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Filosofia e ciências da natureza: alguns Ora, o termo “ciência” nem sempre foi

elementos históricos entendido da mesma maneira e ainda hoje as


Este texto pretende oferecer uma panorâmica opiniões
geral e introdutória do modo como os filósofos acerca do que deve ou não ser considerado
têm encarado as ciências da natureza ao longo como científico continuam divididas. Uma
da história, e apresentar simultaneamente definição rigorosa e consensual de ciência é,
alguns elementos básicos da própria história do pois, algo difícil de estabelecer.
desenvolvimento científico. Nestas páginas Mas isso não nos deve impedir de avançar.
encontram‐se alguns elementos da história da Assim, a melhor maneira de começar talvez seja
ciência, mas, sobretudo, da história da filosofia a
da ciência, assim como elementos de história de correr o risco de propor uma definição de
das ideias em geral e de história da filosofia em ciência que, apesar de imprecisa, nos possa
particular; isto é, trata‐se em grande parte de servir
uma panorâmica do modo como os filósofos têm como ponto de partida, mesmo que venha
encarado a ciência ao longo do tempo, e não depois a ser corrigida: a ciência da natureza é o
tanto uma descrição, ainda que geral, do estudo sistemático e racional, baseado em
desenvolvimento da própria ciência. Os métodos adequados de prova, da natureza e do
desenvolvimentos científicos surgem apenas seu
como funcionamento.Muitas das perguntas mais
pano de fundo. Procurar ver como ao longo da elementares que os seres humanos colocam a si
história a pergunta filosófica “O que é a ciência próprios desde
da natureza?” seria respondida, pareceu‐me que são seres humanos são perguntas que
uma boa maneira de orientar este texto. Estas podem dar origem a estudos científicos. Eis
páginas incluem, como ilustração das ideias aqui alguns
apresentadas, algumas passagens dos exemplosdessas perguntas: Porque é que
filósofos e cientistas referidos. Apesar de essas chove? O que é o trovão? De onde vem o
passagens serem escolhidas a pensar na relâmpago? Por que razão crescem as ervas? Por
facilidade de compreensão por parte dos alunos, que razão existem os montes? Por que razão
todo o texto pode ser lido passando por cima tenho fome? Por que razão morrem os meus
delas sem que algo de essencial se perca. semelhantes? Porque é que cai a noite e a seguir
Apesar de o termo “ciência” ser muito vem o dia de novo? O que são as estrelas? Por
abrangente, neste texto iremos sobretudo que razão voam os pássaros?...
centrar a Mas estas perguntas podem dar origem também
nossa atenção nas ciências da natureza. Pelo a outro tipo de respostas que não as
fato de as ciências da natureza, e em particular científicas; podem dar origem a respostas de
a caráter religioso e mítico. Essas respostas têm a
física e a astronomia, se terem desenvolvido característica de não se basearem nos métodos
mais cedo do que as ciências sociais, exerceram mais adequados e de não serem o produto de
e estudos sistemáticos. Uma resposta mítica ou
continuam a exercer uma influência assinalável religiosa apela à vontade de um Deus ou de
no modo como os filósofos encaram a ciência – deuses e conta uma história da origem do
acontecendo até muitas vezes que eles usam o universo. Essa resposta não se baseia em
termo “ciência” como abreviatura de “física”. estudos
Ao longo do texto irei muitas vezes usar o termo sistemáticos da natureza, mas antes na
“ciência” para falar das ciências da natureza; observação diária não sistemática; e não são
quando falar das ciências formais como a estudos
geometria ou a matemática em geral, será racionais dado que não encorajam a crítica, mas
suficientemente claro que já não estou a falar de antes a aceitação religiosa. Isto não quer dizer
ciências da natureza. que as respostas míticas e religiosas não
1. Os gregos tivessem qualquer valor. Por exemplo, é óbvio
Mitos e deuses que
Quando surgiu a ciência? Esta parece ser uma numa altura em que a ciência, com os seus
pergunta simples. Contudo, tem métodos racionais de prova, ainda não estava
frequentemente dado origem a longas desenvolvida, as explicações míticas e religiosas
discussões. Discussões que acabam quase eram pelo menos uma maneira de responder
sempre por à curiosidade natural dos seres humanos. Além
se deslocar para uma outra pergunta mais disso, as explicações míticas e religiosas de um
básica: o que é a ciência? Mais básica, pois a dado povo dão a esse povo uma importância
resposta para aquela depende da solução central na ordem das coisas. E têm ainda outra
encontrada para esta.
característica importante: essas explicações suas ideias a demonstrar que não tinha razão.
constituem muitas vezes códigos de conduta Esta é uma característica da ciência – e da
moral, determinando de uma forma integrada filosofia – que se opõe ao mito e à religião. A
com a origem mítica do universo, o que se deve vontade de discutir racionalmente ideias, ao
e o que não se deve fazer. invés de nos limitarmos a aceitá‐las, é um
As explicações míticas e religiosas foram elemento sem o qual a ciência não se poderia
antepassados da ciência moderna, não por ter
darem desenvolvido. Uma das vantagens da discussão
importância central aos seres humanos na aberta de ideias é que os defeitos das nossas
ordem das coisas nem por determinarem ideias são criticamente examinados e trazidos à
códigos luz do dia por outras pessoas. Foi talvez por
de conduta baseados na ordem cósmica, mas isso que outros pensadores da mesma região
por ao mesmo tempo oferecerem explicações de surgiram apresentando diferentes teorias e,
alguns fenômenos naturais – apesar de essas deste modo, se iniciou uma tradição que se foi
explicações não se basearem em métodos gradualmente afastandodas concepções míticas
adequados de prova nem na observação anteriores. Assim apareceram na Grécia, entre
sistemática da natureza. outros, Anaximandro (séc. VI a. C.), Heráclito
Os primeiros filósofos‐cientistas (séc. VI/V a. C.), Pitágoras (séc. VI a. C.),
A ciência da natureza é diferente do mito e da Parmênides (séc. VI/V a. C.) e Demócrito (séc.
religião. A ciência baseia‐se em observações V/IV a.
sistemáticas, é um estudo racional e usa C.). Este último viria mesmo a defender que tudo
métodos adequados de prova. Como é natural, quanto existia era composto de
os pequeníssimas partículas indivisíveis (atomoi),
primeiros passos em direção à ciência não unidas entre si de diferentes formas, e que na
revelam ainda todas as características da ciência realidade nada mais havia do que átomos e o
– vazio onde eles se deslocavam. Foi o primeiro
revelam apenas algumas delas. O primeiro, e grande filósofo naturalista, que achava que não
tímido, passo na direção da ciência só foi dado havia deuses e que a natureza tinha as suas
no próprias leis.
início do séc. VI a. C. na cidade grega de Mileto, As ciências da natureza estavam num estado
por aquele que é apontado como o primeiro primitivo; pouco mais eram do que especulações
filósofo, Tales de Mileto. baseadas na observação avulsa. Mas as ciências
Tales de Mileto acreditava em deuses. Só que a matemáticas começaram também desde cedo
resposta que ele dá à pergunta acerca da a desenvolver‐se, e apresentaram desde o início
origem ou princípio de tudo o que vemos no muitos mais resultados do que as ciências da
mundo já não é mítica; já não se baseia em natureza. Pitágoras, por exemplo, descobriu
entidades sobrenaturais. Dizia Tales que o vários resultados matemáticos importantes, e o
princípio de todas as coisas era algo que por nome dele ainda está associado ao teorema de
todos Pitágoras da geometria (apesar de não se saber
podia ser diretamente observado na natureza: a se terá sido realmente ele a descobrir este
água. Tendo observado que a água tudo fazia teorema, se um discípulo da sua escola). A
crescer e viver, enquanto que a sua falta levava escola
os seres a secar e morrer; tendo, talvez, pitagórica era profundamente mística; atribuía
reparado que na natureza há mais água do que aos números e às suas relações um significado
terra e que grande parte do próprio corpo mítico e religioso. Mas os seus estudos
humano era formado por água; verificando que matemáticos eram de valor, o que mostra mais
esse elemento se podia encontrar em uma
diferentes estados, o líquido, o sólido e o gasoso, vez como a ciência e a religião estavam
foi assim levado a concluir que tudo surgiu a misturadas nos primeiros tempos. Afinal, a sede
partir da água. A explicação de Tales ainda não de
é científica; mas também já não é conhecimento que leva os seres humanos a
inteiramentemítica. Tem características da fazer ciências, religiões, artes e filosofia é a
ciência e características do mito. Não é baseada mesma.
na observação O maior desenvolvimento das ciências
sistemática do mundo, mas também não se matemáticas teve repercussões
baseia em entidades míticas. Não recorre a importantíssimas para
métodos adequados de prova, mas também não o desenvolvimento da ciência, para a filosofia da
recorre à autoridade religiosa e mítica. ciência e para a filosofia em geral. Os
Este último aspecto é muito importante. Consta
que Tales desafiava aqueles que conheciam as
resultados matemáticos tinham uma Era essa a ideia de Platão. Este filósofo recusava
característica muito diferente das especulações a realidade do mundo dos sentidos; toda a
sobre a mudança que observamos diariamente era
origem do universo e de todas as coisas. Ao apenas ilusão, reflexos pálidos de uma realidade
passo que havia várias ideias diferentes quanto suprassensível que poderia ser verdadeiramente
à conhecida. E a geometria, o ramo da
origem das coisas, os resultados matemáticos matemática mais desenvolvida do seu tempo,
eram consensuais. Eram consensuais porque os era a ciência fundamental para conhecer o
métodos de prova usados eram poderosos; dada domínio suprassensível. ParaPlatão, só podíamos
a demonstração matemática de um ter conhecimento do domínio suprassensível,
resultado, era praticamente impossível recusá‐ a que ele chamou o domínio das Ideias ou
lo. Formas; do mundo sensível não podíamos senão
A matemática tornou‐se assim um modelo da ter
certeza. Mas este modelo não é apropriado para opiniões, também elas em constante fluxo. O
o estudo da natureza, pois a natureza depende domínio do sensível era, para Platão, uma forma
crucialmente da observação. Além disso, não de opinião inferior e instável que nunca nos
se pode aplicar a matemática à natureza se não levaria à verdade universal, eterna e imutável, já
tivermos à nossa disposição instrumentos que se a mesma coisa fosse verdadeira num
precisos de quantificação, como o termômetro momento e falsa no momento seguinte, então
ou o cronômetro. Assim, o sentimento de não poderia ser conhecida.
alguns filósofos era (e por vezes ainda é) o de Podemos ver a distinção entre os dois mundos,
que só o domínio da matemática era que levaria à distinção entre ciência e opinião,
verdadeiramente “científico” e que só a na seguinte passagem de um dos seus diálogos:
matemática podia oferecer realmente a certeza. Há que admitir que existe uma primeira
SóGalileu e Newton, já no século XVII, viriam a realidade: o que tem uma forma
mostrar que a matemática se pode aplicar à imutável, o que de nenhuma maneira nasce nem
natureza e que as ciências da natureza têm de perece, o que jamais admite
se basear noutro tipo de observação diferente em si qualquer elemento vindo de outra parte, o
da observação que até aí se fazia. que nunca se transforma
Platão e Aristóteles noutra coisa, o que não é perceptível nem pela
Uma das preocupações de Platão (428‐348 a.C.) vista, nem por outro sentido, o
foi distinguir a verdadeira ciência e o que só o entendimento pode contemplar. Há
verdadeiro conhecimento da mera opinião ou uma segunda realidade que tem o
crença. Um dos problemas que atormentaram mesmo nome: é semelhante à primeira, mas é
os filósofos gregos em geral e Platão em acessível à experiência dos
particular, foi o problema do fluxo da natureza. sentidos, é engendrada, está sempre em
Na movimento, nasce num lugar
natureza verificamos que muitas coisas estão determinado para em seguida desaparecer; é
em mudança constante: as estações sucedem‐ acessível à opinião unida à
se, sensação.
as sementes transformam‐se em árvores, os Platão, Timeu
planetas e estrelas percorrem o céu noturno. Conhecer as ideias seria o mesmo que conhecer
Mas a verdade última, já que elas seriam os
como poderemos nós ter a esperança de modelos ou causas dos objetos sensíveis. Como
conseguir explicar os fenômenos naturais, se tal, só se poderia falar de ciência acerca
eles dasideias, sendo que estas não residiam nas
estão em permanente mudança? Para os gregos, coisas. Procurar a razão de ser das coisas
isto representava um problema por alguns obrigava a ir
dos motivos que já vimos: não tinham para além delas; obrigava a ascender a uma
instrumentos para medir de forma exata, por outra realidade distinta e superior. A ciência,
exemplo, para
a velocidade; e assim a matemática, que Platão não era, pois, uma ciência acerca dos
constituía o modelo básico de pensamento objetos que nos rodeiam e que podemos
científico, observar
era inútil para estudar a natureza. A matemática com os nossos sentidos. Neste aspecto
parecia aplicar‐se apenas a domínios estáticos fundamental é que o principal discípulo de
e eternos. Como o mundo estava em constante Platão,
mudança, parecia a alguns filósofos que o Aristóteles (384‐322 a.C.), viria a discordar do
mundo não poderia jamais ser objeto de mestre.
conhecimento científico.
Aristóteles não aceitou que a realidade captada várias disciplinas científicas (como a taxionomia
pelos nossos sentidos fosse apenas um mar de biológica, a cosmologia, a meteorologia, a
aparências sobre as quais nenhum verdadeiro dinâmica e a hidrostática), Aristóteles deu um
conhecimento se pudesse constituir. Bem pelo passo mais na direção da ciência tal como hoje a
contrário, para ele não havia conhecimento sem conhecemos: pela primeira vez encarou a
a intervenção dos sentidos. A ciência, para observação da natureza de um ponto de vista
ele, teria de ser o conhecimento dos objetos da mais
natureza que nos rodeia. sistemático. Ao passo que para Platão a
É verdade que os sentidos só nos davam o verdadeira ciência se fazia na contemplação dos
particular e Aristóteles pensava que não há universais, descurando a observação da
ciência natureza que é fundamental na ciência,
senão do universal. Mas, para ele, e ao contrário Aristóteles
do seu mestre, o universal inferia‐se do dava grande importância à
particular. Aristóteles achava que, para se observação.Aristóteles desenvolveu teorias
chegar ao conhecimento, nos devíamos virar engenhosas sobre muitas áreas da ciência e da
para a filosofia. A
única realidade existente, aquela que os própria filosofia da ciência foi pela primeira vez
sentidos nos apresentavam. estudada com algum rigor por ele. Aristóteles
Sendo assim, o que tínhamos de fazer consistia achava que havia vários tipos de explicações,
em partir da observação dos casos particulares que correspondiam a vários tipos de causas. Um
do mesmo tipo e, pondo de parte as desses tipos de causas e de explicações era
características próprias de cada um (por um fundamental, segundo Aristóteles: a explicação
processo de teleológica ou finalista. Para Aristóteles, todas as
abstração), procurar o elemento que todos eles coisas tendiam naturalmente para um fim (a
tinham em comum (o universal). Por exemplo, palavra portuguesa “teleologia” deriva da
todas as árvores são diferentes umas das outras, palavra grega para fim: telos), e era esta
mas, apesar das suas diferenças, todas concepção
parecem ter algo em comum. Só que não teleológica da realidade que explicava a
poderíamos saber o que elas têm em comum se natureza de todos os seres. Esta concepção da
não ciência
observássemos cada uma em particular, ou pelo como algo que teria de ser fundamentalmente
menos um elevado número delas. Ao teleológica iria perdurar durante muitos
processo que permite chegar ao universal séculos, e constituir até um obstáculo
através do particular chama‐se por vezes importante ao desenvolvimento da ciência.
“indução”. Ainda hoje
A indução é, pois, o método correto para chegar muitas pessoas pensam que a ciência
à ciência, tal como escreveu Aristóteles: contemporânea descreve o modo como os
É evidente também que a perda de um sentido fenômenos
acarreta necessariamente o da natureza ocorrem, mas que não explica o
desaparecimento de uma ciência, que se torna porquê desses fenômenos; isto é uma ideia
impossível de adquirir. Só errada, que resulta ainda da ideia aristotélica de
aprendemos, com efeito, por indução ou por que só as explicações finalistas são
demonstração. Ora a verdadeiras explicações.
demonstração faz‐se a partir de princípios Devido a um conjunto de fatores, a Grécia não
universais, e a indução a partir de voltou a ter pensadores com a dimensão de
casos particulares. Mas é impossível adquirir o Platão e Aristóteles. Mesmo assim apareceram
conhecimento dos universais a ainda, no séc. III a. C., alguns contributos para a
não ser pela indução, visto que até os chamados ciência, tais como os Elementos de Geometria
resultados da abstração não de Euclides, as descobertas de Arquimedes na
se podem tornar acessíveis a não ser pela Física e, já no séc. II, Ptolomeu na astronomia.
indução. (...) Mas induzir é impossível 2. A idade média
para quem não tem a sensação:porque é nos Crer para compreender
casos particulares que se aplica a Entretanto, o mundo grego desmoronou‐se e o
sensação; e para estes não pode haver ciência, seu lugar cultural viria, em grande parte, a ser
visto que não se pode tirá‐la de ocupado pelo império romano. Entretanto, surge
universais sem indução nem obtê‐la por indução uma nova religião, baseada na religião
sem a sensação. judaica e inspirada por Jesus Cristo, que a pouco
Aristóteles, Segundos Analíticos e pouco foi ganhando mais adeptos. O
Aristóteles representa um avanço importante
para a história da ciência. Além de ter fundado
próprio imperador romano, Constantino, As teorias dos antigos filósofos gregos deixaram
converteu‐se ao cristianismo no início do século de suscitar o interesse de outrora. A sabedoria
IV, encontrava‐se fundamentalmente na Bíblia, pois
acabando o cristianismo por se tornar a religião esta era a palavra divina e Deus era o criador
oficial do Império Romano. Inicialmente de todas as coisas. Quem quisesse compreender
pregada por Cristo e seus apóstolos, a sua a natureza, teria, então, que procurar tal
doutrina veio também a ser difundida e conhecimento não diretamente na própria
explicada natureza, mas nas Sagradas Escrituras. Elas é
por muitos outros seguidores, estando entre os que
primeiros S. Paulo e os padres da igreja dos continham o sentido da vontade divina e,
quais se destacou S. Agostinho (354‐430). portanto, o sentido de toda a natureza criada.
Tratava‐se de uma doutrina que apresentava Era
uma mensagem apoiada na ideia de que este isso que merecia verdadeiramente o nome de
mundo era criado por um Deus único, “ciência”.
onipotente, onisciente, livre e infinitamente Compreender a natureza consistia, no fundo, em
bom, tendo interpretar a vontade de Deus patente na
sido nós criados à sua imagem e semelhança. Bíblia e o problema fundamental da ciência
Sendo assim, tanto os seres humanos como a consistia em enquadrar devidamente os
própria natureza eram o resultado e fenômenos naturais com o que as Escrituras
manifestação do poder, da sabedoria, da diziam. Assim se reduzia a ciência à teologia, tal
vontade e da como é ilustrado na seguinte passagem de S.
bondade divinas. Como prova disso, Deus teria Boaventura (1217‐1274), tirada de um escrito
enviado o seu filho, o próprio Cristo, e deixado cujo título é, a este respeito, elucidativo:
a sua palavra, as Sagradas Escrituras. Por sua E assim fica manifesto como a “multiforme
vez, os seres humanos, como criaturas divinas, sabedoria de Deus”, que aparece
só claramente na Sagrada Escritura, está oculta em
poderiam encontrar o sentido da sua existência todo o conhecimento e em
através da fé nas palavras de Cristo e das toda a natureza. Fica, igualmente, manifesto
Escrituras. Uma das diferenças fundamentais do como todas as ciências estão
cristianismo em relação ao judaísmo consistia subordinadas à teologia, pelo que esta colhe os
na crença de que Jesus era um deus encarnado, exemplos e utiliza a
coisa que o judaísmo sempre recusou e terminologia pertencente a todo o gênero de
continua a recusar. conhecimentos. Fica, além disso,
A religião cristã acabou por ser a herdeira da manifesto como é grande a iluminação divina e
civilização grega e romana. Aquando da de que modo no íntimo de tudo
derrocada do império romano, foram os cristãos quanto se sente ou se conhece está latente o
– e os árabes –, espalhados por diversos próprio Deus.
mosteiros, que preservaram o conhecimento S. Boaventura, Redução das Ciências à Teologia
antigo. Dada a sua formação essencialmente Investigações recentes revelaram que, apesar
religiosa, tinham tendência para encarar o do que atrás se disse, houve mesmo assim
conhecimento, sobretudo o conhecimento algumas contribuições que iriam ter a sua
danatureza, de uma maneira religiosa. O nosso importância no que posteriormente viria a
destino estava nas mãos de Deus e até a pertencer
natureza ao domínio da ciência. Mas o mundo medieval é
nos mostrava os sinais da grandeza divina. inequivocamente um mundo teocêntrico e a
Restava‐nos conhecer a vontade de Deus. Só instituição que se encarregou de fazer perdurar
que, durante séculos essa concepção foi a Igreja. A
para isso, de nada serve a especulação filosófica Igreja alargou a sua influência a todos os
se ela não for iluminada pela fé. E o domínios da vida. Não foi apenas o domínio
conhecimento científico não pode negar os religioso,
dogmas religiosos, e deve até fundamentá‐los. A foi também o social, o econômico, o artístico e
ciência e a filosofia ficam assim submetidas à cultural, e até o político. Com o poder
religião; a investigação livre deixa de ser adquirido, uma das principais preocupações da
possível. Igreja passou a ser o de conservar tal poder,
Esta atitude de totalitarismo religioso irá acabar decretando que as suas verdades não estavam
por ter consequências trágicas para Galileu e sujeitas à crítica e quem se atrevesse sequer a
para Giordano Bruno (1548‐1600), tendo este discuti‐las teria de se confrontar com os
último sido condenado pela Igreja em função guardiães em terra da verdade divina.
das suas doutrinas científicas e filosóficas: foi Compreender para crer
queimado vivo.
Todavia, começou a surgir, por parte de certos na altura, ainda não tinha surgido. Mas esta tese
pensadores, a necessidade de dar um tem poucos exemplos em que se apoiar e
fundamento teórico, ou racional, à fé cristã. Era parece até que o verdadeiro espírito científico
preciso demonstrar as verdades da fé; moderno teve de se debater com a resistência
demonstrar que a fé não contradiz a razão e dos fantasmas irracionais associados à alquimia
vice‐versa. Se antes se dizia que era preciso e outras práticas do gênero pouco dadas à
“crerpara compreender”, deveria então juntar‐se compreensão racional dos fenômenos naturais.
“compreender para crer”. A fé revela‐nos a A alquimia continuou a praticar‐se e chegou
verdade, a razão demonstra‐a. Assim, fé e razão mesmo a despertar o interesse de algumas das
conduzem uma à outra. mais importantes figuras da história da ciência,
Foi esta a posição do mais destacado de todos como foi o caso de Newton. O mais conhecido
os filósofos cristãos, S. Tomás de Aquino (1224‐ praticante da alquimia foi Paracelso (1493‐
1274). S. Tomás veio dar ao cristianismo todo 1541), em pleno período renascentista.
um suporte filosófico, socorrendo‐se para tal dos 3. A ciência moderna
conceitos da filosofia aristotélica que se vê, Os precursores
deste modo, cristianizada. Tanto os conceitos Não é possível dizer exatamente quando
metafísicos de Aristóteles – nomeadamente que terminou a Idade Média e começou o período
tudo quanto existe tem uma causa primeira e que se
um fim último – como a sua cosmologia lhe seguiu. Há, todavia, uma data que é
(geocentrismo reformulado por Ptolomeu: o frequentemente apontada como referência
universo simbólica
é formado por esferas concêntricas, no meio do da passagem de uma época à outra. Essa data é
qual está a Terra imóvel) foram utilizados e 1453, data que marca a queda do Império
adaptados à doutrina cristã da Igreja por S. Romano do Oriente.O início do Renascimento
Tomás. Aristóteles passou a ser estudado e trouxe consigo uma longa série de
comentado nas escolas (que pertenciam à transformações que seria
Igreja, funcionando nos seus mosteiros) e impossível referir aqui na sua totalidade.
tornou‐ Algumas dessas transformações mostraram os
se, a par das Escrituras, uma autoridade no que seus
diz respeito ao conhecimento da natureza. primeiros indícios ainda no período medieval e
A alquimia tiveram muito que ver com, entre outros fatos,
Além do que ficou dito, há um aspecto que não o aparecimento de novas classes que já não
pode ser desprezado quando se fala da ciência estavam inseridas na rígida estrutura feudal,
na Idade Média e que é a alquimia. As práticas própria do mundo rural medieval. Essas classes
alquímicas, apesar do manto de segredo com são as dos mercadores e artífices, as quais
que se cobriam, eram muito frequentes na Idade dependem essencialmente do comércio
Média. O alquimista encarava a natureza marítimo. Fora da tradicional hierarquia feudal,
como algo de misterioso e fantástico, o que não muitas pessoas prosperam nas cidades. Cidades
era estranho ao espírito medieval, em que que se desenvolvem e onde começa a surgir
tudo estava impregnado de simbolismo. Cabia‐ também uma indústria, sobretudo ligada à
lhe decifrar e utilizar esses símbolos para manufatura de produtos – com a valorização dos
descobrir as maravilhas da natureza. Desse artesãos – e à construção naval. Isso trouxe
modo ele poderia não só penetrar nos seus consigo um inevitável progresso técnico que
segredos como também manipulá‐la e, por viria a
exemplo, transformar os metais vis em metais colocar novos problemas no domínio da ciência.
preciosos. Por tudo isso, os alquimistas foram Para tal contribuíram, além do comércio naval
vistos, por muitos, como verdadeiros agentes do atrásreferido, também os descobrimentos
demônio. O anonimato seria a melhor forma de marítimos. Descobrimentos em que Portugal
prosseguir nas suas práticas, as quais eram ocupa
consideradas como ilícitas em relação aos um lugar de relevo. O mundo fechado do tempo
programas oficiais das escolas da época. Daí a das catedrais começa, assim, a abrir‐se, com
existência das chamadas sociedades secretas, as velhas certezas a ruir e os horizontes de um
do ocultismo e do esoterismo, onde a própria “novo universo” a alargar‐se.
situação de anonimato ia a par do mistério que O homem renascentista começou a virar‐se mais
cobre todas as coisas. para si do que para os dogmas bíblicos e a
Há quem defenda que tudo isso, ao explorar interessar‐se cada vez mais pelas ideias,
certos aspectos da natureza proibidos pelas durante tantos séculos esquecidas, dos grandes
autoridades religiosas, deu também o seu filósofos gregos, de modo a fazer renascer os
contributo à ciência, nomeadamente à química, ideais da cultura clássica – daí o nome de
que,
Renascimento. Esta é uma nova atitude a que se uma grande resistência por parte dos “sábios”
chamou “humanismo”. O protótipo do da altura e da Igreja, tendo esta ameaçado e
homem renascentista é Leonardo da Vinci, mesmo julgado Galileu por tal heresia.
pintor, escultor, arquiteto, engenheiro, escritor, Por outro lado, Bacon propôs na sua obra
etc., a quem tudo interessa. Muitas verdades NovumOrganum um novo método para o estudo
intocáveis são revistas e caem do seu pedestal. da
O natureza que viria a tornar‐se uma marca
que leva, inclusivamente, à contestação da distintiva da ciência moderna. Bacon defende a
autoridade religiosa do Papa, como acontece experimentação seguida da indução.
com Mas não vimos atrás que também Aristóteles
Lutero (1483‐1546), dando origem ao defendia a indução? É verdade que já há cerca
protestantismo e à reforma da Igreja. de dois mil anos antes Aristóteles propunha a
As mudanças acima apontadas irão estar na indução como método de conhecimento. Só
base de um acontecimento de importância que, para este, a indução não utilizava a
capital experimentação. Se Aristóteles tivesse recorrido
na história da ciência: a criação, por Galileu à
(1564‐1642), da ciência moderna. Com a criação experimentação, facilmente poderia concluir
da que, ao contrário do que estava convencido, a
ciência moderna foi toda uma concepção da velocidade da queda dos corpos não depende do
natureza que se alterou, de tal modo que se seu peso. Para Aristóteles, a indução partia
pode da simples enumeração de casos particulares
dizer que Galileu rompeu radicalmente com a observados, enquanto que Bacon falava de uma
tradicional concepção do mundo incontestada observação que não era meramente passiva, até
durante tantos séculos. porque o homem de ciência deveria estar
É claro que Galileu não esteve sozinho e atento aos obstáculos que se interpõem entre o
podemos apontar pelo menos dois nomes que espírito humano e a natureza. Assim, seria
em necessário eliminar da observação vulgar as
muito ajudaram a romper com essa tradição e falsas imagens – que tinham diferentes origens e
contribuíram de forma evidente para a criação a
da ciência moderna: Copérnico (1473‐1543) e que Bacon dava o nome de idola – e pôr essa
Francis Bacon (1561‐1626). observação à prova através da experimentação.
Por um lado, Copérnico com a publicação do seu A par do que ficou dito, Bacon falava de uma
livro A Revolução das Órbitas Celestes veio ciência já não contemplativa como a anterior,
defender uma teoria que não só se opunha à masuma ciência “ativa e operativa”que visava
doutrina da Igreja, como também ao mais possibilitar aos seres humanos os meios de
elementar senso comum, enquadrados pela intervir na natureza e a dominar. Esta ciência
autoridade da filosofia aristotélica largamente dos efeitos traz consigo o germe da
ensinada nas universidades da época: essa interdependência entre ciência e tecnologia.
teoria era o heliocentrismo. Baseado parcialmente em artigo disponível
O heliocentrismo, ao contrário do geocentrismo
até então reinante, veio defender que a Terra
não se encontrava imóvel no centro do universo
com os planetas e o Sol girando à sua volta,
mas que era ela que se movia em torno do Sol.
Ao defender esta teoria, Copérnico baseava‐se
na convicção de que a natureza não devia ser
tão complicada quanto o esforço que era
necessário para, à luz do geocentrismo
aristotélico, compreender o movimento dos
planetas,
as fases da Lua e as estações do ano.
Seriam Galileu, graças às observações com o
seu telescópio, e o astrônomo alemão Kepler
(1571‐1630), ao descobrir as célebres leis do
movimento dos planetas, a completar aquilo
queCopérnico não chegou a fazer: apresentar as
provas que davam definitivamente razão à
teoria
heliocêntrica, condenando a teoria geocêntrica
como falsa. Nada disto, porém, aconteceu sem

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