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Sabe-se que o Código de Processo Civil procurou unificar, em seu Livro II, todas as
pretensões e ações executivas, tratando-as como obrigacionais. Temos mostrado em
inúmeras ocasiões a origem remota desta mercantilização do direito processual civil, nos
sistemas herdeiros do direito romano-canônico (p. ex. Reivindicação e sentença condenatória,
em "Sentença e coisa julgada", 4ª edição, Forense 2003; Curso de processo civil, 2º vol., 5ª
edição, 2002, R. T., p. 183-279; Jurisdição e execução na tradição romano-canônica, 2ª edição, Cap.
11, R. T., 1997; Processo e ideologia, 2ª edição, 2006, Forense, especialmente Cap. V).
As execuções "em sentido estrito" seriam as que contêm somente ato (factum),
não pensamento (dictum, cognição, juízo, representado por uma sentença); ao contrário
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destas, as lato sensu executivas seriam aquelas das quais se poderia dizer que não eram
puramente executivas, como a mais eminente ação executiva lato sensu que é a
reivindicatória, ou a ação de imissão de posse, que pode ser proposta contra o titular do
domínio; ou a ação de divisão de condomínios, ou a ação demarcatória de imóveis rurais.
Seriam ações realmente executivas, com execução em seu "conteúdo" e que, não obstante,
teriam um imenso componente cognitivo.
Seja esta a razão, ou seja porque no direito material, além da "obrigação", existem
"direitos reais", a verdade é que temos ainda ações cujas sentenças de procedência possuem
misturadas as duas funções, a cognição e a execução, enquanto sentenças que "contêm", em
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seu núcleo, a eficácia executiva. É o que ocorre com as execuções reais, ou ações reais, como,
por exemplo, a ação de esbulho possessório, a ação de despejo, a actio commodati, a ação de
depósito, a ação reivindicatória, a ação de imissão de posse, a ação de divisão, e todas as
demais ações em que se pede a coisa (res) e não o cumprimento de uma prestação (sobre a
acusação de anacronismo das ações especiais, consultar o que dissemos no Curso de processo
civil, 1º vol., 7ª edição, 2006, Forense, p. 104).
Para certos procedimentos especiais, como ele afirma, pode ser correta sua
asserção, como acontece com a ação de depósito, que nossa adesão ao direito europeu, de
origem francesa, mutilou a ponto de tornar, além de condenatória, ordinária e plenária
(como mostramos nos Comentários ao Código de Processo Civil, coleção R. T., vol. XIII, 2000,
especialmente p. 109 e sgts.).
Nunca será demasia repetir que o vocábulo ação é o substantivo do verbo agir.
Seria, portanto, um equívoco lógico tratar de ações sem ligá-las aos "verbos" que lhes
correspondem. Toda ação − todo agir − haverá de ser representado por um verbo. Isto é
uma determinação da própria linguagem. Como é óbvio, não é apenas no direito que as
ações são representadas por verbos. Se desejarmos classificar uma ação, a primeira coisa
a fazer será investigar por meio de que verbo ela se materializa, como ela realiza seu
enunciado.
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Cometem ofensa à lógica os que tentam classificar ações e sentenças a partir de sua
estrutura procedimental, sem considerar os respectivos verbos que as formam, que as
constituem, sem indicar os verbos que se acham em seu "conteúdo". Seria como dizer que
comer é a ação de comer sentado; ou viajar é uma atividade que compreende a ação dos
que se deslocam a pé, não daqueles, como diria Alessandro Pekelis, que viajam
comodamente sentados em um automóvel. Esta conduta trocaria a substância pela forma, ou
faria com que a forma criasse a substância, equívoco que, não raro, se observa na doutrina
processual.
Não se atenta para o "ato" (ação) de comer ou de viajar, mas na "forma", no modo
como se come ou se viaja. É assim que a doutrina processual − tornada "científica", como
disciplina formal − recomenda-nos classificar as ações e as respectivas sentenças. Não se
cuida de investigar os "verbos" que realizam as respectivas ações, apenas considera-se sua
estrutura externa, sua forma, na relação processual.
Nosso pendor pelas regras, como herdeiros do Iluminismo − que teve a pretensão
de transformar o direito numa ciência matemática −, leva-nos a recusar que o ato de comer
sentado ou comer caminhando sejam idênticas expressões da "ação" de colocar na boca os
alimentos e degluti-los. Somos tentados a dizer que comer há de ser, necessariamente, uma
atividade com a mesma estrutura externa; ou come-se sentado, ou não se come! Não
consideram esses processualistas que os conceitos jurídicos podem apresentar-se em
invólucros diferentes sem, apesar disso, terem seus respectivos "conteúdos" transformados.
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de uma ação obrigacional, passando a integrar a relação processual de conhecimento, como
agora voltamos a ter, em virtude da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005.
Os advogados forenses logo iriam testar a sugestão procurando redigir uma petição
inicial que servisse − como agora terá de servir − à nova estrutura do procedimento,
prescrito pela Lei 11.232. Veriam que a petição inicial não seria modificada, através da
inserção, no pedido, de mais um verbo, em virtude do qual o juiz devesse ordenar o
pagamento, ou a entrega da coisa (art. 461-A).
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experimentais, a impor-nos a construção de leis gerais, para qualquer fenômeno jurídico
que se nos apresente. Raciocinamos assim: "alguém disse que a sentença condenatória não
executa, apenas permite que a execução se faça em ação autônoma posterior. Agora esse
alguém vem dizer-nos que esta execução deixou de ser autônoma, passando a integrar o
processo de conhecimento". Sendo assim, argumenta, esta nova "estrutura" (externa!) faz
com que desapareça a categoria das sentenças condenatórias: ou elas não existem mais, ou
o conceito está mal definido, pois, para a "nossa" ciência processual, não será o "conteúdo"
que as define e sim a "estrutura" que o direito processual lhes dê. A doutrina não quer saber "o
que é uma ação executiva". Basta-lhe esclarecer qual o seu "procedimento".
Para a doutrina, a espécie de sentenças executivas (se é que elas existem) será
representada sempre por uma ação autônoma ou, do contrário, o conceito será imprestável,
porque terá perdido a qualidade mais essencial a qualquer conceito, que é a sua
"generalidade", a virtude que lhe é inerente de valer para sempre e para todos os casos. É
assim que os processualistas, fiéis ao paradigma que nos foi legado pelo Iluminismo,
raciocinam.
A distinção, tão nítida, entre as leis físicas, que não podem ser violadas, e as leis
jurídicas, feitas para sê-lo, não é considerada pela doutrina, que continua a raciocinar como
se a lei, os institutos e conceitos com que os juristas laboram haverão de ter a mesma
univocidade das leis que regulam os fenômenos naturais.
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7. A respeito da relação entre o juízo condenatório e a execução que lhe
complementa, dissera Chiovenda: "a sentença de condenação produz a ação executória" (ob.
cit,. nº 50). Melhor fora dizer que a sentença condenatória produz execução, mas nem
sempre "ação executiva", porque a circunstância de a execução de uma sentença
condenatória tornar-se fase do único procedimento (cognitivo-executivo) não toca na
eficácia de "puro pensamento" (puro dictum) do juízo condenatório. A "fase" a que se
transformou a ação de execução de sentença, em virtude da Lei 11.232, não faz parte do
juízo condenatório. A formação de uma sentença complexa "condenatório-executiva",
como temos agora − e tivéramos no Código de 1939 −, não modifica o pedido (!) de
condenação (cuja petição inicial não pede de pagamento da prestação, que seria o pedido
executório).
A sentença, que era condenatória, continua com a mesma estrutura e com idênticas
eficácias (declaratória e condenatória). O ato (dito pelo juristas medievais, o factum) não
está incluso na condenação. Não está inserido na petição inicial da "ação" condenatória. Na
sentença de condenação, o factum será sempre um posterius ao enunciado sentencial.
Basta observar que, revogado o parágrafo único do art. 580, o mesmo pressuposto
para a execução permanece no art. 580, que prevê − como antes − que a execução terá
lugar "caso o devedor não satisfaça a obrigação". Entendeu-se dispensável explicitar que a
inadimplência decorrerá do não cumprimento espontâneo da sentença, mas este pressuposto
está claro no texto.
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determina o cumprimento da ordem, não estariam, para a doutrina, na sentença, como parte
integrante de seu "conteúdo".
8. O que aconteceu com a Lei nº 11.232 é que o procedimento (!) que antes
regulava apenas a condenação, agora tornou-se complexo, condenatório-executivo, servindo
de veículo para o pedido condenatório e, igualmente, para a execução da respectiva
sentença. Porém − este é um ponto fundamental − o juízo condenatório tem origem numa
relação obrigacional, ao passo que, nas execuções reais, a pretensão dirige-se à obtenção da
coisa (res), não tendo qualquer relação com o Direito das Obrigações.
Esta dualidade tem de ser respeitada pelo processo. É claro que, em nosso direito,
em que a competência legislativa é a mesma para a edição de normas de direito material e de
direito processual, freqüentemente as normas de processo trazem juntas disposições de
direito material, o que poderá confundir o leitor desatento, fazendo-o supor que a "ementa"
ou os "consideranda", postos pelo legislador, sejam capazes de assegurar a processualidade
do todo.
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Daí a exigência de que estas ações contenham (possuam em seu conteúdo), além
do verbo que determinará que o despejo se cumpra, a eficácia (des)constitutiva da relação
obrigacional, pressuposto para a recuperação da coisa locada.
Apesar disso, vemos que a questão permanece viva, ligada com o tema central
dos ensaios que compõem esta obra, qual seja, a separação dos dois planos, o plano do
direito material e o plano do direito processual. As duas questões − o problema do
"conteúdo" das sentenças e a teoria da "unidade do ordenamento jurídico" − revelam, cada
uma a seu modo, que a identificação entre o "ato de declarar"e a "declaração", assim como o
entre "ato" de constituir e a constituição, decorrem do mesmo pressuposto: o conceito de
jurisdição.
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e não das actiones. São ações, como depois veremos, que têm o "conteúdo" formado pela
eficácia declaratória e, eventualmente, também constitutiva, como se fosse uma sentença do
processo de conhecimento + a eficácia executiva (interna ao conteúdo!).
O critério de Pontes, a nosso ver, é válido, mas seria possível a utilização de outro
critério, referido a suas origens. As execuções chamadas lato sensu são as autênticas e mais
primitivas expressões do fenômeno executivo. As execuções obrigacionais surgiram depois,
de modo que, classificando-as sob outro critério, diríamos que as verdadeiras − logo stricto
sensu executivas − deveriam ser as execuções reais; as obrigacionais seguiram-nas como
formas de realização in natura do direito.
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Mas a distinção entre ambas as espécies, qualquer que seja o critério utilizado para
separá-las, é inapagável, pelo menos enquanto existirem no direito material − e forem
respeitados pelo processo − os direitos e pretensões reais, que gerem ações destinadas à
obtenção da res; e as obrigacionais que visem ao cumprimento de uma prestação.
Tudo isto, é claro, impõe-nos a tarefa de repensar de que modo haverá de formar-
se o "conteúdo" das sentenças em geral. Esta investigação porá em xeque o edifício da
doutrina tradicional, construído sobre o falso pressuposto de que o ato jurisdicional tenha
como "conteúdo" apenas a declaração e que o resto seja conseqüência desse ato; sejam efeitos
externos (posterius) do ato jurisdicional.
Isto mostra como é falsa a alegação de que a distinção entre o juízo condenatório
e as ações executivas se tenha tornado anacrônica, face aos "novos direitos". Esse suposto
anacronismo é o resultado natural da mercantilização do direito processual e da
conseqüente eliminação dos deveres jurídicos, substituídos pelas obrigações privadas.
Procuramos mostrar, no primeiro ensaio que compõe esta obra, que a redução do
direito material ao direito subjetivo − eliminadas as pretensões e ações − torna aquele
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irrelevante para o direito processual, porque o processo não trabalha com a categoria dos
direitos subjetivos. Tentaremos agora confirmar o que disséramos, mostrando que a
exclusão das pretensões e ações é um dos pressupostos que sustentam o normativismo
jurídico; é um dos fatores que contribuem para libertar o processo, enfraquecendo o direito
material, pela eliminação de seus conteúdos mais significativos.
De resto, como ficou sugerido naquele primeiro ensaio, o problema tem uma
íntima relação com o conceito de jurisdição como simples declaração de direitos; e, por via
de conseqüência, com as questões ligadas ao "conteúdo" das sentenças e à compreensão do
que sejam seus "efeitos".
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de Miranda, afirma que este trabalhava sob o Código de 1939, para conceituar as ações
executivas. Diz Barbosa Moreira que a construção de Pontes não ficara clara, "ao menos no
direito positivo brasileiro de então" (RePro, nº 114, cit., p. 147).
A afirmação é suficiente para mostrar que nossos caminhos não se cruzam. Ele
convida-nos a encontrar ações executivas "no direito processual", mas é fora de dúvida que
Pontes teorizava sobre categorias que ele dizia estarem no direito material. Pelo que se vê de
seu ensaio – dissêmo-lo há pouco − Barbosa Moreira manda-nos procurá-las no Código de
Processo Civil, assim como, segundo ele, Pontes teorizava sobre ações executivas
encontráveis no Código de Processo Civil de 1939, ações que, é de supor, teriam
desaparecido com esse Código.
Assim como o processo ter-se-ia libertado do direito material, a ele caberia criar
ações ou, quando não ações, formas de tutela, concebidas independentemente do direito
material. Primeiro, cria-se o fosso, intransponível, entre direito material, representado apenas
pelo direito subjetivo − sem pretensões e sem ações − e o processo. A seguir, estando o
processo e o juiz, como seu operador, libertos do direito material − pois a categoria dos
"direitos subjetivos" é irrelevante para o processo −, na confusão criada por uma jurisdição
que se desvincula do direito material − mantendo-se institucionalmente irresponsável –, fica
legitimado o atual arbítrio judicial.
O arbítrio sempre existiu, pois nossos juízes, que ainda procuram a inefável
"vontade da lei" (pressuposta invariável), impedidos de interpretar a norma, são convidados
a praticar o arbítrio. O que se irá conseguir, agora, com a radicalização autonomia do direito
processual, será apenas a legitimação do arbítrio, inerente ao sistema.
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A "ciência" processual, depois de apropriar-se da categoria conhecida como ação,
proíbe seu emprego fora do processo. Veremos, noutro momento, que esta é uma óbvia
conseqüência do incontornável normativismo do direito moderno.
A competência que Barbosa Moreira confere ao direito processual, para criar ações,
vem confirmada na nota 31, à p. 159, em que ele escreve isto: "Se o direito positivo
desautoriza uma classificação concebida a priori, é essa classificação que se tem de rever ! − e
ajustar ao direito positivo. O mais são castelos no ar".
Esta primeira questão já é suficiente para evidenciar que não nos será
possível resolver o problema nos termos em que ele está proposto. Pede-nos o competente
processualista que encontremos ações de direito material "no processo". O pedido não
poderá ser atendido, porque tratamos de ações apenas encontráveis em direito material,
como todos sabem e como temos, "à exaustão", afirmado.
A indagação que logo nos acode é a seguinte: a eficácia executiva de que nasceria a
respectiva sentença, de cuja existência duvida Barbosa Moreira, estaria na petição inicial da
respectiva ação ou nasceria depois da sentença de procedência? A resposta a esta questão
tem grande relevância, porque o processo, como ficou dito nos ensaios anteriores, não lida
com o "ser" e o "não-ser" do direito. Estas são categorias pensadas pelos juristas do direito
material, embora muitos processualistas, desatentos, costumem teorizar no direito
processual valendo-se de critérios próprios do direito material.
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Presta-o necessariamente, por força de sua função primordial de realizar a ordem jurídica
material.
13. Apesar de tudo, Barbosa Moreira está convicto de que cabe ao processo a
missão de criar ações, como pensara também Adroaldo Fabrício, ao rejeitar o entendimento
que expuséramos de uma "ação de imissão de posse executiva", na obra "A ação de imissão de
posse no direito brasileiro" (1981), agora em 3ª edição,editada pela Revista dos Tribunais
1981.
A lei processual poderá dispor sobre outras "formas", outros ritos, para a
condenação; poderá torná-la, como agora, uma "fase" final do procedimento cognitivo
(observação importante: não fase da "ação" condenatória! Fase do procedimento cognitivo).
Mas não poderá alterar-lhe as eficácias. Se o fizer, o resultado não será mais uma sentença
condenatória, porque se estaria legislando sobre direito material, não sobre processo.
Não se trata disso, nem se pretende levar para o direito material um "troncone" da
ação processual. O que se busca é cobrir o desfalque provocado por essa "apropriação",
procurando restaurar o mutilado direito material. A "ciência" processual pode ficar
tranqüila com sua "ação" abstrata. Os que, como nós, sustentam a existência de ações no
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direito material não pretendem, nunca pretenderam, eliminar a ação processual ou dela
apropriar-se inteiramente, ou por metade, que seja, como temia Fazzalari.
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O "processo de resultados" proposto por Dinamarco sugere − quando ele apela para
a publicização do processo, "como instrumento do Estado" −, mais do que sua publicização,
a redução de importância dos direitos materiais (privados e públicos dos cidadãos) em
benefício do Poder estatal. Insinua a estatalidade da função jurisdicional concebida como
um interesse do Estado, não do titular de direitos. A tutela de direitos talvez pudesse ser,
na sua concepção, um posterius, um produto da jurisdição.
Essa doutrina Liberta a jurisdição de sua originária função de proteção dos direitos,
para fazê-la instrumento de "interesse do Estado". Mesmo sem invocar a doutrina
hobbesiana do "Estado total" − sempre presente em nossa cultura −, este é o caminho que
nos é dado trilhar, na fase terminal das doutrinas políticas liberais do século XVII.
Neste momento, autenticamente jurisdicional do direito, uma das partes não deseja
"resultado": o demandado, que não responde pelos danos que a mora processual possa
causar, certamente não deseja "resultados"; seu empenho é de que nada "resulte", capaz de
modificar o status quo. Luta para que o autor não logre resultado algum.
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Além disso, é insatisfatória a sugestão de trocar o sentido da função jurisdicional,
enquanto tutela de direitos, pela tutela de pessoas. O Estado tutela as pessoas de vários
modos, dos quais a tutela jurisdicional se distingue por ser, precisamente, uma tutela de
pessoas "via direito". Na circunstância de os direitos serem, aqui, apenas "afirmados" está
o elemento que distingue o direito material, reino do "ser" e do "não-ser", do momento em
que o direito é submetido à jurisdição, quando os direitos (tanto do autor quanto do réu)
"poderão-vir-a-ser".
16. Luiz Guilherme Marinoni parece sugerir que o processo teria superioridade
sobre o direito material, ao escrever: "As formas de tutela são garantidas pelo direito material,
mas não equivalem aos direitos ou às suas necessidades. É possível dizer, considerando-se
um desenvolvimento linear lógico, que as formas de tutela estão em um local mais avançado:
é preciso partir dos direitos, passar pelas suas necessidades, para então encontrar as formas
capazes de atendê-las" (Da ação abstrata e uniforme à ação adequada à tutela dos direitos, em
"Polêmicas sobre a ação", obra coletiva, editada pela Livraria do Advogado, Porto Alegre,
2006, p. 213).
É claro que isto poderia aproximar-nos de Pekelis e seus descendentes, para os quais
seria impensável um direito subjetivo concebido com algum poder de ação, dotado de
atividade. A ordem jurídica apenas constataria as "necessidades" e as atenderia como se
prestasse assistência a enfermos nas intermináveis filas dos serviços públicos de assistência
à saúde. De qualquer forma, isto é o que importa, a doutrina não prescinde das pretensões,
como antes vimos em Fazzalari (Unidade do ordenamento e jurisdição declaratória, cit. § 4º).
Ainda que as confundam com o direito subjetivo, na verdade é com elas que elaboram
seus discursos.
Não se nega o valor à contribuição de Marinoni, mas a inibitória, a que ele recorre
como exemplo, insere-se na classe nas das ações mandamentais, ou, segundo Marinoni, das
condenatórias, dado que a sentença exortará o réu a cumprir a sentença, sob pena de multa.
De qualquer modo, a tutela inibitória serve para uma imensa quantidade de pretensões e
ações materiais.
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A nosso ver, a ação "adequada à tutela dos direitos", proposta por Marinoni, é
concebida como uma "ação procedente"; uma ação concreta, cujo "conteúdo", no entanto,
seria produzido pelo processo. Quando aludimos a ação adequada à "tutela de direitos",
mesmo referindo-nos a "direitos" (no plural), queremos significar direitos dos "autores", ou
direitos alegados pelos autores. Não se trata de "jurisdição adequada", mas de "ação
adequada", logo ação do autor, não "reação adequada do réu".
Por outro lado, não ficou esclarecido a quem caberia a missão de preencher o
conteúdo dessas ações processuais concretas, se ao autor, na petição inicial, ou ao juiz na
sentença. O certo é que teríamos uma ação abstrata e inúmeras ações concretas que, mesmo
assim, não seriam expressões das respectivas pretensões de direito material.
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sem os itálicos) por parte do órgão judicial, exibe o selo da autoridade estatal, proferida a
decisão com a garantia do devido processo legal" (O problema da eficácia da sentença, p. 46).
Sendo assim, fica sem explicação a tese sustentada por Carlos Alberto, segundo a
qual existe criação jurisprudencial do direito nos sistemas modernos. Se o direito dos
Códigos já vem "totalmente constituído" − e esta é a virtude que os distinguem do direito
romano "privatístico e atrasado" −, como poderia haver a criação do direito pela jurisdição
moderna? Parece haver uma insuperável contradição na tese sustentada pelo escritor, que se
mostra tão cioso do respeito à lógica.
Supondo que o direito processual brasileiro se tenha modernizado, sugere aos que
sustentam a existência de ações no direito material que rompam de vez com as "concepções
privatísticas e atrasadas, que não correspondem às exigências atuais" (Efetividade da tutela
jurisdicional, p. 6). A pecha de atrasado, no entanto, serve melhor a quem ainda supõe, como
o supunham os juristas do século XIX, que o direito esteja todo nos Códigos, àqueles que
continuam sonhando com um direito moderno "completo", enaltecendo-o em relação ao
direito romano que, ainda atrasado, não sendo "completo", não seria "científico", como o
atual ".
Carlos Alberto critica Pontes de Miranda por suas ambigüidades, mas fica-nos
devendo uma explicação convincente, que mostre como os "desenvolvimentos" a que ele se
refere foram capazes de fazer com que a sentença de procedência não seja expressão do
direito e da respectiva ação material do autor vitorioso. Em que poderá consistir esse
"desenvolvimento granjeado pelo direito público" que torna o resultado da jurisdição
diferente do direito material? Quem produziria essa diferença? Porventura, o juiz,
arbitrariamente, em virtude desse "desenvolvimento", que se produziria sem depender do
direito material?
Como dissemos, é por esta via que o processo procura libertar-se do direito
material. Tanto Carlos Alberto Oliveira quanto Luiz Guilherme Marinoni congratulam-se
com a aspiração do processo de superar o direito material, originariamente instituído para
ser, apenas, o instrumento de sua realização.
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Neste ponto, sim, o direito moderno separa-se do direito romano. Temos
legislador, a quem o sistema político confere o poder de constituir direitos subjetivos, ao
contrário do direito romano, em que os direitos ("pretensões concretas") eram criados não
por um legislador, criador de normas, mas pelo Pretor) (!). Os romanos não criaram a
doutrina da "separação de poderes", pressuposto para a formalização dos direitos subjetivos
e para a eliminação das ações!
Compreende-se o que Carlos Alberto quis expressar. Ele pensa nas normas
procedimentais que preparam o nascimento da sentença, sem preocupar-se com a própria
sentença (especialmente de procedência), porque, para ele, no momento da sentença de
procedência, a tutela jurisdicional já fora prestada, e estaremos frente ao "resultado" da
jurisdição, naturalmente pressuposta apenas declaratória, enquanto jurisdição do processo
de conhecimento.
Na verdade, ele não tem qualquer preocupação com a fase, interna à relação
processual, de formação de sentença; não cuida de investigar as questões probatórias, nem
as alegações e fundamentos expostos pelas partes. Se o fizesse, veria que o processo não é
formado apenas pelas "normas reguladoras" que o estruturam como procedimento, enquanto
puras formas. De qualquer modo, torna-se clara a dispensa do direito material em seu
raciocínio.
Por outro lado, está com a razão Marinoni ao dizer que não é possível ligar o
direito subjetivo às formas de tutela processual. A ligação que Talamini dissera inexistir,
como indicamos no ensaio anterior (Unidade do ordenamento e jurisdição declaratória), faz-se
entre "pretensões e formas de tutela". Jamais entre direito subjetivo e formas de tutela.
Mesmo nas hipóteses versadas por Marinoni, em que não se cuida apenas de "formas" de
tutela, mas de tutelas dotadas de "conteúdo", não se pode construir uma ponte entre direito
subjetivo e processo.
A lide cautelar, por exemplo, não pressupõe direito subjetivo; basta-lhe a ofensa
ou ameaça de ofensa a uma "pretensão à segurança", posta em juízo por alguém que "começa e
termina" a relação processual cautelar como "provável" titular do direito e da respectiva
pretensão "assegurada" pela sentença! Quem obtém, em sentença, o arresto, pode não ser
titular do direito de crédito. O autor da ação popular não controverte sobre direito subjetivo,
mas a ordem jurídica confere-lhe pretensão (poder de exigir a satisfação). Isto sempre foi
claríssimo em Pontes de Miranda!
Temos insistido: antes da sentença, haverá apenas ação "afirmada existente". Depois
da sentença de procedência, estaremos em pleno domínio do direito material, reconhecido
pelo Estado. Esta é a ação de direito material! É o agir idôneo a realizar a respectiva pretensão,
demonstrada existente pela sentença e digna de proteção jurisdicional.
A doutrina chegou a esse resultado a partir da premissa de que nem a coisa julgada
e nem o efeito constitutivo podem ser obtidos fora do processo. O obrigado não pode ser
forçado, privadamente, a produzir declaração, nem constituição ou desconstituição de
relações jurídicas, assim como pode suportar, por exemplo, o ato executivo ou o
cumprimento da ordem, nas mandamentais.
Como a sentença condenatória não passa de uma dupla declaração ou, um "caso
qualificado de sentença declaratória" (Barbosa Moreira Temas de direito processual, Saraiva,
1977, p. 80), reduzida, portanto, a jurisdição ao dictum próprio do Processo de Conhecimento,
composto pelas sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias − únicas aceitas pela
doutrina ortodoxa, que se apóia na separação entre "direito" e "fato" −, sustentou-se,
primeiro, a inexistência de pretensões e ações declaratórias e constitutivas "fora do
processo", sob o falso e tosco argumento de elas não existirem por não se poder realizá-las
privadamente.
Depois, a doutrina sugeriu que as ações deveriam ser propostas "perante" o réu, já
que a coisa julgada e a constituição seriam pedidas ao Estado, não "contra o demandado",
que não as poderia produzir (sobre esta singularíssima e reveladora teoria das ações "em
face de", fizemos alguns comentários em estudo destinado a integrar o livro-homenagem ao
Prof. Alcides Mendonça Lima, republicado na Revista AJURIS, vol. 60, março de 1994).
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nutrir a ilusão de que seja possível superá-la, nas circunstâncias políticas, sociais, éticas e
econômicas, e até mesmo antropológicas atualmente existentes.
Não nos esqueçamos de que Thomas Hobbes está presente, com a advertência de
não caber aos juízes a missão de fazer justiça, e sim, apenas, aplicar a norma editado pelo
soberano. Este pressuposto que informa o sistema, torna difícil, senão impossível, superar a
justiça da lei, em favor da justiça do caso. Em condições ideais de aplicação do princípio,
diríamos que a superação da justiça "uniforme" da lei dificilmente daria lugar à justiça do
caso concreto. Em nossas atuais condições, porém, não se trata mais de dificuldade, e sim de
uma inevitável utopia, imaginar que os juízes − que não fundamentam adequadamente
suas sentenças −, possam realizar a justiça, na aplicação concreta do direito. De qualquer
modo, a análise crítica dessa herança auxilia-nos a perceber o componente antidemocrático
e autoritário que informa o sistema.
Não ser possível obter a coisa julgada e o efeito constitutivo fora do processo não
significa impossibilidade de exigi-los (exercer pretensão!) do destinatário do dever jurídico,
exigindo que ele declare, faça ou desfaça atos e negócios jurídicos, de que os futuros
litigantes sejam participantes. As pretensões existem, porém necessitam do processo para
realizarem-se. A ação material é a conduta realizadora da respectiva pretensão, vedado, no
entanto, como se sabe, o agir (a ação) privado, em auto-realização da pretensão. Mas é
intuitivo que sua veiculação por meio da jurisdição − antes de provar sua inexistência − é
prova acabada de que eles (as ações), instrumentalizadas pelo processo, existem!
Pouco adiante, o jurista mostra como seria formado o "conteúdo" das sentenças,
dizendo que, além da declaração, nas sentenças constitutivas, a constituição igualmente não
seria efeito e sim conteúdo dessa classe de sentenças; o qual, enquanto conteúdo, ficaria
também coberto pela coisa julgada.
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Fora do "conteúdo", estariam, segundo ele, os efeitos. A declaração e a constituição
não seriam efeitos e sim conteúdos do ato jurisdicional. O efeito da sentença condenatória
não seria a "condenação". Seria a execução (p. 142, nota 22).
A ser correta a doutrina segundo a qual a declaração não seria efeito, mas conteúdo
da sentença, chegaríamos, como há pouco dissemos (supra, n. 9), ao absurdo de considerar
que a sentença declaratória não produziria efeitos. Seria uma espécie de atividade
jurisdicional realizada no vácuo. Teria somente conteúdo, não efeitos! Seria um exemplo
extraordinário de autismo jurisdicional.
Enquanto Buzaid fora além do que era possível, fazendo nascer um mandado de
segurança de uma ação constitutiva, Barbosa Moreira ficou aquém: nenhuma das três
sentenças, que ele reconhece, produz ações executivas lato sensu. Como ele diz, a sentença "já
terá ficado para trás", não sendo mais "causa eficiente" da mudança porventura operada no
mundo exterior. Esta mudança − insiste em dizê-lo Barbosa Moreira − é algo que à
sentença "de maneira alguma é dado operar" (p. 150).
Por não ter em conta esta realidade, Buzaid concebeu uma ação "declaratória de
nulidade de ato administrativo", convencido de que estava a criar um mandado de
segurança. Realmente, se extrairmos do "conteúdo" da sentença o verbo através do qual o
juiz ordena que se expeça mandado, a sentença perderá uma parcela importante de seu
"conteúdo", transformando-se numa sentença declaratória ou constitutiva.
Sem a existência desse terceiro verbo, a Buzaid seria impossível explicar de onde
surgira, milagrosamente, o posterius mandamental. É indispensável que exista, "dentro" da
sentença − em seu "conteúdo" −, um verbo ordenando o cumprimento da ordem judicial.
Isto é tão óbvio que sua incompreensão torna-se assustadora!
Para quem a jurisdição é constituída pelo processo de conhecimento, que lida com
as "normas", porquanto os "fatos" serão simples conseqüências, simples resultado da
atividade jurisdicional, será estranho conceber uma sentença que, além do dictum (efeito
declaratório), "contenha" uma ordem. Barbosa Moreira (Ainda e sempre a coisa julgada, cit.,
p. 142) confirma a doutrina de Liebman, quando este disse textualmente: "não é função do
juiz expedir ordens às partes e sim unicamente declarar qual é a situação existente entre elas,
segundo o direito vigente" (Processo de execução, Edição Saraiva, São Paulo, 1946, p. 35).
Além disso, é também necessário aceitar que as sentenças possam ter múltiplas
eficácias, importante contribuição de Pontes de Miranda que a doutrina ainda não
assimilou, porém não rejeitou (!), porque nem mesmo dela tratou, para mostrar-lhe a
improcedência.
Como disse Clóvis do Couto e Silva, isto ainda não foi assimilado nem mesmo
pela doutrina européia, não obstante tenha Pontes estabelecido "com clareza exemplar
conceitos que permanecem confusos ainda entre os melhores autores" (A teoria das ações em
Pontes de Miranda, Revista AJURIS, Porto Alegre, nº 43, julho de 1988, p. 77).
Mesmo assim, devemos aceitar a observação crítica feita por ele (p. 156, nota 24),
ao mostrar que disséramos consistir apenas numa "questão de grau ou de intensidade" a
distinção entre as sentenças condenatórias e as executivas lato sensu. Na sentença que
decreta o despejo, ou na igualmente executiva sentença que determina a restituição da coisa
litigiosa, na ação de esbulho possessório, não há condenação, porque não há prestação,
porque não há obrigação que deva ser satisfeita pelo demandado.
Nosso equívoco, porém, há muito foi reparado. A obra indicada por Barbosa
Moreira, escrita há mais de vinte anos, por quatro autores, resultou, depois de revisada,
numa obra com substanciais modificações, escrita por dois autores apenas, que já conta
com quatro edições. A partir da primeira edição da nova série − mantido o nome da obra
originária − todo o parágrafo, inscrito sob a letra "h", mencionado por Barbosa Moreira, foi
eliminado (Teoria geral do processo civil, 1997, edição Rev. dos Tribs.), de modo que há dez
anos nosso equívoco, devido à sedução pela matemática que acometia Pontes de Miranda,
não mais perturba os que tenham acompanhado as edições subseqüentes dessa obra.
Nem tudo no Direito é "direito das obrigações", ou direitos que o processo seja
capaz de transformar em obrigacionais, como supunha Chiovenda, dando expressão a uma
tradição milenar, alicerce da paulatina e constante mercantilização do processo, para a qual
contribuiu a célebre adulteração das Institutas de Gaio (sobre esta questão, importante para a
compreensão das razões que tornaram obrigacionais todas as execuções − com eliminação
das ações reais −, consultar nosso Processo e ideologia, Cap. VII, nº 20).
23. Por outro lado, essa impossibilidade decorre da exigência de que os conceitos
guardem o rigor das categorias lógicas, ou das grandezas algébricas, pressupondo que a
31
sentença executiva seja obtida "segundo critério invariável", como se exige da geometria,
recomendada Savigny aos práticos forenses.
Depois, não lhe convence mostrar, como fizemos na exposição precedente, que as
executivas são ações (de direito material!) pelas quais não se pede o cumprimento de uma
"prestação" − por não serem fundadas em "obrigações" −, sendo, ao contrário, pretensões
a haver coisas (pretensões reais), que pressupõem a "inexistência de uma obrigação", capaz
de legitimar a posse do demandado.
O que pretendemos dizer é que, enquanto existir uma obrigação, em que a posse
do demandado se apóie, a ação real não terá cabimento. O uso deste argumento, porém,
ofenderia o princípio defendido por Talamini de que não devemos valer-nos de categorias
"extraprocessuais", princípio, não tenhamos dúvida, que informa a teoria a que se filia
Barbosa Moreira e os demais que não admitem a existência de ações reais.
Sem dúvida, é isto o que ocorre. Entretanto, Barbosa Moreira, como Buzaid, julga-se
dispensado de mostrar de onde teria nascido o mandado de evacuando, que aparece
milagrosamente e não estaria na sentença.
Seu ponto de vista exige uma sustentação mais convincente, porque é o próprio
Barbosa Moreira a proclamar que "infelizmente, o juiz não tem poderes sobrenaturais nem
(mais modestamente) aptidão mágica e, se lhe é dado produzir efeitos por suas próprias
forças no plano do direito, ele é impotente para repetir a façanha no plano dos fatos" (p. 154).
32
Continua o jurista: "Quando quer que se perfaça a restituição do imóvel locado, a
sentença já terá ficado para trás, reduzida à condição de mero pressuposto ou fundamento
(não causa eficiente!) da 'mudança no mundo exterior'. Em outras palavras: já não se estará
no plano da cognição (ou, caso se prefira, do julgamento), e sim no da efetivação da norma
sentencial. É por meio desta atividade jurisdicional complementar que se modifica o estado
de fato − algo que a sentença, insista-se à exaustão, de maneira alguma é dado operar ex
marte proprio" (p. 150).
A sentença, enquanto norma, não toca no mundo dos fatos. A separação entre o "ser"
e o "dever-ser" apresenta-se, na doutrina aceita por Barbosa Moreira, de uma forma
rigorosamente clássica, digna de um teórico do século XVIII, para quem tudo o que o
século XX produziu em Filosofia do Direito passa ao largo. Para ele, o direito processual
cuida de "normas", não de "fatos".
25. Como se vê, a questão toda não está em saber se existe ou não uma classe
de sentenças executivas, mas em explicitar, convincentemente, como se forma o "conteúdo"
do ato jurisdicional. Se tivermos por conteúdo da sentença apenas a declaração,
poderemos ser induzidos a supor que todas as execuções sejam obrigacionais, simples
"conseqüências" de uma sentença condenatória, na qual não existe um verbo, ordenando que
se execute. Para esta doutrina, a execução será tida como simples conseqüência da sentença,
será uma execução que se realiza ex proprio marte, fora da ação de conhecimento.
É justamente neste ponto que ocorre a decisiva inflexão conceitual entre o juízo
condenatório e as ações interditais (executivas e mandamentais). Na sentença condenatória
realmente não existe um verbo ordenando a execução. Existe, como dissera Liebman,
apenas uma "exortação" a que o condenado espontaneamente cumpra a sentença. Este é o
núcleo conceitual da condenação que nos vem do mais primitivo direito romano, traduzido
no sagrado respeito pelo patrimônio do condenado, a que a iurisdictio não teria acesso. O
hiato formado, aqui, entre a condenação e a execução decorre da impotência da jurisdição
condenatória para, "por si só, produzir efeitos fora do mundo jurídico". Cria-se a ficção de que a
execução seja sempre voluntária, espontâneo cumprimento do obrigado, não produzida
pela sentença, que nunca poderá ex proprio marte, tocar no "mundo dos fatos". É a pan-
condenatoriedade que ilumina a doutrina moderna.
33
Dissemos que a execução, na vigência do Código de 1939, estava no mesmo
procedimento da demanda condenatória. Não estamos insinuando que a execução fizesse
parte dessa demanda. Estar no mesmo procedimento não significa, necessariamente, estar na
mesma lide, que integre o pedido condenatório; ou seja, estando a execução no mesmo
procedimento ou em processo autônomo subseqüente, a estrutura, a natureza e as
eficácias da demanda condenatória conservar-se-ão inalteráveis, incólumes às
transformações procedimentais, apenas formais, a que fique, porventura, submetida a
demanda condenatória. Aliás, para esta assertiva, contamos com a franca adesão de Barbosa
Moreira, ao mostrar que o juiz pode "arrumar" de mil maneiras diferentes a "matéria" com
que lida o processo, "sem que disso resulte conseqüência alguma no plano da natureza dos
atos" (p. 152).
Observe-se que não estamos tratando da execução de uma sentença que condene a
indenizar. Esta não conterá aquele verbo que dera origem, na ação de despejo, ao "mandado
de evacuando". Na demanda que condena a indenizar e nas demais condenatórias, a sentença
encerra o processo cognitivo, dando procedência integral ao pedido condenatório, que não
"contém" nada além do próprio pedido de condenação. Na ação de despejo, ao contrário −
como o próprio nome está a denunciar −, a execução (pedido de despejo), integra a petição
inicial; pede-se despejo, pede-se restituição da posse. Nas outras desta espécie, como na
ação de depósito, pede-se a restituição de algo, mas nem sempre o pedido será de restituição:
na imissão de posse, expressão moderna do interdito adipiscendae possessionis, pede-se o
ingresso, originariamente, em uma posse cuja materialidade nunca pertencera ao autor.
Aqui, não há restituição.
O pedido que identifica a ação real tem origem numa pretensão a que se entregue a
res, não, como nas condenatórias, em que se pede apenas que o juiz condene o demandado a
prestar. As ações lato sensu executivas nascem com a virtude de realizarem a execução, com a
transferência da coisa (daí serem reais), cuja posse a sentença acabara de declarar ilegítima,
não para que o condenado "preste com bens que lhe pertencem" cumprindo uma obrigação,
como se dá nas condenatórias (cf. além de Pontes, também Carnelutti, obra antes referida),
34
26. Indaga Barbosa Moreira por que não seria condenatória a sentença que
"imponha ao réu a perda de sinal pago" (p. 51). A resposta é prosaicamente singela: o juiz não
"impõe" a perda do sinal. Ele a "decreta". A sentença é constitutiva, não condenatória. O juiz
"impõe" a perda do sinal como "imporia" o divórcio, extinguindo a relação matrimonial. Em
nenhuma destas hipóteses, a parte assumira uma obrigação de prestar, que pudesse dar
lugar ao juízo condenatório.
Entretanto, mesmo que o exemplo figurado por Barbosa Moreira, da sentença que
"imponha" a perda do sinal, não permita armar uma hipótese clara em seus elementos,
parece correto supor que a perda do sinal decorra de uma disposição contratual que conceda
ao autor a pretensão a "impor" ao demandado a perda do sinal, em virtude do não
cumprimento de alguma disposição negocial. Se este for o caso, a sentença é constitutiva. De
qualquer modo, condenatória não será. Ao contrário do que ocorre com as ações do art. 466-
A, a ação imaginada por Barbosa Moreira não terá por fim obrigar o réu a reparar (prestar),
com a perda do sinal, o descumprimento de uma obrigação. O réu não "deve" a perda do
sinal.
27. O paradigma, uma vez quebrado pela história das idéias e o progresso do
conhecimento humano, transforma-se em ideologia, opressiva e esclerosada, como toda
ideologia. A submissão, inevitavelmente coercitiva, a um determinado paradigma faz com
que imaginemos ter "os olhos postos na realidade objetiva", desfrutando de um "ponto de
Arquimedes" capaz de assegurar-nos acesso privilegiado à "verdade", sem nos darmos conta
de que estamos, muitas vezes, a reproduzir, sem o menor senso crítico, o sonho do
Iluminismo europeu do século XVIII, assim como seu cariz autoritário e antidemocrático,
supondo que "nossa" verdade seja "a" verdade, sem a percepção de estar comprometido com
determinados critérios que a evolução do pensamento humano há muito superou.
28. Barbosa Moreira houve por bem não aventurar-se na problemática atinente às
espécies de relações jurídicas materiais (!) suscetíveis de constituir objeto "das chamadas
sentenças executivas, buscando saber se estas se limitam ao âmbito dos direitos reais, ou se
estendem ao terreno obrigacional" (p. 158). Esse apelo ao direito material pareceu-lhe uma
tarefa inútil.
De resto, diz Kaufmann, seria possível compilar uma extensa lista de autores e
obras que pressupõem esta inversão ontológica, a começar pelo célebre "imperativo
categórico" de Kant, a que acrescentaríamos toda a doutrina que criou uma ciência
36
processual abstrata e formal, com o desejo inconsciente de livrar-se do direito material; de
um direito processual que insiste em desligar-se da substância que lhe deve dar o direito
material que, enfim, supõe que a "norma concreta" seja uma criação original da sentença.
Nada mais seria necessário dizer para concluir que o problema não está na
existência de ações executivas, mas no entendimento rigoroso do que seja o "conteúdo" do ato
jurisdicional e do que poderão ser os seus efeitos; e, mais importante do que isso, o que se
deve entender por "direito subjetivo"; e como se compõe o direito material, apenas com os
direitos subjetivos, sem as pretensões e as ações.
Além disso, o ponto de vista de Roubier deixa à mostra seu compromisso com esse
gravíssimo equívoco da processualística moderna de confundir a "ação" processual com as
pretensões e ações de direito material. Não se deve dizer, como ele o fez, que os romanos
não consideravam o direito material. Preocupavam-se, sem dúvida com o aspecto litigioso
do fenômeno jurídico, porém a preocupação dizia respeito à "litigiosidade do direito
37
material". "Les actions en justice" eram ações "afirmadas" existentes pelo autor que alegava
ter direito, ações que buscavam reconhecimento oficial. Roubier sugere que essas "actions en
justice" não sejam uma categoria de direito material, supondo tratar-se, como as trata a
doutrina moderna, de um fenômeno criado pelo processo, como se as ações se tenham
transformado na "ação" processual.
38
A curiosidade que temos em conhecer a resposta dada pelos que confundem direito
subjetivo com pretensão está em saber como eles − supondo que prescindem das pretensões
e ações no direito material − explicam a conexão entre esse direito material, assim mutilado,
e o processo.
Barbosa Moreira pretende que nós − como ele − não nos aventuremos na
exploração do direito material, por estar convencido de que a ação executiva deve ser
buscada na relação processual, como uma categoria criada pelo processo. Pois bem, nossa
indagação é simples e direta: não existindo nem pretensões nem ações no direito material,
como ele concebe uma lide formada por direitos subjetivos?
Daí nossa curiosidade em saber como o autor do desafio define o direito subjetivo
(antes da violação!) e como ele formaria uma lide com direitos subjetivos antes de eles
serem exigíveis (antes de estarem dotados de pretensões). Dirá, porventura, que antes de
serem exigíveis, ainda não serão verdadeiros direitos? Serão fenômenos sociológicos? Ou,
então, como dissera Chiovenda, serão simples "interesses" tutelados pela norma legal? Ou
dirá, com Carlos Alberto A. Oliveira, que o resultado da tutela jurisdicional já não
apresenta o direito material (leia-se direito subjetivo) em "estado puro, mas transformado,
em outro nível qualitativo" (Revista Forense, vol. 369, p. 46)?
Este "outro nível" seria criado pelo autor, pelo réu, ou pelo juiz? Sendo pelo juiz,
seria ele livre (arbitrário) para criá-lo? Afinal, qual a "impureza" que a jurisdição poderá
introduzir no direito material, para torná-lo uma categoria de "nível qualitativo" mais
elevado? Qual o fenômeno milagroso capaz de dar às "formas de tutela um local mais
avançado" (Marinoni), superior ao direito material?
30. Outrossim, não podemos aceitar que a distribuição das ações entre
processos cognitivo e executivo seja apenas uma "arrumação da matéria" feita pelo
legislador de processo. Diz Barbosa Moreira: "a lei [leia-se lei processual] é livre de esbater
ou apagar as fronteiras entre as referidas séries de atos, dispensar a propositura formal de
'ação nova' a quem queira fazer realizar a segunda série, outorgar ao mesmo órgão judicial o
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poder de passar motu proprio de uma série à subseqüente, intercalar atos típicos de uma a
atos típicos de outra . . . inventar mil esquemas variáveis de "arrumações", sem que disso
resulte conseqüência alguma no plano da natureza dos atos . . ." (RePro, cit., p. 152).
Para ele, as ações diferenciam-se entre si apenas por suas "características formais"
(p. 158). Sendo assim, seria uma impertinência procurar no direito material "explicação ou
justificação" para as peculiaridades formais das ações, até porque, se o juiz pode
"arrumá-las" de mil maneiras diferentes, de que modo o direito material poderia interferir
nessa "arrumação"?
Como ele, limitado ao formalismo processual, pôde afirmar que essas "mil
maneirais" de "arrumar a matéria" não poderiam interferir na "natureza" dos atos? Como lhe
foi possível identificar a natureza dos atos, a partir de suas expressões formais? A resposta é
óbvia: para ele, o processo prescinde do direito material. A forma prescinde da matéria!
A ação de despejo, por hipótese, poderia ter o ato executivo final transformado
numa demanda independente, sem que a natureza executiva da pretensão e respectiva ação
do locador se alterassem. Aqui, o autor não pediria, diretamente, despejo, pediria apenas
que o juiz condenasse o inquilino a restituir o bem locado "sob pena se sofrer execução", ou
sob pena de multa, pela resistência em cumprir o julgado. Seria uma sentença condenatória.
Barbosa Moreira afirma que, embora a lei processual possa "arrumar" de mil
maneiras diferentes a "matéria", na estrutura do respectivo procedimento, dessas
"arrumações" não resulta "conseqüência alguma no plano da natureza dos atos". Resta,
portanto, a pergunta: se a lei processual não pode interferir na natureza dos atos, quem
determinará que a ação de despejo seja executiva e não constitutiva; e a ação de divórcio
seja, ao contrário, constitutiva e não executiva?
O que pretendemos dizer é que a natureza dessas ações, como de todas as demais,
será dada pelo direito material, uma vez que o processo não será capaz de interferir na
"natureza" dos atos.
Como fomos desafiados a mostrar em que consiste a ação executiva, agora é a vez
de Barbosa Moreira mostrar em que consiste nosso engano e como ele − depois de fazer,
com tanto brilho, a crítica − poderá explicar de onde provêm as eficácias de cada sentença,
tendo em vista sua afirmação de que o juiz, mesmo dispondo de mil maneiras de
"arrumação" formal dos "atos", não pode interferir em suas respectivas "naturezas".
Sustentamos que essa natureza é precisamente o que determina que uma ação seja
executiva real, enquanto outra seja condenatória, porque obrigacional. Ficaremos gratos se
formos convencidos de estarmos enganados.
A explicação, para o modo como Barbosa Moreira trata deste assunto, deixa claro
que, ao processo, o direito material apenas estorva. Quando trata desta "matéria" − no
sentido de "assunto", não de "substância" − preocupa-se em separar a cognição da
execução por créditos (!), execução obrigacional, reunida no Livro II do Código. Ele não
41
admite que possa haver outra espécie de sentenças executivas. A inexistência de sentenças
executivas é premissa de seu raciocínio e, ao mesmo tempo, a conclusão a que ele chega. É o
vício lógico conhecido como petição de princípio.
É provável que ele diga que esse mistério constitui um problema de direito material,
cuja solução não se deve pedir a um processualista, ramo rigorosamente formal da ciência
jurídica. A resposta, no entanto, é frustrante, tendo em vista a firmeza exemplar com que os
processualistas sustentam serem as ações categorias exclusivamente processuais. Seriam
processuais, porém seus mistérios haveriam de ser solucionados pelos juristas do direito
material, sem que dos processualistas se pudesse exigir a aventura de uma exploração nesse
campo minado, que é o direito material.
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foi abandonada pelo direito brasileiro. Nosso sistema caminha no sentido da realização
específica das obrigações de fazer.
Barbosa Moreira não classifica as sentenças, como nós o fazemos, pelo que elas são,
em sua substância; limita-se a "arrumá-las" em uma das mil maneiras em que o processo
pode fazê-lo, pondo-as em uma "moldura" (p. 161), tal como elas apresentam-se na relação
processual. Ele não penetra no "conteúdo" de cada sentença. Quando tenta fazê-lo, equivoca-
se, supondo que as sentenças executivas tenham origem numa obrigação de prestar: "Assim
teríamos, como subclasses, a sentença constitutiva e a sentença executiva, as quais se
distinguiriam uma da outra por concernir aquela a direitos potestativos, e esta a direitos a uma
prestação" (p. 162). Não. Seu engano decorre da circunstância de ele não se "aventurar" no
direito material. As executivas aparecem quando não há mais − ou nunca houve − direito
a uma prestação. Nem só de direito das obrigações (a gerar prestações) compõe-se o direito
material.
O "conteúdo" de "uma" determinada sentença não pode ser aferido apenas pela
"classe" a que ela pertença, como as classificações feitas pelos botânicos, supondo-se que
todas as sentenças de uma mesma classe terão idêntico conteúdo. Isto é bom para o direito
como regra, para o direito dos livros e das benditas aulas de nossas Universidades, que, no
entanto, nada valem para o foro.
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condenatória (igualmente as mandamentais, para os que as reconhecem), segundo critérios
homogêneos. "Sem isso, não se passará de um arremedo torto de classificação − em
linguagem mais desabrida, um aleijão classificatório" (p. 158).
Que dizer da objeção? Para evitar perda de tempo, seria prudente nada dizer,
sabido como é que tudo o que dissermos não quebrará o encanto do dogmatismo em que
navega nossa doutrina. Temos procurado mostrar que, segundo seus "conteúdos", oriundos
do direito material, as sentenças de uma determinada classe apresentam-se homogêneas,
enquanto indivíduos pertencentes à mesma classe, porém, o que as individualiza, por isso que
revela o ser individual, há de diferir dos demais indivíduos da mesma classe.
Não se haverá, todavia, de esperar que o resultado deste empenho possa alcançar
o rigor científico com que se classificam os fenômenos naturais ou as verdades matemáticas.
O direito, enquanto ciência que trata de comportamentos humanos que ocorrem na história,
impõe-nos que o tratemos como ciência do individual. Não nos basta agrupar em classes os
eventos históricos, para compreendê-los. Também ao direito, muito especialmente ao processo,
não basta a tarefa de classificação de suas categorias em séries.
45
se as sentenças, chegaríamos à conclusão que todas as sentenças do art. 275 seriam de uma
mesma classe.
Com efeito, se a questão é puramente formal, dependente das mil maneiras como a
lei processual poderá "arrumar" essa matéria e, além disso, não sendo "lógico" e sim
"positivo" o conceito de condenação, aos processualistas pareceu adequado "designarem"
as três classes de sentenças como condenatórias. Com a nova lei − tendo em vista a
homogeneidade formal −, todas elas poderiam ser "chamadas" de condenatórias.
A objeção, porém, seria logo afastada por Barbosa Moreira, porquanto a execução
da sentença se dará no "mundo dos fatos", onde "nenhuma sentença, é capaz, por si só de
produzir efeitos"; porquanto, para atingir o mundo dos fatos, a sentença necessita de
"alguma atividade subseqüente", que transforme a realidade, porém, nesse momento, "a
sentença já terá ficado para trás" (RePro, cit., p. 150). Conseqüentemente, todas elas,
enquanto sentenças, para seu conceito, estariam igualadas.
Afinal, se a perda daquele "critério distintivo" fez com que fossem igualadas as três
sentenças, com base em que critério "discretivo" formal poderíamos separar delas as
declaratórias e constitutivas? A conclusão é frustrante: o processualista, valendo do arsenal
de seus conceitos e institutos, não terá condições de classificar sentenças.
32. A nosso ver, devemos admitir que existam, no direito material, pretensões e
ações declaratórias e constitutivas, assim como − fora do processo puramente cognitivo −
ações executivas e mandamentais, não sendo correto "designar" por condenatórias as duas
outras, com elas identificadas pelos mencionados processualistas, porquanto, nestas duas
espécies, não se trata de tutelar pretensões que visem o cumprimento de prestações
obrigacionais.
Se não podemos "agir", porque o Estado proíbe a autotutela do direito, isto não
implica que o pedido de tutela processual tenha a virtude de eliminar do direito material
sua faculdade de tornar-se exigível (pretensão); e, sendo exigível, poder realizar-se.
Pretensão que não se possa realizar privadamente e que, além disso, não conte com a tutela
estatal, que lhe assegure a realização, não passaria de um poema lírico, ou quem sabe de um
cântico religioso. Direito (pretensão) sem ação é poesia, certamente de má qualidade. Se
posso juridicamente exigir − posto que a exigência seria conforme ao direito − devo poder
"agir".
A questão, posta por Barbosa Moreira, da "homogeneidade do critério", deveria ser
mais explícita. Pede-nos, inicialmente, que esclareçamos "em que consiste a espécie 'sentença
executiva lato sensu', com a indicação "específica que a caracterizaria" (p. 148). Entretanto,
como ele não afirmou que essas ações estariam no direito material, poderia objetar-nos que
não exigira que nos aventurássemos neste domínio. Mas é ele próprio a dizer que a lei
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processual não poderá interferir na natureza dos atos, portanto, não caberá à lei processual
tratar de "conteúdos" dos atos processuais.
Restará, portanto, o apelo ao direito material ou, se não, ao juiz, a quem déssemos
poderes para que ele, operando "em um local mais avançado" (Marinoni); num patamar em
que o direito material não se encontra mais em "estado puro, mas transformado, em outro
nível qualitativo mais elevado" (Carlos Alberto A. Oliveira), pudesse criar do nada a
"consistência" das ações.
Estas são algumas das razões que nos levam a pedir mais precisa especificação,
para o que nos parece uma contradição, qual seja, limitar a classificação das sentenças a seu
aspecto formal e, ao mesmo tempo, pedir que se indique em que elas "consistem". De resto,
se a sentença executiva deve ser caracterizada por sua peculiaridade específica, certamente
esta nota, que só a ela pertence, não terá homogeneidade com a nota "específica" das demais
classes.
A observação, por certo, não se dirige a Barbosa Moreira, que não se preocupa em
classificar sentenças por seus respectivos "conteúdos", mas deve ser registrada, para
ressaltar a essencial distinção de critérios adotada, nesta questão, mostrando que uma coisa é
"classificar" sentenças como exemplares pertencentes a uma classe; como exemplares cujos
conteúdos teriam um elemento comum homogêneo; outra, bem distinta, é penetrar na
individualidade, da cada uma delas, para compreendê-la em sua essencial diversidade.
48
(sobre isto, é recomendável a leitura de Jürgen Habermas, La lógica de las ciencias sociales,
original alemão de 1982, Madrid, Editorial Tecnos, 1988).
Chegou o tempo em que o jurista, como mostrou Arthur Kaufmann, deve substituir
a lógica linear, preconizada pelo racionalismo, pela analogia (Analogia y naturaleza de la cosa,
edição alemã de 1965, Editorial Jurídica Chile,1976). As sentenças podem ser, entre si,
semelhantes porém, nunca, ou pelos menos só raramente, idênticas quanto a seus respectivos
conteúdos.
É neste ponto que a ciência jurídica, como ciência do espírito, encontra seu campo
natural. Os episódios históricos, como eventos, não comportam classificação. Exigem
"compreensão", enquanto fenômenos individuais e irrepetíveis. Os atos e condutas humanas
são relevantes para o direito por suas individualidades. Somente com esta "sujeição ao caso",
embora igualmente submetido à "norma", poderá o juiz realizar a justiça.
Como se vê, também por esta razão, não é possível dar resposta, nos termos em
que ele foi proposto, ao desafio lançado por Barbosa Moreira, A impossibilidade decorre de
ser o processo civil um ramo das chamadas ciências do espírito, como a História. Na
verdade, o processo civil, quando trata de "uma" lide, está lidando com uma parcela
microscópica da história humana. Não há como classificar a lide segundo um critério
uniforme, como se "esta lide" fosse um exemplar pertencente a uma série de lides, com
idênticos "conteúdos". Não há identidade entre as ações e respectivas sentenças de
procedência; há semelhanças, mais ou menos intensas. Será, sem dúvida, possível praticar
esse tipo de classificação, tão ao gosto dos manuais universitários, como uma tarefa
preliminar, mas o resultado que ele apresenta, que pode encantar os "cientista" do processo, é
sem qualquer relevância para o jurista prático.
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Segundo Barbosa Moreira, não se deve ir ao direito material, menos ainda às
"trevas" do passado histórico das instituições processuais! Teríamos, como preconizou
outro representante desse pensamento, atingido o "fim da história". Nem mais "trevas" do
passado distante, nem mais utopias num futuro impensável. Entusiasmo por entusiasmo,
diríamos que essa ingenuidade juvenil, que ainda acredita no progresso constante do ser
humano na História, responsável pela tola soberba de pressupor que o processo nasça de si
mesmo, por geração espontânea, esconde graves pressupostos, responsáveis pelo exacerbado
normativismo a que estamos − cada vez mais − submetidos.
33. Quem se preocupa com a história das instituições processuais e vai buscar,
no Direito Romano, as origens da sentença condenatória, sabe que a distinção entre a
condemnatio e a primitiva vindicatio tinha, no direito material, e naturalmente no processo,
profundas razões jurídicas, econômicas e culturais que a legitimavam, especialmente
marcadas pela primitiva incoercibilidade do vínculo obrigacional (cf. especialmente Emilio
Betti, La struttura dell´obbligazione romana e il problema della sua genesi, GIUFFRÈ, 1955;
igualmente Betti, Istituzione Istituzioni i di diritto romano, 1º volume, CEDAM, 1947; e
Biondo Biondi, Istituzioni di diritto romano, GIUFFRÈ, 1972).
A nota que define uma sentença como condenatória está na exigência de que o juiz
dê oportunidade ao condenado para ele, dentro de um determinado tempo (tempus iudicati),
espontaneamente cumprir a sentença. Este pressuposto é a essência do juízo condenatório,
que nos vem, como diz Leopold Wenger, da Lei das XII Taboas, o mais primitivo documento
escrito do direito romano (Actio iudicati, versão do original alemão de 1901, EJEA, 1954,
Buenos Aires, § 25).
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possessórias, as cautelares e o mandado de segurança. Para estas, a "resistência" de réu é
indiferente. Ela pode facilmente ser superada pela jurisdição. Aqui, a jurisdição "ordena",
não "condena".
Estes são alguns dos motivos para não aceitarmos a conclusão de Barbosa Moreira
de que a "insuficiência" da condenação para realizar a execução seja fruto de simples
idiossincrasia do legislador de processo, que muito bem poderia "arrumar" as coisas de
"mil maneiras diferentes", mantendo, apesar de tudo, a essência do juízo condenatório. Para
o ilustre processualista, a condenação "decorre da lei" [processual].
É claro que isto poderia acabar (já devia ter acabado!), mas, fazê-lo, exigirá uma
profunda intervenção no campo do direito material, muito distante das "mil" maneiras
com que o direito processual pode "arrumar" esta "matéria", como, aliás, Barbosa Moreira é
o primeiro a reconhecer, ao mostrar que as "mil maneiras" de "arrumação" da "matéria"
não poderão transformar a cognição em execução, nem o contrário, fazer da execução
cognição; nem transformar a sentença constitutiva em condenatória ou em declaratória,
porque o processo não pode interferir na natureza dos atos.
Liebman foi claro: o magistrado valia-se de seu poder, ordenando a execução ex-
officio − per officio iudicis −, quando não se tratasse de sentença condenatória. É a mesma
conclusão a que chega Giuseppe Salvioli, ao mostrar que, nesse estágio do direito
medieval, as sentenças aproximavam-se mais da mandamentalidade do que de um juízo
condenatório: "la sentenza não aveva tenore di condanna ma di ammonimento" (Storia del diritto
italiano, vol. III, 1ª Parte, Florença, 1969 Libreria O. Gozzini, p. 315).
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O problema, portanto, é de solução simples, se levarmos em conta o "conteúdo" de
uma sentença condenatória e sua fidelidade à primitiva obligatio romana. Valemo-nos do
critério de separar as sentenças por seus respectivos conteúdos, mesmo não sendo a
maneira pela qual Barbosa Moreira aconselha que se as classifiquem, porque ele próprio
admite que este critério seja também legítimo se for homogêneo (cf. p. 161-162).
Por outro lado, neste campo, como sabem os que se preocupam com filosofia do
direito e com hermenêutica, especialmente com a história das instituições processuais, o
processualista trabalha com conceitos abertos, com uma instituição que − mesmo
preservando a identidade de seu núcleo conceitual − costuma ostentar invólucros
diferentes.
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que nos adverte ser "o bolso o órgão mais sensível do corpo humano". A questão, aqui, é
mais antropológica do que jurídica. Se o bolso tornou-se mais sensível que o sentimento
moral dos antigos varões, hoje "consumidores", as expectativas de uma próxima
transformação parecem utópicas.
A relação necessária entre petitum e sentença, como critério para distinguir uma
sentença condenatória de outra que seja executiva, é questão que não apresenta qualquer
dificuldade, nem divergência na doutrina. Liebman, invocando a lição de Chiovenda, a
respeito do critério para identificação de uma sentença condenatória, diz o seguinte: "Os
dois estágios da cognição e da execução mantêm-se, todavia, formalmente autônomos, pois,
com a petição inicial só se pleiteia uma sentença e não a execução" (Embargos do executado,
cit., p. 115, nota 320).
35. Para concluir, qual deve ser o comentário sobre o que estamos dizendo a
respeito da dúvida de Barbosa Moreira quanto à existência de sentenças executivas? Nada
dissemos que seja original. São institutos e conceitos que têm acompanhado a história do
processo civil da tradição romano-canônica. Como nem Barbosa Moreira, nem a doutrina
− salvas raras exceções −, tiveram interesse sequer em mostrar que a distinção entre
execuções obrigacionais e execuções reais que propúnhamos, valendo-nos da doutrina de
Pontes de Miranda, era imprópria, sem fundamento na lógica, nem apoio na história e no
direito material, é de supor que nada mudará a este respeito.
Que as pessoas não tomem nota do critério sob o qual estabelecemos a distinção
entre o "conteúdo" das sentenças fundadas em pretensões obrigacionais e das sentenças
fundadas em pretensões reais (que dão nascimento a ações executivas); ou que simplesmente
não o leiam − o que não é raro entre nós −, ou, lendo-o, não o compreendam, ou dele
desgostem, é tudo compreensível. Trata-se da natural resistência, devida à fidelidade a um
determinado paradigma.
Por outro lado − devemos insistir −, sem "aventurar-nos" no direito material, será
impossível descobrir as diferenças entre uma sentença condenatória e outra executiva.
Supondo que as eficácias das sentenças sejam dadas pelo processo, através de "formas de
tutela", "arrumadas" sob mil maneiras diferentes; partindo da premissa de que a jurisdição
"contenha" apenas declaração − que "nenhuma sentença produza efeitos fora do mundo jurídico"
−, a descoberta dessa diferença torna-se impossível.
Daí nossa apreensão com a tendência, cada vez mais visível, de desligamento
do processo relativamente ao direito material. Os processualistas não se "aventuram" a
buscar no direito material os "conteúdos" do ato jurisdicional, embora saibam que a "ação"
processual é abstrata, portanto, "sem conteúdo". Partindo desta premissa, como
arranjarmos "conteúdos" para as sentenças − para cada uma delas −, prescindindo do direito
material?
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