto de Ubú é fundamental como estratégia do referido plano, assim como a reestruturação
das rodovias, mais especificamente a ES 060, ou Rodovia do Sol, a ES 147, que liga o Porto
de Ubú à BR 101, e a própria BR 101, além da Ferrovia Litorânea, como modal viário para
4
O Centro Empresarial Metropolitano da Grande Vitória (Civit) localiza-se no Planalto de Carapina-Serra, numa
área de 6.650.250 m², com toda infra-estrutura necessária à implantação de empreendimentos comerciais e
industriais. Disponível em: http://www.geocities.com/carapinaonline/civit.html Acessado em: 29/09/2008
cargas, também projetada. Esta ferrovia tem seu traçado paralelo à BR 101, partindo desde o
Município de Cachoeiro de Itapemirim e finalizando no Município de Cariacica, sendo que na
altura do Município de Anchieta tem uma alça que liga ao Porto de Ubú.

Conseqüências para a cidade

Há tempos Anchieta já vem sofrendo impactos na sua cultura e em seu patrimônio. Segundo
Mattos (2006), com a implantação da Siderúrgica Samarco e a construção do Porto de Ubú, na
década de 70, grande parte dos trabalhadores que vieram para suas construções se fixou na
cidade o que, além do crescimento do turismo predatório, trouxe como conseqüência o desvio
das atividades que eram as principais fontes de renda e que formava a identidade cultural da
comunidade local. Mattos afirma:

Anchieta passou a viver outros tempos, o que vive hoje. Esse tempo da
contemporaneidade tem sido um tempo marcado pela aceleração do crescimento
urbano e por mais velamento de memória da cidade. [...] Além do mais, uma das
maiores fontes de recursos da cidade que estava ligada ao sistema sociocultural da
atividade pesqueira perde a sua importância central. A atividade pesqueira passou a
ser explorada de forma capitalista, e os pescadores artesanais ficaram, praticamente,
impossibilitados de desenvolver suas atividades. (Mattos, 2006, pp 71-72)
O desenvolvimento econômico da época, não teve nenhuma preocupação com o conjunto
simbólico e o patrimônio cultural e ambiental da cidade. Mattos mostra sua preocupação com
uma nova descaracterização da cultura local com a implantação das propostas do Plano de
Desenvolvimento Espírito Santo 2025, e as conseqüências que certamente trarão à Anchieta.

Os planos estratégicos foram difundidos no Brasil e na América Latina no final do século XX


entrada no XXI pelo BID-HABITAT (Banco Interamericano de Desenvolvimento) trazendo
consultores internacionais para suas elaborações. Cabe lembrar que os anos 90 representaram
o auge da economia neoliberal que teve como base o “conceito técnico do planejamento
empresarial” (HARVEY, 1992), programas importados das gestões de empresas americanas e
agora assumidos pelos poderes públicos na gestão das cidades.

A partir dos planos estratégicos, as cidades passam a ser vistas, analisadas e planejadas como
“cidade empresa” (VAINER, 2000). Para Vainer, a nova geração de urbanista (terceira
geração, como afirma Arantes, 2000) tem como preocupação sobre as novas questões urbanas,
capacitar as cidades para a competividade urbana. Competir pela aplicação de investimentos
de capital, tecnologia e competência empresarial, transformar a “cidade em mercadoria, em
uma empresa, em pátria.” (VAINER, 2000). As “novas cidades”, fruto dos Planejamentos
Estratégicos, são espaços destituídos de identidade política, são lugares de gestão, ágeis,
competitivas e flexíveis a favor da economia mundializada. A Cidade Mercadoria é um
“objeto de luxo”, e seus gestores, se transformaram em “vendedores ambulantes” que visam
promover a cidade ao mercado exterior, utilizando para isso de imagens fortes e positivas do
município, como facilidade de acesso da cidade às cidades européias por diferentes modais
(aéreo e marítimo), recursos de telecomunicação, infra-estrutura urbana, localização, energia,
custo de vida, qualidade cultural, entre outros. Assim os planos estratégicos elaboram
projetos, manipulam imagens, e a nova cidade ganha nova identidade, a cidade passa a ser
uma “empresa”. (Vainer, 2000, p.83)

É certo que a identidade não é algo estanque, parado no tempo. Está em contínua
transformação. Mas essa transformação não é unívoca, ou seja, se há a cidade empresarial
planejada pelos urbanistas do século XXI, existe aquela que r-existe (Porto Gonçalves, 2001),
e insiste em permanecer, mudando segundo suas próprias demandas, no seu próprio ritmo. A
identidade possui, deste modo, uma dimensão conflitiva, porém é essencial como ponto de
referência para os grupos sociais, já que une na diversidade e permanece na mudança. Não se
trata, portanto, de um “cosmo fechado”, mas de uma “ordem plástica de regulação do
sujeito” (TARDE, Gabriel apud SODRÉ)

A identidade cultural é um processo contínuo, e está apoiada num passado com um ideal
coletivo projetado. Ela se fixa como uma construção social estabelecida e faz os indivíduos se
sentirem mais próximos e semelhantes. Essa identificação coletiva caracteriza um grupo que
vive em determinada época e em um mesmo lugar ou território. Quando um plano estratégico
projeta uma ação no território sem consultar a população local e sem que essa projeção
considere a cultura dos que aí vivem, há uma quebra no processo histórico que tende a
comprometer a continuidade das ações cotidianas e a desviá-las segundo os interesses
daqueles que, alheios à realidade local, projetaram o plano.

O território é o espaço demarcado e apropriado por uma coletividade que pode assumir
múltiplas formas e determinações, mas é intimamente ligado à relação de poder.

“Criar um território é se apropriar, material e simbolicamente, das diversas


dimensões da vida. O Estado e as instituições tendem sempre a manter territórios
como forma de poder e controle. Toda territorialização é uma significação do
território (político, econômico, simbólico, subjetivo) e toda desterritorialização, re-
significação, formas de combate à inscrição da vida em um “terroir”, linhas de
fuga”. (LEMOS, 2005)
Os planos estratégicos, em geral (e o ES 2025, em particular), territorializam os interesses de
uma minoria externa à realidade local subjugando as demais territorialidades e isso se dá, a
princípio, a partir das formas de representação do território “em disputa”. Na verdade,
representar um espaço já é territorializá-lo:
“Construído a partir do espaço, o território se apresenta à análise como o resultado
de ações em curso ou já chegado ao término, ações conduzidas, qualquer que seja a
escala retida, pelos atores realizando um projeto. “Ao se apropriar concretamente ou
abstratamente (por exemplo, para a representação) um espaço, o ator „territorializa‟
o espaço" (Raffestin, 1980). A definição que se tem do conceito de territorialização
implica, de fato, que processos de territorialização e representação vão sempre
juntos” (Gumuchian, 1991, p. 59, tradução minha).
A primeira maneira de mudar a representação de um espaço é caricaturizar as que antes
existiam, rebaixando-as como atrasadas, e embutir “novas” representações, tidas como
“modernas”. Muitas dos sujeitos cujas territorialidades são subjugadas nesse processo tentam
resistir e se apresentar enquanto possibilidades divergentes. A desterritorialização pode
ocorrer tanto pela expulsão de determinada parcela da população de seu território como pela
descaracterização deste. Pode ser, nesse sentido, tanto um processo “simbólico, com a
destruição de símbolos, marcos históricos, identidades, quanto concreto, material - político
e/ou econômico, pela destruição de antigos laços/fronteiras econômico-políticas de
integração”.(Haesbaert 1995, p.181)

A cidade passa, assim, por transformações de ordem física, social, econômica e cultural.
Como fruto de um processo coletivo, as cidades têm suas particularidades formadas pela sua
própria história e as relações humanas que ali se desenvolveram. Carlos (2001.p.57) afirma
que a “dimensão histórica é fundamental para a compreensão da natureza da cidade”.

“O indivíduo, seja ele o mais genial dos urbanistas arquitetos ou o mais ardente
defensor da natureza e dos jardins é incapaz de criar uma forma. A forma urbana é o
resultado de um trabalho coletivo de gerações. A cidade não é um „espaço
arquitetônico‟, mas um texto a tornar visível e a decifrar, pois os mortos pesam
sobre a vida dos vivos pela existência dos lugares onde viveram e que permanecem
como memória da passagem deles e entulho para os vivos. A cidade é a conjunção
intrínseca entre sua forma e o conjunto de sua história”. (Dollé [2001?])
É importante ressaltar que historicamente as ações de intervenção no espaço urbano muitas
vezes estão voltadas para a dominação política das elites, causando a segregação sócio-
espacial, transformando as cidades modernas em palcos vivos da exclusão e a discriminação
sócio-econômica e cultural.

Os efeitos das mudanças já são discutidos pela população antes mesmo da conclusão do pólo.
Para a ampliação da terceira usina da Samarco Mineração foram feitas audiências públicas
que buscavam chegar a um consenso entre moradores e empresa de como seria o processo de
implantação da empresa e a minimização dos impactos:

“Ônibus cheios de trabalhadores chegavam diariamente na região. Não sabemos se


eles foram “contatados” nos seus locais de origem mas supomos que muitos deles,
sim. Eles iam direto para as empreiteiras, e só depois aos Sines locais, ao contrário
do que havia sido afirmado nas audiências públicas e descumprindo também o
disposto nas condicionantes para a priorização da mão-de-obra local e mobilização e
desmobilização de trabalhadores.
Antes, nas audiências públicas, a Samarco, indagada sobre as questões de
zoneamento e o perigo de tudo se tornar área industrial alegou que não seria
necessária a construção de alojamentos para trabalhadores de fora em área
compatível (industrial) pois quase todos os trabalhadores seriam da região e apenas
a mão-de-obra qualificada, não disponível na área, seria de fora e se diluiria
facilmente nas pousadas, sem maior impacto”. (Fórum das Entidades Civis
Organizadas do Litoral Sul do ES, 2009)

Os alojamentos de trabalhadores instalados nas áreas turísticas do município (retirados


posteriormente por determinação do IEMA), e as conseqüências advindas do aumento
populacional repentino (desorganização dos sistemas de saúde e transporte, aumento da
violência e da prostituição, etc.) trouxeram impactos no dia-a-dia da cidade.

Bem conhecidos são os impactos oriundos do desenvolvimento econômico acelerado. Com


eles ocorrem aumentos descontrolados nas malhas urbanas em todos seus aspectos; criam-se
espaços desordenados e irregulares nos diferentes municípios do país, formados a partir,
principalmente, da migração em procura por emprego.

Santos a (1986) afirma que o sujeito pós-moderno perdeu o senso de continuidade histórica,
importando o “aqui e agora”, descartando o passado e o futuro. Vivem-se todos os problemas
do momento, do mundo atual, das guerras e das crises econômicas, mas fora do contexto
histórico, sem uma visão historicista. O que importa é o momento, o hoje, o presente. Como a
identidade esta ligada a um passado, a uma história, esta passa a ser efêmera e passageira.

Assim, boa parte da população do município tem apoiado as mudanças em andamento e as


propostas pelos planos expostos, numa “fabricação de consenso em torno do crescimento a
qualquer preço” (ARANTES, 2000, p.27) acreditando na criação de inúmeros empregos. Mas
sabe-se que com o grande avanço da tecnologia, a grande maioria da população de Anchieta
não será incluída nas vagas de emprego que possam a ser criadas, pois não possuem a
capacitação tecnológica para os cargos. Como no caso da terceira usina da Samarco (Fórum
das Entidades Civis Organizadas do Litoral Sul do ES, 2009), sabe-se que nem mesmo no
processo de construção das grandes indústrias, a mão-de-obra local tem sido aproveitada.

Por outro lado, a especulação imobiliária têm se exacerbado no município, com a


hipervalorização não ao alcance financeiro dos moradores locais, o crescimento nas vendas do
comércio local e a chegada de pequenas e médias empresas para a prestação de serviços
especializados. Em alguns casos, o preço do terreno chegou a triplicar em dois anos (Cresce
Procura por Imóvel, 2007). Conforme divulgado pela imprensa local, está se prevendo uma
explosão demográfica em Anchieta, com um aumento populacional de mais de 100% nos
próximos dois anos, chegando a aproximadamente 100 mil habitantes nos próximos oito anos.
(Megacidade Substituirá Vila num Piscar de Olhos, 2006). Os impactos dos processos globais
trazem transformações radicais na estrutura social das próprias cidades, alterando a
organização do trabalho, a distribuição de ganhos, a estrutura de consumo, criando novos
padrões de desigualdade social e urbana (SASSEN,1998).

Mesmo após a elaboração do PDM em Anchieta, assistimos a implantação de loteamentos


clandestinos e ilegais, não só loteamentos de baixa renda como são costumeiros no nosso país,
mas o que já esta se fazendo regra, a implantação de condomínios de alto luxo em áreas
costeiras, privatizando (ilegalmente) o uso de praias. No caso de Anchieta, estes condomínios,
voltados para usuários de altíssimo poder aquisitivo, funcionários do alto escalão das futuras
empresas que ali serão instaladas, têm surgido principalmente na estrada beira mar entre a
sede municipal e o balneário de Irirí. São áreas fechadas, vigiadas 24 horas por porteiros, com
infra-estrutura de ponta em relação a segurança, lazer e equipamentos urbanos, lotes com
áreas generosas e, em geral com vistas privilegiadas, sem contar com as praias “privativas”.

Mesmo com a proposta do Governo de Estado de colocar Anchieta em patamar social


equivalente a cidades européias, e mesmo sabendo que os investimentos estarão, também,
dirigidos para as áreas de educação, saúde, cultura e logística, as relações econômicas do
capital global é outra. Não haverá trabalho, nem moradia para população local, que será, aos
poucos, expulsa de seu território, de suas relações de trabalho para dar lugar à outras relações
com o território. Já assistimos em outras cidades as conseqüências e os impactos de um
processo rápido de urbanização e industrialização podem causar em um centro urbano. Casos
semelhantes aos da criação do Pólo Industrial e de Serviço de Anchieta podem ser vistos em
Macaé e Campos, no Estado do Rio de Janeiro, que vivem a dinâmica econômica da
Petrobrás, o crescimento acelerado de suas malhas urbanas, a exclusão de grande parte da
população nos empregos criados, dando lugar a bolsões de pobreza nos seus municípios.

Anchieta vive a criação de novas territorialidades, deixando de ser uma cidade pacata e com
ares de “cidade de interior”, para se transformar em mais um centro urbano de porte médio.
Condomínios fechados vão sendo implantados, e o processo de urbanização, mais uma vez,
será marcado pela heterogeneidade da ocupação das regiões periféricas e os recursos públicos
canalizados, prioritariamente, em direção ao desenvolvimento da parte rica da cidade. Neste
processo, tão contraditório, grande parte dos moradores das periferias pobres tendem a ser
levados à exclusão dos direitos sociais básicos, ao trabalho, à saúde e à educação de
qualidade, assim como o direito à moradia digna, equipamentos públicos e infra-estrutura
urbana, o que significará, na prática, um aumento do déficit de cidadania e de
governabilidade.

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