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Introdução
Apesar de, no final de 2008, o governo estadual ter dado sinal negativo para instalação da
CSV, alegando problemas ambientais (o que será detalhado mais a frente), é fato que há
interesse tanto do empresariado, como do governo federal e, principalmente, do estadual em
canalizar investimentos para essa região. No entanto, os impactos socioambientais que tais
investimentos trarão para região merecem algumas considerações no intuito refletir sobre
como um processo de desenvolvimento econômico repentino pode descaracterizar um lugar e
a cultura daqueles que o habitam. No Espírito Santo, desde a década de 1960, os sucessivos
governos estaduais optaram por essa via de crescimento, o que trouxe, além dessa
conseqüência, uma extrema dependência do mercado externo, devido ao seu parque industrial
ser pouco diversificado, centrado na produção e exportação de commodities, ter baixo
encadeamento intersetorial e trabalhar com baixa tecnologia e pouca capacidade inovativa.
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Arquiteto-Urbanista graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (2004). Mestre em Geografia pela
Universidade Federal Fluminense (2008).
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Arquiteta-Urbanista graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais (1988). Mestre em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (2010). Especialista em Ciências Humanas e
Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Espírito Santo (2005).
Breve histórico da Ocupação
Fundada em 1579 pelo padre José de Anchieta, o antigo povoado de Reritigba ou Iriritiba,
hoje Anchieta, esta localizada à foz do Rio Benevente, na costa sul do Estado do Espírito
Santo. Em 1759, o povoado foi elevado à categoria de vila, passando a se denominar
Benevente. Ainda em 1761, tal vila passou a distrito sede do município de Benevente. Apesar
de, já em 1887, uma lei provincial ter mudado o nome do município para Anchieta, apenas em
1921 uma lei estadual confirmou a mudança de nome da municipalidade (IBGE, 2009).
Anchieta dista da capital, Vitória, aproximadamente 71 km e tem uma área territorial de 405
km². Faz divisa com os municípios de Guarapari e Alfredo Chaves ao norte, Piúma e Oceano
Atlântico ao sul, Oceano Atlântico a leste, Iconha e Alfredo Chaves a oeste. A atual divisão
político-administrativa de Anchieta é representada pelos distritos de Anchieta (sede),
Jabaquara, Iriri e Alto Pongal, e várias localidades rurais.
Até a década de 1970, o município era basicamente rural, tendo no setor primário (agricultura,
pecuária e pesca) as atividades predominantes.
Entretanto, a Samarco atua como um enclave na região. Suas atividades não geraram um
encadeamento com outros setores industriais. Das 863 pessoas empregadas do setor industrial
em 2000, 70% provinha diretamente dos postos de trabalho gerados pela empresa. Os demais
provinham principalmente da empresas de alimentos, que representavam 31% das plantas
industriais em 2000 (IJSN, 2000a). Todavia, esses 609 empregos gerados são insignificantes
se considerarmos os impactos sócio-ambientais que a atividade mineradora causa na região.
Segundo o próprio governo do estado do Espírito Santo, argumentando sobre o veto à
instalação em Anchieta da CSV, depois de três décadas de atividades da Samarco Mineração,
as condições hídrica e atmosférica da região já estão no limite da capacidade estabelecida
pelos órgãos ambientais (Impacto Ambiental Veta Baosteel em Anchieta, 2008).
Configuração Atual de Anchieta
Mesmo hoje, é significativa a população que tem nas atividades do setor primário sua fonte de
renda. Segundo estudo do Instituto Jones do Santos Neves, boa parte da economia local é
baseada na agricultura familiar, caracterizada pela diversidade de cultivos e técnicas de
plantio devido à grande variação de seu relevo (IJSN, 2000a). Destaca-se o cultivo de banana,
café e coco, em sua região de “meia encosta”, de feijão, arroz e milho na região de várzea e de
látex, na região de chapada. Deve-se mencionar ainda como atividades significativas a
produção de mandioca e a criação de gado, tanto para corte como para leite.
Ainda no setor primário, cabe destaque para atividade pesqueira, que envolve cerca de 600
famílias e 1250 profissionais, produzindo anualmente cerca de 2800 toneladas de pescado. A
atividade pesqueira ajuda a movimentar a economia da cidade. Essa atividade é realizada no
litoral do município ou em alto mar, no arquipélago de Abrolhos, cujo investimento pode ser
considerado um sucesso devido, em grande parte, à formação de parcerias e cooperativas
entre os pescadores da região. Essas cooperativas desenvolvem atividades de beneficiamento
dos produtos e cursos de artesanato.
O IDH do município é de 0,785, o terceiro melhor da região, sendo classificado pela ONU
como uma cidade de médio desenvolvimento humano. Apesar de deter o maior PIB per capita
da região, muito acima de todos os outros municípios do litoral sul, esse dado mascara o fato
de grande parte do valor produzido ser vinculado às atividades da Samarco Mineração.
Fazendo uma pequena análise da criação do Plano de Desenvolvimento- Espírito Santo 2025,
percebemos que as propostas deste apontam para a re-estruturação econômica estadual que
englobará toda região metropolitana e principalmente as cidades pólo, Aracruz e Anchieta.
Estas cidades abrigarão os pólos industriais e empresariais promovendo a descentralização
industrial e de capital, contando com a vantagem de possuírem já portos marítimos, porta de
entrada à economia global.
Veiculado pela imprensa local, espera-se que a área de ocupação destes novos
empreendimentos seja três vezes maior que a área do Centro Empresarial Metropolitano da
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Informação obtida no site: http://www.sedes.es.gov.br/default.asp?arq=polo_anchieta
Grande Vitória, Civit4, no município da Serra, e para isso, segundo a imprensa local (Área do
Pólo de Anchieta Será Desapropriada, 2008), o Estado desapropriará uma área aproximada de
2,52 mil hectares. Conforme aponta Santos, a globalização econômica tem como principais
características:
Há tempos Anchieta já vem sofrendo impactos na sua cultura e em seu patrimônio. Segundo
Mattos (2006), com a implantação da Siderúrgica Samarco e a construção do Porto de Ubú, na
década de 70, grande parte dos trabalhadores que vieram para suas construções se fixou na
cidade o que, além do crescimento do turismo predatório, trouxe como conseqüência o desvio
das atividades que eram as principais fontes de renda e que formava a identidade cultural da
comunidade local. Mattos afirma:
Anchieta passou a viver outros tempos, o que vive hoje. Esse tempo da
contemporaneidade tem sido um tempo marcado pela aceleração do crescimento
urbano e por mais velamento de memória da cidade. [...] Além do mais, uma das
maiores fontes de recursos da cidade que estava ligada ao sistema sociocultural da
atividade pesqueira perde a sua importância central. A atividade pesqueira passou a
ser explorada de forma capitalista, e os pescadores artesanais ficaram, praticamente,
impossibilitados de desenvolver suas atividades. (Mattos, 2006, pp 71-72)
O desenvolvimento econômico da época, não teve nenhuma preocupação com o conjunto
simbólico e o patrimônio cultural e ambiental da cidade. Mattos mostra sua preocupação com
uma nova descaracterização da cultura local com a implantação das propostas do Plano de
Desenvolvimento Espírito Santo 2025, e as conseqüências que certamente trarão à Anchieta.
A partir dos planos estratégicos, as cidades passam a ser vistas, analisadas e planejadas como
“cidade empresa” (VAINER, 2000). Para Vainer, a nova geração de urbanista (terceira
geração, como afirma Arantes, 2000) tem como preocupação sobre as novas questões urbanas,
capacitar as cidades para a competividade urbana. Competir pela aplicação de investimentos
de capital, tecnologia e competência empresarial, transformar a “cidade em mercadoria, em
uma empresa, em pátria.” (VAINER, 2000). As “novas cidades”, fruto dos Planejamentos
Estratégicos, são espaços destituídos de identidade política, são lugares de gestão, ágeis,
competitivas e flexíveis a favor da economia mundializada. A Cidade Mercadoria é um
“objeto de luxo”, e seus gestores, se transformaram em “vendedores ambulantes” que visam
promover a cidade ao mercado exterior, utilizando para isso de imagens fortes e positivas do
município, como facilidade de acesso da cidade às cidades européias por diferentes modais
(aéreo e marítimo), recursos de telecomunicação, infra-estrutura urbana, localização, energia,
custo de vida, qualidade cultural, entre outros. Assim os planos estratégicos elaboram
projetos, manipulam imagens, e a nova cidade ganha nova identidade, a cidade passa a ser
uma “empresa”. (Vainer, 2000, p.83)
É certo que a identidade não é algo estanque, parado no tempo. Está em contínua
transformação. Mas essa transformação não é unívoca, ou seja, se há a cidade empresarial
planejada pelos urbanistas do século XXI, existe aquela que r-existe (Porto Gonçalves, 2001),
e insiste em permanecer, mudando segundo suas próprias demandas, no seu próprio ritmo. A
identidade possui, deste modo, uma dimensão conflitiva, porém é essencial como ponto de
referência para os grupos sociais, já que une na diversidade e permanece na mudança. Não se
trata, portanto, de um “cosmo fechado”, mas de uma “ordem plástica de regulação do
sujeito” (TARDE, Gabriel apud SODRÉ)
A identidade cultural é um processo contínuo, e está apoiada num passado com um ideal
coletivo projetado. Ela se fixa como uma construção social estabelecida e faz os indivíduos se
sentirem mais próximos e semelhantes. Essa identificação coletiva caracteriza um grupo que
vive em determinada época e em um mesmo lugar ou território. Quando um plano estratégico
projeta uma ação no território sem consultar a população local e sem que essa projeção
considere a cultura dos que aí vivem, há uma quebra no processo histórico que tende a
comprometer a continuidade das ações cotidianas e a desviá-las segundo os interesses
daqueles que, alheios à realidade local, projetaram o plano.
O território é o espaço demarcado e apropriado por uma coletividade que pode assumir
múltiplas formas e determinações, mas é intimamente ligado à relação de poder.
A cidade passa, assim, por transformações de ordem física, social, econômica e cultural.
Como fruto de um processo coletivo, as cidades têm suas particularidades formadas pela sua
própria história e as relações humanas que ali se desenvolveram. Carlos (2001.p.57) afirma
que a “dimensão histórica é fundamental para a compreensão da natureza da cidade”.
“O indivíduo, seja ele o mais genial dos urbanistas arquitetos ou o mais ardente
defensor da natureza e dos jardins é incapaz de criar uma forma. A forma urbana é o
resultado de um trabalho coletivo de gerações. A cidade não é um „espaço
arquitetônico‟, mas um texto a tornar visível e a decifrar, pois os mortos pesam
sobre a vida dos vivos pela existência dos lugares onde viveram e que permanecem
como memória da passagem deles e entulho para os vivos. A cidade é a conjunção
intrínseca entre sua forma e o conjunto de sua história”. (Dollé [2001?])
É importante ressaltar que historicamente as ações de intervenção no espaço urbano muitas
vezes estão voltadas para a dominação política das elites, causando a segregação sócio-
espacial, transformando as cidades modernas em palcos vivos da exclusão e a discriminação
sócio-econômica e cultural.
Os efeitos das mudanças já são discutidos pela população antes mesmo da conclusão do pólo.
Para a ampliação da terceira usina da Samarco Mineração foram feitas audiências públicas
que buscavam chegar a um consenso entre moradores e empresa de como seria o processo de
implantação da empresa e a minimização dos impactos:
Santos a (1986) afirma que o sujeito pós-moderno perdeu o senso de continuidade histórica,
importando o “aqui e agora”, descartando o passado e o futuro. Vivem-se todos os problemas
do momento, do mundo atual, das guerras e das crises econômicas, mas fora do contexto
histórico, sem uma visão historicista. O que importa é o momento, o hoje, o presente. Como a
identidade esta ligada a um passado, a uma história, esta passa a ser efêmera e passageira.
Anchieta vive a criação de novas territorialidades, deixando de ser uma cidade pacata e com
ares de “cidade de interior”, para se transformar em mais um centro urbano de porte médio.
Condomínios fechados vão sendo implantados, e o processo de urbanização, mais uma vez,
será marcado pela heterogeneidade da ocupação das regiões periféricas e os recursos públicos
canalizados, prioritariamente, em direção ao desenvolvimento da parte rica da cidade. Neste
processo, tão contraditório, grande parte dos moradores das periferias pobres tendem a ser
levados à exclusão dos direitos sociais básicos, ao trabalho, à saúde e à educação de
qualidade, assim como o direito à moradia digna, equipamentos públicos e infra-estrutura
urbana, o que significará, na prática, um aumento do déficit de cidadania e de
governabilidade.
Referências Bibliográficas