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Ações e sentenças executivas

1. A existência, no plano do direito material, de ações executivas não chega a ser


um problema. Ensinam os historiadores do direito, especialmente, no que nos interessa, do
direito romano, que a realização (execução) das pretensões era efetivada privadamente,
pelo próprio titular do direito. A função jurisdicional, no período primitivo do direito
romano, consistia, não tanto, como agora, em declarar o direito do litigante vitorioso, para
posteriormente permitir a execução, e sim declarar legítima a prévia execução privada já
consumada pelo titular do direito.

Não era o titular do direito que tivera a pretensão (pretensão = exigência de


satisfação do direito) resistida, que pedia a tutela processual. Era o devedor que,
privadamente, sofrera a execução, que demandava proteção jurisdicional. Foi o que também
ocorreu no direito dos povos germânicos medievais. Como mostra Liebman, o fenômeno
cognitivo não era, como é no direito moderno, o núcleo da função jurisdicional, não
passando, então, de uma "simples fase incidental do procedimento", havendo, "quando
muito, uma cognição após a execução" (Embargos do executado, versão portuguesa, 1952,
Edição Saraiva, São Paulo, p. 38-39).

Referindo-se ao direito romano primitivo, escreve Carlo Gioffredi: "'Si apprende


inoltre da Gaio, che testimonia per un´epoca certo successiva alla XII tavola, che la manus
iniectio iudicati si svolgeva in iure, cioè alla presenza del magistrato, il quale, pare certo,
approvava con l´additio l´azione del persecutore" (Diritto e processo nelle antiche forme
giuridiche romane, Romae Apollinaris, 1955, p. 89). Com a addictio, o magistrado limitava-se
a "aprovar" a "ação" privada do vencedor.

Na verdade, este é um dado histórico indiscutível. Vejamos mais esta lição de um


conhecido romanista português: "Nas actiones iudicati, não se pede ao magistrado, como nas
outras actiones, a arbitragem processual mas sim que, depois de estabelecida por confessio in
iure ou por iudicatio uma determinada soma de dinheiro, autorize o demandante (credor) a
executar por si, os seus direitos" (Sebastião Costa Cruz, Da "solutio", vol. I, Coimbra, 1955,
p. 28, nota 34).

De resto, esse "tomar" a coisa em pagamento, própria da atividade executiva, no


direito romano primitivo, reproduzia-se também nas relações privadas negociais. Na
compra e venda, por exemplo, não era o vendedor que entregava a coisa vendida, mas o
comprador que a tomava por sua própria iniciativa. O vendedor, como dizem as fontes,
limita-se a sofrer a ação do comprador (patientia praestare). Os documentos antigos nunca se
referem a dare, para indicar o dever que incumbia ao vendedor, ou ao obrigado em
negócio jurídico semelhante, mas a dari, utilizado o verbo na forma passiva (conferir
quanto à isto nossa "A ação cautelar inominada no direito brasileiro" (1ª edição, 1989,
Forense, p. 322).

A transformação do dari primitivo, numa obrigação positiva, num praestare,


contribuiu, como sabemos, para a extensão desmedida do conceito de obrigação, por obra
dos compiladores de Justiniano e, daí, para a ampla mercantilização do direito processual
civil, permitindo a Chiovenda dizer que todas as relações de direito material tornam-se
obrigacionais quando caem no processo (Instituições de direito processual civil, 2ª edição
brasileira, 1965, Saraiva, 1º vol., p. 25).
No direito romano clássico, apenas as pretensões submetidas ao procedimento da
actio eram de natureza mercantil. A mercantilização de todo o direito processual foi uma
decorrência da universalização da actio, sem contar, naturalmente, com o capitalismo, como
instituição que preside a modernidade.

Uma das características constantes na história do direito moderno foi essa


transformação da natureza primitiva da obrigação, através da qual se criou, para o
obrigado, o dever de prestar (exercer alguma atividade, positivamente cumprir uma
suposta obrigação, não apenas "sofrer" a ação do accipiens). Daí, igualmente, o fundamento
para a adulteração do texto de Gaio que liquidou com as ações reais, determinando que,
além do contractum e do delictum, fontes exclusivas das obligationes, no direito romano
clássico, o direito moderno passasse a considerar a lei como a fonte primária das
obrigações, naturalmente com a conseqüência de tornar todas as sentenças condenatórias,
com a eliminação da tutela interdital.

2. Como o direito brasileiro, seguindo os passos da Europa continental, da


tradição romano-canônica, reduziu a função jurisdicional aos princípios e à estrutura do
procedimento romano da actio, que pressupunha sempre uma obrigação como causa, a
questão está, hoje, em aceitar, ou não, a existência (sempre no plano do direito material) de
ações executivas que não tenham como partes um "credor" e um "devedor", ou seja,
aceitar que existam ações que não sejam obrigacionais; no limite, não aceitar que todo o
direito material seja Direito das Obrigações, recusando ao processo a faculdade de limitar o
fenômeno executivo apenas a um conflito entre credores e devedores.

Sabe-se que o Código de Processo Civil procurou unificar, em seu Livro II, todas as
pretensões e ações executivas, tratando-as como obrigacionais. Temos mostrado em
inúmeras ocasiões a origem remota desta mercantilização do direito processual civil, nos
sistemas herdeiros do direito romano-canônico (p. ex. Reivindicação e sentença condenatória,
em "Sentença e coisa julgada", 4ª edição, Forense 2003; Curso de processo civil, 2º vol., 5ª
edição, 2002, R. T., p. 183-279; Jurisdição e execução na tradição romano-canônica, 2ª edição, Cap.
11, R. T., 1997; Processo e ideologia, 2ª edição, 2006, Forense, especialmente Cap. V).

3. Pontes de Miranda, um dos poucos juristas brasileiros que manteve vivo o


interesse pela história do processo, preocupado sempre em mostrar as origens luso-
brasileiras de nosso sistema, indicava as ações reais (não obrigacionais), como as que
"contêm", em si mesmas, em seu "conteúdo", cognição e execução, denominando-as ações
executivas lato sensu (p. ex. Comentários ao Código de Processo Civil (1939), 2ª edição, Tomo V,
1959, Forense, p. 374; Tomo VI, p. 171), para distingui-las do que ele chamava "execução
em sentido estrito", que seria aquela ! − dizia Pontes − ! "em que o ato é mediato ao
pensamento" (Tratado das ações, Tomo VII, 1978, p. 10).

Para alcançar a importante distinção entre execuções obrigacionais e execuções


reais, Pontes partia desta premissa: "Há em execução, ato, e não só pensamento. Sentenças
há (as declarativas e as condenatórias) em que o ato não aparece, nem nelas está: carecem de
ato" (Tratado das ações, ob. cit., p. 10).

As execuções "em sentido estrito" seriam as que contêm somente ato (factum),
não pensamento (dictum, cognição, juízo, representado por uma sentença); ao contrário

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destas, as lato sensu executivas seriam aquelas das quais se poderia dizer que não eram
puramente executivas, como a mais eminente ação executiva lato sensu que é a
reivindicatória, ou a ação de imissão de posse, que pode ser proposta contra o titular do
domínio; ou a ação de divisão de condomínios, ou a ação demarcatória de imóveis rurais.
Seriam ações realmente executivas, com execução em seu "conteúdo" e que, não obstante,
teriam um imenso componente cognitivo.

A classificação da jurisdição em atividade produtora apenas de pensamento (dictum)


ou apenas produtora de ato (factum) é relevante para compreender a separação entre o
Processo de Conhecimento e o Processo de Execução, entre a função puramente cognitiva
e a função exclusivamente executiva da sentença jurisdição, que nosso Código cuidou de
realizar, transferindo para o Livro II todas as formas que contivessem factum sem qualquer
vestígio de dictum. Mostramos, em obra anterior, que os juristas medievais conceituavam
a jurisdição como atividade produtora de pensamento apenas, reduzindo-a ao dictum,
nunca indo ao factum, que caracterizava a função executiva (Jurisdição e execução na tradição
romano-canônica, cit. p. 30-32).

A concepção da jurisdição com sentido apenas declaratório (sem executividade)


revela-se nítida quando se observa que para muitos processualistas e mesmo para
advogados forense as ações devem ser propostas "em face do réu", nunca contra estes. Isto
é a confirmação de que nossa jurisdição é compreendida como contendo apenas o dictum,
jamais a execução (factum), porque esta naturalmente será pedida contra o demandado.
Em outros momentos, temos mostrado que, para a doutrina consagrada, a execução é uma
conseqüência da jurisdição, é o que Alfredo Buzaid dissera ser um posterius, resultante da
jurisdição.

Alguém poderia objetar, contra a afirmação de que o legislador de 1973 separara


conhecimento e execução de modo tão radical, mostrando que existe, no Processo de
Conhecimento, todo o Livro IV do Código, dedicado às ações especiais, muitas delas
"sincréticas", em virtude de "conterem", simultaneamente, atividade cognitiva e atividade
executiva.

Ao observador atento, porém, não escapará o fato de haver o legislador inserido


essa parcela de processos especiais (sincréticos!) longe do Livro I do Código, no qual está
o procedimento comum, próprio das ações exclusivamente de conhecimento.

Entre a função de conhecimento e os procedimentos especiais − muitos deles não


mais de puro conhecimento, mas sincréticos − está, praticamente, o Código todo, tal
como seu autor o projetara. O Livro IV, acusado de anacrônica sobrevivência medieval, só
mais tarde, no curso da elaboração legislativa, teve seu ingresso autorizado.

4. Segundo a unanimidade da doutrina, as ações do Livro IV aparecem no


Código em virtude de uma espécie de inércia do sistema, que as vem conservando sem
nenhuma razão "científica" que o justifique.

Seja esta a razão, ou seja porque no direito material, além da "obrigação", existem
"direitos reais", a verdade é que temos ainda ações cujas sentenças de procedência possuem
misturadas as duas funções, a cognição e a execução, enquanto sentenças que "contêm", em

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seu núcleo, a eficácia executiva. É o que ocorre com as execuções reais, ou ações reais, como,
por exemplo, a ação de esbulho possessório, a ação de despejo, a actio commodati, a ação de
depósito, a ação reivindicatória, a ação de imissão de posse, a ação de divisão, e todas as
demais ações em que se pede a coisa (res) e não o cumprimento de uma prestação (sobre a
acusação de anacronismo das ações especiais, consultar o que dissemos no Curso de processo
civil, 1º vol., 7ª edição, 2006, Forense, p. 104).

Barbosa Moreira afirmara que as ações especiais apenas se diferenciam daquelas


tratadas pelo procedimento ordinário em virtude de algum "desvio do rito padrão", sem,
no entanto, haver, do ponto de vista substancial, razão bastante para justificar esse
tratamento separado (Revista Forense, vol. 246, p. 35).

Para certos procedimentos especiais, como ele afirma, pode ser correta sua
asserção, como acontece com a ação de depósito, que nossa adesão ao direito europeu, de
origem francesa, mutilou a ponto de tornar, além de condenatória, ordinária e plenária
(como mostramos nos Comentários ao Código de Processo Civil, coleção R. T., vol. XIII, 2000,
especialmente p. 109 e sgts.).

Entretanto, muitas delas, como as possessórias, caracterizam-se por dispensarem


uma demanda executiva subseqüente, porque o ato (o factum) está, como dissera Pontes,
incluso no enunciado sentencial. Ao contrário do que se poderia supor, há, sim, do ponto
de vista substancial, razão bastante para que elas sejam separadas das demandas
condenatórias, do procedimento do ordo iudiciorum privatorum do direito romano clássico
(utilizamos a palavra demanda, aqui, para não empregarmos o vocábulo ação, uma vez que
não existe ação condenatória no direito material, como já o mostramos antes em A ação
condenatória como categoria processual, no livro "Da sentença liminar à nulidade da sentença").

A razão é simples: elas, as executivas e mandamentais, provêm dos interditos, do


direito romano clássico, não da actio, ou são, quando menos, uma mistura de tutela
interdital inserida, pelo direito comum medieval, no procedimento das actiones, como
hoje temos as possessórias, puramente interditais no direito romano clássico, tornadas, no
entanto, ações que, depois da fase interdital, prosseguem como ações (actiones) ordinárias.

A sentença, aqui, tem pensamento (juízo, declaração) e ato (execução). O "conteúdo"


da sentença possui, já, a eficácia que, depois, produzirá a execução. Haverá no "conteúdo" da
sentença algum verbo, que enuncie o agir próprio da função executiva. Mais, o verbo
que está na sentença é resposta jurisdicional ao verbo de idêntica natureza que está na
petição inicial.

Nunca será demasia repetir que o vocábulo ação é o substantivo do verbo agir.
Seria, portanto, um equívoco lógico tratar de ações sem ligá-las aos "verbos" que lhes
correspondem. Toda ação − todo agir − haverá de ser representado por um verbo. Isto é
uma determinação da própria linguagem. Como é óbvio, não é apenas no direito que as
ações são representadas por verbos. Se desejarmos classificar uma ação, a primeira coisa
a fazer será investigar por meio de que verbo ela se materializa, como ela realiza seu
enunciado.

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Cometem ofensa à lógica os que tentam classificar ações e sentenças a partir de sua
estrutura procedimental, sem considerar os respectivos verbos que as formam, que as
constituem, sem indicar os verbos que se acham em seu "conteúdo". Seria como dizer que
comer é a ação de comer sentado; ou viajar é uma atividade que compreende a ação dos
que se deslocam a pé, não daqueles, como diria Alessandro Pekelis, que viajam
comodamente sentados em um automóvel. Esta conduta trocaria a substância pela forma, ou
faria com que a forma criasse a substância, equívoco que, não raro, se observa na doutrina
processual.

Não se atenta para o "ato" (ação) de comer ou de viajar, mas na "forma", no modo
como se come ou se viaja. É assim que a doutrina processual − tornada "científica", como
disciplina formal − recomenda-nos classificar as ações e as respectivas sentenças. Não se
cuida de investigar os "verbos" que realizam as respectivas ações, apenas considera-se sua
estrutura externa, sua forma, na relação processual.

Nosso pendor pelas regras, como herdeiros do Iluminismo − que teve a pretensão
de transformar o direito numa ciência matemática −, leva-nos a recusar que o ato de comer
sentado ou comer caminhando sejam idênticas expressões da "ação" de colocar na boca os
alimentos e degluti-los. Somos tentados a dizer que comer há de ser, necessariamente, uma
atividade com a mesma estrutura externa; ou come-se sentado, ou não se come! Não
consideram esses processualistas que os conceitos jurídicos podem apresentar-se em
invólucros diferentes sem, apesar disso, terem seus respectivos "conteúdos" transformados.

É assim que raciocinam os processualistas, que ainda não se libertaram da herança


racionalista, convencidos, como estão, de que o processo moderno seja um campo do direito
tornado "científico" (cf. Humberto Theodoro Júnior, As novas reformas do Código de Processo
Civil, Forense, 2006. p. 62), aspirando, conseqüentemente, à eternidade para suas estruturas,
categorias e conceitos. É o nosso compromisso com o formalismo. Por isso é que, para
Proto Pisani, as instituições processuais têm vocação para a eternidade (conferir o que
dissemos em Processo e ideologia cit., p. 91-91).
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Esta questão fora objeto de nossa análise em estudo publicado há mais de vinte
anos, sem, no entanto, merecer atenção dos processualistas (Conteúdo da sentença e coisa
julgada, em "Sentença e coisa julgada, 4ª edição, 2003, Forense). No Brasil, onde pouco se
lê e menos ainda se discutem questões processuais, em nível acadêmico, acontece isto, os
problemas que, presumivelmente, estariam pacificados, superados pela ausência de
controvérsia, costumam renascer, como temas originais.

5. É indispensável, porém, ter cuidado para que a distinção entre ações


executivas lato sensu e execuções obrigacionais não acabe confundindo o leitor desatento.
Dissemos que as ações que Pontes indicava como executivas lato sensu prescindem de uma
segunda demanda executória, como se dá com as sentenças condenatórias, cuja execução se
fará através de outra demanda.

Entretanto, devemos considerar que a exigência de uma segunda demanda, na


verdade, não é uma característica essencial para a distinção entre sentenças executivas e
condenatórias. Pode acontecer que a "ação executiva" se transforme no que seria uma "fase"

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de uma ação obrigacional, passando a integrar a relação processual de conhecimento, como
agora voltamos a ter, em virtude da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005.

Muitos processualistas supõem que a supressão da execução de sentenças,


realizada, como a tínhamos, através de uma ação autônoma subseqüente, determine, em
virtude da Lei 11.232, a transformação das sentenças condenatórias em sentenças executivas.
Teria desaparecido o fenômeno da condenação, uma vez que a antiga ação condenatória,
além de condenar, agora também executa; ou então, que essa aglutinação das duas
pretensões, como sugere Barbosa Moreira (Sentença executiva?, RePro, março/abril de 2004,
vol. 114, p. 152, nota 20), faça com que a execução se incorpore como parcela do juízo
condenatório.

Os advogados forenses logo iriam testar a sugestão procurando redigir uma petição
inicial que servisse − como agora terá de servir − à nova estrutura do procedimento,
prescrito pela Lei 11.232. Veriam que a petição inicial não seria modificada, através da
inserção, no pedido, de mais um verbo, em virtude do qual o juiz devesse ordenar o
pagamento, ou a entrega da coisa (art. 461-A).

Mesmo que se atribua ao art. 461 a condição de norma geradora de sentenças


mandamentais, é forçoso reconhecer que, pela sua deficiente redação, fala-se aí − ainda
mais claramente no art. 461-A − de pretensões obrigacionais, sugerindo portanto, a norma
sugere sentenças condenatórias, cujo remédio, para o caso de desobediência do
"condenado", será a multa (art. 461, § 5º). Se a conseqüência é a multa, impõe-nos a lógica
que pensemos em sentença que condena e "exorta" o condenado a cumprir a obrigação (sob
pena de, não o fazendo, pagar a multa). Isto é a essência do juízo condenatório, o resto é
discurso.

A reunião da "fase" executiva no mesmo processo da demanda de conhecimento,


determinada pela Lei 11.232, não faz com que a execução passe a integrar o pedido
condenatório. Na verdade, as duas pretensões processuais – a condenação e a execução
subseqüente − conservam-se íntegras, apenas o procedimento, o veículo que as transporta
passa a ser o mesmo.

Os otimistas, portanto, podem perder a esperança. A eliminação do juízo


condenatório, que nos acompanha desde o direito privado romano, embora desejável, não
será conquistada pela simples perda de autonomia da execução de sentença. Essa singela
alteração "externa" não toca nas eficácias da sentença condenatória.

6. A confusão está em que os juristas dogmáticos não classificam as sentenças


por suas eficácias, ou seja, não se preocupam em investigar de onde elas nascem no direito
material. O embaraço está em que nossa formação pressupõe que o processo seja uma
ciência rigorosamente formal, cuja autonomia lhe permite prescindir do direito material,
sendo constituída de puros conceitos, os quais, enquanto conceito, pretendem furtar-se às
contingências históricas.

Além desse pré-juízo − Gadamer diria precompreensão −, a impedir que a doutrina


possa classificar as sentenças, a não ser sob o aspecto formal, ainda existe um outro
pressuposto, determinado por nossa submissão à epistemologia das ciências

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experimentais, a impor-nos a construção de leis gerais, para qualquer fenômeno jurídico
que se nos apresente. Raciocinamos assim: "alguém disse que a sentença condenatória não
executa, apenas permite que a execução se faça em ação autônoma posterior. Agora esse
alguém vem dizer-nos que esta execução deixou de ser autônoma, passando a integrar o
processo de conhecimento". Sendo assim, argumenta, esta nova "estrutura" (externa!) faz
com que desapareça a categoria das sentenças condenatórias: ou elas não existem mais, ou
o conceito está mal definido, pois, para a "nossa" ciência processual, não será o "conteúdo"
que as define e sim a "estrutura" que o direito processual lhes dê. A doutrina não quer saber "o
que é uma ação executiva". Basta-lhe esclarecer qual o seu "procedimento".

Para a doutrina, a espécie de sentenças executivas (se é que elas existem) será
representada sempre por uma ação autônoma ou, do contrário, o conceito será imprestável,
porque terá perdido a qualidade mais essencial a qualquer conceito, que é a sua
"generalidade", a virtude que lhe é inerente de valer para sempre e para todos os casos. É
assim que os processualistas, fiéis ao paradigma que nos foi legado pelo Iluminismo,
raciocinam.

A experiência, no entanto, mostra que essa fidelidade às regras vem se tornando


cada vez mais anacrônica, num mundo que se diz pluralista em questões políticas,
filosóficas, éticas e religiosas, em constante transformação. O sonho das regras eternas, para
a ciência processual, torna-se cada vez mais ridículo.

Certamente, a inadequação da epistemologia das ciências exatas não é percebida


pelos que a praticam. É esta inconsciência de que estamos submetidos a determinadas
precompreensões que define o paradigma científico, seja nas ciências da natureza, seja nas
ciências sociais, especialmente nas chamadas ciências do espírito. Exigimos dos fenômenos
jurídicos a mesma uniformidade exigida pelo cientista quando estabelece a lei de que os
corpos se dilatam pela ação do calor. Se houver um corpo − apenas um − que resista ao
calor, sem dilatar-se, a lei física terá de ser abandonada. Ora, o contrário acontece com a lei
jurídica, cuja violação é sua própria condição de possibilidade. A lei que não pudesse ser
violada não seria jurídica.

A distinção, tão nítida, entre as leis físicas, que não podem ser violadas, e as leis
jurídicas, feitas para sê-lo, não é considerada pela doutrina, que continua a raciocinar como
se a lei, os institutos e conceitos com que os juristas laboram haverão de ter a mesma
univocidade das leis que regulam os fenômenos naturais.

Exigimos dos conceitos jurídicos a mesma uniformidade, a mesma homogeneidade de


critérios classificatórios. Como cinco vezes dois serão sempre dez, mesmo que sejam
dez pulgas ou dez elefantes, assim também (sem qualquer preocupação pelo "conteúdo")
diremos que, se o fenômeno jurídico "externamente" se rebela contra o conceito, pior para o
fenômeno. O "conceito", não a coisa, é o "material" com que o processualista elabora sua
ciência. Se as coisas não se harmonizam com o conceito, tanto pior para as coisas! O
fenômeno, enquanto realidade substancial, deve desaparecer, porque o conceito nasce não
apenas com o selo terreno, mas com o selo da eternidade, como dissera Salvatore Satta, com
o aplauso por Proto Pisani ((Revista da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, nº 16, 2001, p.
23). Este é o caminho que conduz os processualistas a prescindirem do direito material.

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7. A respeito da relação entre o juízo condenatório e a execução que lhe
complementa, dissera Chiovenda: "a sentença de condenação produz a ação executória" (ob.
cit,. nº 50). Melhor fora dizer que a sentença condenatória produz execução, mas nem
sempre "ação executiva", porque a circunstância de a execução de uma sentença
condenatória tornar-se fase do único procedimento (cognitivo-executivo) não toca na
eficácia de "puro pensamento" (puro dictum) do juízo condenatório. A "fase" a que se
transformou a ação de execução de sentença, em virtude da Lei 11.232, não faz parte do
juízo condenatório. A formação de uma sentença complexa "condenatório-executiva",
como temos agora − e tivéramos no Código de 1939 −, não modifica o pedido (!) de
condenação (cuja petição inicial não pede de pagamento da prestação, que seria o pedido
executório).

A sentença, que era condenatória, continua com a mesma estrutura e com idênticas
eficácias (declaratória e condenatória). O ato (dito pelo juristas medievais, o factum) não
está incluso na condenação. Não está inserido na petição inicial da "ação" condenatória. Na
sentença de condenação, o factum será sempre um posterius ao enunciado sentencial.

O autor de uma ação condenatória limitar-se-á a pedir condenação. Sabemos que


ele busca (pretende) o pagamento, mas isto não estará postulado na petição inicial. O
pagamento será uma conseqüência; ou, para usarmos o expressivo vocábulo empregado
por Alfredo Buzaid, o pagamento será um posterius (Do mandado de segurança, 1989, Saraiva,
p. 72) ao ato jurisdicional, somente declaratório ou, quando muito, declaratório e
constitutivo, como prefere J. C. Barbosa Moreira (Direito processual civil (Ensaios e pareceres),
1971, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, p. 136 e sgts.).

Esta estrutura da sentença condenatória não é simples idiossincrasia de algum


legislador com pendores para a originalidade. O juízo condenatório é uma conseqüência do
conceito romano da obligatio. O processo nada poderá fazer nesta matéria sem transformar o
direito material. A "exortação", que vinha expressa no art. 580 do Código de Processo
Civil, pode ser dissimulada pelo legislador, mas não poderá ser eliminada, sem interferir
transformar profundamente a história milenar dos juízos condenatórios.

Basta observar que, revogado o parágrafo único do art. 580, o mesmo pressuposto
para a execução permanece no art. 580, que prevê − como antes − que a execução terá
lugar "caso o devedor não satisfaça a obrigação". Entendeu-se dispensável explicitar que a
inadimplência decorrerá do não cumprimento espontâneo da sentença, mas este pressuposto
está claro no texto.

A distinção entre "condenar" e "ordenar" é ineliminável, enquanto tivermos, no


direito material, a obrigação herdada do direito romano. Aqui está a razão para o § 2º do
art. 461-A pressupor − antes de qualquer providência executiva − o não cumprimento
voluntário da obrigação imposto pela sentença. O condenado é "exortado", sob pena de
multa, a cumprir espontaneamente a sentença.

O pressuposto de que o ato jurisdicional seja apenas declaratório (apenas o dictum),


torna a execução (lato sensu, no sentido de Pontes) um "efeito externo" à sentença. O efeito
executivo e o mandamental, nascidos do ato jurisdicional que "ordena" a execução ou

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determina o cumprimento da ordem, não estariam, para a doutrina, na sentença, como parte
integrante de seu "conteúdo".

Se toda sentença terá, invariavelmente como "conteúdo", somente a declaração, ou


a declaração e eventualmente o efeito constitutivo, então a separação entre uma sentença
condenatória e outra executiva torna-se impossível, porque, segundo este entendimento,
ambas terão o mesmo "conteúdo".

8. O que aconteceu com a Lei nº 11.232 é que o procedimento (!) que antes
regulava apenas a condenação, agora tornou-se complexo, condenatório-executivo, servindo
de veículo para o pedido condenatório e, igualmente, para a execução da respectiva
sentença. Porém − este é um ponto fundamental − o juízo condenatório tem origem numa
relação obrigacional, ao passo que, nas execuções reais, a pretensão dirige-se à obtenção da
coisa (res), não tendo qualquer relação com o Direito das Obrigações.

Esta dualidade tem de ser respeitada pelo processo. É claro que, em nosso direito,
em que a competência legislativa é a mesma para a edição de normas de direito material e de
direito processual, freqüentemente as normas de processo trazem juntas disposições de
direito material, o que poderá confundir o leitor desatento, fazendo-o supor que a "ementa"
ou os "consideranda", postos pelo legislador, sejam capazes de assegurar a processualidade
do todo.

A inexistência de relação obrigacional é visível na reivindicatória. Não existe entre


o autor da ação reivindicatória e o possuidor injusto qualquer relação obrigacional que dê
origem à ação, nenhuma obrigação que lhe dê fundamento. Ao contrário, a existência de
obrigação, que legitime a posse do demandado, tornará inviável o pedido reivindicatório!

O que o autor alega é precisamente a injustiça da posse, não amparada por


qualquer relação jurídica obrigacional, que possa impedir a recuperação da coisa. Ela é
uma ação (ou execução, como se quiser) real, não obrigacional. O mesmo acontece com a
ação de despejo, que pressupõe a eliminação do contrato locatício, que tornava legítima a
posse do locatário, como condição para que o ato executivo de despejar se torne possível.

Nas ações de despejo, de depósito, na ação de comodato e nas demais ações


análogas, a existência de relações obrigacionais entre as partes pode induzir a equívoco,
supondo-se que elas não sejam reais, como na verdade elas o são. O que acontece com estas
ações é que a pretensão a reaver a coisa (pede-se a res, não o cumprimento de uma
obrigação) somente nascerá depois de a sentença haver eliminado a relação obrigacional.

A situação, aqui, é idêntica à que ocorre com a reivindicatória. Nesta, a pretensão


real nasce da inexistência de uma relação obrigacional que ampare o possuidor
demandado; na ação de despejo, e nas demais que a ela se assemelhem, a execução real
depende de a sentença haver eliminado o vínculo obrigacional que legitimava a posse do
demandado.

A pretensão real nasce porque o demandado perdera, com a sentença, a


legitimidade da posse que a relação obrigacional lhe conferia. O locador somente poderá
reaver a coisa locada depois de extinto o contrato locatício.

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Daí a exigência de que estas ações contenham (possuam em seu conteúdo), além
do verbo que determinará que o despejo se cumpra, a eficácia (des)constitutiva da relação
obrigacional, pressuposto para a recuperação da coisa locada.

9. Teremos de retornar à questão da caracterização do "conteúdo" das sentenças,


para distingui-lo de seus "efeitos", problema que julgávamos superado depois de havermos
mostrado − sem que ninguém o contestasse − que J. C. Barbosa Moreira confundira,
identificando-os, o "ato de declarar" e a "declaração", supondo que a declaração fosse
apenas "conteúdo" e não "efeito" da sentença (Sentença e coisa julgada, cit., p. 169 e sgts.),
quando, na verdade, mesmo estando no conteúdo, não deixa de ser "efeito do ato de
declarar".

Porém, se aceitarmos que a declaração não seja efeito da sentença declaratória,


seremos forçados a concluir que esta classe sentenças não produz efeito! Se a declaração não
fosse "efeito" da sentença declaratória, a jurisdição teria se realizado no vácuo, não teria
produzido efeito algum! Seria uma curiosíssima forma autista de jurisdição.

Apesar disso, vemos que a questão permanece viva, ligada com o tema central
dos ensaios que compõem esta obra, qual seja, a separação dos dois planos, o plano do
direito material e o plano do direito processual. As duas questões − o problema do
"conteúdo" das sentenças e a teoria da "unidade do ordenamento jurídico" − revelam, cada
uma a seu modo, que a identificação entre o "ato de declarar"e a "declaração", assim como o
entre "ato" de constituir e a constituição, decorrem do mesmo pressuposto: o conceito de
jurisdição.

Ambas ligam-se ao conceito medieval de iurisdictio, formado pelo direito romano-


cristão, conservada a concepção que nos vem do direito romano da actio, para o qual a
jurisdição seria apenas declaratória, sem compreender a execução. É importante distinguir o
conceito romano-cristão de iurisdictio do conceito vigente no direito romano clássico, em
que a jurisdição não era, como hoje, exercida pelo iudex, senão como delegação, e sim pelo
praetor. As conseqüências desta transformação, devida à apropriação do Direito pelo Estado.
são tão profundas quanto ignoradas.

Como sugerimos no ensaio anterior (Unidade do ordenamento jurídico e jurisdição


declaratória), a redução da jurisdição apenas à declaração, premissa de que se nutre o
formalismo do processo civil moderno, torna-o independente do direito material, que se
transforma à medida em que se transformem as condições históricas. O processo,no
entanto, enquanto direito formal, concebido como puro conceito, torna-se científico (H.
Theodoro Júnior). Diferentemente do direito material, desliga-se da História.

Para os herdeiros de Thomas Hobbes, construtores do processo civil, à jurisdição


cabe apenas dizer o que o legislador haja prescrito, qual um historiador, a quem não seria
lícito atualizar, segundo as necessidades de seu tempo, as normas da lei, editadas para
dar disciplina a outras circunstâncias, outros interesses e valores históricos diferentes.

Qual a significação disto para o tema do ensaio de Barbosa Moreira, questionando


a existência de sentenças executivas? Resposta: as ações executivas derivam dos interditos

10
e não das actiones. São ações, como depois veremos, que têm o "conteúdo" formado pela
eficácia declaratória e, eventualmente, também constitutiva, como se fosse uma sentença do
processo de conhecimento + a eficácia executiva (interna ao conteúdo!).

A controvérsia surge, portanto, quando propomos incluir a execução como uma


parcela da jurisdição, propondo que a sentença "contenha" efeito executivo, quebrando um
dos pilares mais caros à doutrina. Quebraremos duplamente o paradigma, porque, além de
interferirmos no "conteúdo" do ato jurisdicional, ainda estaremos pressupondo que as
sentenças possam ter e, na grande maioria dos casos, efetivamente o terão, múltiplas
eficácias, inestimável contribuição de Pontes de Miranda, que a doutrina não absorveu.

10. No ensaio intitulado Sentença executiva?, Barbosa Moreira desafia os que


sustentam a existência de ações e sentenças executivas a que esclareçam em que consiste a
espécie "sentença executiva" (RePro, cit., vol. 114). O processualista inicia questionando a
imprecisão da locução "lato sensu" utilizada por Pontes de Miranda para indicar uma
espécie de ações executivas.

A nosso ver, porém, o emprego dessa expressão tem fundamento na distinção


entre as execuções obrigacionais, que Pontes indicava como sendo stricto sensu executivas,
e as execuções reais, que, para ele, seriam lato sensu executivas.

As obrigacionais seriam execuções em sentido estrito, porque, nelas, somente existe


"ato", não existe "pensamento", apenas atividade executiva (Livro II do Código), não existe
sentença; seriam execuções "puras", ao passo que, nas execuções lato sensu, haverá sempre
mistura, na respectiva sentença, da execução com outras eficácias. Pontes indicava-as como
lato sensu, porque elas não são "puramente" executivas. Neste sentido, parece-nos correto
dizer que a sentença que decreta o despejo é executiva lato sensu. Ela terá, no "conteúdo",
além da declaração − e (quase sempre) desconstituição −, mais um componente eficacial,
representado pelo verbo que ordena o despejo.

Não será só executiva − sem dictum, somente factum −, como a execução


obrigacional stricto sensu, em que não há sentença. Resumindo, a questão não está em
duvidar da existência de sentenças executivas, mas em aceitar que o ato jurisdicional possa
ter − no conteúdo (!) − além da declaração e eventualmente da constituição, também a
ordem, para que a execução seja feita. De qualquer modo, a dúvida de Barbosa Moreira não
diz respeito à existência de sentenças executivas lato sensu. Ele duvida é da existência de
qualquer sentença executiva, sejam ou não lato sensu executivas. É que para ele, nenhuma
sentença, seja qual for, poderá produzir efeitos fora do mundo jurídico (Sentença executiva?,
cit., p. 150).

O critério de Pontes, a nosso ver, é válido, mas seria possível a utilização de outro
critério, referido a suas origens. As execuções chamadas lato sensu são as autênticas e mais
primitivas expressões do fenômeno executivo. As execuções obrigacionais surgiram depois,
de modo que, classificando-as sob outro critério, diríamos que as verdadeiras − logo stricto
sensu executivas − deveriam ser as execuções reais; as obrigacionais seguiram-nas como
formas de realização in natura do direito.

11
Mas a distinção entre ambas as espécies, qualquer que seja o critério utilizado para
separá-las, é inapagável, pelo menos enquanto existirem no direito material − e forem
respeitados pelo processo − os direitos e pretensões reais, que gerem ações destinadas à
obtenção da res; e as obrigacionais que visem ao cumprimento de uma prestação.

Tudo isto, é claro, impõe-nos a tarefa de repensar de que modo haverá de formar-
se o "conteúdo" das sentenças em geral. Esta investigação porá em xeque o edifício da
doutrina tradicional, construído sobre o falso pressuposto de que o ato jurisdicional tenha
como "conteúdo" apenas a declaração e que o resto seja conseqüência desse ato; sejam efeitos
externos (posterius) do ato jurisdicional.

Enquanto existir, no sistema jurídico brasileiro, a propriedade e a obrigação, o


processo haverá de reconhecer a diferença entre suas respectivas pretensões e ações. Não
nos referimos apenas à propriedade material, mas a todas as suas formas, especialmente à
propriedade intelectual, seja artística, literária e científica, enfim, aos chamados direitos de
personalidade e aos direitos humanos fundamentais, cuja proteção "não tem a obrigação como
pressuposto". Aqui a condição é que "não exista uma obrigação", que proteja a pessoa ou a
entidade coletiva contra a qual a ação é exercida. Nestas ações, o réu não responde como
responderia um devedor, sujeito a um vínculo obrigacional. Toda esta gama de direitos
pressupõe a inexistência de uma obrigação que possa amparar o réu. Se o demandado
puder demonstrar que sua conduta está amparada em contrato, ou em outra qualquer
relação negocial, ou não, a ação será improcedente.

Isto mostra como é falsa a alegação de que a distinção entre o juízo condenatório
e as ações executivas se tenha tornado anacrônica, face aos "novos direitos". Esse suposto
anacronismo é o resultado natural da mercantilização do direito processual e da
conseqüente eliminação dos deveres jurídicos, substituídos pelas obrigações privadas.

Outorgar às pretensões fundadas em ofensa a direitos de personalidade e a


direitos humanos fundamentais uma "tutela" condenatória é elevar ao paroxismo a
privatização do direito processual! É isto o que a doutrina faz quando resiste a admitir as
sentenças mandamentais e executivas.

O problema, como tentaremos demonstrar, está em que, enriquecendo o núcleo


do ato jurisdicional com outras eficácias, conseguiremos enriquecer também o direito
material, que a doutrina da unidade do ordenamento jurídico reduziu ao direito subjetivo,
eliminando as pretensões e as ações (conferir, quanto a isto, o que ficou dito no ensaio
anterior, intitulado Unidade do ordenamento jurídico e jurisdição declaratória).

11. Temos que a classificação das execuções em reais e obrigacionais opõe-se à


antiga (e atualíssima) doutrina que sustenta a "unidade do ordenamento jurídico",
desprezando o direito material, por considerá-lo um fenômeno apenas sociológico. São as
doutrinas nascidas como uma decorrência do modo como se construiu a "autonomia do
direito processual", que, depois de adquirir, segundo seus promotores, o status de uma
"ciência", haveria de ter seus próprios princípios e regras formais (como toda regra), sem
que o direito material pudesse exercer, sobre eles, qualquer influência.

Procuramos mostrar, no primeiro ensaio que compõe esta obra, que a redução do
direito material ao direito subjetivo − eliminadas as pretensões e ações − torna aquele
12
irrelevante para o direito processual, porque o processo não trabalha com a categoria dos
direitos subjetivos. Tentaremos agora confirmar o que disséramos, mostrando que a
exclusão das pretensões e ações é um dos pressupostos que sustentam o normativismo
jurídico; é um dos fatores que contribuem para libertar o processo, enfraquecendo o direito
material, pela eliminação de seus conteúdos mais significativos.

É claro que a autonomia do direito processual − entendida desta maneira, com o


sentido de uma libertação do direito material − não é assumida abertamente pelos
processualistas dos vários matizes teóricos que a pressupõe, em suas construções. Veremos,
mais adiante, alguns exemplos. Excluiremos da amostra que faremos a seguir aqueles
unitaristas confessos, como Pekelis, Satta, Carnelutti, Ramos Méndez e, no Brasil, Calmon
de Passos (É possível pensar o direito processual - Informativo Incijur, n. 63, Joinville, Santa
Catarina, outubro de 2004, p. 2) e Humberto Theodoro Júnior (O cumprimento da sentença,
2006, Mandamentos Editora, Minas Gerais, p. 259). Segundo este, "na realidade, só é mesmo
direito aquilo que se define e realiza no processo". Daqueles que, indiretamente, acabam
comprometendo-se com a mesma doutrina, veremos que alguns deles, às vezes, a aceitam
sem o saberem.

De resto, como ficou sugerido naquele primeiro ensaio, o problema tem uma
íntima relação com o conceito de jurisdição como simples declaração de direitos; e, por via
de conseqüência, com as questões ligadas ao "conteúdo" das sentenças e à compreensão do
que sejam seus "efeitos".

Daí o interesse em examinar o desafio de Barbosa Moreira, ao propor aos que


sustentam a existência de sentenças executivas que o demonstrem segundo "homogeneidade
de critério", desafio que será examinado a partir da compreensão do que seja o "conteúdo"
da sentença e o que sejam, e como se estruturam, os efeitos produzidos por cada uma delas.
Previna-se o leitor: estamos falando dos efeitos produzidos pelas sentenças enquanto
individualidades, o que pressupõe que superemos a genérica indicação dos efeitos produzidos,
indistintamente, por todas as sentenças de uma mesma classe.

Entretanto, observação decisiva: somos desafiados a demonstrar a existência de


sentenças executivas, porém com a advertência de que essa demonstração não nos exponha
à "aventura" de investigá-las no direito material. A homogeneidade de critério teria de ser
apenas formal (rectius, procedimental).

Este é um indício seguro de que os processualistas, fiéis ao paradigma normativista,


prescindem do direito material, tanto em suas concepções teóricas, quanto na experiência
forense, a ponto de suporem que o processo esteja num "patamar mais elevado", mais
eminente, capaz de permitir-lhes "criar" direito, sem que lhe seja necessário "aventurarem-
se" no direito material, instituição, como reconhecem os normativistas, sujeita a sofrer
transformações, determinadas por injunções políticas e sociais; em última análise, sem
arriscarem-se a enfrentar um direito "antiquado" que ainda não lograra o estágio de
"cientificidade" que o processo teria alcançado.

12. Indiquemos as questões que levaram Barbosa Moreira a duvidar da existência


de uma espécie distinta de sentenças executivas. O jurista lança em seu estudo uma
proposição, a nosso ver, definitiva, para a compreensão do problema. Referindo-se a Pontes

13
de Miranda, afirma que este trabalhava sob o Código de 1939, para conceituar as ações
executivas. Diz Barbosa Moreira que a construção de Pontes não ficara clara, "ao menos no
direito positivo brasileiro de então" (RePro, nº 114, cit., p. 147).

A afirmação é suficiente para mostrar que nossos caminhos não se cruzam. Ele
convida-nos a encontrar ações executivas "no direito processual", mas é fora de dúvida que
Pontes teorizava sobre categorias que ele dizia estarem no direito material. Pelo que se vê de
seu ensaio – dissêmo-lo há pouco − Barbosa Moreira manda-nos procurá-las no Código de
Processo Civil, assim como, segundo ele, Pontes teorizava sobre ações executivas
encontráveis no Código de Processo Civil de 1939, ações que, é de supor, teriam
desaparecido com esse Código.

É o problema da crença na processualidade das ações, tema a respeito do qual


pouparemos o leitor de lê-lo em cansativa repetição (aos que desejarem conhecer o que
escrevemos a respeito deste imenso equívoco, sugerimos que voltem ao primeiro ensaio
deste volume; e ao cap. VII da obra Processo e ideologia).

Assim como o processo ter-se-ia libertado do direito material, a ele caberia criar
ações ou, quando não ações, formas de tutela, concebidas independentemente do direito
material. Primeiro, cria-se o fosso, intransponível, entre direito material, representado apenas
pelo direito subjetivo − sem pretensões e sem ações − e o processo. A seguir, estando o
processo e o juiz, como seu operador, libertos do direito material − pois a categoria dos
"direitos subjetivos" é irrelevante para o processo −, na confusão criada por uma jurisdição
que se desvincula do direito material − mantendo-se institucionalmente irresponsável –, fica
legitimado o atual arbítrio judicial.

O arbítrio sempre existiu, pois nossos juízes, que ainda procuram a inefável
"vontade da lei" (pressuposta invariável), impedidos de interpretar a norma, são convidados
a praticar o arbítrio. O que se irá conseguir, agora, com a radicalização autonomia do direito
processual, será apenas a legitimação do arbítrio, inerente ao sistema.

Pontes de Miranda concebera as ações executivas na vigência do Código Civil de


1916, sem qualquer relação com o Código de Processo Civil, seja o de 1939 ("direito positivo
brasileiro de então"), seja o de 1973. É singular o grau de liberdade com que os juristas
transitam do direito material para o processo.

Pontes de Miranda propunha uma espécie de sentenças e respectivas ações


executivas "no direito material", pressupondo sentenças de procedência. Barbosa Moreira
critica-o por não ficar clara sua concepção perante o "direito positivo de então", subentendido o
direito do Código de 1939 (RePro, 114, cit., p. 148). Entretanto, o direito material de "então",
com que Pontes trabalhava, era o direito do Código Civil de 1916, e das demais disposições
legais de direito material existentes, porque estava a tratar de ações materiais, não da ação
"abstrata" − e portanto inclassificável − prevista no Código de 1973! Falsificando o
pensamento de Pontes, ele atribui aos sete volumes em que este expôs a doutrina das
ações o sentido de um tratado sobre a ação processual do Código de Processo Civil de 1939!

14
A "ciência" processual, depois de apropriar-se da categoria conhecida como ação,
proíbe seu emprego fora do processo. Veremos, noutro momento, que esta é uma óbvia
conseqüência do incontornável normativismo do direito moderno.

A competência que Barbosa Moreira confere ao direito processual, para criar ações,
vem confirmada na nota 31, à p. 159, em que ele escreve isto: "Se o direito positivo
desautoriza uma classificação concebida a priori, é essa classificação que se tem de rever ! − e
ajustar ao direito positivo. O mais são castelos no ar".

Como Barbosa Moreira classifica sentenças sem "aventurar-se" no direito material


(p. 158), a conclusão que se impõe é a de que, no texto, "direito positivo" é igual a direito
processual, embora ele, que procura manter os olhos "postos na realidade objetiva" (p. 153),
julgue-se dispensado de explicar de que modo, por que força "misteriosa" a ação
processual, concebida como abstrata, "que se mantém idêntica a si mesma" (Dinamarco,
Fundamentos do processo civil moderno, R. T., 1986, p. 271), poderia procriar três espécies de
ações, cujos "conteúdos" são, entre si, diferentes! Ação abstrata, portanto, sem conteúdo, a
gerar ações distintas por seus respectivos "conteúdos". Nem Dinamarco, nem Barbosa
Moreira e, que nos conste, ninguém explicou de que modo fora possível a materialização
desse prodígio.

Esta primeira questão já é suficiente para evidenciar que não nos será
possível resolver o problema nos termos em que ele está proposto. Pede-nos o competente
processualista que encontremos ações de direito material "no processo". O pedido não
poderá ser atendido, porque tratamos de ações apenas encontráveis em direito material,
como todos sabem e como temos, "à exaustão", afirmado.

A indagação que logo nos acode é a seguinte: a eficácia executiva de que nasceria a
respectiva sentença, de cuja existência duvida Barbosa Moreira, estaria na petição inicial da
respectiva ação ou nasceria depois da sentença de procedência? A resposta a esta questão
tem grande relevância, porque o processo, como ficou dito nos ensaios anteriores, não lida
com o "ser" e o "não-ser" do direito. Estas são categorias pensadas pelos juristas do direito
material, embora muitos processualistas, desatentos, costumem teorizar no direito
processual valendo-se de critérios próprios do direito material.

As ações (no plural) são categorias de direito material. Se procurarmos ações


executivas na petição inicial, não as encontraremos, pois, nesse estágio inicial do processo
(assim como em todo o seu percurso!), haverá apenas uma ação executiva "afirmada
existente", hipoteticamente existente: ação de que o autor "alega ser titular", fundada em
pretensão igualmente apenas afirmada existente. A ação executiva, "afirmada existente",
todavia, poderá ter sua existência negada pela sentença; se, ao contrário, estivermos a
considerar as ações executivas "depois da sentença de procedência", estaremos raciocinando
como os "concretistas", que teorizavam, no processo, com categorias de direito material!

As ações executivas, "existentes" na sentença, ou depois dela, de que tratavam os


"concretistas", são precisamente as ações de direito material, que a sentença reconhece e
proclama. Este é o ponto em que o processo presta homenagem ao direito material, queiram
ou não os processualistas dogmáticos e os defensores da "unidade do ordenamento jurídico".

15
Presta-o necessariamente, por força de sua função primordial de realizar a ordem jurídica
material.

13. Apesar de tudo, Barbosa Moreira está convicto de que cabe ao processo a
missão de criar ações, como pensara também Adroaldo Fabrício, ao rejeitar o entendimento
que expuséramos de uma "ação de imissão de posse executiva", na obra "A ação de imissão de
posse no direito brasileiro" (1981), agora em 3ª edição,editada pela Revista dos Tribunais
1981.

Respondendo ao que afirmáramos a respeito da executividade e sumariedade


(material!) da ação de imissão de posse, disse Adroaldo Fabrício: "Não é fácil identificar-se
entre essas conclusões e a ampla e erudita fundamentação precedente uma correspondência
lógica satisfatória. Não foi explicitada uma premissa necessária. Uma delas, a da existência
no sistema jurídico de ações executivas foi sólida e convincentemente estabelecida. Mas não se
estabeleceu a de que determinadas "ações" sejam natural, intrínseca e necessariamente
executivas, independentemente do tratamento que lhe dispense o direito positivo"
(Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, vol. VIII, 3º Tomo, p. 36).

Observa-se que Fabrício, pensando, ao que se supõe, em Pontes de Miranda,


empregou o vocábulo ações, na última oração, entre aspas ("ações"), diferentemente do que
fizera pouco antes, para indicar que estava − agora − a tratar de supostas "ações processuais",
que ele dizia não previstas pelo "direito positivo".

Naturalmente, também para ele, direito positivo equivalia ao direito do Código de


Processo Civil de 1973. Se faltassem outros indícios de que Adroaldo Fabrício se referia a
direito processual, quando aludia a "direito positivo", bastaria o emprego do vocábulo ação
grafado de dois modos, um para concordar em que havíamos demonstrado a existência
de ações materiais, presumivelmente no Código de Processo Civil de 1973, porque lá se
achava prevista a ação de despejo; outro, para referir-se às "ações" (entre aspas) não
previstas "pelo direito positivo". Segundo ele, não havíamos demonstrado a existência dessa
classe de ações, no "direito positivo". Conforme sua compreensão, não haverá ações
executivas, se o direito processual ("direito positivo") não as reconhecer, dando-lhes
disciplina. É o que repete Barbosa Moreira, ao dizer que a insuficiência da sentença
condenatória para satisfazer a pretensão do autor vitorioso "decorre da lei" (p. 159),
naturalmente, segundo ele, processual, posto que ele não se "aventura" no direito material.

A lei processual poderá dispor sobre outras "formas", outros ritos, para a
condenação; poderá torná-la, como agora, uma "fase" final do procedimento cognitivo
(observação importante: não fase da "ação" condenatória! Fase do procedimento cognitivo).
Mas não poderá alterar-lhe as eficácias. Se o fizer, o resultado não será mais uma sentença
condenatória, porque se estaria legislando sobre direito material, não sobre processo.

Não lhe é dado transformar a sentença condenatória em constitutiva, assim como a


lei processual − que, para Barbosa Moreira, pode "arrumar de mil maneiras a matéria" (p.
152) – não poderá transformar em declaratória uma sentença constitutiva ou mandamental.

Dissera Fabrício que havíamos demonstrado solidamente a existência de ações


executivas, como a ação de despejo, que, para ele, somente era executiva porque o Código
de Processo Civil atribuíra-lhe esta natureza. Não haveria ações executivas e, naturalmente,
16
presume-se, nem ações constitutivas ou condenatórias, ou mandamentais, ou
declaratórias, se o Código de Processo Civil não as tivesse criado. Este é o pressuposto que
informa o pensamento dos que sustentam a processualidade das ações, como decorrência da
doutrina da "unidade do ordenamento jurídico".

14. Igualmente Eduardo Talamini concede ao direito processual o privilégio de


estabelecer a natureza e as eficácias dos provimentos judiciais. Critica-nos por havermos
sugerido a existência de ligação entre os "direitos tuteláveis" e as "formas de tutela",
porquanto, segundo ele, não se deve lançar mão de critérios "extraprocessuais" para
estabelecer a natureza e a eficácia de provimentos judiciais (Tutela relativa aos deveres de fazer
e não fazer, R.T., 2001, p. 199).

O entendimento de Talamini é idêntico ao aceito por Barbosa Moreira e por


Adroaldo Fabrício: não devemos procurar ações − ainda que estas sejam categorias de
direito material − fora do processo. Raciocinam como Fazzalari, quando este supôs que
Windscheid levara para o direito material um pedaço (un troncone) da ação processual
(acima, neste volume, Unidade do ordenamento e jurisdição declaratória, cit., § 4º, nº 9). Quem se
"arrisca" a teorizar sobre ações no direito material, diz Fazzalari, estará levando para fora
do processo "un doppione dell´azione".

O paradigma dominante, construído pelo racionalismo-normativista, impede-os de


ver "outra ação" que não seja a processual! Ação indiscutivelmente abstrata que, no entanto,
poderia, por alguma virtude sobrenatural, produzir várias ações dotadas de "conteúdos"
diferentes!

É a conseqüência da prévia eliminação das pretensões e ações do campo do


direito material. Trabalhando apenas com o "direito subjetivo", torna-se impossível
estabelecer ligação entre o direito material − concebido apenas como direito subjetivo − e o
direito processual. É um extraordinário fenômeno jurídico a merecer meditação, por
sugerir um conflito patológico de que estaria a padecer a doutrina processual.

O conflito está em que a doutrina "recalca" o fato da apropriação do conceito de


ação material cometida pelo processo e, em virtude do natural sentimento inconsciente de
culpa − mecanismo que a psicanálise conhece muito bem −, fantasia a existência das três
ações "concretas", que seriam procriadas pelo processo (ações dotadas de conteúdo, geradas
pela ação processual abstrata). Senão fosse uma blasfêmia, diríamos que o fenômeno
reproduz o mistério bíblico da santíssima trindade!

O direito processual civil que se constituiu como "ciência" depois de apropriar-se


do conceito de ação, agora recusa-se a aceitar que possa haver "outra ação", ou ações, no
direito material. Sempre que se fala em ação material, levanta-se uma onda de exasperada
resistência da doutrina processual, crente de que se está a roubar-lhe un troncone do
fruto de sua apropriação indébita.

Não se trata disso, nem se pretende levar para o direito material um "troncone" da
ação processual. O que se busca é cobrir o desfalque provocado por essa "apropriação",
procurando restaurar o mutilado direito material. A "ciência" processual pode ficar
tranqüila com sua "ação" abstrata. Os que, como nós, sustentam a existência de ações no

17
direito material não pretendem, nunca pretenderam, eliminar a ação processual ou dela
apropriar-se inteiramente, ou por metade, que seja, como temia Fazzalari.

15. Nosso interesse, neste momento, limita-se a mostrar como a doutrina


processual vem dando sinais muito claros de que a campanha pela independência do
direito processual prossegue determinada, na busca de seu desligamento definitivo do
direito material. Avançamos cada vez mais no sentido de uma jurisdição exercida por
alguém impedido de interpretar a lei, jurisdição, portanto, tendencialmente arbitrária, e que,
ainda por cima, procura afastar-se do direito material!

Não se necessita de grande imaginação ou talento para descobrir que classes


sociais são beneficiadas com este tipo de jurisdição.

Um dos pontos centrais dessa espécie de autonomia do direito processual está na


tentativa de superar o sentido de instrumentalidade − antigamente reivindicado pelos
processualistas −, para torná-lo senhor de seus próprios pressupostos e dos conteúdos por
ele produzidos.

A tentativa de superar a instrumentalidade, no antigo sentido de função destinada


a realizar o direito material, fica à mostra nestas palavras de Cândido Dinamarco:
"Tempos houve em que a tutela de direitos era apontada como escopo do processo, no
sentido de que a jurisdição se exerceria e o processo realizar-se-ia com a função institucional
de proteger direitos . . . A tutela de direitos erigida como escopo dos sistemas constituía uma
premissa imanentista, então vigorante quanto ao conceito de ação e, no máximo,
compatibilizar-se-ia com a teoria desta como direito à sentença favorável (teoria concretista).
O que determinou o banimento da tutela de direitos do sistema e da linguagem do
processualista foi a óbvia descoberta de que o processo não é um modo de exercício de
direitos pelo autor, mas instrumento do Estado para o exercício de uma função sua, a
jurisdição. Foram essas conquistas de inserção do processo no campo do direito público que
conduziram ao radical repúdio votado à tutela de direitos como escopo do processo"
(Tutela jurisdicional, RePro, vol. 81, janeiro-março de 1996, p. 56).

Procurando banir a "teoria concretista", a respeito do conceito de ação, Dinamarco


propõe que se considere a tutela jurisdicional "pela ótica do processo civil de resultados", que
não deve ser um processo civil de tutela a direitos, mas de "tutela a pessoas" (p. 71). A nosso
ver, porém, o processualista, foi longe demais, no caminho da separação entre direito
material e processo. Tem-se a impressão de ele ter jogado fora a criança com a água do
banho. Mesmo porque a "inserção do processo no campo do direito público" em nada
altera a natureza da função jurisdicional.

A unidade da jurisdição, no sistema brasileiro, fê-la sempre função estatal destinada à


resolução de conflitos tanto privados como públicos! Temos jurisdição administrativa,
tributária, eleitoral e constitucional, ao lado da tutela de direitos privados, como formas de
jurisdição comum. De modo que não foi a inserção do processo no direito público o fator
responsável pela doutrina do "processo de resultados": inseridos no direito público sempre
estivemos, diferentemente de nossos mestres italianos!

18
O "processo de resultados" proposto por Dinamarco sugere − quando ele apela para
a publicização do processo, "como instrumento do Estado" −, mais do que sua publicização,
a redução de importância dos direitos materiais (privados e públicos dos cidadãos) em
benefício do Poder estatal. Insinua a estatalidade da função jurisdicional concebida como
um interesse do Estado, não do titular de direitos. A tutela de direitos talvez pudesse ser,
na sua concepção, um posterius, um produto da jurisdição.

Essa doutrina Liberta a jurisdição de sua originária função de proteção dos direitos,
para fazê-la instrumento de "interesse do Estado". Mesmo sem invocar a doutrina
hobbesiana do "Estado total" − sempre presente em nossa cultura −, este é o caminho que
nos é dado trilhar, na fase terminal das doutrinas políticas liberais do século XVII.

Compreende-se a dificuldade encontrada por Dinamarco. Como ele é coerente


com os pressupostos sob os quais a doutrina processual foi construída, incomoda-lhe a
instabilidade inerente ao processo, enquanto realidade que teima em contradizer o sonho do
racionalismo, que pretendera dar-nos segurança através do direito. Mas não há outro jeito
de lidar com o processo, perante o qual existem apenas "direitos afirmados existentes",
direitos que "poderão-vir-a-ser", direitos em estado de "pendência", portanto ainda não
reconhecidos pelo Estado.

Na experiência judiciária, trabalha-se com este momento dinâmico do direito, com


sua instabilidade essencial, não com o "ser" e o "não-ser" do direito. É correta sua reação
contra um sistema processual feito para tutela do autor. Percebe-se, porém, na concepção
de Dinamarco, a marca do magistrado, que não participa do drama judiciário, como o
vivem os advogados forenses, mais visível ainda pela sua proximidade com o Estado, em
virtude de ter sido, antes de magistrado, um servidor brilhante do Ministério Público. É
natural que ele procure eliminar a instrumentalidade do processo, como meio de realização
do direito material, para atrelá-lo aos objetivos políticos do Estado. Esta, com efeito,
parece ser a nossa contingência, decorrente do fenômeno conhecido como "monopólio estatal
da jurisdição".

A marca de sua formação é inocultável. Vê a jurisdição como "resultado", não a vê


nos momentos cruciais de instabilidade ontológica do direito, antes da chancela oficial, quando
todos os participantes do drama judiciário pensam ter direito e pedem, para ele, a respectiva
tutela estatal.

Neste momento, autenticamente jurisdicional do direito, uma das partes não deseja
"resultado": o demandado, que não responde pelos danos que a mora processual possa
causar, certamente não deseja "resultados"; seu empenho é de que nada "resulte", capaz de
modificar o status quo. Luta para que o autor não logre resultado algum.

Como o autor não terá qualquer "vantagem" (resultado) com a sentença de


improcedência, tendo presente que a tutela jurisdicional é dada somente a quem tem razão
(Dinamarco, Fundamentos, cit., p. 63), pode-se presumir que o "resultado" perseguido pelo
Estado corresponda a uma sentença de procedência. Nesta hipótese, o "processo de resultado"
será um processo "feito em prol do autor" (contra, todavia − enfaticamente −, Dinamarco,
RePro, vol. 81, p. 56).

19
Além disso, é insatisfatória a sugestão de trocar o sentido da função jurisdicional,
enquanto tutela de direitos, pela tutela de pessoas. O Estado tutela as pessoas de vários
modos, dos quais a tutela jurisdicional se distingue por ser, precisamente, uma tutela de
pessoas "via direito". Na circunstância de os direitos serem, aqui, apenas "afirmados" está
o elemento que distingue o direito material, reino do "ser" e do "não-ser", do momento em
que o direito é submetido à jurisdição, quando os direitos (tanto do autor quanto do réu)
"poderão-vir-a-ser".

16. Luiz Guilherme Marinoni parece sugerir que o processo teria superioridade
sobre o direito material, ao escrever: "As formas de tutela são garantidas pelo direito material,
mas não equivalem aos direitos ou às suas necessidades. É possível dizer, considerando-se
um desenvolvimento linear lógico, que as formas de tutela estão em um local mais avançado:
é preciso partir dos direitos, passar pelas suas necessidades, para então encontrar as formas
capazes de atendê-las" (Da ação abstrata e uniforme à ação adequada à tutela dos direitos, em
"Polêmicas sobre a ação", obra coletiva, editada pela Livraria do Advogado, Porto Alegre,
2006, p. 213).

Supomos que as "necessidades", indicadas por Marinoni, são as pretensões, porque,


para ele, essa "ação adequada à tutela do direito material", pressupõe em quem a postula a
existência do respectivo direito material (Teoria geral do processo¸ R.T, 2006, p. 240).

Se trocarmos o vocábulo "necessidades", com o sentido de carência, que não


implica qualquer atividade do titular do direito, por "exigências", teremos − sem adulterar-
lhes o sentido − as pretensões. O direito material "necessitaria" tutela, porém nada poderia
"exigir", exercendo pretensão.

É claro que isto poderia aproximar-nos de Pekelis e seus descendentes, para os quais
seria impensável um direito subjetivo concebido com algum poder de ação, dotado de
atividade. A ordem jurídica apenas constataria as "necessidades" e as atenderia como se
prestasse assistência a enfermos nas intermináveis filas dos serviços públicos de assistência
à saúde. De qualquer forma, isto é o que importa, a doutrina não prescinde das pretensões,
como antes vimos em Fazzalari (Unidade do ordenamento e jurisdição declaratória, cit. § 4º).
Ainda que as confundam com o direito subjetivo, na verdade é com elas que elaboram
seus discursos.

Marinoni substituiu as ações de direito material pelas "tutelas" e adicionou à "ação"


processual abstrata ações processuais "adequadas à tutela dos direitos", portanto não mais
abstratas, posto que concebidas − ao contrário do que pensa Dinamarco − para a tutela "dos
direitos". Entretanto, trata-se de "formas" de tutela. Sendo apenas formas − de cujos
"conteúdos" nada se diz −, mesmo assim poderiam atingir um estágio superior às
"necessidades" do direito material. Não seria o conteúdo das pretensões de direito material
(entendido pelo processualista como "direitos subjetivos") a determinar a "forma" da tutela.

Não se nega o valor à contribuição de Marinoni, mas a inibitória, a que ele recorre
como exemplo, insere-se na classe nas das ações mandamentais, ou, segundo Marinoni, das
condenatórias, dado que a sentença exortará o réu a cumprir a sentença, sob pena de multa.
De qualquer modo, a tutela inibitória serve para uma imensa quantidade de pretensões e
ações materiais.

20
A nosso ver, a ação "adequada à tutela dos direitos", proposta por Marinoni, é
concebida como uma "ação procedente"; uma ação concreta, cujo "conteúdo", no entanto,
seria produzido pelo processo. Quando aludimos a ação adequada à "tutela de direitos",
mesmo referindo-nos a "direitos" (no plural), queremos significar direitos dos "autores", ou
direitos alegados pelos autores. Não se trata de "jurisdição adequada", mas de "ação
adequada", logo ação do autor, não "reação adequada do réu".

Por outro lado, não ficou esclarecido a quem caberia a missão de preencher o
conteúdo dessas ações processuais concretas, se ao autor, na petição inicial, ou ao juiz na
sentença. O certo é que teríamos uma ação abstrata e inúmeras ações concretas que, mesmo
assim, não seriam expressões das respectivas pretensões de direito material.

A conclusão pressupõe que essas ações concretas resultem de opções


procedimentais, portanto formais, em cujo campo o juiz disporá de mil maneiras de
"arrumar" a "matéria"; do contrário, porém, teremos de dar "conteúdo" às formas de tutela,
hipótese em que seremos obrigados a invadir o direito material; invasão cometida, neste
caso, pelo processo, para criar "substâncias", ao que se supõe, sem correspondência com as
respectivas pretensões de direito material, porquanto as formas de tutela estariam em um
local mais avançado, ou seriam diferentes em virtude do "selo da autoridade estatal" (Carlos
Alberto).

Preocupa-nos, na campanha contra as pretensões e ações, a criação desse fosso


entre o direito material e o processo; preocupa-nos a liberação dos juízes, que, ao mesmo
tempo em que se acham "em um local mais avançado", em estágio superior ao direito
material, permanecem proibidos de interpretar a lei e, portanto, dispensados de
fundamentar suas sentenças, resultado da pretensa cientificidade do direito processual, que
se tornou o drama quotidiano dos advogados forenses. Este, realmente, é o caminho que
trilhamos, desde sempre, rumo ao arbítrio, cada vez mais sufocante.

A idéia de superioridade do processo sobre o direito material também está presente


em Carlos Alberto A. Oliveira, quando ele afirma o seguinte: "Em primeiro lugar, a
perspectiva de que o resultado final do processo equivale à ação material que seria
desenvolvida pela parte fora do processo ignora, no fundo, a função exercida pelo juiz no
processo, fruto do monopólio estatal da prestação jurisdicional e dos desenvolvimentos
granjeados pelo direito público e constitucional" (Efetividade e tutela jurisdicional, em
"Polêmica sobre a ação", cit., p. 97).

Foram, segundo o jurista, esses "desenvolvimentos granjeados pelo direito público


e constitucional" que libertaram o processo do jugo do direito material; como se o direito
constitucional não fosse, também, direito material! Um jurista brasileiro não tem o direito
de confundir "direito material" com "direito privado"! Nossa jurisdição nunca foi apenas
privada, como os sistemas europeus descendentes do direito francês.

Escreva Carlos Alberto: "O provimento jurisdicional, embora certamente se apóie


no direito material, apresenta outra força, outra eficácia, e com aquele não se confunde,
porque, além de constituir resultado de trabalho de reconstrução e até de criação (original

21
sem os itálicos) por parte do órgão judicial, exibe o selo da autoridade estatal, proferida a
decisão com a garantia do devido processo legal" (O problema da eficácia da sentença, p. 46).

Surpreende sua afirmação porque, em ensaio posterior, sustentou que a diferença


entre o direito moderno e a "pretensão privada" do direito romano, consistia em que essa
"pretensão privada", para cuja realização a actio era outorgada, não aparecia como um direito
subjetivo totalmente constituído" (Efetividade e tutela jurisdicional, p. 85).

Ora, se a distinção entre o sistema romano "privatístico e atrasado" e o atual está


em que o romano não pressupunha direitos "totalmente constituídos", temos de concluir que
no sistema moderno os direitos encontram-se "totalmente constituídos". Esta seria a distinção
entre do direito romano, "privatístico e atrasado", o direito moderno.

Sendo assim, fica sem explicação a tese sustentada por Carlos Alberto, segundo a
qual existe criação jurisprudencial do direito nos sistemas modernos. Se o direito dos
Códigos já vem "totalmente constituído" − e esta é a virtude que os distinguem do direito
romano "privatístico e atrasado" −, como poderia haver a criação do direito pela jurisdição
moderna? Parece haver uma insuperável contradição na tese sustentada pelo escritor, que se
mostra tão cioso do respeito à lógica.

Supondo que o direito processual brasileiro se tenha modernizado, sugere aos que
sustentam a existência de ações no direito material que rompam de vez com as "concepções
privatísticas e atrasadas, que não correspondem às exigências atuais" (Efetividade da tutela
jurisdicional, p. 6). A pecha de atrasado, no entanto, serve melhor a quem ainda supõe, como
o supunham os juristas do século XIX, que o direito esteja todo nos Códigos, àqueles que
continuam sonhando com um direito moderno "completo", enaltecendo-o em relação ao
direito romano que, ainda atrasado, não sendo "completo", não seria "científico", como o
atual ".

Carlos Alberto critica Pontes de Miranda por suas ambigüidades, mas fica-nos
devendo uma explicação convincente, que mostre como os "desenvolvimentos" a que ele se
refere foram capazes de fazer com que a sentença de procedência não seja expressão do
direito e da respectiva ação material do autor vitorioso. Em que poderá consistir esse
"desenvolvimento granjeado pelo direito público" que torna o resultado da jurisdição
diferente do direito material? Quem produziria essa diferença? Porventura, o juiz,
arbitrariamente, em virtude desse "desenvolvimento", que se produziria sem depender do
direito material?

Como dissemos, é por esta via que o processo procura libertar-se do direito
material. Tanto Carlos Alberto Oliveira quanto Luiz Guilherme Marinoni congratulam-se
com a aspiração do processo de superar o direito material, originariamente instituído para
ser, apenas, o instrumento de sua realização.

É necessário, porém, evitar a suposta contradição que uma compreensão


superficial do problema poderia causar, quando se reconhece a função criadora da
jurisprudência e, ao mesmo tempo, sua submissão ao direito material. Não existe aí
qualquer contradição. A criação jurisprudencial de direito não deixa de ser uma criação
dentro do "direito material existente"! O juiz não é legislador.

22
Neste ponto, sim, o direito moderno separa-se do direito romano. Temos
legislador, a quem o sistema político confere o poder de constituir direitos subjetivos, ao
contrário do direito romano, em que os direitos ("pretensões concretas") eram criados não
por um legislador, criador de normas, mas pelo Pretor) (!). Os romanos não criaram a
doutrina da "separação de poderes", pressuposto para a formalização dos direitos subjetivos
e para a eliminação das ações!

Não é o momento de discutir outros aspectos, do original ensaio de Marinoni.


Limitamo-nos a mostrar que, para ele, as "formas de tutela" não "equivalem aos direitos ou
às suas necessidades". Se dermos ao vocábulo "necessidades", como há pouco dissemos, o
sentido de "pretensões", não cremos que seja correto afirmar que as "formas de tutela" nada
tenham a ver com as "necessidades" dos direitos subjetivos.

Carlos Alberto comunga da mesma opinião de Marinoni: "Ademais, não padece


dúvida de que as normas reguladoras do processo, geralmente de direito público, dirigidas
especialmente à função jurisdicional, não se preocupam diretamente com o direito material
pretendido . . ." (O problema da eficácia da sentença, cit. p. 45).

Compreende-se o que Carlos Alberto quis expressar. Ele pensa nas normas
procedimentais que preparam o nascimento da sentença, sem preocupar-se com a própria
sentença (especialmente de procedência), porque, para ele, no momento da sentença de
procedência, a tutela jurisdicional já fora prestada, e estaremos frente ao "resultado" da
jurisdição, naturalmente pressuposta apenas declaratória, enquanto jurisdição do processo
de conhecimento.

Na verdade, ele não tem qualquer preocupação com a fase, interna à relação
processual, de formação de sentença; não cuida de investigar as questões probatórias, nem
as alegações e fundamentos expostos pelas partes. Se o fizesse, veria que o processo não é
formado apenas pelas "normas reguladoras" que o estruturam como procedimento, enquanto
puras formas. De qualquer modo, torna-se clara a dispensa do direito material em seu
raciocínio.

Em ensaio anterior, Carlos Alberto A. de Oliveira afirmara que o direito material


constitui a "matéria prima" com que o juiz irá trabalhar no processo (O problema da eficácia
da sentença, Rev. Forense, nº 369, p. 46). Daí, para ele, "não ser possível emprestar à eficácia
da sentença um caráter puramente processual" (p. 42). Não se preocupa, porém, em
mostrar de onde e como o juiz haverá de tirar esse algo existente na sentença que, não
sendo processual, seria diferente (ou seria de estágio superior) ao direito material.

Por outro lado, está com a razão Marinoni ao dizer que não é possível ligar o
direito subjetivo às formas de tutela processual. A ligação que Talamini dissera inexistir,
como indicamos no ensaio anterior (Unidade do ordenamento e jurisdição declaratória), faz-se
entre "pretensões e formas de tutela". Jamais entre direito subjetivo e formas de tutela.
Mesmo nas hipóteses versadas por Marinoni, em que não se cuida apenas de "formas" de
tutela, mas de tutelas dotadas de "conteúdo", não se pode construir uma ponte entre direito
subjetivo e processo.

O processo, como disse Carnelutti, alimenta-se de "pretensões resistidas", nunca de


direitos subjetivos. A lide não é formada por direitos subjetivos, e sim por pretensões. Dito
23
de outro modo: a lide pressupõe violação ou ameaça de violação a pretensões, nascidas
(nem todas !) de direitos subjetivos.

A lide cautelar, por exemplo, não pressupõe direito subjetivo; basta-lhe a ofensa
ou ameaça de ofensa a uma "pretensão à segurança", posta em juízo por alguém que "começa e
termina" a relação processual cautelar como "provável" titular do direito e da respectiva
pretensão "assegurada" pela sentença! Quem obtém, em sentença, o arresto, pode não ser
titular do direito de crédito. O autor da ação popular não controverte sobre direito subjetivo,
mas a ordem jurídica confere-lhe pretensão (poder de exigir a satisfação). Isto sempre foi
claríssimo em Pontes de Miranda!

17. Para negar a existência de ações de direito material, Carlos Alberto A. de


Oliveira faz uma afirmação singular. Segundo ele, "só depois de tomada a decisão (seja
antecipatória, seja a própria sentença de mérito) é que o juiz pode em tese interferir no
mundo sensível, agindo, mas aí já se trata do resultado da tutela jurisdicional, da própria
eficácia de sentença. Antes disso, como é óbvio, não teria havido ação de direito material"
(Revista Forense, vol. 369, p. 45).

Rogamos permissão do processualista para subscrever suas palavras. Carlos


Alberto foi feliz ao mostrar que o desafio de Barbosa Moreira não deveria sequer ser aceito:
antes da sentença, afirma Carlos Alberto, "não teria havido ação de direito material". É o que
estamos cansados de dizer. A ação de direito material − percebeu-o Carlos Alberto −
somente surgirá com a sentença de procedência (!), "mas aí − para ele − já se trata do
resultado da tutela jurisdicional", pressuposta apenas declaratória.

Temos insistido: antes da sentença, haverá apenas ação "afirmada existente". Depois
da sentença de procedência, estaremos em pleno domínio do direito material, reconhecido
pelo Estado. Esta é a ação de direito material! É o agir idôneo a realizar a respectiva pretensão,
demonstrada existente pela sentença e digna de proteção jurisdicional.

É interessante mostrar que, depois da sentença de procedência, estamos, para


Carlos Alberto − não apenas para ele mas para toda a doutrina −, perante o "resultado da
jurisdição", não propriamente em presença de uma jurisdição que ainda pode prosseguir. É
aquele mesmo posterius que permitiu a Alfredo Buzaid dizer que o mandado de segurança
seria, como qualquer outra − declaratória, constitutiva ou condenatória −, uma "ação de
conhecimento que começa com a petição inicial e termina com a sentença"; o que viesse depois, o
efeito mandamental, seria um simples posterius relativamente à sentença de procedência;
ou, como diz Carlos Alberto, será o "resultado da jurisdição", aquilo que resultou da
jurisdição, consumada com a declaração sentencial.

Confirma-se, portanto, que nossa jurisdição é exclusivamente a iurisdictio do


direito medieval romano-canônico, jamais a autêntica iurisdictio do direito romano clássico.
A "atividade executiva" − não mais o dictum − é, para nossa doutrina, um posterius, o
"resultado" da atividade jurisdicional, enquanto factum.

18. Visando a facilitar a compreensão do que estamos afirmando, é conveniente


voltar a duas questões já tratadas em ensaios anteriores. Referimo-nos ao problema da
"processualidade" das ações e à distinção entre "conteúdo" e "efeitos" da sentença. Como
foi possível à doutrina sustentar a estranha teoria da "processualidade" das ações? No
24
estudo antes mencionado (Unidade do ordenamento e jurisdição declaratória, § 11, nº 10),
tratamos desta questão, bem como no Cap. VII do livro "Processo e ideologia". Essa teoria é
fruto da doutrina da jurisdição como mera "declaração de direitos".

A doutrina chegou a esse resultado a partir da premissa de que nem a coisa julgada
e nem o efeito constitutivo podem ser obtidos fora do processo. O obrigado não pode ser
forçado, privadamente, a produzir declaração, nem constituição ou desconstituição de
relações jurídicas, assim como pode suportar, por exemplo, o ato executivo ou o
cumprimento da ordem, nas mandamentais.

Como a sentença condenatória não passa de uma dupla declaração ou, um "caso
qualificado de sentença declaratória" (Barbosa Moreira Temas de direito processual, Saraiva,
1977, p. 80), reduzida, portanto, a jurisdição ao dictum próprio do Processo de Conhecimento,
composto pelas sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias − únicas aceitas pela
doutrina ortodoxa, que se apóia na separação entre "direito" e "fato" −, sustentou-se,
primeiro, a inexistência de pretensões e ações declaratórias e constitutivas "fora do
processo", sob o falso e tosco argumento de elas não existirem por não se poder realizá-las
privadamente.

Depois, a doutrina sugeriu que as ações deveriam ser propostas "perante" o réu, já
que a coisa julgada e a constituição seriam pedidas ao Estado, não "contra o demandado",
que não as poderia produzir (sobre esta singularíssima e reveladora teoria das ações "em
face de", fizemos alguns comentários em estudo destinado a integrar o livro-homenagem ao
Prof. Alcides Mendonça Lima, republicado na Revista AJURIS, vol. 60, março de 1994).

A dificuldade contra a qual se inquieta Barbosa Moreira, levando-o a questionar a


existência de sentenças executivas, está aqui. Como ele pressupõe que a jurisdição seja
apenas declaratória, é fácil compreender por que se recomenda que o autor, quando
ingressa com a ação, faça o pedido "em face do réu", pois fica igualmente pressuposto que
nenhuma pretensão declaratória ou constitutiva existam no direito material. Fica igualmente
pressuposto que, sendo a jurisdição apenas declaratória e constitutiva, nada pedirá o autor
"contra o réu"; nem a coisa julgada nem o efeito das sentenças constitutivas serão
produzidos pelo réu.

Para esta compreensão do fenômeno jurisdicional, com a qual trabalha a doutrina,


não se pode imaginar uma ação e a respectiva sentença que sejam executivas, cuja direção
"contra o réu" é de uma evidência solar. É a resistência encontrada − não apenas na
doutrina brasileira, mas nos demais sistemas da tradição romano-canônica − à aceitação de
uma sentença mandamental. Pensa-se a ação e a sentença como não contendo factum, apenas
dictum. Sendo assim, nada se pediria contra o réu. Este é o processo exigido pelo formalismo
moderno, traduzido numa jurisdição prestada "em face do réu"! É a jurisdição das "tutelas",
não mais o "poder" das ações! Este é um ponto de onde se pode vislumbrar o menosprezo
pelo direito material, de um direito material "funcionalizado" pelo Estado, que dele se serve
para seus fins.

Cabe, no entanto, um esclarecimento, no que respeita à crítica que fazemos ao


formalismo jurídico moderno, exacerbado nos sistemas de direito codificado. Mesmo
entendendo que a avaliação crítica dessa contingência seja indispensável, não devemos

25
nutrir a ilusão de que seja possível superá-la, nas circunstâncias políticas, sociais, éticas e
econômicas, e até mesmo antropológicas atualmente existentes.

Não nos esqueçamos de que Thomas Hobbes está presente, com a advertência de
não caber aos juízes a missão de fazer justiça, e sim, apenas, aplicar a norma editado pelo
soberano. Este pressuposto que informa o sistema, torna difícil, senão impossível, superar a
justiça da lei, em favor da justiça do caso. Em condições ideais de aplicação do princípio,
diríamos que a superação da justiça "uniforme" da lei dificilmente daria lugar à justiça do
caso concreto. Em nossas atuais condições, porém, não se trata mais de dificuldade, e sim de
uma inevitável utopia, imaginar que os juízes − que não fundamentam adequadamente
suas sentenças −, possam realizar a justiça, na aplicação concreta do direito. De qualquer
modo, a análise crítica dessa herança auxilia-nos a perceber o componente antidemocrático
e autoritário que informa o sistema.

Como a ação condenatória é realmente uma categoria processual, inexistente no


direito material, como mostramos em ensaio anterior (A ação condenatória como categoria
processual, no livro "Da sentença liminar à nulidade da sentença", Forense, 2002), pareceu à
doutrina que as duas outras − a declaratória e a constitutiva − também fossem criações do
processo, dado que se teve por demonstrada a inexistência destas outras duas ações no
direito material.

Prova-se − equivocadamente − esta inexistência partindo da premissa de que tanto a


declaratória quanto a constitutiva, "necessitam do processo para realizarem-se". O erro
lógico, porém, fere o ouvido, pois, quando constatamos que as ações declaratória e
constitutiva necessitam do processo para realizarem-se, já estamos, implicitamente,
admitindo que elas existam antes do processo. Tanto existem, que carecem do processo para
realizarem-se! O argumento é assombrosamente falso, embora venha repetido por muitos
acriticamente.

Não ser possível obter a coisa julgada e o efeito constitutivo fora do processo não
significa impossibilidade de exigi-los (exercer pretensão!) do destinatário do dever jurídico,
exigindo que ele declare, faça ou desfaça atos e negócios jurídicos, de que os futuros
litigantes sejam participantes. As pretensões existem, porém necessitam do processo para
realizarem-se. A ação material é a conduta realizadora da respectiva pretensão, vedado, no
entanto, como se sabe, o agir (a ação) privado, em auto-realização da pretensão. Mas é
intuitivo que sua veiculação por meio da jurisdição − antes de provar sua inexistência − é
prova acabada de que eles (as ações), instrumentalizadas pelo processo, existem!

19. Barbosa Moreira, em conhecido ensaio dedicado ao estudo da coisa julgada,


afirmara que o conteúdo das sentenças seria formado pela declaração: "A sentença não
produz declaração: contém-na, e até se pode dizer que nela consiste, exclusivamente ou não"
(Ainda e sempre a coisa julgada, na obra Direito processual civil - Ensaios e pareceres, Borsoi,
1971, p. 136).

Pouco adiante, o jurista mostra como seria formado o "conteúdo" das sentenças,
dizendo que, além da declaração, nas sentenças constitutivas, a constituição igualmente não
seria efeito e sim conteúdo dessa classe de sentenças; o qual, enquanto conteúdo, ficaria
também coberto pela coisa julgada.

26
Fora do "conteúdo", estariam, segundo ele, os efeitos. A declaração e a constituição
não seriam efeitos e sim conteúdos do ato jurisdicional. O efeito da sentença condenatória
não seria a "condenação". Seria a execução (p. 142, nota 22).

Mostramos, porém, sem contestação de ninguém, que tanto a declaração quanto a


constituição são, sim, respectivamente, "efeitos do ato de declarar" e do "ato de constituir
ou desconstituir" relações jurídicas. São efeitos e, não obstante, estão no "conteúdo" das
respectivas sentenças (sobre isto, consultar também nosso Curso de processo civil, 1º vol., 7ª
edição, Forense, p. 458 e sgts.; além do ensaio Conteúdo da sentença e coisa julgada, publicado
em 1988, na 2ª edição da obra "Sentença e coisa julgada", agora em 4ª edição, Editora
Forense).

A ser correta a doutrina segundo a qual a declaração não seria efeito, mas conteúdo
da sentença, chegaríamos, como há pouco dissemos (supra, n. 9), ao absurdo de considerar
que a sentença declaratória não produziria efeitos. Seria uma espécie de atividade
jurisdicional realizada no vácuo. Teria somente conteúdo, não efeitos! Seria um exemplo
extraordinário de autismo jurisdicional.

20. Para aceitar a existência de ações executivas − portanto, ações fora do


processo de conhecimento, no qual somente existe o dictum, jamais o factum − é
indispensável, antes, admitir que o "conteúdo" seja formado pela declaração e,
eventualmente, pela constituição, mas, além do efeito declaratório e constitutivo, a sentença
deve "conter" − além dos verbos, declarar e constituir −, algum outro que expresse a ação
de executar, enfim, seja formado por algum verbo que ultrapasse o dictum e seja apto a
produzir um factum. É necessário que haja este verbo no "conteúdo" da sentença, porque
não se pode esperar que o juiz tire magicamente da cartola a ordem para que se proceda à
execução. Para isto, teríamos de conceber um juiz à semelhança do "Hércules" de Dworkin,
capaz da proeza de extrair execução de uma sentença constitutiva, como, aliás, esperava
extraí-la Buzaid!

Enquanto Buzaid fora além do que era possível, fazendo nascer um mandado de
segurança de uma ação constitutiva, Barbosa Moreira ficou aquém: nenhuma das três
sentenças, que ele reconhece, produz ações executivas lato sensu. Como ele diz, a sentença "já
terá ficado para trás", não sendo mais "causa eficiente" da mudança porventura operada no
mundo exterior. Esta mudança − insiste em dizê-lo Barbosa Moreira − é algo que à
sentença "de maneira alguma é dado operar" (p. 150).

Embora Barbosa Moreira estabeleça um vácuo entre a sentença e a respectiva


execução (mesmo que as duas funções estejam na mesma relação processual!), fazendo uma
clara separação entre "direito" e "fato", somos levados a supor que o posterius de Buzaid
decorra diretamente da sentença. É a sentença que cria o posterius, coisa que Barbosa Moreira
de modo algum admite.

Ambos partem do pressuposto de que o "conteúdo" da sentença é formado apenas


por declaração e, eventualmente, por declaração e constituição. Podemos, então, classificar
as declaratórias e constitutivas baseados nesse princípio comum (sob critério homogêneo),
numa mesma classe. Entretanto, as conclusões dos dois processualistas divergem entre si em
ponto essencial. Isto basta para mostrar a inutilidade da classificação de sentenças segundo
"critério discretivo homogêneo" (p. 161). O Direito é ciência do individual, que nada tem a ver
27
com o conceito moderno de ciência generalizante. É ciência, como a histórica, que
"compreende" as diferenças; ciência que não se limita a "descrever" e classificar as
homogeneidades formadoras de regras.

Por não ter em conta esta realidade, Buzaid concebeu uma ação "declaratória de
nulidade de ato administrativo", convencido de que estava a criar um mandado de
segurança. Realmente, se extrairmos do "conteúdo" da sentença o verbo através do qual o
juiz ordena que se expeça mandado, a sentença perderá uma parcela importante de seu
"conteúdo", transformando-se numa sentença declaratória ou constitutiva.

Se, em ação de mandado de segurança, o juiz limitar-se a proclamar que o autor


é titular do direito (efeito declaratório) e, em conseqüência desse reconhecimento,
desconstituir (efeito constitutivo) o ato impugnado no mandamus − apenas isto −, ainda
não terá ido além de uma sentença desconstitutiva!

Sem a existência desse terceiro verbo, a Buzaid seria impossível explicar de onde
surgira, milagrosamente, o posterius mandamental. É indispensável que exista, "dentro" da
sentença − em seu "conteúdo" −, um verbo ordenando o cumprimento da ordem judicial.
Isto é tão óbvio que sua incompreensão torna-se assustadora!

Se, do espectro dos múltiplos efeitos que "compõem" a sentença de despejo,


retirarmos o verbo que ordena a expedição do mandado executivo, o "conteúdo" da
sentença estará mutilado, tornando-se uma sentença que se limita a desconstituir o contrato
locatício. Se, na sentença de procedência de uma ação de despejo, o juiz limitar-se a dizer:
"o inquilino infringiu o contrato e, em virtude dessa violação, o desconstituo", o ato
jurisdicional seria, com toda certeza, citra-petita, porque a eficácia executiva fora
eliminada e, conseqüentemente, a sentença não produziria o respectivo efeito. A sentença
teria ficado a meio caminho. Seria apenas constitutiva negativa. Limitar-se-ia a rescindir o
contrato de locação, sem "ordenar" o despejo.

Não importa que, entre o ato de ordenar o despejo e o posterior cumprimento do


mandado de evacuando, exista um intervalo temporal, às vezes longo; nem interessa que o
despejo jamais se realize: a sentença não sofrerá, com isto, qualquer abalo em suas eficácias.
Seu conteúdo permanecerá íntegro. Esta distinção entre as ações oriundas dos interditos e
as ações de pura cognição, deve ser levada em conta. Nas declaratórias e constitutivas,
ao respectivo ato segue-se simultaneamente o efeito. O ato de declarar produz declaração,
o ato de constituir produz constituição, o ato de condenar produz condenação. Ao contrário
destas, nas interditais − em que estão misturados "direito" e "fato" − haverá sempre um
intervalo entre o "ato" sentencial e seu cumprimento.

Reconhecemos que a aceitação destes argumentos é penosa para os processualistas


que se mantêm fiéis ao paradigma racionalista; aos processualistas que formam o "conteúdo"
das sentenças apenas com a declaração; aos processualistas fiéis ao normativismo, para os
quais o "direito" não se mistura com os "fatos". Entretanto, como adverte Gustavo
Zagrebelsky, é necessário compreender que "as conseqüências do direito não são de modo
algum um aspecto posterior, independente e carente de influência sobre o próprio direito,
senão que constituem um elemento qualificativo do mesmo" (El derecho dúctil. Lei, derechos,
justicia, original italiano de 1992, Editorial Trotta, Madrid, 6ª edição, 2005, p. 122). Como
Zagrebelsky não cuida de processo, sua "precompreensão" do fenômeno processual está
28
livre dos efeitos do conceitualismo normativista sob o qual está formada a "ciência"
processual.

Para quem a jurisdição é constituída pelo processo de conhecimento, que lida com
as "normas", porquanto os "fatos" serão simples conseqüências, simples resultado da
atividade jurisdicional, será estranho conceber uma sentença que, além do dictum (efeito
declaratório), "contenha" uma ordem. Barbosa Moreira (Ainda e sempre a coisa julgada, cit.,
p. 142) confirma a doutrina de Liebman, quando este disse textualmente: "não é função do
juiz expedir ordens às partes e sim unicamente declarar qual é a situação existente entre elas,
segundo o direito vigente" (Processo de execução, Edição Saraiva, São Paulo, 1946, p. 35).

21. A primeira exigência para que se descubram ações executivas será a


aceitação de que as ações (que não são, como pensou Fazzalari, "doppioni" da ação
processual) estão no direito material; e que essas ações, quando postas numa relação
processual litigiosa, tornam-se ações de que o autor se "afirma" titular. Enquanto o processo
desenvolve-se, em busca da sentença de procedência, a ação material − tanto a executiva,
quanto outra qualquer − não passa de uma hipótese, a ser ou não confirmada pela sentença,
assim como (para a doutrina ortodoxa) o direito subjetivo, no curso da relação processual,
não passará de uma "afirmação" sustentada pelo autor.

A ação a que a sentença dá procedência é precisamente a ação de direito material.


Daí dizer-se que a sentença julgou o mérito da ação. Ninguém seria tolo a ponto de supor
que a sentença julgue o mérito da ação processual (!). Se isto não fosse uma tolice, sob o
ponto de vista lógico, teríamos demonstrado que a ação processual, cuja abstratividade é a
glória da doutrina, na verdade teria "conteúdo", a ponto de algumas terem mérito,
enquanto outras não! Será um rematado absurdo pretender que o juiz julgue o mérito da
ação processual abstrata! Isto somente seria possível se a sentença de procedência fosse
"menos abstrata" do que a sentença de improcedência!

Além disso, é também necessário aceitar que as sentenças possam ter múltiplas
eficácias, importante contribuição de Pontes de Miranda que a doutrina ainda não
assimilou, porém não rejeitou (!), porque nem mesmo dela tratou, para mostrar-lhe a
improcedência.

Como disse Clóvis do Couto e Silva, isto ainda não foi assimilado nem mesmo
pela doutrina européia, não obstante tenha Pontes estabelecido "com clareza exemplar
conceitos que permanecem confusos ainda entre os melhores autores" (A teoria das ações em
Pontes de Miranda, Revista AJURIS, Porto Alegre, nº 43, julho de 1988, p. 77).

É verdade que a concepção de Pontes, ao mostrar que a sentença poderia ser


constituída por várias eficácias, não pode ser aceita com os exageros classificatórios,
propostos pelo jurista.

É conhecida sua teoria de que todas as sentenças haveriam de ter, em graus


diferentes, todas as eficácias, de modo a compor o que passou a ser conhecido como a
teoria da "constante quinze". Certamente esta seqüela do pensamento matemático, tão
presente em Pontes, deve ser eliminada. Dela resultou uma imprecisão, ou talvez um
equívoco, ao misturar o jurista a condenação com a execução, no conteúdo de uma mesma
sentença. Dizemos imprecisão porque esta mistura realmente ocorreu nos últimos estágios
29
do direito romano, depois que a execução se tornou monopólio estatal. Mas, aí, já se
estava em adiantado processo de mercantilização do direito processual civil, que fez
obrigacionais todas as pretensões executivas. Os interditos já se haviam tornado actiones.

É ao direito romano medieval, do Império oriental, que Pontes se referia, na


passagem criticada por Barbosa Moreira (RePro, p. 148, nota 4), ao mostrar que esse jurista
dissera ser a execução de sentença o protótipo da ação executiva lato sensu. Absorvidos os
interditos pela actio do direito privado, nesse período da história dos juízos condenatórios,
parece compreensível que o procedimento da execução de sentença passasse a ser o
protótipo para as execuções reais, dado que estas, no direito romano antigo, não
constituíam sequer uma atividade jurisdicional.

Pontes não tratava, na passagem a que se refere Barbosa Moreira, de categorias do


direito moderno. Basta ver que, prosseguindo, ele refere-se ao nexus e à cláusula executiva
("quando o sistema jurídico o permitia"), para ver que o jurista descrevia o percurso seguido
pelas ações reais, nos estágios finais do direito romano, em que − nunca será demasia
recordar − a própria vindicatio tornara-se uma "ação obrigacional"!

Mesmo assim, devemos aceitar a observação crítica feita por ele (p. 156, nota 24),
ao mostrar que disséramos consistir apenas numa "questão de grau ou de intensidade" a
distinção entre as sentenças condenatórias e as executivas lato sensu. Na sentença que
decreta o despejo, ou na igualmente executiva sentença que determina a restituição da coisa
litigiosa, na ação de esbulho possessório, não há condenação, porque não há prestação,
porque não há obrigação que deva ser satisfeita pelo demandado.

Nosso equívoco, porém, há muito foi reparado. A obra indicada por Barbosa
Moreira, escrita há mais de vinte anos, por quatro autores, resultou, depois de revisada,
numa obra com substanciais modificações, escrita por dois autores apenas, que já conta
com quatro edições. A partir da primeira edição da nova série − mantido o nome da obra
originária − todo o parágrafo, inscrito sob a letra "h", mencionado por Barbosa Moreira, foi
eliminado (Teoria geral do processo civil, 1997, edição Rev. dos Tribs.), de modo que há dez
anos nosso equívoco, devido à sedução pela matemática que acometia Pontes de Miranda,
não mais perturba os que tenham acompanhado as edições subseqüentes dessa obra.

22. Dizemos que será impossível demonstrar a existência de ações executivas


"no curso de uma relação processual" se tivermos de valer-nos de categorias apenas formais.
Se ficarmos impedidos de valer-nos de conceitos e categorias "extraprocessuais", cuja
utilização é vedada por Talamini, nosso empenho em mostrar a existência de ações
executivas estará fadado ao insucesso. A sugestão de Talamini desligaria, definitivamente, o
processo do direito material.

A premissa que fica explícita em Talamini oculta-se em Barbosa Moreira e em


todos os demais que não conseguem ver ações e sentenças executivas. Todos, já o dissemos,
laboram exclusivamente com princípios e categorias processuais. Afirmar que as sentenças
executivas correspondem a ações reais (ações em que se pede a res, não o cumprimento de
uma prestação obrigacional) é invocar direito material; é servir-se de recursos
"extraprocessuais", que, segundo eles, apenas serviriam para macular a pureza da "ciência"
processual. Seria, afinal, fazer com que a sentença "fosse capaz, por si só, de produzir efeitos
fora do mundo jurídico", eficácia que, para Barbosa Moreira, a sentença jamais poderia ter.
30
O que não deixa de ser estranho é que Barbosa Moreira convide-nos a mostrar "em
que consiste" uma sentença executiva (RePro, cit., p.148), valendo-nos de critérios
processuais, portanto, formais. O convite, com o é óbvio, está a exigir que nos "aventuremos"
no direito material, pois o processo pressupõe que as sentenças contenham apenas o
relatório, a fundamentação e a decisão (art. 458 do CPC). A "consistência" de uma sentença
qualquer será dada por seu "conteúdo", coisa que o direito processual não poderá, sozinho,
oferecer.

Há outro pressuposto importante: para que se demonstre a existência de ações


executivas (no direito material!), além de utilizarmos categorias "extraprocessuais", ainda
temos de aceitar − fiéis a Carnelutti − que a "pretensão real" seja diferente da "pretensão
obrigacional" e que, portanto, o processo deva dar-lhes tratamento diverso (Carnelutti,
Diritto e processo nella teoria delle obbligazioni, Studi di diritto processuale, vol. II, Casa Editrice
Dr. Antonio Milani, Pádua, 1'925, vol. II, p. 214).

Nem tudo no Direito é "direito das obrigações", ou direitos que o processo seja
capaz de transformar em obrigacionais, como supunha Chiovenda, dando expressão a uma
tradição milenar, alicerce da paulatina e constante mercantilização do processo, para a qual
contribuiu a célebre adulteração das Institutas de Gaio (sobre esta questão, importante para a
compreensão das razões que tornaram obrigacionais todas as execuções − com eliminação
das ações reais −, consultar nosso Processo e ideologia, Cap. VII, nº 20).

A primeira exigência feita por Barbosa Moreira é que os defensores da existência de


sentenças executivas lato sensu indiquem a "diferença específica" que as caracterizaria (p.
148), já que, segundo ele, "de quem a proclame, cabe esperar que proponha conceito nítido
de 'sentença executiva', a cuja luz, segundo critério invariável (por exemplo: de acordo com o
conteúdo, ou então de acordo com os efeitos), seja possível distingui-la, com precisão (todos
os itálicos são nossos) de cada uma das outras espécies de sentença" (RePro cit., p. 149).

Todavia, somos forçados a supor que o "conteúdo", reclamado por Barbosa


Moreira, deva ser encontrado no direito processual, sem que seja necessário "aventurar-
nos" no direito material. Isto, certamente, colocar-nos-ia ante uma impossibilidade, uma
vez que, já o dissemos, o processo recebe o "conteúdo" das sentenças do direito material. A
faculdade atribuída ao juiz de "arrumar de mil maneiras a matéria" não poderá permitir-lhe
não lhe permitirá, como Barbosa Moreira reconhece, interferir no conteúdo ou nos efeitos
das respectivas sentenças.

Além disso, não cremos que Barbosa Moreira classifique, valendo-se de


instrumentos apenas processuais, segundo "critério invariável", por exemplo, as sentenças
constitutivas, sem recorrer ao conteúdo de cada uma delas.

Seria possível classificarem-se − segundo critério processual invariável − uma


ação revisional, uma ação revocatória falencial, uma ação de desapropriação e uma ação
de divórcio? Como descobrir um critério uniforme para essa classificação que não nasça no
direito material? Sob o ponto de vista formal, procedimental, elas são, entre si,
absolutamente diversas.

23. Por outro lado, essa impossibilidade decorre da exigência de que os conceitos
guardem o rigor das categorias lógicas, ou das grandezas algébricas, pressupondo que a
31
sentença executiva seja obtida "segundo critério invariável", como se exige da geometria,
recomendada Savigny aos práticos forenses.

Depois, não lhe convence mostrar, como fizemos na exposição precedente, que as
executivas são ações (de direito material!) pelas quais não se pede o cumprimento de uma
"prestação" − por não serem fundadas em "obrigações" −, sendo, ao contrário, pretensões
a haver coisas (pretensões reais), que pressupõem a "inexistência de uma obrigação", capaz
de legitimar a posse do demandado.

O que pretendemos dizer é que, enquanto existir uma obrigação, em que a posse
do demandado se apóie, a ação real não terá cabimento. O uso deste argumento, porém,
ofenderia o princípio defendido por Talamini de que não devemos valer-nos de categorias
"extraprocessuais", princípio, não tenhamos dúvida, que informa a teoria a que se filia
Barbosa Moreira e os demais que não admitem a existência de ações reais.

24. Como, para Barbosa Moreira, o "conteúdo" da sentença consiste apenas em


declaração, sua conclusão é de que "nenhuma sentença, seja qual for, é capaz, por si só, de
produzir efeitos fora do mundo jurídico" (ob. cit., p. 150). Temos, portanto, seguindo a tradição
normativista, o "mundo jurídico" e o "mundo dos fatos", ou o mundo real, o mundo da
realidade social.

A explicação que ele dá é ilustrativa. A mudança do mundo exterior, acaso


provocada pela sentença, "apenas virá a acontecer, de modo bastante prosaico e nada
espetacular, no momento em que o locatário [na ação de despejo], voluntariamente,
entregue a coisa ao locador, ou naquele outro em que se cumpra o mandado de evacuando:
antes, não, posto que a sentença transite em julgado" (p. 150).

Sem dúvida, é isto o que ocorre. Entretanto, Barbosa Moreira, como Buzaid, julga-se
dispensado de mostrar de onde teria nascido o mandado de evacuando, que aparece
milagrosamente e não estaria na sentença.

Seu ponto de vista exige uma sustentação mais convincente, porque é o próprio
Barbosa Moreira a proclamar que "infelizmente, o juiz não tem poderes sobrenaturais nem
(mais modestamente) aptidão mágica e, se lhe é dado produzir efeitos por suas próprias
forças no plano do direito, ele é impotente para repetir a façanha no plano dos fatos" (p. 154).

Conseqüentemente, a execução seria produto de "poderes sobrenaturais", quer


queira Barbosa Moreira, quer não. Se o juiz não poderá "repetir a façanha" no plano dos
fatos, a quem devemos confiar a "façanha" de criar a execução?

Porventura, não teria o mandado executivo origem em um verbo "contido" na


sentença? Em um verbo integrante de seu "conteúdo"? Esta é a questão. Se pudéssemos
eliminar o verbo que ordena − verbo que está no "conteúdo" das sentenças executivas e
mandamentais −, chegaríamos ao surpreendente resultado − inconscientemente admitido
por Buzaid, quando afirma ser o mandado de segurança uma ação declaratória − de supor
que o mandado de evacuando seja produto de uma sentença declaratória (!), ou que o juiz, em
virtude de algum poder sobrenatural, o tenha criado, sem estar no pedido e na sentença.

32
Continua o jurista: "Quando quer que se perfaça a restituição do imóvel locado, a
sentença já terá ficado para trás, reduzida à condição de mero pressuposto ou fundamento
(não causa eficiente!) da 'mudança no mundo exterior'. Em outras palavras: já não se estará
no plano da cognição (ou, caso se prefira, do julgamento), e sim no da efetivação da norma
sentencial. É por meio desta atividade jurisdicional complementar que se modifica o estado
de fato − algo que a sentença, insista-se à exaustão, de maneira alguma é dado operar ex
marte proprio" (p. 150).

Não podemos enganar-nos: Barbosa Moreira confirma o entendimento que expusera


no ensaio publicado em 1971, mantendo-se fiel à doutrina tradicional. A sentença
somente contém cognição, "ou, caso se prefira, julgamento"; e, como tal, jamais poderá tocar
a realidade empírica, quanto mais produzir um despejo. A sentença, segundo ele, já terá
ficado para trás, no momento em que o despejo se realize, não sendo dele nem mesmo
causa eficiente.

A sentença, enquanto norma, não toca no mundo dos fatos. A separação entre o "ser"
e o "dever-ser" apresenta-se, na doutrina aceita por Barbosa Moreira, de uma forma
rigorosamente clássica, digna de um teórico do século XVIII, para quem tudo o que o
século XX produziu em Filosofia do Direito passa ao largo. Para ele, o direito processual
cuida de "normas", não de "fatos".

25. Como se vê, a questão toda não está em saber se existe ou não uma classe
de sentenças executivas, mas em explicitar, convincentemente, como se forma o "conteúdo"
do ato jurisdicional. Se tivermos por conteúdo da sentença apenas a declaração,
poderemos ser induzidos a supor que todas as execuções sejam obrigacionais, simples
"conseqüências" de uma sentença condenatória, na qual não existe um verbo, ordenando que
se execute. Para esta doutrina, a execução será tida como simples conseqüência da sentença,
será uma execução que se realiza ex proprio marte, fora da ação de conhecimento.

É justamente neste ponto que ocorre a decisiva inflexão conceitual entre o juízo
condenatório e as ações interditais (executivas e mandamentais). Na sentença condenatória
realmente não existe um verbo ordenando a execução. Existe, como dissera Liebman,
apenas uma "exortação" a que o condenado espontaneamente cumpra a sentença. Este é o
núcleo conceitual da condenação que nos vem do mais primitivo direito romano, traduzido
no sagrado respeito pelo patrimônio do condenado, a que a iurisdictio não teria acesso. O
hiato formado, aqui, entre a condenação e a execução decorre da impotência da jurisdição
condenatória para, "por si só, produzir efeitos fora do mundo jurídico". Cria-se a ficção de que a
execução seja sempre voluntária, espontâneo cumprimento do obrigado, não produzida
pela sentença, que nunca poderá ex proprio marte, tocar no "mundo dos fatos". É a pan-
condenatoriedade que ilumina a doutrina moderna.

A execução da sentença condenatória realizava-se, em 1971, quando Barbosa


Moreira redigiu o ensaio aqui mencionado − ainda na vigência do Código de 1939 −, no
mesmo procedimento da ação cognitiva; era uma "fase" do único procedimento. Mas esta
circunstância não apaga a diferença entre as ações em que se pede a "coisa" − nas executivas
lato sensu − e ações em que se pede que o demandado "preste" com o que lhe pertence
(Carnelutti), cumprindo uma obrigação.

33
Dissemos que a execução, na vigência do Código de 1939, estava no mesmo
procedimento da demanda condenatória. Não estamos insinuando que a execução fizesse
parte dessa demanda. Estar no mesmo procedimento não significa, necessariamente, estar na
mesma lide, que integre o pedido condenatório; ou seja, estando a execução no mesmo
procedimento ou em processo autônomo subseqüente, a estrutura, a natureza e as
eficácias da demanda condenatória conservar-se-ão inalteráveis, incólumes às
transformações procedimentais, apenas formais, a que fique, porventura, submetida a
demanda condenatória. Aliás, para esta assertiva, contamos com a franca adesão de Barbosa
Moreira, ao mostrar que o juiz pode "arrumar" de mil maneiras diferentes a "matéria" com
que lida o processo, "sem que disso resulte conseqüência alguma no plano da natureza dos
atos" (p. 152).

Se aceitássemos a doutrina defendida por Barbosa Moreira, para quem "nenhuma


sentença, seja qual for, é capaz, por si só, de produzir efeitos fora do mundo jurídico",
porque no momento da execução "a sentença já terá ficado para trás" (p. 150), seríamos
forçados a dizer, no caso das ações executivas, como a de despejo, que a sentença não será
"causa eficiente" da "fase final" da ação cognitiva (!), ou seja, não será causa eficiente do
"pedaço" final do procedimento que veicula uma só ação, um único pedido.

Observe-se que não estamos tratando da execução de uma sentença que condene a
indenizar. Esta não conterá aquele verbo que dera origem, na ação de despejo, ao "mandado
de evacuando". Na demanda que condena a indenizar e nas demais condenatórias, a sentença
encerra o processo cognitivo, dando procedência integral ao pedido condenatório, que não
"contém" nada além do próprio pedido de condenação. Na ação de despejo, ao contrário −
como o próprio nome está a denunciar −, a execução (pedido de despejo), integra a petição
inicial; pede-se despejo, pede-se restituição da posse. Nas outras desta espécie, como na
ação de depósito, pede-se a restituição de algo, mas nem sempre o pedido será de restituição:
na imissão de posse, expressão moderna do interdito adipiscendae possessionis, pede-se o
ingresso, originariamente, em uma posse cuja materialidade nunca pertencera ao autor.
Aqui, não há restituição.

Pontes de Miranda fizera a distinção entre condenação e ações executivas nesta


síntese preciosa: "Quem reivindica, em ação, pede que se apanhe e retire a coisa, que está
contrariamente a direito, na esfera jurídica do demandado, e se lhe entregue. (Nas ações de
condenação e executivas por créditos, não se dá o mesmo: os bens estão na esfera jurídica do
demandado, acorde com o direito; porque o demandado deve, há a condenação dele e a
execução, que é retirada de bem, que está numa esfera jurídica, para outra, a fim de se
satisfazer o crédito (os itálicos são nossos); portanto, modifica-se a linha discriminativa das
duas esferas" (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, Tomo XIV, 2ª edição, 1.956, §
1.572, 1). A insuperável síntese vem reproduzida em seus comentários ao CPC de 1973 ,
(Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo X, 1.976, Forense, p. 495).

O pedido que identifica a ação real tem origem numa pretensão a que se entregue a
res, não, como nas condenatórias, em que se pede apenas que o juiz condene o demandado a
prestar. As ações lato sensu executivas nascem com a virtude de realizarem a execução, com a
transferência da coisa (daí serem reais), cuja posse a sentença acabara de declarar ilegítima,
não para que o condenado "preste com bens que lhe pertencem" cumprindo uma obrigação,
como se dá nas condenatórias (cf. além de Pontes, também Carnelutti, obra antes referida),

34
26. Indaga Barbosa Moreira por que não seria condenatória a sentença que
"imponha ao réu a perda de sinal pago" (p. 51). A resposta é prosaicamente singela: o juiz não
"impõe" a perda do sinal. Ele a "decreta". A sentença é constitutiva, não condenatória. O juiz
"impõe" a perda do sinal como "imporia" o divórcio, extinguindo a relação matrimonial. Em
nenhuma destas hipóteses, a parte assumira uma obrigação de prestar, que pudesse dar
lugar ao juízo condenatório.

O verbo "impor", além de ambíguo, parece sugerir, no contexto em que foi


empregado, que ao "condenado" fora "imposto" o cumprimento de um ato "destinado a
satisfazer o vencedor", de modo que se estaria em presença do cumprimento de uma
prestação. Em tal hipótese, seria possível, talvez, aproximá-la da sentença executiva do
art. 641 do Código de Processo Civil (agora art. 466-A), que Barbosa Moreira entende ser a
mais próxima de um conceito de sentença desta classe. Este seria o exemplar mais autêntico
de sentença executiva que ele, no entanto, resiste em reconhecer como classe.

Entretanto, mesmo que o exemplo figurado por Barbosa Moreira, da sentença que
"imponha" a perda do sinal, não permita armar uma hipótese clara em seus elementos,
parece correto supor que a perda do sinal decorra de uma disposição contratual que conceda
ao autor a pretensão a "impor" ao demandado a perda do sinal, em virtude do não
cumprimento de alguma disposição negocial. Se este for o caso, a sentença é constitutiva. De
qualquer modo, condenatória não será. Ao contrário do que ocorre com as ações do art. 466-
A, a ação imaginada por Barbosa Moreira não terá por fim obrigar o réu a reparar (prestar),
com a perda do sinal, o descumprimento de uma obrigação. O réu não "deve" a perda do
sinal.

A quem pretenda questionar a existência de ações de direito material, é necessário


prestar atenção aos verbos. Como temos dito, ad nauseam, o vocábulo "ação" é o substantivo
do verbo "agir". Sem identificar o verbo, não teremos como identificar a ação (o agir)
correspondente. Os processualistas, fiéis à doutrina dominante, não costumam ter esta
preocupação, porque só reconhecem a "ação" processual, invariável, para a qual a natureza
do verbo é irrelevante. O verbo que expressa a "ação" processual será sempre o mesmo: ele
traduzirá o ato (ação) de pedir ao Estado tutela jurisdicional; em última análise, a exigência
feita pelo autor (qualquer autor) de ser ouvido e obter resposta a suas alegações por um
tribunal regular.

27. O paradigma, uma vez quebrado pela história das idéias e o progresso do
conhecimento humano, transforma-se em ideologia, opressiva e esclerosada, como toda
ideologia. A submissão, inevitavelmente coercitiva, a um determinado paradigma faz com
que imaginemos ter "os olhos postos na realidade objetiva", desfrutando de um "ponto de
Arquimedes" capaz de assegurar-nos acesso privilegiado à "verdade", sem nos darmos conta
de que estamos, muitas vezes, a reproduzir, sem o menor senso crítico, o sonho do
Iluminismo europeu do século XVIII, assim como seu cariz autoritário e antidemocrático,
supondo que "nossa" verdade seja "a" verdade, sem a percepção de estar comprometido com
determinados critérios que a evolução do pensamento humano há muito superou.

A questão é que todo paradigma pressupõe a formação de um dogma que o proteja,


a impedir que a crítica possa invalidá-lo. Daí, a sensação ingênua de que se alimenta o
dogmático, ao supor que todos os que questionam o paradigma ou encontram-se nas "trevas
de um passado remoto", ou são ideológicos. Para o conservador − porque a ideologia é por
35
definição conservadora −, todos os que o contrariam serão ideológicos (sobre isto, Processo e
ideologia, Cap. I). É a compulsão que gera o "pensamento único".

É compreensível que aqueles que ignoram a existência de ações de direito material,


encontrem dificuldade em classificá-las; dificuldade natural, porque a classificação que lhes
ocorre será sempre processual, sem qualquer preocupação com suas respectivas eficácias;
eficácias, repita-se, dadas pelos verbos que o processo "recebe" do direito material.

28. Barbosa Moreira houve por bem não aventurar-se na problemática atinente às
espécies de relações jurídicas materiais (!) suscetíveis de constituir objeto "das chamadas
sentenças executivas, buscando saber se estas se limitam ao âmbito dos direitos reais, ou se
estendem ao terreno obrigacional" (p. 158). Esse apelo ao direito material pareceu-lhe uma
tarefa inútil.

Não se aventurara a "semelhante exploração" por estar convencido de que "todo o


esforço aplicado na construção sob exame visa, no fundo, a encontrar uma explicação ou
justificação, no plano material, para as características formais do modo pelo qual se busca dar
efetividade à norma concreta (original sem os itálicos) formulada na sentença" (p. 158);
sentença naturalmente declaratória, encarregada, apenas, de "formular a norma concreta"
(Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, 23ª edição, 2005, Forense, p. 3).

Segundo se depreende desta asserção, o esforço dos que sustentam a existência de


ações no direito material visa apenas a "justificar" as característica formais "do modo pelo
qual o processo dá efetividade à norma concreta" que, segundo Barbosa Moreira, será
uma "criação", do direito processual. Segundo ele, nossa incumbência não estará voltada a
descobrir, a revelar ou a dar fundamento material à "norma concreta". Ao contrário, aos
que estejam a perder tempo com as ações de direito material caberia, apenas, envidar
esforços para "justificar", para "explicar", aquilo que o processo, independentemente do
direito material, por si mesmo, criara: a norma concreta.

Se não fosse a incomparável utilidade e o prazer que nos dá a leitura do elegante


ensaio de Barbosa Moreira, bastaria esse parágrafo para iniciar e encerrar suas cogitações
a respeito dessa (para ele) suspeita categoria de direito material, indicada como ação
executiva.

Não se aventurando a enfrentar as ações executivas, em seu habitat, sob a


suposição de que a forma cria a matéria, que as ações são criações formais do processo, a
discussão sobre a existência ou não das ações executivas poderia ser encerrada com esse
parágrafo. Como disse Arthur Kaufmann, um dos mais brilhantes filósofos do direito
contemporâneo, "para muitos espíritos iluminados, a idéia de fazer nascer a matéria da
forma exerceu e ainda exerce fascínio" (La filosofia del diritto oltre la modernità, título do
original alemão: Rechtphilosophie in der Nach-Neuzeit, in "Filosofia del direito ed
ermeneutica, Giuffrè, 2003, Milão, p. 313. Registramos o título original da obra, porque
Kaufmann considera incorreto o título dado à versão espanhola, que a indicou como El
derecho en la posmodernidad, que o autor não considera fiel ao original).

De resto, diz Kaufmann, seria possível compilar uma extensa lista de autores e
obras que pressupõem esta inversão ontológica, a começar pelo célebre "imperativo
categórico" de Kant, a que acrescentaríamos toda a doutrina que criou uma ciência
36
processual abstrata e formal, com o desejo inconsciente de livrar-se do direito material; de
um direito processual que insiste em desligar-se da substância que lhe deve dar o direito
material que, enfim, supõe que a "norma concreta" seja uma criação original da sentença.

Nada mais seria necessário dizer para concluir que o problema não está na
existência de ações executivas, mas no entendimento rigoroso do que seja o "conteúdo" do ato
jurisdicional e do que poderão ser os seus efeitos; e, mais importante do que isso, o que se
deve entender por "direito subjetivo"; e como se compõe o direito material, apenas com os
direitos subjetivos, sem as pretensões e as ações.

Ousamos, portanto, devolver-lhe o desafio, esperando que ele, se nos der o


benefício da resposta, não reproduza o equívoco que apontamos no primeiro ensaio desta
obra, a respeito do conceito de direito subjetivo − equívoco que consiste em conceber o
direito material apenas com o direito subjetivo, sem pretensões, nem ações. Se ele
reproduzir a doutrina de Fazzalari e dos demais unitaristas, indicados nesse estudo, então
devemos esperar que ele mostre como o direito material − antes de ser violado ou estar sob
ameaça de violação − relaciona-se com o processo.

Aliás, a dificuldade da doutrina processual em relacionar-se com o direito subjetivo


é também um elemento importante de nossa herança romana mal assimilada, em virtude
dos equívocos e desvios doutrinários medievais. Paul Roubier mostrou as raízes deste
fenômeno, ao advertir que os juristas romanos preocupavam-se apenas com o aspecto
contencioso do direito: "Sans doute le droit romain a três tôt dépassé le point de vue
purement pénal des droits primitifs, mais il n´envisage guére encore le droit que sous
l´aspect contencieux. Ce sont les recours au magistrat qui sont mis en vedette: la base du
droit à cette époque, ce sont, non pas les droits, mais les actions en justice" (Droit subjetifs et
situations juridiques, Paris, 1963, Dalloz, p. 7).

Em certo sentido, a observação de Roubier é correta, ao destacar que o direito


romano cuidava de pretensões, não de direitos subjetivos, vendo-as sob o ponto de vista de
sua proteção judicial. Entretanto, a suposta falta de consideração pelo direito material, que
ele encontrou nos juristas romanos, era devida a fenômenos perfeitamente conhecidos e
responsáveis, aliás, por muitos equívocos em que incide a doutrina moderna, mesmo a
romanística.

Um deles, decorre da circunstância de não existir, no sistema romano, um direito


legislado, associado ao estilo de sua doutrina que – devido a este mesmo pressuposto −
nunca se preocupou em definir categorias e institutos jurídicos. Os romanos, ao contrário
de nossa doutrina, jamais pensaram em transformar o direito em regras, segundo critérios
homogêneos de classificação. Eles simplesmente não classificavam e menos ainda definiam,
segundo regras gerais, os fenômenos jurídicos. O pendor pelas "classificações" é uma
trágica herança moderna, nascida da submissão do direito à epistemologia das ciências
experimentais.

Além disso, o ponto de vista de Roubier deixa à mostra seu compromisso com esse
gravíssimo equívoco da processualística moderna de confundir a "ação" processual com as
pretensões e ações de direito material. Não se deve dizer, como ele o fez, que os romanos
não consideravam o direito material. Preocupavam-se, sem dúvida com o aspecto litigioso
do fenômeno jurídico, porém a preocupação dizia respeito à "litigiosidade do direito
37
material". "Les actions en justice" eram ações "afirmadas" existentes pelo autor que alegava
ter direito, ações que buscavam reconhecimento oficial. Roubier sugere que essas "actions en
justice" não sejam uma categoria de direito material, supondo tratar-se, como as trata a
doutrina moderna, de um fenômeno criado pelo processo, como se as ações se tenham
transformado na "ação" processual.

Esta é a verdadeira causa da autonomia do direito processual. É a razão pela qual


se supõe que o direito material se tenha tornado supérfluo. Como, para a doutrina
processual, não existem, no campo do direito material, nem pretensões nem ações, o fato de
os juristas romanos somente falarem de pretensões (actiones !) é entendido pelos
modernos como se eles não se preocupassem com o direito material, o que é um equívoco de
dimensões planetárias.

A actio, mostrou-o com propriedade Windscheid, sempre foi uma categoria de


direito material!

Ao tratar das prerrogativas próprias do moderno fenômeno jurídico, diz Roubier


que a evolução social da sociedade moderna determinou uma organização muito mais
complexa do direito, destacando outros aspectos que a organização romana, mais primitiva,
não tivera em conta, de modo que a doutrina moderna passou a cuidar dos "droits
proprements dits" (ob. cit. p. 135), o que significaria o direito que se realiza espontaneamente
no convívio social.

Entretanto, a herança romana absorvida pela pandetística considera que o direito


antes da violação não seja ainda um fenômeno jurídico, mas apenas sociológico, como
mostramos, no primeiro ensaio desta obra, ser a compreensão de Calamandrei, para
mencionar apenas o processualista italiano mais importante.

Igualmente, o civilista romeno Octavian Ionescu revela estes pressupostos da


doutrina processual moderna ao observar que Thon "considère qu´on ne se trouve en
présence d´un droit subjetif privé qu´au cas d´une infraction à la norme juridique, qui met
à la disposition de celui que est lesé une action pour écarter cette contrarieté à la norme" (La
notion de droit subjetif dans les droit privé, Editor Emile Bruylant, 1978, Bruxelles, p. 79).
Tudo isto faz parte da mesma herança e deve-se a esses mesmos equívocos.

29. A força compulsiva do paradigma formado a partir do Racionalismo é de tal


magnitude que nossos juristas, mesmo que se encantem com a conquista, assegurada em
texto constitucional, da tutela preventiva aos direitos apenas ameaçados de violação,
quando buscaram conceituar a pretensão de direito material, fizeram-no com esta
lamentável proposição inserida no Código Civil: "Art. 189. Verificado o inadimplemento,
nasce para o titular a pretensão. . .". Foram cortadas, sem dó nem piedade, as pretensões
preventivas!

A distância entre o discurso e a ação às vezes assombra. Como dissemos em outro


lugar (Racionalismo e tutela preventiva, em "Sentença e coisa julgada", 4ª edição, Forense,
2003), a raquítica jurisdição que nos foi transmitida pelo racionalismo não convive com os
juízos de verossimilhança, inelimináveis nas tutelas preventivas!

38
A curiosidade que temos em conhecer a resposta dada pelos que confundem direito
subjetivo com pretensão está em saber como eles − supondo que prescindem das pretensões
e ações no direito material − explicam a conexão entre esse direito material, assim mutilado,
e o processo.

Barbosa Moreira pretende que nós − como ele − não nos aventuremos na
exploração do direito material, por estar convencido de que a ação executiva deve ser
buscada na relação processual, como uma categoria criada pelo processo. Pois bem, nossa
indagação é simples e direta: não existindo nem pretensões nem ações no direito material,
como ele concebe uma lide formada por direitos subjetivos?

A curiosidade mais se justifica sabendo que os juristas que não se aventuram a


investigar o direito material, acabam tendo-o como um fenômeno apenas sociológico, ainda
não jurídico, como Enrico Allorio (El ordenamiento jurídico en el prisma de la declaración
judicial, versão do texto original publicado no 1º volume dos "Problemi di diritto", Giuffrè,
1957, versão espanhola, 1958, Buenos Aires, EJEA, p. 12-14), para não falar em Carnelutti e
nos demais partidários da "unidade do ordenamento jurídico".

Daí nossa curiosidade em saber como o autor do desafio define o direito subjetivo
(antes da violação!) e como ele formaria uma lide com direitos subjetivos antes de eles
serem exigíveis (antes de estarem dotados de pretensões). Dirá, porventura, que antes de
serem exigíveis, ainda não serão verdadeiros direitos? Serão fenômenos sociológicos? Ou,
então, como dissera Chiovenda, serão simples "interesses" tutelados pela norma legal? Ou
dirá, com Carlos Alberto A. Oliveira, que o resultado da tutela jurisdicional já não
apresenta o direito material (leia-se direito subjetivo) em "estado puro, mas transformado,
em outro nível qualitativo" (Revista Forense, vol. 369, p. 46)?

Este "outro nível" seria criado pelo autor, pelo réu, ou pelo juiz? Sendo pelo juiz,
seria ele livre (arbitrário) para criá-lo? Afinal, qual a "impureza" que a jurisdição poderá
introduzir no direito material, para torná-lo uma categoria de "nível qualitativo" mais
elevado? Qual o fenômeno milagroso capaz de dar às "formas de tutela um local mais
avançado" (Marinoni), superior ao direito material?

Essencialmente, é isto o que acontece: a doutrina serve-se das pretensões convencida


de que esteja a tratar de direitos subjetivos; utiliza-as sem qualquer sentimento de culpa,
alheia às desastrosas e inevitáveis conseqüências que esse equívoco provoca sobre o
mutilado direito material.

O grave erro cometido pela doutrina de identificar direito subjetivo e pretensão,


erro que consiste em verdadeiro flagelo para o direito processual, permitira a Pontes esta
observação: "Vai longe o tempo em que Biermann (Bürgerliches Recht) tomava direito e
pretensão como equivalentes, erro que os juristas, fora da Alemanha, continuam a cometer"
(Tratado de direito privado, Tomo V, 2ª edição, 1955, Editor Borsoi, § 615, 1).

30. Outrossim, não podemos aceitar que a distribuição das ações entre
processos cognitivo e executivo seja apenas uma "arrumação da matéria" feita pelo
legislador de processo. Diz Barbosa Moreira: "a lei [leia-se lei processual] é livre de esbater
ou apagar as fronteiras entre as referidas séries de atos, dispensar a propositura formal de
'ação nova' a quem queira fazer realizar a segunda série, outorgar ao mesmo órgão judicial o
39
poder de passar motu proprio de uma série à subseqüente, intercalar atos típicos de uma a
atos típicos de outra . . . inventar mil esquemas variáveis de "arrumações", sem que disso
resulte conseqüência alguma no plano da natureza dos atos . . ." (RePro, cit., p. 152).

Para ele, as ações diferenciam-se entre si apenas por suas "características formais"
(p. 158). Sendo assim, seria uma impertinência procurar no direito material "explicação ou
justificação" para as peculiaridades formais das ações, até porque, se o juiz pode
"arrumá-las" de mil maneiras diferentes, de que modo o direito material poderia interferir
nessa "arrumação"?

Isto confirma o que estamos dizendo: a campanha pelo desligamento do processo,


a campanha por sua definitiva separação do direito material, mantém-se cada vez mais
ativa. Surpreende, porém, que Barbosa Moreira, mesmo não se aventurando a explorar o
direito material − de onde nascem as ações − afirme que das "mil arrumações" inventadas
"livremente" pelo processo, não "resulte conseqüência alguma no plano da natureza dos atos"!
Como ele teria chegado a esta conclusão, se não lhe interessa investigar a "natureza dos
atos"? Esses atos, quanto à classe das executivas, porventura não resultam dos diferentes
"tipos de relações jurídicas materiais suscetíveis de constituir objeto das chamadas sentenças
executivas"?

Como ele, limitado ao formalismo processual, pôde afirmar que essas "mil
maneirais" de "arrumar a matéria" não poderiam interferir na "natureza" dos atos? Como lhe
foi possível identificar a natureza dos atos, a partir de suas expressões formais? A resposta é
óbvia: para ele, o processo prescinde do direito material. A forma prescinde da matéria!

Sua resposta, porém, é insatisfatória, dado que as mil maneiras de "arrumação" de


que o juiz poderá dispor dizem respeito a "atos processuais", a procedimentos, de que
não "resulta conseqüência alguma no plano da natureza dos atos" (p. 152). Mesmo assim, ele
pretende que encontremos no processo a natureza das ações.

Pois bem, se dessas mil maneiras de "arrumar" a "matéria", não resulta


conseqüência alguma, "no plano da natureza dos atos", a quem devemos recorrer para
descobrir por que numa ação de despejo expede-se o mandado de evacuando e na ação
constitutiva de anulação de contrato prescinde-se de qualquer mandado? Esta distinção
seria apenas formal, de modo que o juiz pudesse livremente "arrumar" a "matéria",
dando-lhe "conteúdo" diferente? Poderia fazer com que o mandado de evacuando passasse a
ser ato final de uma sentença constitutiva? Se esta "arrumação" for impossível, por
interferir na natureza do ato, então qual a causa que faz com que uma ação constitutiva seja
diferente de uma ação de despejo?

Seria possível, em tese, ao legislador do processo "arrumar" a "matéria" de tal


modo que a ação de despejo tivesse estrutura idêntica a uma ação condenatória,
eliminando o que ainda nos resta de pretensões e ações reais. Entretanto, indagamos: a
identificação formal entre essas duas classes dispensaria, ou não, a transformação da
petição inicial, de modo que o pedido contivesse um verbo requerendo que o juiz ordenasse
a entrega da coisa, verbo ausente na petição inicial de uma demanda condenatória?

Se a resposta for afirmativa, o problema desaparece, porque não estaríamos


"arrumando", apenas sob o ponto de vista formal, classes distintas de sentenças. Teríamos
40
transformado em executiva a ação que antes fora condenatória. O pedido passara a ser de
execução, não de sentença que apenas condena. Resumindo: não mais se pediria que o juiz
"exortasse" o condenado a − espontaneamente − cumprir a sentença.

A ação de despejo, por hipótese, poderia ter o ato executivo final transformado
numa demanda independente, sem que a natureza executiva da pretensão e respectiva ação
do locador se alterassem. Aqui, o autor não pediria, diretamente, despejo, pediria apenas
que o juiz condenasse o inquilino a restituir o bem locado "sob pena se sofrer execução", ou
sob pena de multa, pela resistência em cumprir o julgado. Seria uma sentença condenatória.

Quem, no entanto, fará a ação de despejo executiva? Respondemos que a


executividade está na natureza da ação, que é real, não derivada de uma obligatio, como
seria a demanda inversa do inquilino contra o locador (!), para obter a posse da coisa dada
em locação, que, ao contrário da ação de despejo, é "ação fundada no contrato". O inquilino
não terá ação de despejo, porque sua pretensão é obrigacional; a ação inversa, do locador
contra o inquilino, é executiva, porque não é obrigacional. Estas são determinações
conceituais que têm pressupostos ontológicos herdados do direito romano e se acham no
direito material.

Barbosa Moreira afirma que, embora a lei processual possa "arrumar" de mil
maneiras diferentes a "matéria", na estrutura do respectivo procedimento, dessas
"arrumações" não resulta "conseqüência alguma no plano da natureza dos atos". Resta,
portanto, a pergunta: se a lei processual não pode interferir na natureza dos atos, quem
determinará que a ação de despejo seja executiva e não constitutiva; e a ação de divórcio
seja, ao contrário, constitutiva e não executiva?

O que pretendemos dizer é que a natureza dessas ações, como de todas as demais,
será dada pelo direito material, uma vez que o processo não será capaz de interferir na
"natureza" dos atos.

Como fomos desafiados a mostrar em que consiste a ação executiva, agora é a vez
de Barbosa Moreira mostrar em que consiste nosso engano e como ele − depois de fazer,
com tanto brilho, a crítica − poderá explicar de onde provêm as eficácias de cada sentença,
tendo em vista sua afirmação de que o juiz, mesmo dispondo de mil maneiras de
"arrumação" formal dos "atos", não pode interferir em suas respectivas "naturezas".

Sustentamos que essa natureza é precisamente o que determina que uma ação seja
executiva real, enquanto outra seja condenatória, porque obrigacional. Ficaremos gratos se
formos convencidos de estarmos enganados.

Esperamos que ele não justifique a diversidade de eficácias, contidas nas


respectivas sentenças, dando-as como respostas processuais às "necessidades" do direito
subjetivo material. Também esta explicação de Marinoni, como dissemos antes, não nos
satisfaz.

A explicação, para o modo como Barbosa Moreira trata deste assunto, deixa claro
que, ao processo, o direito material apenas estorva. Quando trata desta "matéria" − no
sentido de "assunto", não de "substância" − preocupa-se em separar a cognição da
execução por créditos (!), execução obrigacional, reunida no Livro II do Código. Ele não

41
admite que possa haver outra espécie de sentenças executivas. A inexistência de sentenças
executivas é premissa de seu raciocínio e, ao mesmo tempo, a conclusão a que ele chega. É o
vício lógico conhecido como petição de princípio.

Dizemo-lo, porque Barbosa Moreira estabelece como premissa que "nenhuma


sentença, seja qual for, é capaz, só por si, de produzir efeitos fora do mundo jurídico",
porque a modificação do "estado de fato" será − continua ele − "algo que à sentença, insista-
se à exaustão, de maneira alguma é dado operar ex marte proprio" (p. 150). Ora, se partirmos
desta premissa, não encontraremos jamais sentenças executivas. Restaria, porém, mostrar
qual a força misteriosa que criaria, na ação de despejo, o ato executivo. Se ela não estiver
na sentença, fica-nos devendo Barbosa Moreira a explicação de onde o juiz extrairia esse
efeito.

É provável que ele diga que esse mistério constitui um problema de direito material,
cuja solução não se deve pedir a um processualista, ramo rigorosamente formal da ciência
jurídica. A resposta, no entanto, é frustrante, tendo em vista a firmeza exemplar com que os
processualistas sustentam serem as ações categorias exclusivamente processuais. Seriam
processuais, porém seus mistérios haveriam de ser solucionados pelos juristas do direito
material, sem que dos processualistas se pudesse exigir a aventura de uma exploração nesse
campo minado, que é o direito material.

Quando se afirma que o legislador de processo dispõe de mil maneiras de


"arrumar" essa "matéria", alude-se ao aspecto formal, procedimental, através do qual o
processo de execução pode estar separado ou associado à cognição. A afirmação não leva
em conta a circunstância de ser a respectiva "matéria" obrigacional ou real (não confundir ação
real com direito real! Vimos antes que pode haver ação real contra o titular do direito real).

O processualista parte, portanto, da premissa de que somente existam execuções


resultantes de sentenças condenatórias, dado que as execuções reais, para ele, não existem. É
a premissa de que o processualista parte para demonstrar que elas, realmente, não existem.
A circularidade do raciocínio é fantástica: como não pode haver sentença executiva (já que
nenhuma sentença poderá "produzir efeitos fora do mundo jurídico") . . . não pode haver
sentença executiva.

31. É verdade que Barbosa Moreira insiste em que, mesmo quanto ao


"conteúdo", as explicações que costumam ser dadas, para mostrar a existência de ações
executivas, pecam por não assegurarem homogeneidade de critério classificatório, "regra
básica de qualquer classificação" (p. 161).

Todavia, sua dificuldade em descobrir os "conteúdos" das sentenças, como seria


de prever, é notória. Por exemplo, ao tratar das sentenças executivas do art. 641, inclina-se
por considerá-las condenatórias, por não dizerem respeito a um direito potestativo. Mesmo
assim, considera legítimo incluí-las na classe das constitutivas, porque ambas dispensam a
atividade jurisdicional complementar, ou seja, tanto as constitutivas quanto as ações do art.
641 "prescindem de qualquer atividade jurisdicional depois da sentença".

A alternativa, porém, mais confunde do que esclarece o problema. Se a inexistência


de atividade jurisdicional subseqüente à sentença fosse critério válido para identificarem-
se as constitutivas, elas se confundiriam com as declaratórias, pois ambas, quanto a este
42
ponto, não se distinguem entre si. A homogeneidade, portanto, mostra-se imprestável, a
tornar evidente que, mesmo para Barbosa Moreira, haverá mais de um critério
classificatório possível.

A circunstância de ser ou não potestativo o direito de que nascem as ações


constitutivas é elemento ainda insuficiente para preencher o "conteúdo" de uma determinada
sentença, dentro de sua respectiva classe.

Embora, todas as constitutivas decorram de um direito formativo (dito também


potestativo), cada sentença constitutiva terá "conteúdo" diferente das demais sentenças da
mesma classe. O direito de exercer a ação de separação judicial, disse-o Pontes de Miranda, é
exercício de um direito "formativo gerador"; a faculdade que tenha o destinatário de
aceitar a oferta, é um direito igualmente potestativo (Tratado de direito privado, 2ª edição,
Borsoi, 1955, Tomo V, § 583, 2). Também qualifica-se como direito potestativo gerador − não
modificativo, como na ação de divórcio − o exercício do direito à escolha, nas obrigações
alternativas, bem como o direito de optar pelo cargo de senador ou deputado, a quem tenha
sido eleito para ambos (autor e obra cits.). Integra também a imensa classe dos potestativos
o direito à denúncia do contrato. A ação revisional de contrato é constitutiva, como
igualmente o é a ação renovatória de locação; e a ação rescisória, enquanto iudicium
rescindens. Seria uma heresia afirmar que a ação revisional, a ação de divórcio e a ação
rescisória, geram sentenças com idêntico conteúdo. Pontes foi além das "classificações", na
busca das individualidades com que se relacionam os processualistas práticos.

O que há de diferente − o elemento externo, não homogêneo − nas ações do art.


641 que, mesmo assim, não as exclui da classe das executivas, segundo critério homogêneo,
é a circunstância de, nelas, buscar o autor o cumprimento de uma prestação devida pelo
demandado, coisa que não se busca nas constitutivas. Seria imaginável − se procurássemos
homogeneidade de critérios externos − apenas condenar o réu a emitir a declaração de
vontade, a fim de que ele, "espontaneamente", concluísse o contrato.

Era a recomendação do direito francês, perante o qual a conseqüência para o


inadimplemento do condenado seria obrigá-lo a prestar perdas e danos, segundo o princípio
romano "nemo potest praecise cogi ad factum," como ensinava Pothier (Traité des obligations,
versão espanhola, 1978, Editorial Heliasta, Buenos Aires, p. 91).

As ações do art. 641 representam a superação desse obstáculo, tornando possível


a execução específica desta classe das obrigações de fazer.

Que se trata de uma execução, já o dissera Luís Eulálio de Bueno Vidigal, no


longínquo ano de 1940, ao escrever: "A sentença, cujos característicos estamos estudando,
apresenta, a tal respeito, feição singular. Conclui pela condenação do réu a prestar uma
declaração de vontade, em determinado sentido. Não prestada, dever-se-ia seguir,
logicamente, a execução para compelir o réu à prestação. Em vez disso, porém, logo que
passa em julgado a sentença, tem-se por prestada a declaração. A sentença que é, assim, por
definição, um ato de declaração da existência da vontade de lei aplicável ao caso concreto,
apresenta-se-nos, nesse caso, além disso, como ato típico de execução forçada − os itálicos estão
no original − (Da execução direta das obrigações de prestar declaração de vontade, Empresa Gráfica
Revista dos Tribunais, São Paulo, 1940, p. 87). A solução francesa, como se vê, há muito

43
foi abandonada pelo direito brasileiro. Nosso sistema caminha no sentido da realização
específica das obrigações de fazer.

Barbosa Moreira não classifica as sentenças, como nós o fazemos, pelo que elas são,
em sua substância; limita-se a "arrumá-las" em uma das mil maneiras em que o processo
pode fazê-lo, pondo-as em uma "moldura" (p. 161), tal como elas apresentam-se na relação
processual. Ele não penetra no "conteúdo" de cada sentença. Quando tenta fazê-lo, equivoca-
se, supondo que as sentenças executivas tenham origem numa obrigação de prestar: "Assim
teríamos, como subclasses, a sentença constitutiva e a sentença executiva, as quais se
distinguiriam uma da outra por concernir aquela a direitos potestativos, e esta a direitos a uma
prestação" (p. 162). Não. Seu engano decorre da circunstância de ele não se "aventurar" no
direito material. As executivas aparecem quando não há mais − ou nunca houve − direito
a uma prestação. Nem só de direito das obrigações (a gerar prestações) compõe-se o direito
material.

Imagine! Um processualista de São Paulo, embora se mostrasse seguidor de


Chiovenda, como Barbosa Moreira, tendo o "conteúdo" da sentença como formado apenas
pela declaração, no caso da "execução direta" (!) das obrigações de prestar declaração de
vontade, concedia que o "conteúdo" fosse formado pela declaração, mais a execução direta!
Não se necessita, sequer, ir a Pontes para justificar a inclusão das sentenças do art. 641 do
CPC no grupo das executivas, porque, como disse Bueno Vidigal, a sentença que, "por
definição", deve ser declaratória, no caso da "execução direta" dessas obrigações, apresenta-
se "como ato típico de execução forçada".

De resto − é bom ficar registrado −, também as condenatórias somente admitem


que se as classifiquem, segundo critério homogêneo, se nos aventurarmos na investigação do
direito material. Como, valendo-nos de critérios apenas formais, poderíamos reunir em uma
mesma classe a sentença proferida na ação de prestação de contas, a que condena a indenizar
perdas e danos e a ação condenatória movida contra o vizinho, para obrigá-lo a contribuir
para a conservação de tapumes divisórios? A circunstância de todas colimarem o
cumprimento de uma prestação é sem dúvida o critério que nos permite agrupá-las numa
mesma classe.

Tivemos, na versão primitiva do art. 275 do CPC, dentre os procedimentos ditos


então sumaríssimos, a ação do proprietário de um prédio "para impedir, sob a cominação de
multa − eis a marca da condenatoriedade ! − que o dono do prédio vizinho faça dele uso nocivo à
segurança, sossego ou saúde dos que naquele habitam". Ninguém dirá que a especialidade
formal dessa ação lhe tenha, então, transfigurado a essência.

O "conteúdo" de "uma" determinada sentença não pode ser aferido apenas pela
"classe" a que ela pertença, como as classificações feitas pelos botânicos, supondo-se que
todas as sentenças de uma mesma classe terão idêntico conteúdo. Isto é bom para o direito
como regra, para o direito dos livros e das benditas aulas de nossas Universidades, que, no
entanto, nada valem para o foro.

A objeção de Barbosa Moreira contra as sentenças executivas apóia-se em que a


homogeneidade de critérios teria de valer tanto para estas quanto para as demais. Teríamos
de classificar − no direito material − também a sentença declaratória, a constitutiva, e a

44
condenatória (igualmente as mandamentais, para os que as reconhecem), segundo critérios
homogêneos. "Sem isso, não se passará de um arremedo torto de classificação − em
linguagem mais desabrida, um aleijão classificatório" (p. 158).

Que dizer da objeção? Para evitar perda de tempo, seria prudente nada dizer,
sabido como é que tudo o que dissermos não quebrará o encanto do dogmatismo em que
navega nossa doutrina. Temos procurado mostrar que, segundo seus "conteúdos", oriundos
do direito material, as sentenças de uma determinada classe apresentam-se homogêneas,
enquanto indivíduos pertencentes à mesma classe, porém, o que as individualiza, por isso que
revela o ser individual, há de diferir dos demais indivíduos da mesma classe.

Dizer que as sentenças condenatórias correspondem a pretensões obrigacionais,


enquanto as executivas nascem de pretensões reais, não nos parece que seja um "aleijão"
classificatório; sustentar, a partir desta distinção, que a sentença condenatória atende a uma
demanda, cuja petição inicial não "contém" nada além do pedido de condenação, enquanto
as sentenças executivas acolhem demandas em que o autor insere, no pedido inicial, outro
verbo, através do qual pede a expedição do ato (factum) executivo, parece-nos um critério
perfeitamente legítimo, sob o ponto de vista lógico. É um critério classificatório baseado em
importante elemento homogêneo, comum a todos os indivíduos de uma mesma classe.

Ao processualista, porém, incomoda a circunstância de não terem todas as sentença


de uma mesma classe identidade formal. Este, sem dúvida, é o ponto crucial. A
classificação por nós adotada toma como critério, não a disposição externa, simplesmente
procedimental, das sentenças, e sim seu respectivo "conteúdo".

Depois de classificar uma determinada sentença, inserindo-a numa classe, busca-se,


ainda com base no "conteúdo", distingui-la, a partir de suas respectivas eficácias, segundo os
elementos que a "individualizam", dentro da classe. Não se fica apenas na tarefa
classificatória. Procura-se, para além da inserção de cada sentença em sua classe,
investigar os elementos de seu conteúdo que possam individualizá-la, dentro da classe.

Não se haverá, todavia, de esperar que o resultado deste empenho possa alcançar
o rigor científico com que se classificam os fenômenos naturais ou as verdades matemáticas.
O direito, enquanto ciência que trata de comportamentos humanos que ocorrem na história,
impõe-nos que o tratemos como ciência do individual. Não nos basta agrupar em classes os
eventos históricos, para compreendê-los. Também ao direito, muito especialmente ao processo,
não basta a tarefa de classificação de suas categorias em séries.

O critério de que nos valemos serve-se, com certeza, de elementos


"extraprocessuais", ao passo que Barbosa Moreira exige que a classificação ofereça
homogeneidade formal, procedimental, que ele próprio, de resto, não poderá alcançar,
através das importantes heterogeneidades formais das sentenças de uma mesma classe.

Mostramos que há significativas propriedades formas que distinguem uma ação


de prestação de contas da que condena a indenizar perdas e danos e, não obstante, ambas
são condenatórias. É possível igualmente mostrar que a simples identidade procedimental
de modo algum autoriza a supor que todas as ações e respectivas sentenças de procedência
pertençam à mesma classe. Se a identidade formal fosse critério válido para classificarem-

45
se as sentenças, chegaríamos à conclusão que todas as sentenças do art. 275 seriam de uma
mesma classe.

Recentemente, três brilhantes processualistas, tratando da classificação das


sentenças condenatórias, escreveram o seguinte: "Perdeu o sentido, pois, distinguir as
sentenças condenatórias das mandamentais e executivas. O critério distintivo era
exatamente a necessidade ou não de um novo processo para a efetivação da decisão judicial:
a sentença condenatória deveria ser executada ex intervalo, em outro processo, a sentença
mandamental/executiva poderia ser executada sine intervalo, ou seja, no mesmo processo em
que proferida. A partir da nova redação do art. 461 (1994), as sentenças que reconheciam o
direito a uma prestação de fazer ou de não fazer passaram a poder ser efetivadas no mesmo
processo em que proferidas . . . Todas podem ser designadas, pois, de condenatórias, embora
se reconheça que houve uma alteração no conceito de sentença condenatória ", que é um
conceito "jurídico-positivo e não lógico-jurídico" (Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga, Rafael
Oliveira, Curso de Direito Processual Civil, 2º vol., 2007, Editora Podium, Salvador, p. 298).

Com efeito, se a questão é puramente formal, dependente das mil maneiras como a
lei processual poderá "arrumar" essa matéria e, além disso, não sendo "lógico" e sim
"positivo" o conceito de condenação, aos processualistas pareceu adequado "designarem"
as três classes de sentenças como condenatórias. Com a nova lei − tendo em vista a
homogeneidade formal −, todas elas poderiam ser "chamadas" de condenatórias.

A contribuição mais significativa dos talentosos processualistas foi mostrar que a


homogeneidade formal, proposta por Barbosa Moreira, como critério de classificação das
sentenças, acaba fazendo com que sentenças de natureza diversa sejam agrupadas numa
mesma classe. Em última análise, torna impossível qualquer classificação, justamente porque
o empenho em classificarem-se sentenças sempre levou em consideração seus respectivos
conteúdo, não a estrutura do procedimento.

Nessa linha de raciocínio, poderíamos afirmar que a reforma, ao trazer para o


processo de conhecimento a fase de "cumprimento" da sentença, teria deixado não apenas
idênticas − sob o ponto de vista formal − as sentenças condenatórias, as executivas e
mandamentais, como igualmente idênticas a elas teriam ficado as declaratórias e
constitutivas.

É verdade que alguém poderia objetar, contra a inclusão das declaratórias e


constitutivas no mesmo grupo, ponderando que estas, ao contrário das três primeiras, não
produzem alguma forma de execução (latissimo sensu), como "conseqüência" da sentença.

A objeção, porém, seria logo afastada por Barbosa Moreira, porquanto a execução
da sentença se dará no "mundo dos fatos", onde "nenhuma sentença, é capaz, por si só de
produzir efeitos"; porquanto, para atingir o mundo dos fatos, a sentença necessita de
"alguma atividade subseqüente", que transforme a realidade, porém, nesse momento, "a
sentença já terá ficado para trás" (RePro, cit., p. 150). Conseqüentemente, todas elas,
enquanto sentenças, para seu conceito, estariam igualadas.

Essa "atividade subseqüente", devemos concluir, não terá origem no "conteúdo" da


sentença, que já terá ficado para trás. Será, como era para Buzaid, um posterius ao ato
sentencial. Seguindo critério apenas formal − abstraídos o conteúdo e as respectivas
46
conseqüências, ocorridas no "mundo dos fatos" −, as sentenças, de qualquer natureza,
serão formadas apenas pelos elementos indicados no art. 458 do Código de Processo Civil.

Afinal, se a perda daquele "critério distintivo" fez com que fossem igualadas as três
sentenças, com base em que critério "discretivo" formal poderíamos separar delas as
declaratórias e constitutivas? A conclusão é frustrante: o processualista, valendo do arsenal
de seus conceitos e institutos, não terá condições de classificar sentenças.

Há, porém, uma curiosidade na solução proposta pelos ilustres processualistas há


poucos citados. Por que a condenatória manteve sua essência, sem transformar-se numa
"mandamental/executiva"? Estas duas − mesmo intocadas pela lei nova − acabaram
transformadas em condenatórios. A lei eliminara o "critério distintivo" que nos permitia
identificar uma sentença condenatória. Elas deixaram de ser "distinguíveis" das demais.
Perderam a "identidade", posto não se poder mais "distingui-las" das outras duas espécies.
Mesmo assim, tiveram forças para tornar as demais condenatórias!

Se a questão obedecesse a um critério "lógico-jurídico", teríamos de concluir que a


sentença condenatória desaparecera, transformada em "mandamental/executiva" e não o
contrário! Como o critério é "positivo" e não lógico, a conclusão que se impõe é que a pesada
ideologia, que inspira o sistema, valeu-se do incidente para extravasar seu ódio contra as
sentenças executivas e mandamentais, jogando-as no lixo.

32. A nosso ver, devemos admitir que existam, no direito material, pretensões e
ações declaratórias e constitutivas, assim como − fora do processo puramente cognitivo −
ações executivas e mandamentais, não sendo correto "designar" por condenatórias as duas
outras, com elas identificadas pelos mencionados processualistas, porquanto, nestas duas
espécies, não se trata de tutelar pretensões que visem o cumprimento de prestações
obrigacionais.

No que respeita às declaratórias e constitutivas, é certíssimo que podemos exercer,


sem dificuldade, no direito material as respectivas pretensões, "exigindo" que o devedor ou
nosso vizinho ou o Banco junto ao qual mantemos conta, reconheça um determinado direito
(pretensão) de que nos julgamos titulares; ou adira, por exemplo, a nossa pretensão de
alterar o contrato, para revisar valores das obrigações nele ajustadas. A pretensão revisional,
assim como as declaratórias, podem ser exercidas privadamente. Enquanto "exigências"!

Se não podemos "agir", porque o Estado proíbe a autotutela do direito, isto não
implica que o pedido de tutela processual tenha a virtude de eliminar do direito material
sua faculdade de tornar-se exigível (pretensão); e, sendo exigível, poder realizar-se.
Pretensão que não se possa realizar privadamente e que, além disso, não conte com a tutela
estatal, que lhe assegure a realização, não passaria de um poema lírico, ou quem sabe de um
cântico religioso. Direito (pretensão) sem ação é poesia, certamente de má qualidade. Se
posso juridicamente exigir − posto que a exigência seria conforme ao direito − devo poder
"agir".
A questão, posta por Barbosa Moreira, da "homogeneidade do critério", deveria ser
mais explícita. Pede-nos, inicialmente, que esclareçamos "em que consiste a espécie 'sentença
executiva lato sensu', com a indicação "específica que a caracterizaria" (p. 148). Entretanto,
como ele não afirmou que essas ações estariam no direito material, poderia objetar-nos que
não exigira que nos aventurássemos neste domínio. Mas é ele próprio a dizer que a lei
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processual não poderá interferir na natureza dos atos, portanto, não caberá à lei processual
tratar de "conteúdos" dos atos processuais.

Restará, portanto, o apelo ao direito material ou, se não, ao juiz, a quem déssemos
poderes para que ele, operando "em um local mais avançado" (Marinoni); num patamar em
que o direito material não se encontra mais em "estado puro, mas transformado, em outro
nível qualitativo mais elevado" (Carlos Alberto A. Oliveira), pudesse criar do nada a
"consistência" das ações.

Não será necessário recordar que, ao falar de "consistência", estaremos falando, no


mínimo, de "conteúdo", de algo sólido e permanente (André Lalande, Vocabulário técnico e
crítico da filosofia, versão portuguesa, RES Editora, Porto, 1º vol., p. 234). Heidegger,
tratando da "gramática do ser", mostra que, para os gregos, a palavra ser significava
consistência (Introdução à metafísica, versão brasileira, Edições Tempo Brasileiro, 2ª edição,
1969, p. 91). Daí, as palavras existência (ex+sistência, o ser que aparece), essência, e os demais
vocábulos derivados da mesma raiz. A indagação que procura determinar em que "consiste"
uma determinada sentença, diz respeito à busca de seu ser, não de sua morfologia. A
"consistência" acompanha a ação pelas "mil maneiras" com que o juiz poderá arrumá-la.

Estas são algumas das razões que nos levam a pedir mais precisa especificação,
para o que nos parece uma contradição, qual seja, limitar a classificação das sentenças a seu
aspecto formal e, ao mesmo tempo, pedir que se indique em que elas "consistem". De resto,
se a sentença executiva deve ser caracterizada por sua peculiaridade específica, certamente
esta nota, que só a ela pertence, não terá homogeneidade com a nota "específica" das demais
classes.

Dizemo-lo, repetindo nossas afirmações anteriores: o "conteúdo" de uma sentença


(mesmo das executivas, mas igualmente das constitutivas, das condenatórias, declaratórias
e mandamentais), ainda quando ela pertença à mesma classe, deverá ter especificidade
(consistência) que permita distinguir "esta" sentença das outras, "dentro de uma mesma
classe". Por outro lado, quando incluímos a sentença numa determinada classe valemo-nos
das respectivas eficácias que lhe são próprias, nunca da circunstância de elas estarem
"arrumadas" procedimentalmente, segundo padrões formais.

Pretender identificar o "conteúdo" de "uma" sentença constitutiva dizendo que ela é


produzida por um direito potestativo é afirmar − se nos fosse dado expressar-nos em
"linguagem mais desabrida" − que o alvitre não passa de charlatanice.

A observação, por certo, não se dirige a Barbosa Moreira, que não se preocupa em
classificar sentenças por seus respectivos "conteúdos", mas deve ser registrada, para
ressaltar a essencial distinção de critérios adotada, nesta questão, mostrando que uma coisa é
"classificar" sentenças como exemplares pertencentes a uma classe; como exemplares cujos
conteúdos teriam um elemento comum homogêneo; outra, bem distinta, é penetrar na
individualidade, da cada uma delas, para compreendê-la em sua essencial diversidade.

A questão que provavelmente o jurista não percebeu é que, além da classificação


das sentenças, torna-se necessário descrevê-las em suas individualidades, naquilo que elas têm
de "específico", coisa de que os descendentes do Iluminismo fogem como o diabo da cruz

48
(sobre isto, é recomendável a leitura de Jürgen Habermas, La lógica de las ciencias sociales,
original alemão de 1982, Madrid, Editorial Tecnos, 1988).

Chegou o tempo em que o jurista, como mostrou Arthur Kaufmann, deve substituir
a lógica linear, preconizada pelo racionalismo, pela analogia (Analogia y naturaleza de la cosa,
edição alemã de 1965, Editorial Jurídica Chile,1976). As sentenças podem ser, entre si,
semelhantes porém, nunca, ou pelos menos só raramente, idênticas quanto a seus respectivos
conteúdos.

A doutrina, quando pretende classificar institutos e categorias processuais, não vai


além dos botânicos, que classificam as coisas pelas espécies. Não devemos classificar
sentenças buscando identidades, segundo "critério discretivo que há de ser homogêneo"
(Barbosa Moreira, ob. cit., p 161). A tarefa classificatória deve ser entendida como o passo
inicial, na busca da "compreensão" de cada sentença, no que ela possa ter de diferente das
demais. Este foi o mérito de Pontes, que ninguém aceitou, ou entendeu. É enfrentar a
especificidade do individual, é buscar aquilo que faz cada sentença diferente das demais da
mesma classe, tarefa que exige a superação do dogmatismo e da submissão à epistemologia
das ciências generalizantes (sobre esta questão, a Filosofia do Direito de século XX é
riquíssima, a ponto de tornar supérflua a indicação deste ou daquele autor).

Na verdade, a tarefa de pôr em classes (classificar) as sentenças, embora seja um


passo inicial importante, porque relevante para o processo, é apenas um passo inicial. Foi
a partir deste início que Pontes de Miranda alcançou um nível superior, não mais de
classificação − apenas pôr em classes as sentenças −, mas de identificação de cada sentença
"dentro da classe", por suas peculiaridades eficaciais.

É neste ponto que a ciência jurídica, como ciência do espírito, encontra seu campo
natural. Os episódios históricos, como eventos, não comportam classificação. Exigem
"compreensão", enquanto fenômenos individuais e irrepetíveis. Os atos e condutas humanas
são relevantes para o direito por suas individualidades. Somente com esta "sujeição ao caso",
embora igualmente submetido à "norma", poderá o juiz realizar a justiça.

Como se vê, também por esta razão, não é possível dar resposta, nos termos em
que ele foi proposto, ao desafio lançado por Barbosa Moreira, A impossibilidade decorre de
ser o processo civil um ramo das chamadas ciências do espírito, como a História. Na
verdade, o processo civil, quando trata de "uma" lide, está lidando com uma parcela
microscópica da história humana. Não há como classificar a lide segundo um critério
uniforme, como se "esta lide" fosse um exemplar pertencente a uma série de lides, com
idênticos "conteúdos". Não há identidade entre as ações e respectivas sentenças de
procedência; há semelhanças, mais ou menos intensas. Será, sem dúvida, possível praticar
esse tipo de classificação, tão ao gosto dos manuais universitários, como uma tarefa
preliminar, mas o resultado que ele apresenta, que pode encantar os "cientista" do processo, é
sem qualquer relevância para o jurista prático.

Cuidando do fenômeno de estar a execução, em nosso sistema anterior, formulada


em processo independente, para depois tornar-se fase do procedimento cognitivo, Barbosa
Moreira critica o entusiasmo juvenil dos que ainda se maravilham com "algo que, para
outros, já afundou nas trevas do passado remoto" (p. 153).

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Segundo Barbosa Moreira, não se deve ir ao direito material, menos ainda às
"trevas" do passado histórico das instituições processuais! Teríamos, como preconizou
outro representante desse pensamento, atingido o "fim da história". Nem mais "trevas" do
passado distante, nem mais utopias num futuro impensável. Entusiasmo por entusiasmo,
diríamos que essa ingenuidade juvenil, que ainda acredita no progresso constante do ser
humano na História, responsável pela tola soberba de pressupor que o processo nasça de si
mesmo, por geração espontânea, esconde graves pressupostos, responsáveis pelo exacerbado
normativismo a que estamos − cada vez mais − submetidos.

Não se classificam episódios históricos. Nós os compreendemos na riqueza de suas


individualidades. Igualmente, de cada lide haverá de resultar uma sentença com
determinado "conteúdo", diverso do conteúdo das demais sentenças, mesmo daquelas que
pertençam à mesma classe. Esta foi a mais notável contribuição de Pontes de Miranda que,
como observou Clóvis do Couto e Silva, não foi absorvida pela doutrina européia.

33. Quem se preocupa com a história das instituições processuais e vai buscar,
no Direito Romano, as origens da sentença condenatória, sabe que a distinção entre a
condemnatio e a primitiva vindicatio tinha, no direito material, e naturalmente no processo,
profundas razões jurídicas, econômicas e culturais que a legitimavam, especialmente
marcadas pela primitiva incoercibilidade do vínculo obrigacional (cf. especialmente Emilio
Betti, La struttura dell´obbligazione romana e il problema della sua genesi, GIUFFRÈ, 1955;
igualmente Betti, Istituzione Istituzioni i di diritto romano, 1º volume, CEDAM, 1947; e
Biondo Biondi, Istituzioni di diritto romano, GIUFFRÈ, 1972).

Seqüela da primitiva incoercibilidade do vínculo obrigacional, concebido como puro


dever, sem qualquer traço de patrimonialidade, marca indelével da sentença condenatória,
ainda aparece no art. 580 do Código de Processo Civil, de modo que não se está a tratar de
temas que pertençam à arqueologia jurídica. Eles são atualíssimos.

A nota que define uma sentença como condenatória está na exigência de que o juiz
dê oportunidade ao condenado para ele, dentro de um determinado tempo (tempus iudicati),
espontaneamente cumprir a sentença. Este pressuposto é a essência do juízo condenatório,
que nos vem, como diz Leopold Wenger, da Lei das XII Taboas, o mais primitivo documento
escrito do direito romano (Actio iudicati, versão do original alemão de 1901, EJEA, 1954,
Buenos Aires, § 25).

Como é sabido, o fundamento longínquo que o determina é a incoercibilidade do


vínculo obrigacional. Disse, a este respeito, Liebman: "A doutrina moderna agasalhou
amplamente o conceito de autonomia da ação, a qual não faz parte do direito subjetivo e não
se lhe pode confundir. Mas assim se chega logicamente à conclusão de que a relação
obrigacional tem, logo após o inadimplemento, por conteúdo exclusivo a prestação do
obrigado, conteúdo por si mesmo incoercível (sem os itálicos no original), porque não pode,
quando permanece insatisfeito, realizar-se, só, em face da resistência do devedor. Não
assiste ao credor a faculdade de praticar ato algum para obter pela força o que lhe é devido"
(Embargos do executado, tradução da 2ª edição italiana, Saraiva, São Paulo, 1952, p. 126).

Interessantíssima essa observação de um dos mais autorizados processualistas


contemporâneos, comparando-a com o que acontece com as ações interditais, como as

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possessórias, as cautelares e o mandado de segurança. Para estas, a "resistência" de réu é
indiferente. Ela pode facilmente ser superada pela jurisdição. Aqui, a jurisdição "ordena",
não "condena".

Estes são alguns dos motivos para não aceitarmos a conclusão de Barbosa Moreira
de que a "insuficiência" da condenação para realizar a execução seja fruto de simples
idiossincrasia do legislador de processo, que muito bem poderia "arrumar" as coisas de
"mil maneiras diferentes", mantendo, apesar de tudo, a essência do juízo condenatório. Para
o ilustre processualista, a condenação "decorre da lei" [processual].

Sim, a "autonomia" [apenas a autonomia] do juízo condenatório decorre da lei


processual, como mostramos em outro lugar (A ação condenatória como categoria processual,
cit.), mas a condenação tem uma respeitável ascendência e está ligada à primitiva
incoercibilidade do vínculo obrigacional, a recomendar que o condenado seja "exortado" a
cumprir espontaneamente a condenação.

É claro que isto poderia acabar (já devia ter acabado!), mas, fazê-lo, exigirá uma
profunda intervenção no campo do direito material, muito distante das "mil" maneiras
com que o direito processual pode "arrumar" esta "matéria", como, aliás, Barbosa Moreira é
o primeiro a reconhecer, ao mostrar que as "mil maneiras" de "arrumação" da "matéria"
não poderão transformar a cognição em execução, nem o contrário, fazer da execução
cognição; nem transformar a sentença constitutiva em condenatória ou em declaratória,
porque o processo não pode interferir na natureza dos atos.

34. Barbosa Moreira alega falta de critério classificatório, a invalidar a crença na


categoria das ações e sentenças executivas, mesmo porque a execução das sentenças
condenatórias faz-se, no processo trabalhista, per officio iudicis, como se procedia no direito
medieval, antes do retorno às fontes romanas (Liebman, Embargos do executado, cit. p. 62 e sgts.).

É indispensável, porém, ter presente que este era um direito de inspiração


germânica, vigente nas cidades medievais italianas, não o sistema da actio do direito
romano privado, só depois recuperado pelo direito comum medieval.

Mostrando em que consistia o officio iudicis − que naturalmente ainda consiste,


sem ter desaparecido nas trevas de um passado remoto − escreve Liebman o seguinte:
"Em verdade, para a atuação prática de algumas decisões que não as sentenças de
condenação (interditos, missiones in possessionem e outros) pertinentes mais que à jurisdição,
ao imperium do magistrado, as fontes não previam a actio: sobre isso dispunha o magistrado
em virtude de seu poder. Os glosadores, baseados num texto clássico (D. 2.1.1), concluíam
que, em todos esses casos, o juiz provia ex officio. E eis como se chega a compreender
também aí a execução de sentença" (Embargos do executado, cit. p. 67-68).

Liebman foi claro: o magistrado valia-se de seu poder, ordenando a execução ex-
officio − per officio iudicis −, quando não se tratasse de sentença condenatória. É a mesma
conclusão a que chega Giuseppe Salvioli, ao mostrar que, nesse estágio do direito
medieval, as sentenças aproximavam-se mais da mandamentalidade do que de um juízo
condenatório: "la sentenza não aveva tenore di condanna ma di ammonimento" (Storia del diritto
italiano, vol. III, 1ª Parte, Florença, 1969 Libreria O. Gozzini, p. 315).

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O problema, portanto, é de solução simples, se levarmos em conta o "conteúdo" de
uma sentença condenatória e sua fidelidade à primitiva obligatio romana. Valemo-nos do
critério de separar as sentenças por seus respectivos conteúdos, mesmo não sendo a
maneira pela qual Barbosa Moreira aconselha que se as classifiquem, porque ele próprio
admite que este critério seja também legítimo se for homogêneo (cf. p. 161-162).

Observe-se: se levarmos em conta o conteúdo da sentença, comparando-o com o


respectivo petitum, teremos um critério homogêneo, que nos permite classificá-las, pois não se
haverá de supor que o juiz, por sua livre recreação – sem que a eficácia executiva esteja
na petição inicial –, assuma a iniciativa de ordenar, extra-petita, a execução da sentença.
Somos, portanto, obrigados a convir em que, no direito laboral, o perfil clássico das
sentenças apenas condenatórias foi quebrado, instituindo-se um modelo complexo no
qual as funções condenatória e executiva encontram-se na mesma sentença, com superação
do perfil clássico da actio romana, de que nos falou Liebman.

A nós, o fenômeno não "maravilha", nem nos deixa perplexos, possuídos de


entusiasmo juvenil (que, de resto, seria uma graça, depois de cinqüenta e cinco anos
ganhando a vida como advogado forense). É que temos muito presente a natureza histórica
dos conceitos jurídicos, especialmente dos conceitos e categorias processuais.

Pelo contrário, tendo presente o curso da evolução de nossas instituições


processuais, de muito pouco nos será lícito "maravilhar-nos", ante o constante
enfraquecimento de seus princípios, comparado ao aumento do poder centralizador do
Estado administrativo.

Por outro lado, neste campo, como sabem os que se preocupam com filosofia do
direito e com hermenêutica, especialmente com a história das instituições processuais, o
processualista trabalha com conceitos abertos, com uma instituição que − mesmo
preservando a identidade de seu núcleo conceitual − costuma ostentar invólucros
diferentes.

Se observarmos, como recomenda Barbosa Moreira, critério homogêneo para


classificar sentenças, é possível revelar-lhes o "núcleo", sempre idêntico, sem dar
excessiva importância a seu invólucro, a seu aspecto exterior, a suas peculiaridades
procedimentais.

Julgamos haver proposto uma classificação da sentença executiva mostrando que


ela difere da condenatória porque "contém" − como resposta ao pedido − um verbo que
ordena a execução, verbo que não se encontra na sentença condenatória; mostramos
igualmente que as executivas, ao contrário das condenatórias, têm origem em pretensões que
pressupõem a inexistência de uma relação obrigacional que proteja o vínculo jurídico existente
entre o demandado e a coisa pretendida pelo autor.

Aqui está a essência da condenatoriedade: o arcaico respeito à propriedade do


condenado! Isto é que faz com que ele seja "exortado" a cumprir a condenação; seja sob a
forma de exortação simples, seja ameaçando-o com uma multa! Que hoje a exortação deva
ser acompanhada da multa, é uma questão que define o estado de nossa cultura e a
predominância do mercantilismo sobre os valores morais. Reflete aquele trágico provérbio

52
que nos adverte ser "o bolso o órgão mais sensível do corpo humano". A questão, aqui, é
mais antropológica do que jurídica. Se o bolso tornou-se mais sensível que o sentimento
moral dos antigos varões, hoje "consumidores", as expectativas de uma próxima
transformação parecem utópicas.

A relação necessária entre petitum e sentença, como critério para distinguir uma
sentença condenatória de outra que seja executiva, é questão que não apresenta qualquer
dificuldade, nem divergência na doutrina. Liebman, invocando a lição de Chiovenda, a
respeito do critério para identificação de uma sentença condenatória, diz o seguinte: "Os
dois estágios da cognição e da execução mantêm-se, todavia, formalmente autônomos, pois,
com a petição inicial só se pleiteia uma sentença e não a execução" (Embargos do executado,
cit., p. 115, nota 320).

35. Para concluir, qual deve ser o comentário sobre o que estamos dizendo a
respeito da dúvida de Barbosa Moreira quanto à existência de sentenças executivas? Nada
dissemos que seja original. São institutos e conceitos que têm acompanhado a história do
processo civil da tradição romano-canônica. Como nem Barbosa Moreira, nem a doutrina
− salvas raras exceções −, tiveram interesse sequer em mostrar que a distinção entre
execuções obrigacionais e execuções reais que propúnhamos, valendo-nos da doutrina de
Pontes de Miranda, era imprópria, sem fundamento na lógica, nem apoio na história e no
direito material, é de supor que nada mudará a este respeito.

Que as pessoas não tomem nota do critério sob o qual estabelecemos a distinção
entre o "conteúdo" das sentenças fundadas em pretensões obrigacionais e das sentenças
fundadas em pretensões reais (que dão nascimento a ações executivas); ou que simplesmente
não o leiam − o que não é raro entre nós −, ou, lendo-o, não o compreendam, ou dele
desgostem, é tudo compreensível. Trata-se da natural resistência, devida à fidelidade a um
determinado paradigma.

De que outro modo seria possível explicar a surpreendente afirmação de Barbosa


Moreira de que preferira "não se aventurar" na "problemática atinente ao tipo de relações
jurídicas materiais suscetíveis de constituir objeto das chamadas sentenças executivas"?
Como poderíamos fazê-lo sem aventurar-nos na problemática do direito material, se essa
classificação é feita segundo o direito material?

Barbosa Moreira, primeiro, elimina as pretensões e ações do direito material. Fica


apenas com o direito subjetivo (que, para nós, é irrelevante para o processo, porquanto o
direito antes de ser violado ou estar sobre ameaça de violação, é uma categoria de que o
processo não cuida); depois, despreza o fato de haver pretensões reais e pretensões
obrigacionais, como categorias próprias do direito material, a gerarem ações obrigacionais e
ações reais; finalmente, pede-nos que indiquemos a "diferença específica" do "conteúdo" que
distinguiria, entre si, essas categorias que ele, no entanto, estabeleceu, como premissa,
serem criações do direito processual, diferenciando-se, portanto, apenas pela forma, não
pelo conteúdo.

A conclusão que ele pretende demonstrar, qual seja, a de que as ações se


distinguem entre si somente pela forma, pelas mil maneiras como a lei do processo as
"arruma" − esta simples distinção formal entre as ações − é, ao mesmo tempo, a premissa
de que o jurista se vale para chegar a duvidar da existência das sentenças executivas.
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É possível que tenhamos entendido equivocadamente suas afirmações, supondo que
Barbosa Moreira, mesmo "com os olhos postos na realidade objetiva" (p. 153), haja concebido
"um arremedo torto" da verdadeira classificação das sentenças, mas a sensação que nos deixa
seu ensaio é de que o ilustre jurista incide em argumentação circular.

Por outro lado − devemos insistir −, sem "aventurar-nos" no direito material, será
impossível descobrir as diferenças entre uma sentença condenatória e outra executiva.
Supondo que as eficácias das sentenças sejam dadas pelo processo, através de "formas de
tutela", "arrumadas" sob mil maneiras diferentes; partindo da premissa de que a jurisdição
"contenha" apenas declaração − que "nenhuma sentença produza efeitos fora do mundo jurídico"
−, a descoberta dessa diferença torna-se impossível.

Daí nossa apreensão com a tendência, cada vez mais visível, de desligamento
do processo relativamente ao direito material. Os processualistas não se "aventuram" a
buscar no direito material os "conteúdos" do ato jurisdicional, embora saibam que a "ação"
processual é abstrata, portanto, "sem conteúdo". Partindo desta premissa, como
arranjarmos "conteúdos" para as sentenças − para cada uma delas −, prescindindo do direito
material?

Podemos então resumir o argumento central deste estudo: o abandono do direito


material é uma das condições para a consumação de uma jurisdição irresponsável; jurisdição,
como disse Carlos Alberto A. de Oliveira, feita "no interesse do Estado", constituída pelos
organismos do Poder que aparecem, mas submetida à inapelável influência das formas
dissimuladas do "poder invisível", cujo centro de propagação situa-se na poderosa mídia
eletrônica. A jurisdição, metodicamente irresponsável, será uma arma cujo potencial
destruidor, contra a Democracia, será cada vez mais mortífero.

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