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MÓDULO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Autor: Luiz Carlos Junqueira Maciel/Gilberto Xavier da Silva


Eixo Temático III
A Literatura Brasileira e outras Manifestações Culturais:

INTERTEXTUALIDADE

O presente módulo tem como objetivo geral o reconhecimento e a explicação das relações
intertextuais em diferentes obras da literatura brasileira.

 Os objetivos específicos que o módulo procura atingir levam em conta:

• Tópico 31.0: Relacionar as diferentes concepções de autor de fazer literário a contextos


históricos e literários diferentes;
• Tópico 31.3: Comparar concepções de autor e de fazer literário presentes em textos literários
de uma mesma época ou de época diferentes da história da literatura brasileira;
• Tópicos 39.6; 40.6; 41.6; 42.6; 43.6; 44;6; 45.6; 46.6: Reconhecer e explicar relações
intertextuais entre diferentes obras da literatura brasileira; estabelecer relações
intertextuais entre textos literários e produções culturais de outras áreas (cinema,
televisão, rádio, jornal impresso, artes plásticas, música, etc.).

Intertextualidade

A intertextualidade pode ser entendida como um diálogo entre textos. Segundo Julia
Kristeva, “todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absosrção e
transformação de um outro texto”1.

Na leitura de um livro, acabamos sempre nos deparando com outros livros. Vejamos um
exemplo:

Depois de algum tempo de conversa, ela me pegou pela mão, me levou para a
varanda, disse venha ver o Cruzeiro que a linda Sofia não quis fitar a pedido de Rubião. É
triste mas é muito bonito o final do Quincas Borba, do Machado de Assis. Você se lembra?
Como esquecer, é um belo romance, dos meus preferidos de Machado, disse eu.
(DOURADO, Autran .Confissões de Narciso. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1997, p.133)

1
KRISTEVA, Julia. Introdução à Semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1974. p.72.
Se tomarmos o romance Quincas Borba, de Machado de Assis, a todo momento
tropeçaremos em passagens como esta, com referências a outros livros, no caso, às obras de Álvares
de Azevedo, poeta da segunda geração romântica brasileira, e de Shakespeare, poeta e dramaturgo
inglês (1564-1616):

Nessa noite, Rubião sonhou com Sofia e Maria Benedita. Viu-as num grande
terreiro, apenas vestidas de saia, costas inteiramente despidas; o marido de Sofia,
armado de um azorrague de cinco pontas de couro, rematando em bicos de ferro,
castigava-as despiedadamente. Elas gritavam, pediam misericórdia, torciam-se,
alagadas em sangue, as carnes caíam-lhe aos bocados. Agora, por que razão Sofia
era a Imperatriz Eugênia, e Maria Benedita uma aia sua, é o que não sei dizer com
exatidão. ‘São sonhos, sonhos, Penseroso!’ exclamava um personagem do nosso
Álvares de Azevedo. Mas eu prefiro a reflexão do velho Polonius, acabando de ouvir
uma fala tresloucada de Hamlet: ‘ Desvario embora, lá tem o seu método’.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. 5 ed. São Paulo: Ática, 1982. p. 115)

Os provérbios, os ditos populares sempre são inseridos nos textos, numa forma elementar de
intertextualidade. Em um mesmo dia, em seções diferentes da Folha de S. Paulo, encontramos
quatro provérbios diferentes. Ei-los:

Há uma expressão de que não gosto, mas que é de uso banal e cotidiano: “O
mar não está para peixe.” É a constatação de um tempo adverso.
(Coluna de José Sarney, 11/05/2001)

Zé Cabala, furioso e com o dedo em riste, vociferou:


- Recolha o filhote de equino da perturbação pluviométrica!
Desesperado, o cliente olhou para Gulliver, que traduziu:
- Pode tirar o cavalinho da chuva!
(Coluna de José Roberto Torero, 11/05/2001)

E que nós, jornalistas, comecemos a definir critérios para separar o joio do trigo e
impedir a disseminação dessa praga ( serviço precário da assessoria de imprensa).
(Coluna de Luís Nassif, 11/05/2001)

Como diz a sabedoria popular: aqui se faz, aqui se paga!


(Coluna de Luiz Carlos Mendonça de Barros, 11/05/2001)

No diário de Helena Morley, Minha vida de menina, os provérbios ocorrem com


abundância, como no exemplo abaixo:

Eu ouvia tudo calada. Para encurtar a conversa eu disse: “Não se


incomodem tanto comigo, minhas amigas: lembrem-se do ditado: Casamento e
mortalha no céu se talha.
(MORLEY, Helena. Minha vida de menina. 18ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, l997.)

O procedimento intertextual a partir do provérbio é amplamente usado pelo autor mineiro


Luís Giffoni, em seu romance A árvore dos ossos, como se vê no monólogo interior de uma
personagem:
A esperança é a última que morre. Se demorar muito, a esperança acaba
enterrada pelo desassossego. Entramos num mato sem cachorro. Cova aberta, chuva
incerta. Chuva atrasada, colheita quebrada. Se fugir o bicho pega; se ficar, o bicho
come. O melhor é cavucar sem parar. Quem pára, pensa. Quem pensa, sofre. Quem
gosta de sofrer?
(GIFFONI, Luís. A árvore dos ossos. Belo Horizonte: Pulsar, 1999.)

Silviano Santiago, em seu romance contemporâneo Heranças2 usa e abusa do expediente


intertextual, principalmente no reaproveitamento de provérbios e expressões populares:

Não agüentava mais. Soltei os cachorros. (p.169)

Não é bom misturar alhos com bugalhos, vida comercial e vida pessoal. (p.176)

Pau que nasce torto, até a cinza é torta – dizia Seu Nestor. (p.210)

Em outras passagens desse romance, as referências intertextuais são mais complexas. Se


você já tiver lido um dos mais importantes romances de José de Alencar, Iracema, há de se recordar
da seguinte passagem:

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna,
e mais longos que seu talhe de Palmeira.
(ALENCAR, José de. Iracema. 28 ed. São Paulo Ática, 1995. p. 16)

Em Heranças, lemos, na página 162: Além, muito além do prato de sobremesa... Observa-se
que o escritor retomou o texto de Alencar em forma de paródia. Esse termo, paródia, será explicado
mais adiante. Por enquanto estamos mostrando como que a definição dada no início deste módulo
procede, isto é, que todo texto se constrói a partir de outros textos.
Silviano Santiago, também em Heranças, ora retoma Carlos Drummond de Andrade,
apropriando-se de um trecho do conhecido poema “No meio do caminho”: Há sempre uma pedra
no meio do caminho dos amantes apaixonados (p.201); ora faz citações de obras cinematográficas,
como se lê na página 193, em que o autor refere-se ao filme Os pássaros, de Alfred Hitccock: O
ambiente praieiro é propício ao alvoroço dos gigolôs. Assemelham-se aos pássaros do famoso
filme de Hitchcock. Ora ainda o romancista incorpora trechos de canções brasileiras, como se
constata na página 208:

Silvinha Telles lançava nova canção de Antonio Maria. “Suas mãos”. Sucesso absoluto nas
paradas. (...) Denise e eu escutávamos e admirávamos Silvinha Telles ao vivo:

As suas mãos, onde estão?


Onde está o seu carinho?
Onde está você? (p.208)
2
SANTIAGO, Silviano. Heranças. Rio de Janeiro: Rocco, 2008)
Exercício 1:

O provérbio não aparece como base intertextual em que alternativa?

A) O velho caindo morto/ Aladim correu ligeiro/ Tirou-lhe do bolso a lâmpada/ E disse mui
prazenteiro:/Hoje o feitiço virou/ Por cima do feiticeiro.(Patativa do Assaré)
B) As pessoas valem o que vale a afeição da gente, e é daí que mestre Povo tirou aquele
adágio que quem o feio ama bonito lhe parece. (Machado de Assis)
C) O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços
neurastênicos do litoral. (Euclides da Cunha)
D) Daí, sendo a noite, aos pardos gatos. Outra nossa noite, na rebaixa do engenho, deitados
em couros e esteiras – nem se tinha o espaço de lugar onde rede armar. (Guimarães Rosa)

A resposta é a alternativa C, pois o texto não é inspirado em provérbio, embora se tenha


tornada célebre essa frase de Os sertões, de Euclides da Cunha. O trecho de Guimarães Rosa
inspira-se no ditado “À noite todos os gatos são pardos”. Os outros dois, explorados por Patativa
e Machado são muito conhecidos.
A intertextualidade torna-se mais complexa quando parte de textos menos populares, de
autores eruditos, de mitos remotos. Ela pode ser utilizada através de vários procedimentos, como
veremos a seguir.

 Citação

Em sua forma simples, a citação ocorre ao se inserir o título da obra e seu autor no novo
texto:

Os grandes livros contribuíram para formar o mundo. A Divina Comédia, de


Dante, por exemplo, foi fundamental para a criação da língua e da nação italianas.
Certos personagens e situações literárias oferecem liberdade na interpretação dos
textos, outros se mostram imutáveis e nos ensinam a aceitar o destino.
(ECO, Umberto. In: Folha de S. Paulo, Caderno “Mais”, 18/02/2001)

Verifica-se também que há citação, quando um determinado autor retoma um trecho de obra
alheia, incorporando-o explicitamente ao seu. Esse expediente evidencia-se, no texto escrito, pelo
uso de marcadores como as aspas: é uma transcrição parcial e literal de um outro texto, como se
pode verificar na seguinte passagem do Hino Nacional Brasileiro:
Do que a terra mais garrida
Teus risonhos lindos campos têm flores
“Nossos bosques têm mais vida”
Nossa vida em teu seio mais amores.

Observe que o verso “Nossos bosques têm mais vida” está entre aspas. Isso porque o autor de
nosso hino o apropriou do poema “Canção do exílio”, do poeta romântico Gonçalves Dias.

A citação pode também ocorrer na abertura de um livro ou texto. A esse tipo de expediente
dá-se o nome de epígrafe. Os contos do escritor mineiro Murilo Rubião são precedidos por textos
bíblicos; tais epígrafes indicam, orientam e tematizam as narrativas, geralmente pontuadas por uma
dimensão trágica, como aponta o texto que introduz os contos reunidos em O convidado:

"Ao sobrevir-lhes de repente a angústia, eles buscarão a paz, e não haverá."


Ezequiel, VII, 25.
(RUBIÃO, Murilo. O convidado. 4 ed. São Paulo: Ática, 2000)

A citação, quando excessiva, pode prejudicar o texto. O romancista Autran Dourado tem
uma visão crítica a esse respeito:

Releia os clássicos, ninguém melhor do que os romanos entenderam esta patifaria


que se chama Direito. (...) Se a causa vale pouco, não tem sentido gastar latim. E mais: se
você tem certeza do direito do seu constituinte, seja claro, curto, limpo e objetivo. Se há
alguma dúvida, use o mais possível as citações, Chiovenda, von Jhering, Planiel, Gurvich,
Jellinek e Kelsen, são apropriados. Nossos juízes, embora não os leiam, adoram. Gaste o
latim, de que eles não entendem patavina. Em larga escala se o juiz for burro e ignorante.
Caso contrário, sobretudo se o juiz for culto e inteligente, o que é raríssimo, seja moderado.
Se lembre: inteligente pouca, o que em vernáculo quer mais ou menos dizer: "ao inteligente
poucas palavras (bastam)". (...) O latim e os tratadistas servem mais, além de confundir, é
para aumentar os honorários.
(DOURADO, Autran. Confissões de Narciso. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1997, p.33.)

 Alusão

A alusão é uma forma indireta, incompleta ou subentendida de citação: a referência ao


autor ou texto alheio é feita sutilmente.
Veja, por exemplo, ao longo do romance de Cyro dos Anjos, O amanuense Belmiro3, as
alusões à obra Don Quixote, de Miguel de Cervantes:

Amigo Quixote, todos os cavaleiros andantes já se recolheram e não há mais


dulcinéias. (p.38)

É, afinal, um excelente moço e nenhuma culpa tem de não me ter sido útil na
aventura em que muito me aproximei do herói manchego. (p.66)

3
ANJOS, Cyro dos. O amanuense Belmiro. 8 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.
E o Cavaleiro da Triste Figura se pôs em marcha, pela sua Dulcinéia.(p.124)

 Paráfrase
A paráfrase é uma espécie de interpretação de um texto com palavras próprias,mantido
o pensamento original; ou, ainda, uma intertextualidade que assinala uma semelhança entre o
texto original e o derivado, levando em conta que a diferença, se houver, não é substancial,
mas constitui uma "adaptação" do original.
Veja um exemplo de Cyro dos Anjos, em seu citado romance, onde faz a seguinte
paráfrase de Shakespeare:
Algum político importante deve estar a chegar. Ah! É verdade, o chefe da
Seção pediu-me que comparecesse ao desembarque do Ministro. Ir, ou não ir, eis a
questão. (p.105)

Fernando Sabino, em Amor de Capitu, faz paráfrase de Dom Casmurro, de Machado de


Assis. Se o original é narrado na primeira pessoa, Sabino transformou o relato com o foco narrativo
na terceira pessoa. Vamos propor uma questão sobre dois trechos dessas obras:

Exercício 2:

Texto 1

Tão logo viu José Dias desaparecer no corredor, Bento deixou o esconderijo e correu até a
varanda do fundo. Não quis saber das lágrimas da mãe, por conta da promessa que ela fizera
dezesseis anos antes, quando ele fora concebido.

Texto 2:

Tão depressa vi desaparecer o agregado José Dias no corredor, deixei o esconderijo, e corri à
varanda do fundo. Não quis saber de lágrimas nem das causas que as fazia verter a minha mãe. A
causa eram provavelmente os seus projetos eclesiásticos, e a ocasião destes é a que vou dizer, por
ser já então história velha; datava de dezesseis anos.

Com base nos textos, assinale a afirmação INCORRETA:

A) O texto 1 pertence à recriação de Fernando Sabino e o texto 2 é o original de Machado de Assis.


B) O texto 1, ao omitir a condição de agregado de José Dias, altera profundamente o foco narrativo
do romance.
C) O texto 2 faz referência aos "projetos eclesiásticos" de Dona Glória, isto é, à sua intenção de ver
seu filho padre.
D) De modo geral, o texto recriado por Fernando Sabino busca simplificar a linguagem de
Machado de Assis.
A resposta a ser assinalada é a opção B, pois em nada altera o foco narrativo da obra o fato
de, nesse trecho, não haver referência à condição de José Dias como agregado. Em outros pontos
de sua narrativa, Sabino explicita isso.

 Paródia

Tradicionalmente, a paródia é definida como um escrito que imita uma obra literária, de
forma crítica. É um texto que subverte a mensagem do texto que o inspirou.

Leia o texto de Millôr Fernandes, cujo título já indica a intenção paródica: “Que o Manuel
Bandeira me perdoe, mas... vou-me embora de Pasárgada”, uma vez que o original é “Vou-me
embora pra Pasárgada” (grifo nosso).

Vou-me embora de Pasárgada


Sou inimigo do rei
Não tenho nada que quero
Não tenho e nunca terei
Vou-me embora de Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
A existência é tão dura
As elites tão senis
Que Joana, a louca da Espanha
Ainda é mais coerente
Do que os donos do país.

A gente só faz ginástica


Nos velhos trens da central
Se quer comer todo dia
A polícia baixa o pau
E como já estou cansado
Sem esperança num país
Em que tudo nos revolta
Já comprei ida sem volta
Pra outro qualquer lugar
Aqui não quero ficar.
Vou-me embora de Pasárgada.

Pasárgada já não tem nada


Nem mesmo recordação
Nem a fome e a doença
Impedem a concepção
Telefone não telefona
A droga é falsificada
E prostitutas aidéticas
Se fingem de namoradas.

E se hoje acordei alegre


Não pensem que vou ficar
Nosso presente já era
Nosso passado já foi.
Dou boiada pra ir embora
Pra ficar só dou um boi
Sou inimigo do rei
Não tenho nada na vida
Não tenho e nunca terei
Vou-me embora de Pasárgada.
(FERNANDES, Millôr. In: Jornal do Brasil, 18-3-2001)

A paródia da oração “Pai Nosso” foi utilizada num anúncio veiculado na imprensa:

SÓ O ROCK'N'ROLL SALVA

Elvis Presley que estais no Céu,


Muito escutado seja Bill Haley,
Venha a nós o Chuck Berry,
Seja feito barulho á vontade,
Assim como Hendrix, Sex Pistols e Rolling Stones.
Rock and roll que a cada dia nos melhora,
Escutai sempre Clapton e Neil Young,
Assim como Pink Floyd e David Bowie,
Muddy Waters e The Monkees.
E não deixeis cair o volume do som
102,1 de estação.
Mas livrai-nos do Axé
Amém!

(fanáticos, uni-vos! KISS, 102,1 FM)


(In: Folha de S. Paulo : 13 de Novembro de 2005)

Pelos exemplos dados anteriormente, podemos perceber que a paráfrase posiciona-se ao


lado da ideologia dominante, é uma continuidade. A paródia caminha para o lado das diferenças. A
paráfrase caminha para o lado da condensação, para as semelhanças. Desse modo, a paródia
apresenta-se como um efeito centrífugo, descentralizador, enquanto a paráfrase apresenta-se como
um efeito centrípeto, centralizador, uma vez que retoma o processo de construção do texto
apropriado, mantendo a sua ideologia, os seus efeitos de sentido.
Próxima da paráfrase, numa primeira leitura, estaria a tradução. Antes da intertextualidade
ser referendada como conceito crítico operatório, o tradutor era considerado mero transcodificador
de línguas. Recentemente, a atividade de tradução ganhou novos contornos, sendo também vista
como uma forma intertextual, quase como seu sinônimo.
 Pastiche
Apresentando elementos próximos e ao mesmo tempo distantes da paródia, encontra-se o
pastiche, que muitos, equivocadamente, vêem como seu sinônimo. É certo que tanto paródia quanto
pastiche envolvem imitação. Entretanto, o pastiche associa-se à imitação de um estilo, ou à
apropriação de um gênero sem, com isso, necessariamente, querer criticá-lo.
Contemporaneamente, o pastiche pode ser visto como uma espécie de colagem ou
montagem, tornando-se uma paródia em série ou colcha de retalhos de vários textos.
A Bíblia tem servido de modelo para vários pastiches. Machado de Assis, em seu conto "O
cônego ou a metafísica do estilo", faz um pastiche:

"Vem do Líbano, esposa minha, vem do Líbano, vem... As mandrágoras deram o seu
cheiro. Temos às nossas portas toda a casta de pombos...”
"Eu vos conjuro, filhas de Jerusalém, que se encontrardes o meu amado, lhe façais
saber que estou enferma de amor....”
Era assim, com essa melodia do velho drama de Judá, que procuravam um ao outro
na cabeça do cônego Matias um substantivo e um adjetivo...Não me interrompas,
leitor precipitado.(...)
Procuram-se e acham-se. Enfim, Sílvio achou Sílvia. Viram-se, caíram nos braços
um do outro, ofegantes de canseira, mas remidos com a paga. Unem-se, entrelaçam
os braços, e regressam palpitando da inconsciência para a consciência. "Quem é
esta que sobe do deserto, firmada sobre o seu amado?" pergunta Sílvio, como no
Cântico; e ela, com a mesma lábia erudita, responde-lhe que "é o selo do seu
coração", e que "o amor é tão valente como a própria morte.”
(ASSIS, Machado de. "Várias histórias" In: Obra completa. V.II. Rio de Janeiro: Aguilar, l959)

Observe como uma crônica publicada no jornal Folha de S. Paulo, Carlos Heitor Cony faz
pastiche de Guimarães Rosa, particularmente do estilo da narrativa de Grande sertão: veredas:

Pois é. Tenho dito. Tudo aleivosia que abunda nesses cercados.


Maisquenada. Foi assim mesmo, eu juro, Cumpadre Quemnheném não me
deixa mentir e mesmo que deixasse, eu mentia. Lorotas! Porralouca no
juízo dos povos além das Gerais! Menina Mágua Loura deu? Não deu.(...)

Compadre Quemnheném é que sabia, sabença geral e nunca


conferida, por quem? Desculpe o arroto, mas tou de arofagia, que o doutor
não cuidou no devido. Mágua Loura era a virge mais pulcra das Gerais.
Como a Santa Mãe de Deus, Senhora dos Rosários, rogai por nós! (...)
(Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo, 11-09- 1998)

Um curioso exemplo de pastiche, que impressionará quem gosta de futebol, foi feito pelo
escritor José RobertoTorero, numa crônica sobre o campeonato brasileiro da série B, em 2006,
comentando o empate entre Portuguesa e Atlético MG. O autor recorre ao estilo dos folhetins de
faroeste e designa os clubes como se fossem pistoleiros do velho oeste americano:
(...) Um curioso duelo aconteceu entre Jesse Bacalhau e Rob Gallo.
Jesse era o lanterna, e Rob, o líder. Mas foi Jesse, conhecido como o mais
azarado os caubóis, quem acertou o primeiro tiro.
As coisas pareciam estar mudando para ele. Pareciam. Apenas
pareciam. Pois Rob Gallo, depois de disparar vários tiros que rasparam em
seu oponente (um até arrancou o lápis que estava atrás da orelha de Jesse),
mandou uma bala em endereço certo e deixou tudo igual.
Por conta do empate, Gallo não é mais o líder da tabela. Mas ainda
está em segundo, com 58 pontos, cinco à frente de Paul T. Guar, o caubói
que só usa vermelho. Quanto ao simpático Jesse Bacalhau, continua em
último. Se o campeonato acabasse hoje ele seria rebaixado junto com
Django Villa Nueva, o índio Guarani e Sam Raymond.
(...) Sim, porque não se pode piscar em Série B Village. Aqui é matar
ou morrer.
(TORERO, José Roberto . Folha de S. Paulo, 2 de novembro de 2006)

O pastiche, no mundo atual, em que a inovação estilística não é mais possível, tudo o que
restou é imitar os estilos mortos, falar através das máscaras e com as vozes dos estilos do museu
imaginário. Como um curioso exemplo desse processo, o crítico americano Frederic Jameson
analisa a saga de Guerra nas estrelas, de George Lucas, como um filme de nostalgia4. Guerra nas
estrelas não é um filme histórico sobre nosso próprio passado intergalático. Uma das experiências
culturais mais importantes para as gerações entre os anos 1930 a 1950 era o seriado vesperal de
sábado à maneira de Buck Rogers – vilões de mundos desconhecidos, verdadeiros heróis
americanos, heroínas em apuros e as cenas de suspense à beira do abismo, no instante final, cujo
miraculoso desenlace haveria de ser visto no sábado seguinte.
Nessa perspectiva, Guerra nas estrelas reinventa esta experiência sob forma de pastiche,
isto é, não mais existe qualquer motivação para uma paródia de tais seriados, pois eles acabaram há
muito tempo. O filme, ao contrário de uma crítica banal dessas formas já mortas, satisfaz um anseio
profundo (talvez dissesse mesmo reprimido) de vivê-las novamente: é um objeto complexo através
do qual, em um plano primeiro, crianças e adolescentes podem deliciar-se plenamente das
aventuras, enquanto o público adulto pode matar um desejo mais profundo e propriamente
nostálgico de retornar àquele período antigo, de viver uma vez mais suas estranhas engenhocas
estéticas do passado.
Assim, essa série produzida por George Lucas não se constitui numa paródia ou mesmo
numa sátira. A sátira não deve ser entendida como um processo ou um gênero intertextual, uma vez
que ela não se relaciona diretamente com outros textos: sua fonte é a sociedade. Entretanto, o
satirizador pode se inspirar num texto para a realização de suas críticas sociais, como pôde ser visto
anteriormente em “Vou-me embora de Pasárgada”, de Millôr Fernandes.

4
JAMESON, Frederic. “O pós-modernismo e a sociedade de consumo”. In: KAPLAN, Anne E. O mal-estar no pós-
modernismo. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. ( p. 25-44)
A sátira apresenta um efeito moralizante, denunciando os vícios e os defeitos sociais,
revelando, nessa medida, uma certa tendência conservadora de proteger a sociedade, indignando-
se com os vícios que a corrompem, através de sua ridicularização. O discurso satírico é
moralista: carrega-se de uma ideologia para eliminar outra ideologia. E essa atitude contra-
ideológica faz confundir sátira e paródia.
O motivo da paródia liga-se a um outro texto discursivo, o da sátira liga-se ao tecido social,
uma vez que ela se revela como uma manifestação que tem como referente o mundo, a sociedade.
Seu objetivo é moral: ridiculariza para aperfeiçoar. Entretanto, como vimos, a sátira usa, não raro,
formas de arte paródicas, para atingir o seu fim. A paródia pode manter relações com a sátira, mas
mantém-se distinta dela. O que se observa é que sátira e paródia são gêneros que vêm sendo
utilizados concomitantemente. Tanto um como outro implicam distanciamento crítico e, logo,
julgamento de valor. Todavia, a sátira utiliza geralmente essa distância para fazer uma afirmação
negativa acerca daquilo que é satirizado: distorcendo, depreciando, ferindo.
Na paródia, no entanto, verifica-se não haver, necessariamente, um julgamento negativo
sugerido no contraste irônico dos textos. Como exemplo, leia o seguinte poema de Adélia Prado,
intitulado “Com licença poética”:

Quando nasci um anjo esbelto,


desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade da alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Observe que já a partir do título a autora posiciona-se de modo respeitoso ao texto por ela
apropriado. O poema não revela uma postura de desacato ao texto de Carlos Drummond de
Andrade, “Poema das sete faces”, que assim se inicia:
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

Normalmente, a paródia é entendida apenas como uma oposição sistemática ao modelo


apropriado. Entretanto, o prefixo “para” também significa “ao longo de”, sugerindo um grau de
intimidade entre o texto parodiado e o texto original.

 Apropriação

A apropriação às vezes é confundida com o plágio (que não é um procedimento intertextual,


mas simplesmente um furto), a apropriação é um tipo de citação deslocada para um contexto
estranho e até impertinente. Pode ser vista como forma radical da paródia (pois se aproxima mais
desta do que da paráfrase) ou como forma de citação descontextualizada.
Esse tipo de procedimento foi feito por Oswald de Andrade, em Pau-Brasil, na série de
poemas sobre a "História do Brasil". Abaixo, dois exemplos extraídos do poema "Pero Vaz
Caminha", para onde trechos da famosa carta foram deslocados:

os selvagens

Mostraram-lhes uma galinha


Quase haviam medo dela
E não queriam por a mão
E depois a tomaram como espantados

as meninas da gare

Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis


Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha
(ANDRADE, Oswald. Poesias reunidas. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. p.18)

A técnica da montagem ou colagem, uma das formas de apropriação, foi explorada por
Rubem Braga na crônica "Entrevista com Machado de Assis", em que o cronista simula um bate-
papo com o criador de Brás Cubas. A crônica é estruturada com frases extraídas de livros
machadianos, com destaque do romance Memórias póstumas de Brás Cubas. Vejamos um trecho:

-Que tal acha o nome da Capital de Minas?


- "Eu, se fosse de Minas, mudava-lhe a denominação. Belo Horizonte parece
antes uma exclamação que um nome.”
- E a respeito da ingratidão?
- "Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes cair das nuvens que
de um terceiro andar.”
- E a imprensa de escândalo?
- "O maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado.”
(...)
- Pode me dar uma boa definição de amor?
- "A melhor definição do amor não vale um beijo de moça namorada.”
(...)
- O amor dura muito?
- "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada
menos.”
(...)
- E os filhos?
- "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa
miséria.”
- Muito obrigado, o senhor é muito franco em suas respostas.
- "A franqueza é a primeira virtude de um defunto.”
(BRAGA, Rubem. 200 crônicas escolhidas. São Paulo: Círculo do Livro, [s/d]. p. 294)

De forma similar, Luís Fernando Veríssimo construiu com a apropriação de vários


provérbios, um conto ou uma crônica, recheada de humor e ironia:

Incidente na casa do Ferreiro

Pela janela vê-se uma floresta com macacos. Cada um no seu galho. Dois ou três olham o
rabo do vizinho, mas a maioria cuida do seu. Há também um estranho moinho, movido por águas
passadas. Pelo mato, aparentemente perdido — não tem cachorro — passa Maomé a caminho da
montanha, para evitar um terremoto. Dentro da casa, o filho do enforcado e o ferreiro tomam chá.

Ferreiro — Nem só de pão vive o homem.


Filho do enforcado — Comigo é pão, pão, queijo, queijo.
Ferreiro — Um sanduíche! Você está com a faca e o queijo na mão. Cuidado.
Filho do enforcado — Por quê?
Ferreiro — É uma faca de dois gumes.
(Entra o cego).
Cego — Eu não quero ver! Eu não quero ver!
Ferreiro — Tirem esse cego daqui!
(Entra o guarda com o mentiroso).
Guarda (ofegante) — Peguei o mentiroso, mas o coxo fugiu.
Cego — Eu não quero ver!
(Entra o vendedor de pombas com uma pomba na mão e duas voando).
Filho do enforcado (interessado) — Quanto cada pomba?
Vendedor de pombas — Esta na mão é 50. As duas voando eu faço por 60 o par.
Cego (caminhando na direção do vendedor de pombas) — Não me mostra que eu não quero ver.
(O cego se choca com o vendedor de pombas, que larga a pomba que tinha na mão. Agora são três
pombas voando sob o telhado de vidro da casa).
Ferreiro — Esse cego está cada vez pior!
Guarda — Eu vou atrás do coxo. Cuidem do mentiroso por mim. Amarrem com uma corda.
Filho do enforcado (com raiva) — Na minha casa você não diria isso! (O guarda fica confuso, mas
resolve não responder. Sai pela porta e volta em seguida).
Guarda (para o ferreiro) — Tem um pobre aí fora que quer falar com você. Algo sobre uma
esmola muito grande. Parece desconfiado.
Ferreiro — É a história. Quem dá aos pobres empresta a Deus, mas acho que exagerei.
(Entra o pobre).
Pobre (para o ferreiro) — Olha aqui, doutor. Essa esmola que o senhor me deu. O que é que o
senhor está querendo? Não sei não. Dá para desconfiar...
Ferreiro — Está bem. Deixa a esmola e pega uma pomba.
Cego — Essa eu nem quero ver...
(Entra o mercador).
Ferreiro (para o mercador) — Foi bom você chegar. Me ajuda a amarrar o mentiroso com uma...
(Olha para o filho do enforcado). A amarrar o mentiroso.
Mercador (com a mão atrás da orelha) — Hein?
Cego — Eu não quero ver!
Mercador — O quê?
Pobre — Consegui! Peguei uma pomba!
Cego — Não me mostra.
Mercador — Como?
Pobre — Agora é só arranjar um espeto de ferro que eu faço um galeto.
Mercador — Hein?
Ferreiro (perdendo a paciência) — Me dêem uma corda.
(O filho do enforcado vai embora, furioso).
Pobre (para o ferreiro) — Me arranja um espeto de ferro?
Ferreiro — Nesta casa só tem espeto de pau.
(Uma pedra fura o telhado de vidro, obviamente atirada pelo filho do enforcado, e pega na perna
do mentiroso. O mentiroso sai mancando pela porta enquanto as duas pombas voam pelo buraco
no telhado).
Mentiroso (antes de sair) — Agora quero ver aquele guarda me pegar!
(Entra o último, de tapa-olho, pela porta de trás).
Ferreiro — Como é que você entrou aqui?
Último — Arrombei a porta.
Ferreiro — Vou ter que arranjar uma tranca.
De pau, claro.
Último — Vim avisar que já é verão.
Vi não uma, mas duas andorinhas voando aí fora.
Mercador — Hein?
Ferreiro — Não era andorinha, era pomba. E das baratas.
Pobre (para o último) — Ei, você aí de um olho só...
Cego (prostrando-se ao chão por engano na frente do mercador) - Meu rei.
Mercador — O quê?
Ferreiro — Chega! Chega! Todos para fora!
A porta da rua é serventia da casa!
(Todos se precipitam para a porta, menos o cego, que vai de encontro à parede. Mas o último
protesta).
Último — Parem! Eu serei o primeiro.
(Todos saem com o último na frente. O cego vai atrás).
Cego — Meu rei! Meu rei!
(In: O gigolô das palavras. Porto Alegre: L&PM Editores, 1982. p. 37-39)

Exercício 3:

Que tipo de procedimento intertextual foi utilizado no seguinte texto:

COMO SERIA A HISTÓRIA DE CHAPEUZINHO VERMELHO NA MÍDIA ATUAL?


JORNAL NACIONAL
(William Bonner): Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um lobo na noite de ontem.
(Fátima Bernardes): mas a atuação de um caçador evitou uma tragédia.

FANTÁSTICO
(Glória Maria): Que gracinha, gente! Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi
retirada viva da barriga de um lobo. Não é mesmo querida?

CIDADE ALERTA (Datena): Onde é que a gente vai parar, cadê as autoridades? A menina ia para
a casa da avozinha a pé! Não tem transporte público! E foi devorada viva. Põe na tela! Tem um
"link" para a floresta, diretor?

CLÁUDIA
Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho.

O ESTADO DE S. PAULO
Fontes confirmam que Lobo que devorou Chapeuzinho seria filiado ao PT.

VEJA
EXCLUSIVO! Ações do Lobo eram patrocinadas pelo governo LULA e o PT.
Páginas Amarelas VEJA:
"Está claro que houve tentativas de quebra de sigilo bancário da Chapéu por parte de Dilma e Tasso
Genro. Eles têm que cair. " Arthur Virgílio

ESTADO DE MINAS
Chapeuzinho come o lobo enquanto o lenhador vai pra floresta com a vovó.

ZERO HORA
Avó de Chapeuzinho nasceu no RS.

AGORA
Sangue e tragédia na casa da vovó.

CARAS
Chapeuzinho fala a CARAS: - “Até ser devorada, eu não dava valor para muitas coisas da vida.
Hoje sou outra pessoa”.

ISTOÉ
Gravações revelam que lobo foi assessor de influente político de Brasília.

O FUXICO
A toca do Lobo era na mata atrás da casa do Marcos Valério.

EXAME
Por que o atual modelo estatal favorece os negócios com lobos.
ÉPOCA
Exclusivo: Caixa do PT financiou atividades do lobo.
(Fonte: www.midianarede.com.br)

A estrutura desse texto é construída, basicamente, pela apropriação dos estilos de linguagem
de vários veículos midiáticos. Desse modo, observa-se a utilização do pastiche. Ao mesmo tempo, o
texto satiriza e critica, de forma caricatural, a imparcialidade, a afetação e o sensacionalismo de
certos órgãos da mídia.

Exercício 4:

APROPRIAÇÃO INDÉBITA

Minha terra tem palmeiras,


Eu não sabia de nada;
As aves que aqui gorjeiam,
Eu não sabia de nada.

Nosso céu tem mais estrelas,


A gente não tinha escolha,
Nossos bosques têm mais vida,
A gente não tinha escolha.

Em cismar, sozinho, à noite,


Era pegar ou largar;
Minha terra tem palmeiras,
Eu não sabia de nada.

Minha terra tem primores,


A gente não tinha escolha;
Em cismar - sozinho, à noite -
Era pegar ou largar;
Minha terra tem palmeiras,
Eu não sabia de nada.
(André Vallias, Suplemento literário de Minas Gerais, n.1283, Belo Horizonte, Outubro de 2005)

Com base no poema, pode-se afirmar que a intertextualidade:

A) efetiva-se através de uma paráfrase da composição romântica de Gonçalves Dias.


B) manifesta-se como paródia da “Canção do exílio”.
C) preserva as mesmas rimas utilizadas no texto original.
D) desdenha a estrutura reiterativa presente no poema tradicional.

A resposta correta está na opção B: o poema mescla frases coloquiais aos versos originais, que
são desfigurados, configurando o expediente da paródia da famosa composição romântica de Gonçalves
Dias, que se caracteriza por ter uma estrutura repetitiva e explorar rimas, o que não ocorre no texto de
André Vallias.
Exercício 5:

As passagens transcritas apresentam um mesmo procedimento intertextual, EXCETO:

A) Ilmo.Sr.Diretor do Imposto de Renda:


antes de tudo devo declarar que
já estou, parceladamente, à venda.
não sou rico nem pobre, como o Brasil,
que também precisa de boa parte
do meu dinheirinho.
Pago imposto de renda na fonte e no pelourinho.
murchei em colégio interno durante seis anos
mas não cheguei ao fim de nada,
a não ser dos meus enganos.
(Paulo Mendes Campos)
B) Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá.
(Oswald de Andrade)
C) Quando eu nasci um anjo esbelto
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira,
cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
(Adélia Prado)
D) Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico
enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
(Cacaso)

As passagens exploram o procedimento da paródia, com exceção do texto de Paulo Mendes


Campos que recorre ao expediente do pastiche, criando um poema a partir da imitação de um
registro oficial. Oswald de Andrade e Cacaso retomam o texto de Gonçalves Dias, enquanto Adélia
Prado parodia o início do “Poema de sete faces”, de Carlos Drummond de Andrade (“Quando nasci,
um anjo torto,/ desses que andam na sombra/ disse: - vai, Carlos, ser gauche na vida”.)

Um leitor, ao tornar-se escritor, põe em seu texto a memória de suas leituras. É o que faz o
cronista Luís Giffoni, no seguinte texto:
UM LEITOR

Detesto largar a leitura de um livro pelo meio, em respeito ao autor e ao livro em si, mas
existem obras tão mal escritas ou superficiais que nada me acrescentariam se avançasse até o fim.
Com o coração partido, lego-as à estante, uma tumba digna, ao lado de companheiros ilustres com
quem partilhei horas agradáveis.
Cada vez mais prefiro romances, contos e poemas que reflitam sobre a condição humana. A
literatura de entretenimento puro, do tipo best-seller de ação, de mensagens esotéricas ou de
humor escrachado, atual mania nacional, não me atrai.
Alguns dos livros que mais amei também os deixei na estante, saboreados letra a letra,
como se pudesse estendê-los para sempre, a própria história encarregada de reinventar-se. De tão
bons, faltava coragem ou sobrava tristeza para chegar à última página. Assim aconteceu, no início
da adolescência, com o “Encontro Marcado”, de Fernando Sabino. Mais tarde, o prazer adiado se
repetiu com “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann. Se não se entende nem a cabeça dos
autores, como se compreenderá a idiossincrasia dos leitores?
Por outro lado, há aqueles livros que, sem perceber, já os estou relendo. O raciocínio anda
preguiçoso? Socorro-me em “Ficções” ou “O Aleph”, de Jorge Luis Borges. Julguei impossível,
durante a escrita de um romance, mergulhar mais fundo na alma? Valho-me dos “Ensaios”, de
Montaigne. Ando tachando a humanidade de mesquinha? Salvo-a em Shakespeare. Estou de mau
humor? Recupero-o com Machado de Assis. Busco uma síntese de nossos vícios e virtudes? Volto à
Bíblia. Comicha-me o ufanismo pelas conquistas modernas? Recorro a “Prometeu Acorrentado”,
de Ésquilo.
Os livros me emprestam muletas, me curam, me divertem, me emocionam, me inspiram. Em
poucas horas de convívio com um deles, absorvo a experiência de uma vida inteira- ou de toda uma
época. Ou descubro uma vez mais como somos todos humanos, uma obviedade que, hoje mais que
nunca, as fábricas de mitos tendem apagar. Ou comprovo que na fragilidade e finitude mora nossa
capacidade de avançar. Ou supro minha dose mínima diária de fantasia – ou de realidade. Ou
desenvolvo meu senso crítico, aumentando as chances de sobreviver aos engodos do dia-a-dia. Ou
chovo no molhado, o que às vezes é importante.
Os livros descortinam veredas, mas cabe ao leitor escolher a trilha que tomará. Se ele gosta
de best-seller, siga em frente, envolva-se com Sidney Sheldon e Paulo Coelho. Se quer algo bem
mais requintado, tome Guimarães Rosa, Calvino, Faulkner ou Murilo Rubião.
Enquanto o cinema e a televisão ativam poucas áreas do cérebro, a leitura exercita o dobro
de neurônios e os mantém joviais. Ela democratiza a experiência comum a todas as gerações desde
há milênios. Através dos livros, cada um ingere a condição humana de acordo com o próprio
apetite. E o que é, no fundo, essa condição, senão a oportunidade de refletir sobre nós mesmos?
(GIFFONI, Luís. O Tempo, 13-3-2001)

Exercício 6:

Todas as oposições abaixo podem ser estabelecidas pela leitura do texto, EXCETO

A) leitura x cinema;
B) Calvino x a Bíblia;
C) Murilo Rubião x best-seller de ação;
D) Guimarães Rosa x Paulo Coelho.
O texto não estabelece oposição entre o escritor italiano Ítalo Calvino e a Bíblia. Ambos
são eleitos pelo cronista como leituras recomendáveis. Em outras passagens do texto pode-se
verificar as outras oposições presentes na crônica.

As diversas transformações verificadas na arte em geral têm levado muitos artistas a


dialogarem não com a realidade aparente das coisas, mas com a realidade da própria linguagem.
Dividindo e mesmo compartilhando o seu espaço com a TV, o cinema e o jornal, a linguagem
literária, por exemplo, alargou-se internamente, ao se apropriar de uma vasta gama de materiais
estilísticos e formais pertencentes a outros espaços artísticos.
Não raro os romancistas contemporâneos utilizam-se de expedientes que são tipicamente do
cinema, elaborando narrativas, em que se verifica nitidamente um narrador que mais parece um
diretor cinematográfico, conduzindo as cenas do enredo da história, como se pode constatar em
vários romances de Rubem Fonseca, como Vastas emoções e pensamentos imperfeitos e Agosto, por
exemplo.
Recentemente, tem-se retomado a idéia de Antropofagia, desenvolvida por Oswald de
Andrade. O conceito de Antropofagia liga-se a uma visão crítica da história, da cultura, efetivando
tanto apropriações como expropriações, pelo se caráter desconstrutor.
A Antropofagia tem sido reativada, mas em novo contexto cultural, bastante distinto daquele
que recebeu o Manifesto de 1928, de Oswald de Andrade, e também já diverso do movimento
tropicalista, nos anos 1960, que a resgatou. Hoje, muitos artistas elaboram produções, apropriando-
se ou devorando as diversidades de linguagens e códigos significativos, traduzindo crítica e
criativamente o contexto social, político e cultural. À maneira de um canibal, o artista incorpora o
outro, traduzindo-o e recontextualizando-o.
Na música contemporânea, o sampler permite a conversão de trechos de música em sinal
digital. Cada amostra sonora pode ser alterada, dando origem a novos sons, o que permite a
gravação, manipulação e reutilização de fontes sonoras pré-gravadas.
Hoje, observamos a existência de uma cultura caracterizada pela remixagem:

A prática do remix tem criado polêmica, ao produzir


gêneros étnicos e populares de música eletrônica (como o rap e as
infinitas variações da warehouse music). Muitos grupos hoje
desafiam os autores dos trechos que eles utilizam a identificar em
que parte de suas músicas aparece o sampler (amostra colhida na
imensa biblioteca de sons que o mundo oferece). O nível de
manipulação do material sonoro é tal que se torna difícil
identificar a música fonte.
(In: http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1626,1.shl. Acesso em 15/02/2009)
Neste módulo, você percebeu que a intertextualidade, seja a paródia seja a apropriação, por
exemplo, mais que simples expedientes lúdicos, podem ser entendida como forma de reflexão
crítica sobre a arte. Os autores, em diferentes épocas e estilos, recorreram a tal expediente para
demonstrar maior consciência sobre o fazer artístico. A intertextualidade está diretamente associada
à metalinguagem, pois ambos procedimentos são relacionais. Na intertextualidade, um texto
absorve outros textos. Ambos procedimentos tornam o leitor mais crítico e reflexivo.

Para saber mais, consultem:

Livros Sites
• www.literatura.pro.br/jcabral.htm
• CAMPOS, Haroldo de. “Da razão • www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/M/metalinguagem.htm
antropofágica: diálogo e diferença na • www.portuguesdobrasil.net/pdf/a_literatura_em_xequ
cultura brasileira”. In: e.pdf
Metalinguagem & outras metas. São • www.brasilescola.com/redacao/intertextualidade.htm
Paulo: Perspectiva, 1992. (p. 231-
256)
• PAULINO, Graça et alii.
Intertextualidades: teoria e prática.
Belo Horizonte: Lê, 1995.
• PIGNATARI, Décio. Semiótica e
literatura. 2 ed. São Paulo, Cortez,
1974.
• SANT’ANNA, Affonso Romano.
Paródia, paráfrase & cia. São Paulo:
Ática, 1985.

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