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http://www02.zkm.de/gam/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=18&Itemid=40
do Uruguai ao México e a Cuba, talvez pudesse ser considerada
“meramente como a outra face da Europa e de sua arte”. Em outras
palavras: dentro do esquema analítico e dos conceitos norteadores
por ele desenvolvidos, a arte latino-americana se move segundo os
preceitos da arte ocidental, escapando portanto da designação de
arte étnica e surgindo como uma espécie de desdobramento menor,
mesmo quando reavaliado, do que foi a arte moderna e do que tem
sido a arte contemporânea nos centros hegemônicos. Nesse sentido,
se Belting estiver certo – e eu creio que está – as transformações
recentes que o advento da arte global está suscitando, devem afetar
a arte latino-americana e a arte brasileira, particularmente sua
relação com a arte euro-americana.
Com efeito, o que está acontecendo que nos permite levantar essa
lebre? Antes de tudo, uma tendência já detectada por Belting no
texto “Art in the TV Age. On Global Art and Local Art History”. Pois
nesse ensaio, refletindo sobre o que cabe à arte numa era
tecnológica, o historiador sugere que a arte e a tecnologia sempre
competiram, desde a emergência da modernidade, em termos de
descobrimento e de progresso. Entretanto, diz ele, “hoje a tecnologia
parece vencer a velha competição e até conquistar uma indisputada
autoridade na constituição de uma nova identidade global. Além
disso, a tecnologia controla a experiência do que chamamos realidade
virtual, cujo fascínio ofusca o velho papel da arte como o porto do
imaginário”. Ora, sempre segundo Belting, a vitória da tecnologia
teve implicações importantes para a arte: em primeiro lugar, porque
a utopia deixou de ser uma de suas reivindicações e tornou-se
privilégio da tecnologia; por outro lado, a arte se tornou por
excelência o campo da imaginação privada e da criatividade enquanto
a TV se tornou a expressão dos interesses econômicos e políticos em
escala global; finalmente, lembrando Peter Sellers, o historiador
afirma que, contrariamente aos mass media, a arte deve ser lenta,
difícil e obscura se quiser manter sua vida e seus direitos no mundo
de hoje.
3
Parzinger, Hermann. « Words of Welcome ». Hug, Alfons ; Junge, Peter & König, Viola (eds) The
Tropics – Views from the Middle of the Globe. Goethe-Institut, Ethnologisches
Museum, Staatliche Museen zu Berlin, Bielefeld/Leipzig : Kerber Art Verlag, 2008, p. 8.
brasileiras, mas também porque a idéia nasceu no Rio de Janeiro,
onde mora e trabalha Alfons Hug, porque o Brasil é o maior pais
tropical do planeta, porque dos 40 artistas contemporâneos
convidados treze são brasileiros e, last but not least, porque a arte e
a cultura brasileiras já haviam tentado elaborar, dentro da matriz
moderna ocidental, a sua diferença específica como tropicalidade,
através da Antropofagia de Oswald de Andrade, nos anos 20, do
Tropicalismo nos anos 60, e do trabalho revolucionário e complexo de
Hélio Oiticica, que soube romper com as persistentes oposições arte
erudita/arte popular, arte européia/arte não-européia, arte
internacional/ambiente local, etc.
5
Heg, Anfons. The Tropics… Op. cit. p. 15.
todos os tempos. Como se vê, então, as aproximações trans-
temporais e trans-espaciais parecem estar na ordem do dia... e, de
certo modo, constituem uma tendência consistente no universo da
visualidade contemporânea.
Que se tome, por exemplo, o grupo temático After the Flood – nature
and landscape, que abre a mostra. De saída, é preciso ressaltar que a
inscrição da natureza e da paisagem tropicais numa perspectiva
bíblica de antes ou depois do Dilúvio já introduz um ruído
considerável no entendimento da aproximação das obras escolhidas e
expostas porque o espectador não tem mais critério para apreciá-las,
sobretudo as que pertencem à arte étnica. Pois como e por quê
vinculá-las a essa referência cristã? Tudo leva a crer que a
incorporação das obras sob essa rubrica tem o dom de subtraí-las de
sua própria materialidade para torná-las expressões metafóricas de
um entendimento do mundo tropical informado pelo mito e pela
religião do europeu. Assim, a floresta deixa de ser um espaço
disputado por culturas em conflito para tornar-se um espaço
metafórico. E como tanto os trabalhos contemporâneos quanto os
étnicos são tomados nesse mesmo registro, encontram-se em pé de
igualdade, isto é não-hierarquizados porque são todos metáforas de
uma natureza e de uma paisagem que lhes é comum. Ocorre que
tanto a natureza quanto a paisagem não podem se constituir como
esse substrato comum porque as próprias noções de natureza e de
paisagem diferem radicalmente, quando consideradas sob a
perspectiva ocidental contemporânea e sob a perspectiva étnica - um
conceito universal de natureza e de paisagem só pode ser suposto
como “dado” na cabeça de um homem ocidental moderno!