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Memória de um dia de Verão

Gustavo Martins
“This is the song of a kingfisher girl
Who sits by the side of the River of Life
And flies in her mind over seven sad seas
Fiery her wings as so brightly she sings”
Kingfisher Girl the song of “Wish you were here” – Sakamoto Maaya

Foi num dia chuvoso de verão.

As nuvens no céu formavam um véu acinzentado e o vento gelado que soprava do mar cortava a pele
como navalhas geladas. O clima havia se estado assim durante várias semanas e as pessoas se perguntavam
se ele iria realmente melhorar.

Naquela época eu vivia em uma cidade costeira. Toda a economia era baseada no peixe que era pescado.
Normalmente aquela era um região abundante no verão, pois muitos tipos de peixes iam para lá fugindo
das baixas temperaturas que atingiam o sul. Durante a alta temporada, eram recebidos muitos visitantes
interessados na culinária local, o que movimentava as hospedarias que acabavam tendo de comprar mais
frutos do mar e contratar mais gente para trabalhar. Essa era época em que estocávamos os alimentos e o
dinheiro para o inverno, estação durante a qual não podíamos pescar e em que ir para cidades vizinhas se
tornava quase impossível. Entretanto, naquele ano o sol não havia brilhado um dia sequer. Se o clima
continuasse daquele modo ninguém teria alimento para a estação que viria.

Naquela tarde fria eu voltava da casa de um amigo. Sua filha adoecera devido à mudança brusca da
temperatura e ele não tinha condições de tratá-la. Os médicos suspeitavam que fosse pneumonia e se
realmente o fosse não havia chances dela sobreviver nas condições em que nos encontrávamos. Estava
caminhando pela rua das docas e observando o mar revolto…

Então eu a vi.

Sentada na beira da rua, vestida num esvoaçante vestido branco, ela cantava belamente. Seus cabelos
marrons eram como as penas de um pássaro e sua voz não deixava nada a dever para o canto de um. Parei
minha caminhada e por um longo tempo a observei maravilhado. As palavras eram entoadas com uma
beleza sobre-humana. Cada verso ecoava por todo meu corpo, atingindo cada fibra e cada célula, me
fazendo vibrar como um todo. Queria falar com ela, entretanto não conseguia sequer me mover. Sua
canção sublime me paralisara por completo.

Quando ela finalmente parou a chuva já havia cessado. Alguns poucos raios de luz despontavam por
entre a densa camada de nuvens, porém o frio e a fúria do mar permaneciam inalterados. Ela então se virou
levemente para mim. Não consegui respirar. Não podia ver seu rosto, mas sua beleza atravessou minha
mente, fazendo com que eu derrubasse o guarda-chuva que carregava.

“Não está com frio?” ela perguntou.

Respondi que não com a cabeça.


“O que está fazendo?”, questionei.

“Esperando alguém”.

“Nesse frio? Você vai ficar bem?”

Ela não disse nada. Fiquei a observando, parada, com suas roupas balançando no vento como pétalas de
uma flor. Sentia vontade de perguntar mais, entretanto algo meu impedia.

“Você mora aqui?” ela perguntou, se voltando para o mar.

“Sim”.

“Desculpe-me”.

Não entendi o que ela quis dizer com aquelas palavras. Porém, por alguma razão, não conseguia dizer
nada. Sua imagem naquela tarde nublada era ilusória, etérea. Eu a via, entretanto não conseguia acreditar
que ela estava lá. Sequer podia me mover. Era como um sonho.

“Sinto ter causado todo esse problema. Eu realmente acreditei que ele poderia aparecer aqui”, ela disse.

Permaneci em silêncio, aguardando que ela explicasse o significado de tais palavras.

“É difícil ficar num lugar só, mas eu achei que poderia ser dessa vez. Ele gostava de cidades assim.
Agora veja o que eu fiz”.

Aquilo que ela disse sobre “ter feito algo” me pareceu estranho.

Estaria ela dizendo que causou a mudança no clima?

Não fazia sentido.

A mulher então voltou a cantar. Era uma canção triste sobre alguém que eternamente esperava por uma
pessoa, cantando diante de um mundo vazio.

Seria ela a pessoa daquela música?

Enquanto ela cantava, as nuvens pareciam se abrir, deixando pouco a pouco a luz passar. O vento
diminuía o mar se acalmava, devolvendo à cidade seu aspecto natural. Diversas pessoas começavam a sair
de suas casas para observar aquele estranho fenômeno.

Estaria aquele canto devolvendo a nós a chance de viver?

Em pouco tempo todas as pessoas da cidade haviam se reunido ao redor daquela mulher, ouvindo suas
canções maravilhadas, encantas por tamanha beleza e pelo efeito elas pareciam causar.

A natureza então se acalmou.

A alegria se espalhou por todas as faces que assistiam àquele evento. Homens começaram a correr para
seus barcos, ávidos a recuperar o tempo perdido com o clima fechado. As mulheres festejavam o retorno da
vida da cidade com cantoria e dança.
A mulher então se levantou. O vento se tornara numa brisa gentil. Seus cabelos esvoaçantes escondiam
sua face. Era triste não poder ver o rosto daquela pessoa.

Tentei me aproximar dela, entretanto não conseguia. Algo me impelia a manter-me distante daquela
mulher. Algo maior que minha força de vontade ou que a fascinação que em mim ela despertara. Talvez
fosse por saber que ela esperava por alguém, quem sabe por alguma outra razão.

Sinceramente, não fazia a menor ideia.

Ainda assim sentia que devia dizer algo.

Juntando minha coragem e confiança, ergui minha cabeça e fixei meu olhar naquela pessoa. Temia não
conseguir me manter a olhando por muito tempo então gritei quão rápido pude.

“Obrigado!”, e nada mais consegui dizer.

A mulher permaneceu parada por um instante e então, empurrando os cabelos para trás, revelou sua face
e um sorriso caloroso.

Foi por um instante, por um efêmero ponto na infinidade do tempo, e ainda assim jamais esquecerei
aquele rosto. Nenhuma palavra é digna de ser atribuída a ela e nem o maior dos poetas poderia descrevê-la.
Ainda assim, eu a vi. Embora tenha sido breve, irreal, ilusório, ainda sei que o vi. Por um segundo apenas
tive uma visão do que concebia como o paraíso.

E então, como se levada pelo vento, aquela pessoa desapareceu, deixando para trás uma memória que
jamais abandonarei.

Foi num dia ensolarado de verão.

No céu azul o sol brilhava alegremente e a brisa macia que soprava do mar carregava para longe as
lágrimas e as mágoas. E do céu, coberto por fogo e vida, um Martim Pescador mergulhou cantando nas
profundezas do mar…

Além do tempo e do espaço.

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