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INTERTEXTUALIDADE
O presente módulo tem como objetivo geral o reconhecimento e a explicação das relações
intertextuais em diferentes obras da literatura brasileira.
Intertextualidade
A intertextualidade pode ser entendida como um diálogo entre textos. Segundo Julia
Kristeva, “todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absosrção e
transformação de um outro texto”1.
Na leitura de um livro, acabamos sempre nos deparando com outros livros. Vejamos um
exemplo:
Depois de algum tempo de conversa, ela me pegou pela mão, me levou para a
varanda, disse venha ver o Cruzeiro que a linda Sofia não quis fitar a pedido de Rubião. É
triste mas é muito bonito o final do Quincas Borba, do Machado de Assis. Você se lembra?
Como esquecer, é um belo romance, dos meus preferidos de Machado, disse eu.
(DOURADO, Autran .Confissões de Narciso. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1997, p.133)
1
KRISTEVA, Julia. Introdução à Semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1974. p.72.
Se tomarmos o romance Quincas Borba, de Machado de Assis, a todo momento
tropeçaremos em passagens como esta, com referências a outros livros, no caso, às obras de Álvares
de Azevedo, poeta da segunda geração romântica brasileira, e de Shakespeare, poeta e dramaturgo
inglês (1564-1616):
Nessa noite, Rubião sonhou com Sofia e Maria Benedita. Viu-as num grande
terreiro, apenas vestidas de saia, costas inteiramente despidas; o marido de Sofia,
armado de um azorrague de cinco pontas de couro, rematando em bicos de ferro,
castigava-as despiedadamente. Elas gritavam, pediam misericórdia, torciam-se,
alagadas em sangue, as carnes caíam-lhe aos bocados. Agora, por que razão Sofia
era a Imperatriz Eugênia, e Maria Benedita uma aia sua, é o que não sei dizer com
exatidão. ‘São sonhos, sonhos, Penseroso!’ exclamava um personagem do nosso
Álvares de Azevedo. Mas eu prefiro a reflexão do velho Polonius, acabando de ouvir
uma fala tresloucada de Hamlet: ‘ Desvario embora, lá tem o seu método’.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. 5 ed. São Paulo: Ática, 1982. p. 115)
Os provérbios, os ditos populares sempre são inseridos nos textos, numa forma elementar de
intertextualidade. Em um mesmo dia, em seções diferentes da Folha de S. Paulo, encontramos
quatro provérbios diferentes. Ei-los:
Há uma expressão de que não gosto, mas que é de uso banal e cotidiano: “O
mar não está para peixe.” É a constatação de um tempo adverso.
(Coluna de José Sarney, 11/05/2001)
E que nós, jornalistas, comecemos a definir critérios para separar o joio do trigo e
impedir a disseminação dessa praga ( serviço precário da assessoria de imprensa).
(Coluna de Luís Nassif, 11/05/2001)
Não é bom misturar alhos com bugalhos, vida comercial e vida pessoal. (p.176)
Pau que nasce torto, até a cinza é torta – dizia Seu Nestor. (p.210)
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna,
e mais longos que seu talhe de Palmeira.
(ALENCAR, José de. Iracema. 28 ed. São Paulo Ática, 1995. p. 16)
Em Heranças, lemos, na página 162: Além, muito além do prato de sobremesa... Observa-se
que o escritor retomou o texto de Alencar em forma de paródia. Esse termo, paródia, será explicado
mais adiante. Por enquanto estamos mostrando como que a definição dada no início deste módulo
procede, isto é, que todo texto se constrói a partir de outros textos.
Silviano Santiago, também em Heranças, ora retoma Carlos Drummond de Andrade,
apropriando-se de um trecho do conhecido poema “No meio do caminho”: Há sempre uma pedra
no meio do caminho dos amantes apaixonados (p.201); ora faz citações de obras cinematográficas,
como se lê na página 193, em que o autor refere-se ao filme Os pássaros, de Alfred Hitccock: O
ambiente praieiro é propício ao alvoroço dos gigolôs. Assemelham-se aos pássaros do famoso
filme de Hitchcock. Ora ainda o romancista incorpora trechos de canções brasileiras, como se
constata na página 208:
Silvinha Telles lançava nova canção de Antonio Maria. “Suas mãos”. Sucesso absoluto nas
paradas. (...) Denise e eu escutávamos e admirávamos Silvinha Telles ao vivo:
A) O velho caindo morto/ Aladim correu ligeiro/ Tirou-lhe do bolso a lâmpada/ E disse mui
prazenteiro:/Hoje o feitiço virou/ Por cima do feiticeiro.(Patativa do Assaré)
B) As pessoas valem o que vale a afeição da gente, e é daí que mestre Povo tirou aquele
adágio que quem o feio ama bonito lhe parece. (Machado de Assis)
C) O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços
neurastênicos do litoral. (Euclides da Cunha)
D) Daí, sendo a noite, aos pardos gatos. Outra nossa noite, na rebaixa do engenho, deitados
em couros e esteiras – nem se tinha o espaço de lugar onde rede armar. (Guimarães Rosa)
Citação
Em sua forma simples, a citação ocorre ao se inserir o título da obra e seu autor no novo
texto:
Verifica-se também que há citação, quando um determinado autor retoma um trecho de obra
alheia, incorporando-o explicitamente ao seu. Esse expediente evidencia-se, no texto escrito, pelo
uso de marcadores como as aspas: é uma transcrição parcial e literal de um outro texto, como se
pode verificar na seguinte passagem do Hino Nacional Brasileiro:
Do que a terra mais garrida
Teus risonhos lindos campos têm flores
“Nossos bosques têm mais vida”
Nossa vida em teu seio mais amores.
Observe que o verso “Nossos bosques têm mais vida” está entre aspas. Isso porque o autor de
nosso hino o apropriou do poema “Canção do exílio”, do poeta romântico Gonçalves Dias.
A citação pode também ocorrer na abertura de um livro ou texto. A esse tipo de expediente
dá-se o nome de epígrafe. Os contos do escritor mineiro Murilo Rubião são precedidos por textos
bíblicos; tais epígrafes indicam, orientam e tematizam as narrativas, geralmente pontuadas por uma
dimensão trágica, como aponta o texto que introduz os contos reunidos em O convidado:
A citação, quando excessiva, pode prejudicar o texto. O romancista Autran Dourado tem
uma visão crítica a esse respeito:
Alusão
É, afinal, um excelente moço e nenhuma culpa tem de não me ter sido útil na
aventura em que muito me aproximei do herói manchego. (p.66)
3
ANJOS, Cyro dos. O amanuense Belmiro. 8 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.
E o Cavaleiro da Triste Figura se pôs em marcha, pela sua Dulcinéia.(p.124)
Paráfrase
A paráfrase é uma espécie de interpretação de um texto com palavras próprias,mantido
o pensamento original; ou, ainda, uma intertextualidade que assinala uma semelhança entre o
texto original e o derivado, levando em conta que a diferença, se houver, não é substancial,
mas constitui uma "adaptação" do original.
Veja um exemplo de Cyro dos Anjos, em seu citado romance, onde faz a seguinte
paráfrase de Shakespeare:
Algum político importante deve estar a chegar. Ah! É verdade, o chefe da
Seção pediu-me que comparecesse ao desembarque do Ministro. Ir, ou não ir, eis a
questão. (p.105)
Exercício 2:
Texto 1
Tão logo viu José Dias desaparecer no corredor, Bento deixou o esconderijo e correu até a
varanda do fundo. Não quis saber das lágrimas da mãe, por conta da promessa que ela fizera
dezesseis anos antes, quando ele fora concebido.
Texto 2:
Tão depressa vi desaparecer o agregado José Dias no corredor, deixei o esconderijo, e corri à
varanda do fundo. Não quis saber de lágrimas nem das causas que as fazia verter a minha mãe. A
causa eram provavelmente os seus projetos eclesiásticos, e a ocasião destes é a que vou dizer, por
ser já então história velha; datava de dezesseis anos.
Paródia
Tradicionalmente, a paródia é definida como um escrito que imita uma obra literária, de
forma crítica. É um texto que subverte a mensagem do texto que o inspirou.
Leia o texto de Millôr Fernandes, cujo título já indica a intenção paródica: “Que o Manuel
Bandeira me perdoe, mas... vou-me embora de Pasárgada”, uma vez que o original é “Vou-me
embora pra Pasárgada” (grifo nosso).
A paródia da oração “Pai Nosso” foi utilizada num anúncio veiculado na imprensa:
SÓ O ROCK'N'ROLL SALVA
"Vem do Líbano, esposa minha, vem do Líbano, vem... As mandrágoras deram o seu
cheiro. Temos às nossas portas toda a casta de pombos...”
"Eu vos conjuro, filhas de Jerusalém, que se encontrardes o meu amado, lhe façais
saber que estou enferma de amor....”
Era assim, com essa melodia do velho drama de Judá, que procuravam um ao outro
na cabeça do cônego Matias um substantivo e um adjetivo...Não me interrompas,
leitor precipitado.(...)
Procuram-se e acham-se. Enfim, Sílvio achou Sílvia. Viram-se, caíram nos braços
um do outro, ofegantes de canseira, mas remidos com a paga. Unem-se, entrelaçam
os braços, e regressam palpitando da inconsciência para a consciência. "Quem é
esta que sobe do deserto, firmada sobre o seu amado?" pergunta Sílvio, como no
Cântico; e ela, com a mesma lábia erudita, responde-lhe que "é o selo do seu
coração", e que "o amor é tão valente como a própria morte.”
(ASSIS, Machado de. "Várias histórias" In: Obra completa. V.II. Rio de Janeiro: Aguilar, l959)
Observe como uma crônica publicada no jornal Folha de S. Paulo, Carlos Heitor Cony faz
pastiche de Guimarães Rosa, particularmente do estilo da narrativa de Grande sertão: veredas:
Um curioso exemplo de pastiche, que impressionará quem gosta de futebol, foi feito pelo
escritor José RobertoTorero, numa crônica sobre o campeonato brasileiro da série B, em 2006,
comentando o empate entre Portuguesa e Atlético MG. O autor recorre ao estilo dos folhetins de
faroeste e designa os clubes como se fossem pistoleiros do velho oeste americano:
(...) Um curioso duelo aconteceu entre Jesse Bacalhau e Rob Gallo.
Jesse era o lanterna, e Rob, o líder. Mas foi Jesse, conhecido como o mais
azarado os caubóis, quem acertou o primeiro tiro.
As coisas pareciam estar mudando para ele. Pareciam. Apenas
pareciam. Pois Rob Gallo, depois de disparar vários tiros que rasparam em
seu oponente (um até arrancou o lápis que estava atrás da orelha de Jesse),
mandou uma bala em endereço certo e deixou tudo igual.
Por conta do empate, Gallo não é mais o líder da tabela. Mas ainda
está em segundo, com 58 pontos, cinco à frente de Paul T. Guar, o caubói
que só usa vermelho. Quanto ao simpático Jesse Bacalhau, continua em
último. Se o campeonato acabasse hoje ele seria rebaixado junto com
Django Villa Nueva, o índio Guarani e Sam Raymond.
(...) Sim, porque não se pode piscar em Série B Village. Aqui é matar
ou morrer.
(TORERO, José Roberto . Folha de S. Paulo, 2 de novembro de 2006)
O pastiche, no mundo atual, em que a inovação estilística não é mais possível, tudo o que
restou é imitar os estilos mortos, falar através das máscaras e com as vozes dos estilos do museu
imaginário. Como um curioso exemplo desse processo, o crítico americano Frederic Jameson
analisa a saga de Guerra nas estrelas, de George Lucas, como um filme de nostalgia4. Guerra nas
estrelas não é um filme histórico sobre nosso próprio passado intergalático. Uma das experiências
culturais mais importantes para as gerações entre os anos 1930 a 1950 era o seriado vesperal de
sábado à maneira de Buck Rogers – vilões de mundos desconhecidos, verdadeiros heróis
americanos, heroínas em apuros e as cenas de suspense à beira do abismo, no instante final, cujo
miraculoso desenlace haveria de ser visto no sábado seguinte.
Nessa perspectiva, Guerra nas estrelas reinventa esta experiência sob forma de pastiche,
isto é, não mais existe qualquer motivação para uma paródia de tais seriados, pois eles acabaram há
muito tempo. O filme, ao contrário de uma crítica banal dessas formas já mortas, satisfaz um anseio
profundo (talvez dissesse mesmo reprimido) de vivê-las novamente: é um objeto complexo através
do qual, em um plano primeiro, crianças e adolescentes podem deliciar-se plenamente das
aventuras, enquanto o público adulto pode matar um desejo mais profundo e propriamente
nostálgico de retornar àquele período antigo, de viver uma vez mais suas estranhas engenhocas
estéticas do passado.
Assim, essa série produzida por George Lucas não se constitui numa paródia ou mesmo
numa sátira. A sátira não deve ser entendida como um processo ou um gênero intertextual, uma vez
que ela não se relaciona diretamente com outros textos: sua fonte é a sociedade. Entretanto, o
satirizador pode se inspirar num texto para a realização de suas críticas sociais, como pôde ser visto
anteriormente em “Vou-me embora de Pasárgada”, de Millôr Fernandes.
4
JAMESON, Frederic. “O pós-modernismo e a sociedade de consumo”. In: KAPLAN, Anne E. O mal-estar no pós-
modernismo. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. ( p. 25-44)
A sátira apresenta um efeito moralizante, denunciando os vícios e os defeitos sociais,
revelando, nessa medida, uma certa tendência conservadora de proteger a sociedade, indignando-
se com os vícios que a corrompem, através de sua ridicularização. O discurso satírico é
moralista: carrega-se de uma ideologia para eliminar outra ideologia. E essa atitude contra-
ideológica faz confundir sátira e paródia.
O motivo da paródia liga-se a um outro texto discursivo, o da sátira liga-se ao tecido social,
uma vez que ela se revela como uma manifestação que tem como referente o mundo, a sociedade.
Seu objetivo é moral: ridiculariza para aperfeiçoar. Entretanto, como vimos, a sátira usa, não raro,
formas de arte paródicas, para atingir o seu fim. A paródia pode manter relações com a sátira, mas
mantém-se distinta dela. O que se observa é que sátira e paródia são gêneros que vêm sendo
utilizados concomitantemente. Tanto um como outro implicam distanciamento crítico e, logo,
julgamento de valor. Todavia, a sátira utiliza geralmente essa distância para fazer uma afirmação
negativa acerca daquilo que é satirizado: distorcendo, depreciando, ferindo.
Na paródia, no entanto, verifica-se não haver, necessariamente, um julgamento negativo
sugerido no contraste irônico dos textos. Como exemplo, leia o seguinte poema de Adélia Prado,
intitulado “Com licença poética”:
Observe que já a partir do título a autora posiciona-se de modo respeitoso ao texto por ela
apropriado. O poema não revela uma postura de desacato ao texto de Carlos Drummond de
Andrade, “Poema das sete faces”, que assim se inicia:
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
Apropriação
os selvagens
as meninas da gare
A técnica da montagem ou colagem, uma das formas de apropriação, foi explorada por
Rubem Braga na crônica "Entrevista com Machado de Assis", em que o cronista simula um bate-
papo com o criador de Brás Cubas. A crônica é estruturada com frases extraídas de livros
machadianos, com destaque do romance Memórias póstumas de Brás Cubas. Vejamos um trecho:
Pela janela vê-se uma floresta com macacos. Cada um no seu galho. Dois ou três olham o
rabo do vizinho, mas a maioria cuida do seu. Há também um estranho moinho, movido por águas
passadas. Pelo mato, aparentemente perdido — não tem cachorro — passa Maomé a caminho da
montanha, para evitar um terremoto. Dentro da casa, o filho do enforcado e o ferreiro tomam chá.
Exercício 3:
FANTÁSTICO
(Glória Maria): Que gracinha, gente! Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi
retirada viva da barriga de um lobo. Não é mesmo querida?
CIDADE ALERTA (Datena): Onde é que a gente vai parar, cadê as autoridades? A menina ia para
a casa da avozinha a pé! Não tem transporte público! E foi devorada viva. Põe na tela! Tem um
"link" para a floresta, diretor?
CLÁUDIA
Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho.
O ESTADO DE S. PAULO
Fontes confirmam que Lobo que devorou Chapeuzinho seria filiado ao PT.
VEJA
EXCLUSIVO! Ações do Lobo eram patrocinadas pelo governo LULA e o PT.
Páginas Amarelas VEJA:
"Está claro que houve tentativas de quebra de sigilo bancário da Chapéu por parte de Dilma e Tasso
Genro. Eles têm que cair. " Arthur Virgílio
ESTADO DE MINAS
Chapeuzinho come o lobo enquanto o lenhador vai pra floresta com a vovó.
ZERO HORA
Avó de Chapeuzinho nasceu no RS.
AGORA
Sangue e tragédia na casa da vovó.
CARAS
Chapeuzinho fala a CARAS: - “Até ser devorada, eu não dava valor para muitas coisas da vida.
Hoje sou outra pessoa”.
ISTOÉ
Gravações revelam que lobo foi assessor de influente político de Brasília.
O FUXICO
A toca do Lobo era na mata atrás da casa do Marcos Valério.
EXAME
Por que o atual modelo estatal favorece os negócios com lobos.
ÉPOCA
Exclusivo: Caixa do PT financiou atividades do lobo.
(Fonte: www.midianarede.com.br)
A estrutura desse texto é construída, basicamente, pela apropriação dos estilos de linguagem
de vários veículos midiáticos. Desse modo, observa-se a utilização do pastiche. Ao mesmo tempo, o
texto satiriza e critica, de forma caricatural, a imparcialidade, a afetação e o sensacionalismo de
certos órgãos da mídia.
Exercício 4:
APROPRIAÇÃO INDÉBITA
A resposta correta está na opção B: o poema mescla frases coloquiais aos versos originais, que
são desfigurados, configurando o expediente da paródia da famosa composição romântica de Gonçalves
Dias, que se caracteriza por ter uma estrutura repetitiva e explorar rimas, o que não ocorre no texto de
André Vallias.
Exercício 5:
Um leitor, ao tornar-se escritor, põe em seu texto a memória de suas leituras. É o que faz o
cronista Luís Giffoni, no seguinte texto:
UM LEITOR
Detesto largar a leitura de um livro pelo meio, em respeito ao autor e ao livro em si, mas
existem obras tão mal escritas ou superficiais que nada me acrescentariam se avançasse até o fim.
Com o coração partido, lego-as à estante, uma tumba digna, ao lado de companheiros ilustres com
quem partilhei horas agradáveis.
Cada vez mais prefiro romances, contos e poemas que reflitam sobre a condição humana. A
literatura de entretenimento puro, do tipo best-seller de ação, de mensagens esotéricas ou de
humor escrachado, atual mania nacional, não me atrai.
Alguns dos livros que mais amei também os deixei na estante, saboreados letra a letra,
como se pudesse estendê-los para sempre, a própria história encarregada de reinventar-se. De tão
bons, faltava coragem ou sobrava tristeza para chegar à última página. Assim aconteceu, no início
da adolescência, com o “Encontro Marcado”, de Fernando Sabino. Mais tarde, o prazer adiado se
repetiu com “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann. Se não se entende nem a cabeça dos
autores, como se compreenderá a idiossincrasia dos leitores?
Por outro lado, há aqueles livros que, sem perceber, já os estou relendo. O raciocínio anda
preguiçoso? Socorro-me em “Ficções” ou “O Aleph”, de Jorge Luis Borges. Julguei impossível,
durante a escrita de um romance, mergulhar mais fundo na alma? Valho-me dos “Ensaios”, de
Montaigne. Ando tachando a humanidade de mesquinha? Salvo-a em Shakespeare. Estou de mau
humor? Recupero-o com Machado de Assis. Busco uma síntese de nossos vícios e virtudes? Volto à
Bíblia. Comicha-me o ufanismo pelas conquistas modernas? Recorro a “Prometeu Acorrentado”,
de Ésquilo.
Os livros me emprestam muletas, me curam, me divertem, me emocionam, me inspiram. Em
poucas horas de convívio com um deles, absorvo a experiência de uma vida inteira- ou de toda uma
época. Ou descubro uma vez mais como somos todos humanos, uma obviedade que, hoje mais que
nunca, as fábricas de mitos tendem apagar. Ou comprovo que na fragilidade e finitude mora nossa
capacidade de avançar. Ou supro minha dose mínima diária de fantasia – ou de realidade. Ou
desenvolvo meu senso crítico, aumentando as chances de sobreviver aos engodos do dia-a-dia. Ou
chovo no molhado, o que às vezes é importante.
Os livros descortinam veredas, mas cabe ao leitor escolher a trilha que tomará. Se ele gosta
de best-seller, siga em frente, envolva-se com Sidney Sheldon e Paulo Coelho. Se quer algo bem
mais requintado, tome Guimarães Rosa, Calvino, Faulkner ou Murilo Rubião.
Enquanto o cinema e a televisão ativam poucas áreas do cérebro, a leitura exercita o dobro
de neurônios e os mantém joviais. Ela democratiza a experiência comum a todas as gerações desde
há milênios. Através dos livros, cada um ingere a condição humana de acordo com o próprio
apetite. E o que é, no fundo, essa condição, senão a oportunidade de refletir sobre nós mesmos?
(GIFFONI, Luís. O Tempo, 13-3-2001)
Exercício 6:
Todas as oposições abaixo podem ser estabelecidas pela leitura do texto, EXCETO
A) leitura x cinema;
B) Calvino x a Bíblia;
C) Murilo Rubião x best-seller de ação;
D) Guimarães Rosa x Paulo Coelho.
O texto não estabelece oposição entre o escritor italiano Ítalo Calvino e a Bíblia. Ambos
são eleitos pelo cronista como leituras recomendáveis. Em outras passagens do texto pode-se
verificar as outras oposições presentes na crônica.
Livros Sites
• www.literatura.pro.br/jcabral.htm
• CAMPOS, Haroldo de. “Da razão • www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/M/metalinguagem.htm
antropofágica: diálogo e diferença na • www.portuguesdobrasil.net/pdf/a_literatura_em_xequ
cultura brasileira”. In: e.pdf
Metalinguagem & outras metas. São • www.brasilescola.com/redacao/intertextualidade.htm
Paulo: Perspectiva, 1992. (p. 231-
256)
• PAULINO, Graça et alii.
Intertextualidades: teoria e prática.
Belo Horizonte: Lê, 1995.
• PIGNATARI, Décio. Semiótica e
literatura. 2 ed. São Paulo, Cortez,
1974.
• SANT’ANNA, Affonso Romano.
Paródia, paráfrase & cia. São Paulo:
Ática, 1985.