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Stylus
revista de psicanálise
Stylus
Revista de Psicanálise
É uma publicação semestral da Associação Fóruns do Campo Lacaniano/Escola de Psicanálise dos
Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil. Rua Goethe, 66 – 2o andar. Botafogo. Rio de Janeiro, RJ Brasil.
CEP 22281-020 - revistastylus@yahoo.com.br
FICHA CATALOGRÁFICA
STYLUS: revista de psicanálise, n. 18, abril 2009
Rio de Janeiro: Associação Fóruns do Campo Lacaniano
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil - 17x24 cm
Resumos em português e em inglês em todos os artigos.
Periodicidade semestral. ISSN 1676-157X
1. Psicanálise. 2. Psicanalistas – Formação. 3. Psiquiatria social. 4. Psicanálise lacaniana.
Psicanálise e arte. Psicanálise e literatura. Psicanálise e política.
CDD: 50.195
2
sumário
ensaios
13 Gabriel Lombardi: O compromisso e o encontro
25 Antonio Quinet: Tempo de laiusar
33 Dominique Fingermann: O “tempo” de uma análise.
41 Maria Vitoria Bittencourt: O inconsciente: trabalhador ideal
direção do tratamento
135 Susy Roizin: O tempo do sujeito-criança do inconsciente
147 Pablo Peusner: Sobre a antecipação na clínica psicanalítica lacaniana
com crianças (Voltar ao futuro)
entrevista
155 Dominique Fingermann: V Encontro Internacional: um movimento
de “Fórum” (por Silvana Pessoa e Ana Laura Prates Pacheco)
resenhas
165 Sandra Leticia Berta: Por causa da questão
Resenha do livro O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan: da questão
do sujeito ao sujeito em questão, Antonio Godino Cabas. Rio de Janei-
ro: Jorge Zahar ed., 2009.
173 Lou de Resende: (Maria Lúcia de Resende Chaves): Costura de um
retrato para o álbum do futuro.
Resenha do livro Escrita de uma memória que não se apaga – Envelhe-
cimento e velhice, Ângela Mucida. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
177 Érico Nogueira: Eles só pensam “naquilo”.
Resenha do livro Falo no jardim: Priapeia grega, Priapeia latina, João
Angelo Oliva Neto. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006.
essays
13 Gabriel Lombardi: The meeting (appointment) and the encounter
25 Antonio Quinet: Time to dare-laios
33 Dominique Fingermann: Psychonalysis “tempo”
41 Maria Vitoria Bittencourt: The unconscious: ideal worker
interview
155 Dominique Fingermann: V International Meeting: a “Forum”
movement (by Silvana Pessoa e Ana Laura Prates Pacheco)
reviews
165 Sandra Leticia Berta: Because of the question
Review of the book O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan: da questão
do sujeito ao sujeito em questão, Antonio Godino Cabas.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2009.
173 Lou de Resende: (Maria Lúcia de Resende Chaves): Sewing a picture
for a future photo álbum
Review of the book Escrita de uma memória que não se apaga – Envelhecimento
e velhice, Ângela Mucida. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
177 Érico Nogueira: Eles só pensam “naquilo”.
Review of the book Falo no jardim: Priapeia grega, Priapeia latina,
João Angelo Oliva Neto. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006.
8 o tempo na psicanálise II
Dominique Fingermann relaciona o movimento da análise com
o tempo na música e Maria Vitoria Bittencourt recupera o sonho
como a via régia do inconsciente.
Na seção “Trabalho crítico com os conceitos”, contamos com
a excelência do trabalho de Bernard Nominé que trata o tempo
como um objeto lógico. Sonia Alberti produz um minucioso estudo
sobre a aproximação entre o conceito de entropia na física e na psi-
canálise. Angela Mucida avança em sua pesquisa sobre a memória
e o tempo, Maurício Hermann trabalha a relação entre a banda de
Moebius e a fantasia inconsciente e Ronaldo Torres propõe uma
rigorosa articulação entra o ‘grupo de Klein’ revisitado por Lacan e
os tempos do sujeito na experiência psicanalítica.
Na seção “Direção do tratamento”, Susy Roizin apresenta um
caso clínico para tratar do tempo do sujeito do inconsciente. E Pa-
blo Peusner propõe um instigante debate a respeito da ‘antecipação’
na clínica psicanalítica lacaniana com crianças.
Na seção “Resenhas”, Sandra Berta nos apresenta o importan-
tíssimo livro de Antonio Godino Cabas – O sujeito na psicanálise
de Freud a Lacan: da questão do sujeito ao sujeito em questão – que
recupera com um incrível senso de oportunidade, o conceito de
sujeito para a psicanálise. Lou de Resende resenha o livro de nossa
colega Angela Mucida – Escrita de uma memória que não se apaga
– Envelhecimento e velhice – que prossegue trabalhando com esse
tema fundamental, a partir da psicanálise. E Érico Nogueira escre-
ve sobre o livro Falo no Jardim: Priapeia Grega, Priapeia Latina, do
latinista João Angelo Oliva Neto que nos ajuda a compreender as
inspirações freudianas para o conceito de falo.
Em nome da Equipe Editorial de Stylus, desejo a todos uma
ótima leitura, com o tempo necessário para fazer traço e laço.
Existe, para nós, aquilo que não se escolhe: muitas vezes senti-
mos, e com razão, que é muito pouco o que depende de nós mes-
mos, de nossa vontade consciente ou inconsciente; Colette Soler
falou disso há alguns anos no Rio de Janeiro. Pois bem, sem dúvida
é nessa estreita margem de liberdade que nos resta o local onde re-
side o que para cada um de nós é decisivo, o núcleo ético de nosso
ser, ali onde o pulsional pode conjugar-se, ou não, com o desejo que
vem do Outro.
Por isso em nossa vocação, no amor, em nossa condição de seres
livres, um pouco livres, não escolhemos o que ocorre na modalida-
de do necessário. Enquanto psicanalistas, tampouco buscamos aí a
etiologia dos sintomas. A história e a clínica da psicanálise sugerem
fortemente que o que chamamos de causa, causa do sintoma, causa
subjetiva, não responde ao regime do necessário, senão a outras co-
ordenadas lógico-temporais.
A causalidade que nos interessa, e que nos interessa no gozo
como ponto de enlace do desejo do Outro, é a que ocorre “por aci-
dente”, como dizemos em termos aproximados, e talvez seja melhor
dizer “por trauma”, por descontinuidade, por ruptura temporal que
marca um antes e um depois. Ocorre como por acaso, de um modo
não programado.
Para considerar as causas acidentais, Lacan1 se inspirou no se- 1 Lacan, O Seminário, livro
11: os quatro conceitos
gundo livro da Física no qual Aristóteles explica que a causalidade fundamentais da psicanálise
por acidente se ordena em dois registros diferentes do ser: o evento (1964/1990).
que ocorre em um ser incapaz de escolha é denominado autómaton,
o evento que ocorre em um ser que seja capaz de escolher é deno-
minado túkhe; termo que usualmente se traduz para o espanhol
como “fortuna”, mas que Lacan, sob a influência de Freud, prefere
traduzir como rencontre, encontro ou reencontro.
O exemplo de túkhe que propõe Aristóteles é o seguinte: um
homem teria podido, se o soubesse, dirigir-se a determinado lugar
para recuperar uma soma em dinheiro, justo quando seu devedor
recebe uma soma considerável. Chega ao local exatamente no mo-
mento oportuno, mas não com essa finalidade, senão por acaso. Por
acidente lhe ocorre que tendo chegado aí, chega também para reu-
nir-se com o devedor e encontrar o dinheiro que lhe era devido. E
não porque venha a esse lugar frequentemente ou necessariamente,
O compromisso e o encontro
O exemplo de Aristóteles tem a virtude de descrever um encon-
tro sem compromisso prévio, sem rendez-vous agendado.
A clínica da neurose nos acostumou, por outro lado, aos exem-
plos de compromissos sem encontro: o compromisso foi marcado,
mas o encontro não se produz, falha, é postergado, deixa-se passar
a ocasião. A tensão essencial que faz da neurose uma patologia do
tempo, uma defasagem entre o desejo e o ato, se expressa cotidia-
namente na brecha lógico-temporal entre compromisso e encontro.
Um esclarecimento para este Rendez-vous multilíngue: os ter-
mos “compromisso” e “encontro” se recobrem parcialmente, mas
podem ser diferenciados em algumas línguas: espanhol, francês,
inglês e também se pode contrapor o termo latino cito ao grego
tukhêin.
Compromisso Encontro
Cita Encuentro
Rendez-vous Rencontre
2 Um exemplo de Tucídides
em suas Crônicas da Guerra
Appointement Meeting/ Encounter
do Peloponeso: Tés hekástou
bouléseos te kaì dóxen
Citote (imperativo: rendez-vous!) Tunkhano (encontrar por acaso)
tukhêin (responder ao desejo
e à expectativa de cada um).
Cito: chamar, fazer vir Tukhêin: responder ao desejo e à expectativa .2
14 o tempo na psicanálise II
ce: “cinco vasos na janela com a cortina puxada para a esquerda”,
cujo significado, segundo o linguista, seria: estarei sozinha às cinco.
Lacan observa, no entanto, que não se trata de um signo que cons-
titua uma mensagem unívoca. O que quer dizer “sozinha às cinco”?
Remetamo-nos à aula de 5 de maio de 1965 para a preciosa análise
que ali se realiza: sozinha, seule, significa também única, somente
para ele, o único que recebe a mensagem diante dos olhares cegos
da vizinhança. Retenhamos somente este comentário nosográfico
de Lacan: quem receber este signo responderá de um modo diferen-
te de acordo com seu tipo clínico; no caso do psicótico a atenção
recai sobre a mensagem e seu lekton, o perverso se interessa pelo
desejo em jogo e o segredo possuído, o neurótico põe a ênfase no
encontrar, ou melhor dizendo, reencontrar o objeto.
O neurótico enfatiza o que os estoicos chamavam tunkhánon,
mas com a seguinte particularidade no que se refere ao encontro:
para frustrá-lo. De fato, as diferentes neuroses podem ser entendi-
das como formas diversas de evitar o encontro, de faltar ao com-
promisso com o desejo. O hiato acentuado por elas entre compro-
misso e encontro as distingue de outros tipos clínicos, destacando a
defasagem temporal que separa o sujeito de seu ato, revelando essa
ordem causal descrita por Freud e antes vislumbrada por Aristóte-
les, na qual o perdido e o desejado foram esquecidos e só se reen-
contram acidentalmente.
Quando, ainda assim, alguma vez o encontro ocorre é, de ma-
neira geral, completamente ignorado pelo sujeito, ou então é con-
siderado como um mau encontro, um acontecimento a destempo;
muito cedo para o histérico, muito tarde para o melancólico, o ob-
sessivo, por sua vez, emprega uma estratégia temporal mista para
faltar ao encontro: antecipa tarde. Em qualquer caso trata-se de
um acontecimento a destempo que de todo modo leva a marca do
desconhecimento.
Os sonhos de desencontro são típicos da neurose, e é fácil en-
contrar neles exemplos que ilustram bastante bem essa evitação que
é essencial nesse tipo clínico. Uma paciente solteira, atraente ainda
que não tão jovem, procura a análise justamente por não conseguir
encontrar um homem que ao mesmo tempo seja interessante e que
ainda não esteja casado. Relata dois sonhos frequentes em sua vida
O ato do analista
Esta tensão essencial que faz da neurose uma patologia do tem-
po, esta brecha temporal entre compromisso e encontro, se apresen-
ta também na cura psicanalítica, pondo à prova a eficácia do trata-
mento. Por causa dela a psicanálise não se reduz à aplicação de um
método que se atenha a encontros rotineiros. A psicanálise tem um
método, aquele que prescreve a regra fundamental freudiana, mas o
cumprimento desse método depende da autorização que confere ao
analisante, a cada vez, o ato do psicanalista, ato que há de responder
à lógica do encontro, com o que ela implica de oxímoro. Lacan o
disse magistralmente em seu seminário O desejo e sua interpretação:
16 o tempo na psicanálise II
Evocarei aqui o exemplo de outra paciente que relata sua inter-
pretação de um sintoma duradouro, mas já desaparecido, a bulimia,
como um sintoma da falta de intervenção de seu pai, 60 anos mais
velho do que ela, em algumas situações precisas de sua infância e
adolescência, situações dominadas pelos caprichos da mãe. Curio-
samente, o diz em tom de censura, como se essa censura se dirigisse
atualmente ao analista, pelo que eu me autorizo a dizer-lhe, sem
ocultar certo incômodo:
- “Você esperaria que eu interviesse no passado antes que esta
análise comece?”
- “Não, não! Eu não diria ‘esperaria’, eu esperava uma inter-
venção, mas ela não chegou, e por certo, agora é tarde, tive que
cortar eu mesma essas situações com meu sintoma, e depois tive
que terminar eu sozinha com meu sintoma quando me encontrei
diante do limite do sangue no vômito. Bem, sua intervenção chega
tarde!” Acrescenta com raiva. “Que quer que eu faça?” Mais adiante
consegue matizar: “Está tudo mal, mas de todas as formas creio que
aqui poderei elaborar e talvez já esteja elaborando de outra maneira
isso que me ocorreu, essa falta de intervenção que me forçou a ter
que ajeitar eu mesma as coisas.”
Esta vinheta ilustra para mim um encontro analítico, neste caso
pela reedição que o analisante teve que realizar diante da falta de in-
tervenção do Outro, com a diferença, nesta reedição, que o analista
encarna agora uma causa mais desejável do que aquela que animou
a instalação ou o desaparecimento do sintoma-acting bulímico. As
tesouras da interpretação analítica melhoram, sem dúvida, o ins-
trumental precário que o sujeito encontrou anos antes para cortar:
os limites impostos ao sujeito pelo corpo, a angústia diante do san-
gue. Agora o analista chega demasiado tarde à sua vida, é verdade,
mas ao acolher seu pedido anacrônico traz alívio ao sofrimento e
dialetiza as posições libidinais da analisante. Os pedidos do neuró-
tico são sempre anacrônicos, o que há de particular neste caso é que
esse traço temporal nesta oportunidade não foi camuflado. 5 Winnicott, D. On
Transference. Este precioso
Para sua concepção do ato psicanalítico, Lacan se inspirou em texto é citado por Lacan
On Transference5, um texto em que Winnicott sustenta que em de- no Discurso na Escola
Freudiana de Paris (1967),
terminados momentos do tratamento analítico o analista deve: “... in: Outros Escritos (2003,
permitir que o passado do paciente seja presente”, para reviver esse p. 280).
18 o tempo na psicanálise II
aptidões; se vocês não puderam usar meus serviços enquanto eu era
docente, também podem prescindir como professor.” — Nesse pon-
to, minha fantasia foi interrompida por um sonoro “Bom dia, senhor
professor!” e quando ergui os olhos, vi que passava por mim exata-
mente o mesmo casal de quem eu acabara de me vingar mediante a
recusa de sua proposta. Uma reflexão imediata destruiu a impressão
de algo milagroso. Eu estivera andando em direção ao casal por uma
rua larga, reta e quase deserta; a cerca de vinte passos deles, erguera
o olhar por um momento, vislumbrara de relance suas figuras impo-
nentes e os reconhecera, mas afastara essa percepção — seguindo o
modelo de uma alucinação negativa — pelas razões emocionais que
então se efetivaram na fantasia surgida de modo aparentemente es- 6 Freud, Sobre a
pontâneo6. psicopatologia da vida
cotidiana (1901/1996, pp.
258-9).
Não se trata, neste exemplo, de um encontro com alguém em
quem Freud estava pensando conscientemente; os pensamentos aí
se produzem mais como consequência de uma percepção prévia.
Este exemplo nos mostra outro traço que caracteriza os fatos funda-
mentais da psicanálise: as coordenadas do encontro e do desencon-
tro não necessariamente são percebidas pela consciência, e como
em outras manifestações do inconsciente, frequentemente podem
ser situadas entre a percepção e a consciência, depois da percepção,
mas precedendo a consciência.
A alteração anti-intuitiva da ordem causal é típica destes “fatos”
que na verdade são atos, como também ocorre nas premonições oní-
ricas que “se cumprem”; se cumprem, explica Freud, apenas pela in-
versão da sequência temporal dos fatos. Um encontro sem compro-
misso prévio responde às coordenadas de uma escolha inconsciente,
na qual o ser falante se expressa fora do domínio egoico.
O voluntário no ser falante não se reduz à vontade consciente.
20 o tempo na psicanálise II
funcionamento dos dispositivos específicos da Escola que dão lugar
a opções reais desde a perspectiva da psicanálise; em extensão, faci-
litando o acesso do psicanalista a outros contextos nos quais ele te-
nha a chance de fazer de seus compromissos profissionais, ocasiões
de encontro psicanalítico.
Referências bibliográficas
FREUD, S. (1901). Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. Trad.
sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
(Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas
de Sigmund Freud, vol. VI).
LACAN, J. O Seminário, livro 3: as psicoses (1955-56). Rio de Janei-
ro: Jorge Zahar Editor, 1985.
LACAN, J. O Seminário: O desejo e sua interpretação (1958-59).
Inédito.
LACAN, J. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
LACAN, J. O Seminário: Problemas cruciais da psicanálise (1964-
65). Inédito.
LACAN, J. (1967). Discurso na Escola Freudiana de Paris. In: Ou-
tros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
Palavras-Chave
Compromisso, encontro, túkhe, desejo, ato, tempo.
22 o tempo na psicanálise II
Abstract
The essential tension which makes neurosis a time
pathology, a mismatch between the desire and the act is
expressed in everyday life in the logical time gap between
appointment and encounter. The meeting, the appoint-
ment has been agreed by the neurotic, but the encounter
does not occur, fails, is postponed or the opportunity is
missed. This logical time gap between appointment and
encounter is also present in the psychoanalytical cure,
putting the effectiveness of the treatment to the test. For
this reason psychoanalysis is not simply the application
of a method which sticks to a routine appointment, nor
to a programmed conclusion. To be receptive to desire in
a being capable of choice, psychoanalysis must take place
in the encounter mode and not in that of the appoint-
ment, or in other words, the act not the planned task.
The distinction between appointment and encounter
may be relevant not only in clinical psychoanalysis but
also in the politics of psychoanalysis. It is wiser to call
an international conference a “meeting”, “rendezvous”,
rather than an “encounter” or “rencontre”, as there is no
guarantee that in a meeting there is an encounter and
much less that one encounters there what one expects.
Keywords
Appointment, encounter, túkhe, desire, act, time.
Recebido
23/04/2009
Aprovado
30/06/2009
26 o tempo na psicanálise II
de tanto se usar vai gastando e acaba. Na análise é preciso tempo
para usar e gastar o pai real. Tempo para se ir para além do desejo
de salvar o pai, defrontar-se com seu crime e vencer a ordem de
ignorância feroz.
Passando do mito à estrutura: é preciso tempo para se haver com
o impossível do furo do simbólico lá onde jaz o gozo do pai real
imaginarizado, uma vez que pai real e pai imaginário tendem a se
imiscuir um no outro. É o pai que aparece como abusador e crimi-
noso na histeria e na neurose obsessiva cujo gozo se sintomatiza no
filho. É o pai de tal paciente do hospital que a espancava quando
ainda bebê ela chorava e que hoje seu sintoma é um choro sem fim e
sem razão; ou o pai militar que colaborou com a ditadura militar de
tal outra analisante que faz de seu corpo um palco de torturas, ou
o pai fiscal do imposto de renda de um obsessivo que se enriqueceu
ilicitamente deixando para o filho a dívida do eterno desemprego.
O neurótico prefere salvar o pai a se deparar com sua canalhice;
ele prefere sofrer com seu sintoma a saber do crime do pai e suas
consequências. Prefere, como Édipo, se sentir culpado de seus atos
a desvelar a desmedida do gozo paterno. Deparar-se com o real do
pai é confrontar-se com a consequência da falta radical do Outro,
ou seja, o gozo mortífero para além do desamparo. E para isso é
preciso Laio-usar – gastar o Laio de cada um.
A posição do pai real, segundo Lacan4, está articulada em Freud 4 Lacan. O Seminário, livro
17: O avesso da psicanálise
como um impossível e não é surpreendente, diz ele, que encontre- (1969-70/1992).
mos sem cessar o pai imaginário. É uma dependência necessária, es-
trutural. É o que vemos na figura do fantasma do pai: o espectro do
cadáver vivo, como o pai do Homem dos ratos que apesar de morto
lhe aparece vivo no meio da noite, e o pai de Hamlet, que além de
aparecer, tem fala. O espectro é o habitante dessa zona entre-duas-
mortes, campo de gozo, do Hades ao inferno, onde penam as almas
pecadoras e criminosas à espera da segunda morte. “Sou o espírito
de teu pai e vivo errante noite e dia até que a podridão de meus cri-
mes seja queimada e purificada” – diz o pai de Hamlet no início da
peça. As mitologias criaram esse habitat para o pai real. Mas quem
queima é o filho. Ele arde por causa dos pecados do pai, como diz 5 Lacan. O Seminário,
livro 11: Os quatro conceitos
Lacan.5 Pai, não vês que estou queimando por causa de teus pecados? fundamentais da psicanálise
E o espectro do pai de Hamlet lhe diz que “a menor de minhas (1964/1990).
28 o tempo na psicanálise II
tiva de filicídio. Abraão agarrou Isaac pelo peito, jogou-o no chão
e gritou: “Estúpido! Crês tu que sou um pai? Não, não sou teu pai.
Sou um idólatra! Crês que estou obedecendo a um mandato divino?
Não. Faço isso somente porque me dá vontade e porque me inun-
da de prazer!”. Abraão aparece como o pai real que diria: “Vou te
matar por puro gozo!”. “Então Isaac exclamou, angustiado: ‘Deus
de Abraão, tende piedade de mim! Sê meu pai, já não tenho outro
neste mundo!’. Abraão se dirigiu a Ele, dizendo: Senhor onipoten-
te, receba minha humilde ação de agradecimento, pois é mil vezes
melhor que meu filho acredite que sou um monstro do que perca a
fé em ti”9. O pai monstro, capaz de matar o filho nem que seja por 9 Kierkegaard. Temor e
amor a Deus, é o que é transmitido ao filho como seu pecado. tremor (2004, p. 22).
30 o tempo na psicanálise II
Referências bibliográficas
KIERKEGAARD, S. Temor e tremor. São Paulo: Abril Cultural,
2004.
LACAN, J. O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1959-60).
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
LACAN, J. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969-
1970). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.
LACAN, J. Télévision. Paris: Seuil, 1974.
LACAN, J. O Seminário: RSI (1974-1975): lição de 17 de dezembro
de 1974. Inédito.
STRAUSS, M. Les issues du transfert. In Trèfle: Bulletin de
L'association Freud Avec Lacan. França, vol.1, n.2 1999.
Resumo
O artigo inicia com a discussão da emergência, na con-
temporaneidade, da figura do pai real, articulada ao des-
moronamento da Lei simbólica. Em seguida, analisa o
mito de Édipo à luz do pai real, para destacar, na pas-
sagem do mito à estrutura, a função do gozo do pai na
produção de sintomas do neurótico. O neurótico, assim,
é aquele que prefere salvar o pai e nada saber dos crimes
deste. O artigo conclui afirmando que o tempo da análi-
se é o tempo de laiousar, tempo que Édipo não se deu por
não levar a investigação de sua origem até os crimes de
Laio, seu pai. É preciso tempo para se confrontar com o
gozo desmedido do sujeito, para gastá-lo o suficiente até
que se revele o que é: um nada esvaziado de gozo.
Abstract
The article begins with a discussion about the appea-
rance, nowadays, of the real father-figure, bound to the
downfall of the symbolic Law. Next, it analyzes the Oe-
dipus myth seen through the prism of the real father, in
order to point out, at the passage from myth to structure,
the function of the father’s jouissance in producing the
neurotic’s symptoms. Thus the neurotic is the one who
prefers to save the father and know nothing of his crimes.
The article ends with the affirmation that the duration
of the analysis corresponds to the time to dare-laios, the
time Oedipus did not give himself, the time to trace the
investigation of his background to his origins in Laio,
his father’s, crimes. It takes time to behold the subject’s
boundless jouissance, to let it waste enough to show itself
for what it is: nothing, emptied of jouissance.
Key words
Real father, Oedipus myth, duration of the analysis.
Recebido
28/04/2009
Aprovado
01/07/2009
32 o tempo na psicanálise II
O “tempo” de uma análise
Dominique Fingermann
34 o tempo na psicanálise II
é o passado que estorva e atravanca o presente, é o Real, uma falha
na origem que constrange o sujeito à repetição e às declinações infi-
nitas de sua falta-a-ser. A estrutura do significante precipita o sujeito
no tempo lógico de antecipação/retroação que o faz se produzir/ se
parir/ se causar, a partir da função negativa que sua afirmação pelo
significante do Outro inscreve. A estrutura do significante inaugura
um tempo perdido, nunca acontecido e que não acontecerá nunca
– “terei sido” –, tempo real que a repetição não cessa de inscrever.
Onde isso era – repetição – Lacan faz advir o ato como descon-
tinuidade no sentido da neurose. É no ponto mesmo da “inaltera-
bilidade do reprimido” que ele insere o tempo lógico, produtor do
momento de concluir, intrusão do analista e de seu naipe (silêncio,
voz, presença, corte) que orienta e conduz a análise até sua con-
clusão. É assim que podemos apreender como o ato do analista
produz no final das contas o momento de concluir da análise: o ato
do analisante.
Como? Como o manejo pelo desejo do analista do instante do
corte na sessão, como a produção do instante do corte causa a dura-
ção da análise como finita e não infinita? A medida de uma análise,
o seu tempo, a sua finitude depende da marcação do “tempo” pelos
cortes das sessões. Uma análise não se mede em anos, nem horas
nem minutos: a sua medida é o corte. Quantos cortes sua análise
durou? (donde a importância da frequência das sessões que acolhe a
alternância sessão – corte – intervalo). O ato “fait d’une pierre deux
coups”7 causa efeitos de sujeito: surpreende, evidencia e esvazia a 7 Em português, faire d’une
pierre deux coups equivale à
suposição do sujeito no Outro e, ao mesmo tempo, surpreende e expressão “matar dois coe-
evidencia o sujeito como resposta do real. lhos numa cajadada só”.
36 o tempo na psicanálise II
um sentido, cujo segredo está alojado no Outro e suas leis: 8, 13,
21.... 34! Vamos suspender!
Quantas vezes se interrompe a suposição de saber no Outro para
que caia a ficha da sua inconsistência?
15 Lacan. L’angoisse –
O desejo do analista que suporta o corte da sessão valida o in- Séminaire X (1962-63/s.d.,
tervalo, como instância do dizer. “Cette dimension temporelle est p.180). “Esta dimensão
temporal é a angústia, esta
l’angoisse, cette dimension temporelle est celle de l’analyse. C’est parce dimensão temporal é a da
que le désir de l’analyste suscite en moi la dimension de l’attente que je análise. É porque o desejo do
analista suscita em mim esta
suis pris dans l’efficace de l’analyse”15. dimensão da espera que estou
O analista em ato – actually – suscitando a dimensão da espera preso na eficácia da análise.”
faz valer as intermitências – os interditos como causadores, como
causação do sujeito. A atualidade do analista, o seu a-tempo tem
uma incidência clínica na intemporalidade do sujeito do incons-
ciente16. O ato analítico produz, extrai, da repetição, essa outra 16 Se o inconsciente é
intemporal, o analista é
dimensão do tempo, conhecida pela filosofia da Grécia e até na atual.
China: o Kairos, “o momento oportuno”.
No fim, o momento de concluir é ato do analisante. O momen-
to de concluir interrompe a diacronia da associação livre, interrom-
pe, insuccès de l’une-bévue17. A interrupção da sua sucessão é da 17 Lacan. Séminaire
ordem do ato que se faz sem o saber suposto ao Outro e produz a XXIV: L’insu que sait de
sua suspensão. “Vamos suspender!” l’une-bévue s’aile à mourre
(1976-1977/1998).
No fim é momento de concluir que a indecidibilidade da par-
tida se transforma numa carta na mão do analisante – não o
“mico-preto”, carta da impotência que estorva o jogo e impede a
partida (separação), mas a carta que chega a seu destino na forma
de uma letra.
Quanto tempo necessário para chegar ao fim! “É, portanto, so-
mente depois de um longo desvio que pode advir para o sujeito, esse sa-
ber de sua rejeição original”18. Quanto tempo necessário para chegar 18 Lacan. O Seminário: a
identificação (1961-62/2003,
ao fim? O tempo é preciso, até que o “tempo” do analista produza, p. 194).
à medida de seus golpes, o suspense da espera, e a suspensão do
sentido: falha no tempo do Outro onde o sujeito é flagrado como
resposta do real. Um longo tempo é necessário para sacar a falha
inaugural do tempo do sujeito. É isso: “... ce qu’ il faut de temps pour 19 Lacan.
faire trace de ce qui a défailli à s’avérer d’abord ”. “...é preciso o tempo Radiophonie (1970/2001,
p. 428); Radiofonia, op. cit.,
para fazer traço daquilo que falhou em se revelar de saída”19. p. 427.
38 o tempo na psicanálise II
Resumo
O andamento de uma análise do começo até o fim re-
sulta do seu “tempo”, recortando instantes que isolam
sequências, que produzem consequências. O “Tempo”,
conduzido pela batuta do desejo do analista, produz o
tempo de uma análise, a medida de sua duração. A ca-
dência da entrada do analista – nos ditos do sujeito –
condiciona uma descontinuidade que produz, em ato, no
final das contas, o limite, a conclusão, fazendo da “série
sem fim dos ditos uma sequência finita”. Por isso “Il faut
le temps” um tempo é necessário, para extrair do tempo
que passa o tempo que falta e o transformar no tempo
que resta.
Palavras-chave
Tempo, desejo de analista, duração, final de análise.
Abstract
The Psychoanalytical process, from the begining till it
ends, is a result of its “tempo”, cutting instants which
separate sequences and producing consequences trough
this cuts. The “tempo” conducted by the psychoanalyst
desire baton, produces the time of a psychoanalysis
and gives the measure of its length. The cadence of the
psychoanalyst entrance in the subject’s tellings establi-
shes discontinuity. Discontinuity produces, in act, at
the endgame, a limit point, the conclusion. The psycho-
analyst act turns “the endless recurrence of the tellings
into a finit sequence”. Therefore “il faut le temps”, time is
necessary, to extract from the passing time, the faulting
moment, turning this moment into a instant witch last.
Recebido
03/05/2009
Aprovado
26/07/2009
40 o tempo na psicanálise II
O inconsciente: trabalhador ideal
Maria Vitoria Bittencourt
42 o tempo na psicanálise II
tranquilamente, sem tocar no real, em outros termos, para gozar da
transferência. Como diz Lacan, “passamos o tempo a sonhar, não
se sonha somente quando se dorme”5.
Assim, para Freud, o trabalho do sonho testemunha uma ati-
5 Lacan, Une pratique du
vidade de ciframento e de elaboração que é destinada a evitar um bavardage (1979, p. 5).
encontro entre o pensamento do sonho e a pulsão. O sujeito sonha
para não despertar o desejo inconsciente. Nos anos 20, Freud indi-
cou uma ligação entre o sonho e a pulsão:
44 o tempo na psicanálise II
significante, que constitui o relato do sonho na sua finalidade de
fazer sentido – sentido sexual – vem recobrir o “isso mostra” do
objeto, o não sentido da relação sexual. Mostrar se distingue de
fazer sentido, pois equivale a colocar em cena um gozo articulado
às cenas infantis traumáticas, criadoras e fundamentos de todos os
sonhos segundo Freud. Fundamento fantasmático. Assim, o sonho
converte o sentido sexual numa fórmula, em letras, uma cifra que
contém nela mesma um gozo: um “isso se escreve” vem concluir o
“isso fala” e o “isso mostra” do sonho.
Nesse sentido, a interpretação vem desvelar que o modo de falar
– o relato do sonho – vem recobrir o modo de gozar – o trabalho de
ciframento do sonho. Para isso, Lacan nos dá uma indicação quan-
to à interpretação: “ler os sonhos... como se decifra uma mensagem
cifrada”. Ler supõe uma escritura, colocando em jogo a atividade
da letra, permitindo o que Lacan designou como a lisibilidade do
sentido sexual que se encontra a partir do não sentido da relação
sexual que o sonho tenta imaginarizar. A dimensão da escritura
sendo mais propícia a tocar no real da experiência, o “motérialisme”
– equívoco que Lacan criou para indicar o materialismo da alíngua.
Assim, interpretar o sonho, no sentido freudiano de via régia,
de mensagem, seria alimentar o inconsciente e tornar a análise um
processo de tempo interminável. Sendo um exercício de letras e não
de sentido, o sonho não tem vocação de comunicar, mas de promo-
ver um trabalho do inconsciente que não visa à significação, mas
produzir o efeito de real. Assim, o tempo de dormir, de sonhar,
requer uma interpretação justa para esgotar o apelo ao sentido, ao
gozo do sentido. O sonho não basta ao despertar, ele não está desli-
gado do sentido que o sustenta. Ele necessita a presença do analista,
presença em ato, reveladora da estrutura do desejo. Que o despertar
ao real seja impossível, não impede de tomá-lo como finalidade.
Será o despertar a via régia para o final de uma análise?
A partir da experiência no cartel do passe, pude observar que
um sonho, considerado muitas vezes como fundamental, ocupa um
lugar privilegiado no testemunho dos passantes. Sonhos ligados às
experiências infantis, cujo surgimento no início da análise toma
uma outra dimensão no testemunho do passe. Proponho, como
hipótese, que esses sonhos são evocações de cenas infantis, uma
Referências bibliográficas
FREUD, S. (1912). O manejo da interpretação de sonhos na psica-
nálise. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro:
Imago, 1969. (Edição Standard Brasileira das Obras Completas
de Sigmund Freud, Volume XII).
FREUD, S. (1925). Algumas notas adicionais sobre a interpretação de
sonhos como um todo. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio
de Janeiro: Imago, 1969. (Edição Standard Brasileira das Obras
Completas de Sigmund Freud, Volume XIX).
FREUD, S. (1938). Esboço de psicanálise. Trad. sob a direção de
Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1969 (Edição Standard
Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Volume
XXIII).
LACAN, J. O Seminário, livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica
da psicanálise (1954-55). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1975.
LACAN, J. Séminaire Les non dupes errent, leçon du 20 novembre
46 o tempo na psicanálise II
1973, Inédit.
LACAN, J. (1974). Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1990, p. 31.
LACAN, J. Une pratique du bavardage (Leçon du 15 novembre
1977 – Séminaire Le moment de conclure). In: Ornicar, 19, Pa-
ris: Navarin Editeur, 1979.
LACAN, J. Compte rendu du Séminaire L’éthique de la psycha-
nalyse. In: Ornicar, 28, Paris: Navarin Editeur, 1984.
LACAN, J. Conférence à Génève sur le symptôme. In: Le Bloc No-
tes de la psychanalyse n. 5, Genève, 1985.
LACAN, J. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
LACAN, J. …Ou pire. In: Scilicet, 4, Paris: Seuil, s.d.
Resumo
Trata-se de um texto sobre o que Freud considerou como
a via régia do inconsciente – o sonho – com a finalida-
de de questionar a prática da interpretação. Retomando
uma afirmação de Jacques Lacan sobre o sonho como
trabalhador ideal em Televisão (1974), levantamos a hi-
pótese de que existem limites da interpretação do senti-
do do sonho. Para isso, retornamos aos textos de Freud
sobre o trabalho do sonho, que introduz a dimensão do
gozo, que se revela no desejo de dormir. Um sonho de
Freud – sonho de injeção de Irma – vem ilustrar essa
vertente de gozo do sonho em que a interpretação se re-
duz a uma fórmula escrita. Assim, o sonho deixa de ser
considerado como mensagem do inconsciente, passando
a traduzir um modo de gozo. Isso promove a dimensão
da letra para que a interpretação possa tocar no real da
experiência do inconsciente.
Abstract
In this paper about what Freud considered as the royal
way to the unconscious, – the dream – we want to ques-
tion the practice of interpretation. Retaking Lacan’s
affirmation about the dream as an ideal worker in Te-
levision (1974), we make an hypothesis of the limits of
the interpretation of the sense of the dream. We return
to Freud’s papers about the work of the dream where he
introduces the dimension of jouissance which is present
in the desire of sleep. One dream of Freud can illustrates
this dimension of dream’s jouissance where the interpre-
tation is reduced to a written formula. The dream is no
more considered as a message of the unconscious, but a
translation of a way of jouissance. This point can promo-
te the dimension of the letter as a form of interpretation
that touch the real of the unconscious’s experience.
Keywords
Unconscious, dream, interpretation, Lacan, Freud, jou-
issance, real.
Recebido
08/05/2009
Aprovado
27/07/2009
48 o tempo na psicanálise II
trabalho crítico com os conceitos
52 o tempo na psicanálise II
a repetição desse tipo de sonho nos sugere que o sujeito não abre
mão de apreender, nessa simbolização, algo de evanescente, algo de
inapreensível que se recorta na fronteira entre o antes e o depois.
Se as horas do relógio passam de maneira rigorosamente cons-
tante, não se pode dizer que, para determinado sujeito, o tempo
passa de maneira contínua. A própria noção de acontecimento é tes-
temunha disso. Mas aquilo que constitui um acontecimento para
uma pessoa não constituirá necessariamente um acontecimento
para outra. Portanto, essa temporalidade de que se trata no aconte-
cimento não tem nada a ver, nem com o tempo que passa, nem com
o tempo da História; essa temporalidade diz respeito ao sujeito. Ela
tem uma relação tão estreita com o sujeito, que poderíamos dizer
que participa dos atributos do sujeito, no sentido gramatical do ter-
mo, porque esses acontecimentos aos quais o sujeito se esforça para
voltar em seus sonhos são momentos que determinaram aquilo que
o sujeito foi, aquilo que ele se tornou, o que ele terá sido quando...,
o que teria podido ser se... em resumo, trata-se de tentar simbolizar,
de abarcar, da maneira mais próxima possível, esse momento, esse
lapso de tempo, esse instante em que tudo se precipitou para tornar
o sujeito aquilo que ele é.
Não foi por acaso que Lacan utilizou o apólogo dos três prisio-
neiros para circunscrever aquilo que ele chamou de tempo lógico, 2 Lacan. Mais Ainda na
aquele instante de pressa necessária para que o sujeito possa se apre- gravação sonora da aula do
dia 16 de janeiro de 1973
sentar tal como é e sair da prisão de suas identificações alienantes. – que Patrick Vallas me fez
Esse tempo lógico é próprio de cada um, ele faz parte de seus atri- escutar – ouve-se claramente
butos, participa do seu modo de ser, mesmo que o sujeito não tenha isso: A função da pressa é a
função deste pequeno apressa-
nenhuma ideia disso. É isso que me faz dizer que esse tempo lógi- do (petit a-t [hâté], a-t e hâté
co faz parte da categoria do objeto, tal como Lacan desenhou seu são homofônicos). [Na edição
em português, de 1985, o
contorno; aliás, é isso que ele acabará dizendo nos comentários de trecho referido se encontra
apólogo que fará bem mais tarde em seu ensino, seja no seminário na p. 67.]
Mais ainda, em que nos diz que o objeto a desempenha sua função
na pressa2, seja quando diz categoricamente em Os não-tolos erram,
que “o objeto a está ligado a essa dimensão do tempo”3. Em outras 3 Lacan. Les non-dupes
errent (op. cit., aula de 9 de
palavras, esse objeto que o sujeito tenta agarrar no sonho repetitivo abril 1974).
que parece resumir-se, numa primeira leitura, em uma busca do
bom tempo perdido, esse objeto na verdade é inatingível porque
não tem ser – daí a repetição incansável para tentar abordá-lo.
54 o tempo na psicanálise II
permite a Lacan fazer a relação dessas cinco apresentações de objeto
a é a função do tempo articulado à linguagem, já que essa esque-
matização é a do grafo. Trata-se de um percurso vetorizado, e esse
vetor poderia ser chamado vetor do tempo. Mas esse percurso vetori-
zado não é retilíneo, o vetor sobe como se houvesse uma progressão
do estádio oral para o estádio anal, para chegar ao fálico e, nesse
estádio, o vetor se inverteria como se ocorresse uma regressão para
o nível inferior onde Lacan inscreve a função do olhar, no mesmo
nível do estádio anal, depois em direção ao nível ainda mais infe-
rior, onde situa a função da voz, que se encontra no mesmo nível do
estádio oral. Essa construção de Lacan sempre me pareceu muito
importante. Ela articula demanda, desejo e mais gozar, e são neces-
sários esses três registros para apreender a função lógica do objeto
a. Na linha montante desse percurso, é possível situar o tempo da
alienação que se declina em dois níveis, o nível oral e o nível anal.
No nível oral, o bebê, totalmente dependente, tem de se adaptar à
exigência da demanda do Outro, que impõe suas escansões na sa-
tisfação da necessidade. É aí que o Outro se mostra como o senhor
do tempo: “minha hora será a tua”. Isso é reforçado no nível anal,
em que o Outro impõe, mais claramente ainda, a sua hora para a
satisfação das necessidades. Exceto que, neste nível, o sujeito já está
um pouco mais em condição de se opor, já que consegue se conter,
o que lhe permite inverter o processo e pretender impor ao Outro
sua hora, fazendo-se esperar. Aqui, estamos no tempo da alienação,
e acredito que podemos assimilá-lo ao instante de ver do sofisma
dos três prisioneiros, já que a mesma lógica aí prevalece: aí, o sujeito
avalia o que sua identidade deve ao Outro. O terceiro nível, onde
Lacan inscreve o estádio fálico, é o tempo em que o sujeito conse-
gue apreender o sentido de sua alienação; o objeto oral e o objeto
anal, ao responder à demanda do Outro, são aí avaliados conforme
o padrão do objeto de desejo do Outro, isto é, o falo.
O que se opera neste estádio fálico é então uma tradução, por
isso penso que podemos situar aí o tempo para compreender; mas
essa significação somente pode intervir em determinado momen-
to; trata-se de toda a questão da fase fálica descrita por Freud, ela
opera no depois. É preciso tempo para compreender. Mas, quando
o sujeito compreende, ele adota o sentido que vem do Outro e, de
56 o tempo na psicanálise II
original, quer dizer, com o objeto lógico que o causa?
Se pensarmos bem nisso, é algo que se experimenta em tudo
o que tem a qualidade de um ato. O sujeito coincide aí com sua
temporalidade original, o que confere a ambos – tanto ao sujeito
quanto a esse momento – uma densidade inteiramente particular. É
a esse tipo de encontro, não tão frequente na vida, que uma análise
pode conduzir. Mas, para isso, é preciso tempo. Nesse sentido, a
experiência da análise situa-se à margem da moda, ela não se preo-
cupa com o tempo que passa, com o tempo perdido, com o tempo
ganho, maneiras equivalentes de conceber, de dar forma à falta-a-
ser. No entanto, Lacan nos mostrou que esta prática é fundada no
manejo do tempo como operador lógico. Eis por que uma análise
pode levar o analisante a fazer o luto do tempo perdido e a não ser
obnubilado pelo tempo que passa, mas a saber apreender o momen-
to em que pode se realizar.
Referências bibliográficas
JULLIEN, F. Du “temps”: Éléments d’une philosophie du vivre. Paris:
Éditions Grasset, 2001.
LACAN, J. O Seminário, livro 10: a angústia (1962-63). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
LACAN, J. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
LACAN, J. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista
da Escola. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Edi-
tor, 2003, pp. 248-264.
LACAN, J. O Seminário, livro 20: mais, ainda (1972-73). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
LACAN, J. O Seminário: les non-dupes errent (1973-1974). Inédito.
Palavras-chave:
Tempo lógico, objeto a, função da pressa,
temporalidade, acontecimento.
58 o tempo na psicanálise II
Abstract
Through a study of repetitive dream type, in which the
dreamer must redo a test he has already passed, the ar-
ticle discusses the function that object a hurriedly per-
forms, articulating it as an occurrence which rushes to
determine the subject. It still articulates the logical time
to the graph of the five representations of object a which
Lacan formulates in the seminar The Anguish. Finally, it
discusses the pass as a pure moment to which the subject
is assimilated, an instant of the encounter of the subject
with its original temporality, that is, with the logical ob-
ject that causes him. The conclusion is that this is the
type of encounter, not so frequent in life, to which an
analysis can conduct.
Keywords
Logical time, object a, function of hurry, temporality,
occurrence.
Recebido
21/04/2009
Aprovado
15/06/2009
62 o tempo na psicanálise II
na qual os acontecimentos ocorrem em sequência. Como sistema de 6 Réponses aux questions, op.
referência absoluto, o tempo newtoniano é uma base de referência cit., p. 1. No original: “La né-
guentropie que ayant le sens
em que se tomam três dimensões do espaço mais o tempo. O tempo inverse de l’entropie physi-
seria, no conceito clássico da física, um “relógio” com marcha sem- que, est-ce à dire alors que
plus le champ des lathouses
pre constante, sem instante inicial nem final. Este é o princípio da grandit — et il cybergran-
uniformidade do tempo: as coisas mudam, mas o tempo é sempre dit! — plus s’accroissent les
pertes produites [...]”.
o mesmo, constante. Seria necessário aguardar Einstein para que se
pudesse identificar de que consistência se tratava.
Dois séculos depois de Newton (4 de janeiro de 1643 – Londres,
31 de março de 1727), no século XIX mais precisamente, muita
coisa começou a mudar. E para construir a relatividade, Einstein,
na esteira do trabalho de Maxwell e de Lorentz, passou a situar o
tempo como uma grandeza relativa, oposta à concepção realista:
64 o tempo na psicanálise II
banda de Moebius já estava presente em sua formulação. O plano
projetivo que já se impusera na época newtoniana implica o furo,
mesmo se é somente com a topologia no século XX que se passará a
pensar a partir dos furos!
Informação e tempo
Na realidade, a partir da década de 1940, associando as pesqui-
sas físicas com as da teoria da informação, entende-se que a entropia
age no sentido sempre de destruir a informação. Para imaginarizar-
mos tal constatação, basta lembrar que, não importa o que se faça,
um disco vai perdendo a informação à medida que o tempo passa –
ele arranha, enche de poeira... ou quebra –, e o mesmo se dá com o
achado arqueológico, por exemplo. Isso permite levantar a hipótese
de que a ação do tempo não é senão a própria ação da entropia. O
tempo é a manifestação da entropia. Logo, o tempo, como grande-
za primária não existe, ele é derivado da ação da entropia. O que,
evidentemente, provoca a necessidade de se explicar a definição
que conhecemos do inconsciente por Freud: ele é atemporal, mas
regido, singularmente, pela pulsão de morte – aquela que Freud
associa diretamente à entropia. O inconsciente como atemporal é
o inconsciente do saber, em que traços mnêmicos se associam e se
inscrevem sem levar em conta, minimamente, o tempo que separa
uma lembrança da outra. Tal como, aliás, as coisas ocorrem no
mundo quântico em que tampouco as coisas ocorrem em qualquer
referência ao tempo. Por sua vez, a repetição do gozo sempre o mes-
mo é o que faz passar o tempo para um sujeito. Se “o tempo tudo
apaga”, com o físico Boltzmann e o teórico da informação Shannon
é a entropia que “tudo apaga”. O tempo é, portanto, entropia. Ficar
jovem, ao contrário, é poder armazenar sempre mais informação
e manter ocupados os estados, o que a sabedoria popular conhece
muito bem quando se reafirma a necessidade de se ocupar no enve- 17 Le Séminaire, livre
XVII, op. cit., p. 54. No
lhecimento. Na tentativa de lentificar o efeito entrópico, o psiquis- original: “Ignorez-vous que
mo se complexifica. l’énergétique, ce n’est pas au-
tre chose, [...] que le placage
Ainda no Seminário 17, Lacan identifica a “energética” com a sur le monde du réseau des
rede de significantes. “Vocês ignoram que a energética é a mesma signifiants?”
coisa [...] que um aplique da rede dos significantes sobre o mun-
do?”17. Para justificar essa conceituação, Lacan sugere a seguinte
66 o tempo na psicanálise II
po da física quântica – percebeu que num par complementar, por
exemplo o par posição e velocidade de uma partícula, não é possível
determinar de forma absoluta ambas as grandezas complementares.
Se medirmos com precisão absoluta a posição da partícula, não será
possível determinar sua velocidade, e vice-versa. Outro par com-
plementar estudado por Heisenberg é justamente o par energia e
tempo. Se medirmos a energia de uma partícula não sabemos pre-
cisar o instante em que ela a possuía. Se precisarmos o instante em
que possuía tal energia, não saberemos em que estado energético a
partícula estava. Num primeiro momento, o absolutismo do tempo
é desbancado pela relatividade, depois veio a teoria quântica, que
o desbancou definitivamente. “[...] o tempo já não é considerado
como uma grandeza primária, isto é, uma grandeza de onde se par-
te para construir ou derivar outras. Há mesmo quem diga que o
tempo não existe. Existe sim o movimento, sendo o tempo uma
grandeza derivada deste”19. 19 O tempo na física,
op. cit.
Donde é preciso levantar a hipótese de que se estudamos o in-
consciente como atemporal, não se determina com precisão o gozo,
e quando se determina o gozo – o tempo – então não dá para defi-
nir o significante. 20 Alberti. O bem que
se extrai do gozo (2007,
Tive a oportunidade de aprofundar a questão do gozo como pp.71-2).
processo cíclico20 quando tentava entender o que Lacan21 articu-
la em seu Seminário XVI sobre a morte como encontro do limite 21 Lacan. Le Séminaire,
livre XVI: D’un Autre à
mais baixo do ponto supremo com o mais alto do ponto ínfimo. l’autre (1968-69).
O processo cíclico – que não deixa de implicar a repetição, mas a
repetição na qual sempre se perde – é, sem dúvida, o processo que 22 Lacan. Le Séminaire,
livre XVIII: D’un discours
permite a contagem do tempo. Contagem do tempo, ciframento e qui ne serait pas du semblant
gozo separam-se do inconsciente pela letra que lhes faz litoral22. O (1971-72a).
que finalmente nos leva à provocação: e o tempo lógico?
Resumo
Baseando-me na referência freudiana que associa pulsão
de morte e entropia, o que por si só já justifica reexami-
nar as origens e o desenvolvimento do termo empresta-
do da física para um estudo psicanalítico, esse texto visa
examinar a relação entre tempo e entropia para verificar
a hipótese do tempo como entrópico. Verifica-se tal hi-
pótese tanto na física quanto na psicanálise, servindo-se
da evolução do conceito de tempo na física, das contri-
buições da matemática e das referências de Lacan à ne-
guentropia.
70 o tempo na psicanálise II
Palavras-chave
Tempo, entropia, pulsão de morte, psicanálise e física.
Abstract
Freud’s reference which associates the death drive and
entropy, justifies an attempt to reexamine the origins and
developments of the concept in physics and it’s possible
application to psychoanalysis, particulary the relation
between time and entropy and the hypothesis of time as
entropy. This is verified in physics and psychoanalysis,
through the examination of the evolution of the concept
of time in physics, the contributions of mathematics and
the references Lacan does to neguentropy.
Keywords
Time, entropy, death drive, psychoanalysis and physics.
Recebido
08/05/2009
Aprovado
29/06/2009
74 o tempo na psicanálise II
de sentido tal como definidos por Lacan: não fazem cadeia, não so-
frem a erosão do tempo, não podem ser nomeados, mas têm efeitos
sobre tudo que ocorre depois. É o tempo do trauma, do recalque
originário, do inconsciente intraduzível, da repetição e do real que
constitui também a memória.
Essa falha inaugural delimita a impossibilidade de que esses tra-
ços façam uma cadeia de sentido, indicando a primeira e funda-
mental vicissitude da memória; antes de falar, articular um discurso
e tentar traduzir o tempo marcado, o sujeito já foi falado, nomeado,
contado por um tempo anterior, que não se recupera jamais.
O segundo e o terceiro tempo permitem certo tratamento ao
real, implicando com isto que algumas ligações, cadeias, traduções
e rearranjos tornam-se possíveis, mas sustentados pelo impedimen-
to da primeira e irrecuperável apreensão do tempo. Nem tudo pode
ser traduzido e recuperado. Assim, esse “bom tempo” de cada dia
– parafraseando Lacan5 em relação ao bom recalque, recalque se- 5 Lacan, O Seminário,
cundário –, algo é transcrito e traduzido, instituindo um sentido, e livro 20: Mais ainda (1972-
73/1985).
isto não opera sem essa alienação fundamental e inaugural.
A memória é o que se recorda e como se recorda no tempo que
passa, marcado por essa barra à recordação; proteção do aparelho
psíquico contra o excesso de sofrimento, limite à sincronia e ao
deslizamento significante. Isto indica uma maneira tendenciosa ou
ficcional da memória operar já que os traços marcados sofrem de
tempo em tempo novas traduções, transcrições, portanto, defor-
mações e falsificações sob a persistência de um tempo que não se
recupera jamais.
76 o tempo na psicanálise II
leis psicológicas vigentes no período anterior e consoante as vias
abertas a essa época.”8 Isto indica que a seleção das impressões 8 Freud, A dissecação da
personalidade psíquica.
recebidas se dá em conformidade a um tempo no qual essas ex- Conferência XXXI
periências ocorreram e não com a lógica que governa a época em (1933/1976, p.319).
que são lembradas. Nessa direção Freud nos apresenta a tese do
anacronismo, erro de cronologia no funcionamento da memória
e do tempo; atribui-se a uma época ou a um personagem ideias
e sentimentos que são de outra época. Nesse mecanismo encon-
tram-se os fueros, palavra do espanhol antigo que remete a uma
lei antiga que vigora em alguma província e garante os privilégios
perpétuos dessa região. Vemos que Freud não mede esforços para
falar da dominância desse tempo diante do qual nenhuma apela-
ção é possível.
Em O bloco Mágico, Freud9 retoma algumas das teses indicadas 9 Freud, Uma nota sobre o
bloco mágico (1925/1976).
na Carta 52 e outras teses sobre a memória de 1920, valendo-se
agora da escrita no bloco mágico. Nesse dispositivo descrito por
Freud uma prancha de cera ou resina tem sobre ela uma folha fina
e transparente que se desdobra em duas; a inferior é de papel fino e
transparente e a superior é um celuloide transparente. Escrevendo-
se sobre essa superfície exterior do papel encerado com um estilete
que toca também a parte inferior e a prancha, surge uma escrita
preta sobre o celuloide. Levantando-se a folha dupla a escrita desa-
parece. Todavia, há traços permanentes deixados sobre a prancha
de cera “que podem ser vistos sob uma luz apropriada.”10 O siste- 10 Ibid., p.287.
ma percepção consciência é comparado à cobertura de celuloide;
camada protetora dos efeitos vindos de fora que recebe traços, mas 11 Lacan, Lituraterre
(1971/2001, p. 15).
não é capaz de retê-los, enquanto o papel encerado e a prancha
constituem-se os fundamentos da memória e o inconsciente.
Em Lituraterre, Lacan11 retoma a noção do Um12 no registro 12 Lembramos que a
psíquico presente na tese do “Bloco Mágico”. Lembramos que esta noção de Um já se encontra
em Mais ainda (Lacan,
é também a concepção de inconsciente para Freud conforme pode 1972/1981, p.65) associado
ser visto também na Carta 52; o recalque tenta apagar toda cota ao que não faz cadeia,
encontra-se disjunto e sem
de afeto e de inscrições, mas persiste a marca material que impõe relação.
maneiras posteriores de escrever e traduzir. E Freud acrescenta:
“Tive ainda a suspeita de que esse método descontínuo de funcio-
namento do sistema Pcpt.-Cs. jaz no fundo da origem do conceito
13 Uma nota sobre o bloco
de tempo.”13 mágico, op. cit., p. 290.
Topologia e tempo
Para além das noções sempre complicadas de passado, presente
e futuro Lacan expõe a teoria do tempo lógico indicando outra for-
ma de conceber o tempo para além das determinações do relógio.
No instante de ver, algo retido como traço toma só depois, nesse
tempo de compreender, sentidos possíveis pelos desdobramentos
necessários da cadeia significante. É necessário tempo, dirá Lacan,
para que nessas voltas no tempo o sujeito construa, no momento
de concluir, outras traduções desse tempo perdido e irrecuperável.
Em O Sinthoma ele indica uma associação entre topologia e
tempo, propondo um enodamento entre R.S.I (real, simbólico e
78 o tempo na psicanálise II
imaginário) por um quarto termo, o sinthoma. Trata-se de um eno-
damento que permite reparar a cadeia, mantendo juntos R.S.I e a
especificidade de cada um como ex-sistência, buraco e consistên-
cia16.
16 Lacan, O Seminário,
Independentemente da estrutura, o sinthoma refere-se a uma livro 23: O sinthoma (1975-
invenção singular do sujeito, diante da debilidade em face da sua 76/2005).
Tempo e discurso
Seguindo essas reflexões, utilizamos “tempos” para indicar as
traduções possíveis do real do tempo, intraduzível e fixado. Tem-
pos que circulam, vão com o temporal (o que passa no decurso do
tempo), aliam-se aos discursos e incidem sobre os sintomas, provo-
cando vicissitudes da memória. Quais as vicissitudes do tempo e da
memória no discurso do capitalista atual?
Para Lacan, os discursos são maneiras de tratar o real, consti-
tuindo-se em formas de laço social. Nessa direção temos nos qua-
tro discursos formalizados por Lacan (mestre, histeria, analista e
universitário) três maneiras de incidência do significante ($, S1, S2)
e o objeto a que podem ser lidos como quatro versões do tempo.
Conforme figura abaixo, a estrutura discursiva constitui-se de qua-
tro lugares que compõem respostas diferentes ao real conforme os
lugares ocupados por $ , S1, S2 e a.
Agente Outro
Verdade Produção
80 o tempo na psicanálise II
subjetiva ($). Como produto dessa operação há um resto, perda que
não se recupera (objeto a); tempo que excede, mas não se apreende.
Discurso do mestre:
S S2
1
$ a
Ao introduzir o quinto discurso, discurso do capitalista, Lacan
faz uma modificação no discurso do mestre. No lugar do agente
está o sujeito e no lugar da verdade está S1. Introduz ainda uma ló-
gica diferente daquela adotada para os quatro discursos retirando a
barreira do impossível entre S1 e $, S2 e (a), como pode ser observa-
do no DM, e anulando o impossível entre o $, sujeito dividido, e o
objeto de seu desejo (a). No discurso do capitalista observa-se uma
flecha que parte dos objetos (a) indo diretamente ao sujeito ($) e
outra que parte dos significantes mestres (S1) à cadeia do saber (S2).
Discurso do Capitalista
$ S2
S1 a
Relendo esse discurso com as indicações sobre o tempo, temos
nele a prevalência de dois tempos. O tempo real, inassimilável e ina-
preensível (S1) incidindo diretamente sobre S2, tempo da tradução
com a anulação da barra do impossível. Do lado direito desse mate-
ma temos a incidência do tempo dos objetos (a) que, mesclando-se
como objetos de um tempo que se recupera e não se perde – objetos
fabricados pela ciência e o capitalismo moderno e vendidos como
possíveis de satisfazer o desejo de cada um –, incide diretamente
sobre o tempo do sujeito ($), tentando anulá-lo e convocando-o ao
tempo do mais-de-gozar.
Tempo bizarro que, procurando apagar o inapreensível e apre-
sentando-se como factível e assimilável, produz sujeitos “enlouque-
cidos” pelo tempo, tomados pelo tempo, sem tempo... Objeto a ser
consumido, precioso e agalmático, o tempo é regido por uma con-
tradição fundamental, quando não o têm o querem, ao tê-lo devem
consumi-lo.
82 o tempo na psicanálise II
movimento que permite enlaçar os tempos, abrindo as vias ao dese-
jo –, provoca o desenlaçamento do tempo e da vida. A relação entre
estados depressivos e o Alzheimer encontra eco na tese de Messy21; 21Messy, La personne âgée
lutos mal elaborados diante das perdas, ódio à imagem apresentada n’existe pas (2002, p.99).
84 o tempo na psicanálise II
recurso a que alguns sujeitos com Alzheimer se agarram para tratar
o real avassalador desse tempo que realmente desliza e não para.
Referências bibliográficas
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In: ESB, Rio de Janeiro: Imago, 1977. v. I.
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leira das Obras Completas de S. Freud (ESB), Rio de Janeiro:
Imago, 1977. v.I.
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XI, In: Autres écrits. Paris: Éditions du Seuil, 2001
MÁRQUEZ, Gabriel García. Memória de minhas putas tristes. Rio
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MESSY, Jack La persone âgée n’existe pas. Paris: Payot & Rivages,
2002. 221p.
Resumo
Esse artigo aborda a relação entre memória e tempo, to-
mando como fio condutor o conceito de real em Lacan:
isso que não se universaliza, persevera e inaugura a cate-
goria do impossível. Para tal destacamos em Freud os três
tempos da constituição do aparelho psíquico que coinci-
dem com os três tempos da memória, bem como as elabo-
rações acerca das lembranças encobridoras e esquecimen-
tos, demonstrando um enlaçamento estreito entre sujeito,
memória e tempo. Com Lacan temos formulações inédi-
tas sobre a relação entre inconsciente, tempo e real, dis-
tinguindo um inconsciente fora de qualquer sentido, por-
tanto uma memória acossada também ao real. A partir
dessas indicações trazemos à baila algumas reflexões dos
efeitos do discurso do capitalista sobre o funcionamento
da memória tomando como paradigma a hiperatividade
em crianças e o mal de Alzheimer em idosos.
Palavras-chave
Tempo, memória, inconsciente, real, simbólico, imagi-
nário, letra, discurso capitalista, discurso do mestre.
86 o tempo na psicanálise II
Abstract
This article approaches the relation between memory and
time, taking the concept of real in Lacan as a guide: the
real that doesn’t universalize itself, that perseverates and
inaugurates a new category of the impossible. For that,
it is necessary to point to the three times of the consti-
tution of the psychic device in Freud that coincide with
the three times of the memory, and with the elaborations
concerning the hidden remembrances and forgetfulnes-
ses, demonstrating a tight enlacing between subject, me-
mory and time. With Lacan there are new formulations
concerning the relation between inconscient, time and
real, distinguishing an inconscient outside of any sense,
therefore, a memory connected to the real. From such
indications the article traces some reflections about the
effects of the capitalistic speech on memory functioning,
taking the hyperactivity in children and the Alzheimer
disease in aged people as a paradigm.
Keywords
Time, memory, inconscient, real, symbolic, imaginary,
letter, capitalistic speech, master’s speech.
Recebido
05/05/2009
Aprovado
03/07/2009
1. Ponto de partida
Este texto busca acompanhar a formalização da experiência
analítica que Lacan empreende entre 1966 e 1968, pela estrutura
matemática do grupo de Klein e em suas subversões. Acompanhar a
formalização é, certamente, o exercício de seguir o esforço e o rigor
que Lacan imprime ao seu ensino, mas também aceitar o convite
que nos fazem os matemas: que sejam retomados por cada um de
nós em nossa experiência. É Lacan quem diz: “Neste pequeno tetra-
edro do qual partimos ultimamente, é preciso que se preste atenção
em algo, na multiplicidade das traduções às quais ele se presta”1. 1 Lacan, O Ato Psicanalítico
(1967-68, aula de 24 de
Neste texto, junto com Lacan, empresto a minha. janeiro de 1968).
O ponto de partida do grupo retoma diretamente o vel operado
por Lacan no Seminário 11, mas agora não mais referindo o “ser”
e o “sentido” e sim articulando os dois elementos lógicos do cogito
cartesiano a partir de sua negação. Vejamos lentamente.
Sabemos que o vel da alienação no Seminário 11 consistia de
um vel de reunião (um vel excludente, mas que também implicava
perda da parte escolhida) adicionado ao “fator letal”, que terminava
na escolha forçada. No grupo de Klein, Lacan mantém o vel de
reunião, mas o que lhe interessa trabalhar, no princípio, é com a
negação da intersecção do cogito cartesiano. Para isso faz uso da lei
de dualidade de Morgan que permite, a partir da negação, trans-
formar uma reunião em intersecção e vice-versa. Tal como mostra
a relação abaixo:
- (AxB) = - A+-B
- (A+B) = - Ax-B
onde (+) é reunião, (x) intersecção e (-) negação.
alienação
verdade
não
sou
Figura
Figura 1: Pontode
1: Ponto departida
partida e primeiras
e primeiras operações
operaçãoes
2. Operação alienação
A partir desse ponto, a primeira operação se coloca pelo tema
da escolha. Isso não é algo que possa ser acompanhado na álgebra
90 o tempo na psicanálise II
do grupo de Klein ou dos semigrupos. É a dimensão ética sempre
introduzida por Lacan com a pertinência devida a esse momento de
seu ensino, em que justamente quer formalizar a experiência ana-
lítica pela noção do ato. Lacan diz de uma escolha forçada e nos
propõe, igualmente, que essa escolha se assimile à alienação: “esse
ponto no alto à esquerda é o da escolha forçada, que é a definição
que dei da alienação em seu caráter revisto”2. 2 Ibid., aula de 24 de janeiro
de 1968.
Apesar de disporem dessa mesma ordem da escolha forçada,
a operação alienação no Seminário 15 é modificada com relação
à alienação do Seminário 11. Não vamos retomar, mas em 1964,
Lacan mostrava como era na experiência do sujeito enquanto falta-
a-ser que encontrávamos o ponto alto de sua alienação ao Outro.
A alienação se colocava, portanto, no vetor que ia do “ser” ao “sen-
tido”. Escolhendo-se o sentido, perdia-se o ser, mas também não se
tinha a totalidade do sentido.
Como vemos na figura anterior, o conjunto intersecção está em
branco, é vazio. Esse é um ponto importante, porque na teoria dos
conjuntos o vazio não é o “nada”, mas apenas a indicação de que ali,
naquele conjunto vazio, não há elemento. Mas há o vazio. O vazio
difere uma parte do conjunto de um elemento do conjunto. O vazio
é parte do conjunto embora não seja elemento. Pois bem, é nesse
vazio que Lacan introduz algumas formas de negatividade que
nos serão importantes. Por enquanto anunciamos a primeira de-
las, que é o não-eu (pas je). Assim, esse pas je é o vazio que se põe
como negação do cogito cartesiano, mas que continua sendo o con-
junto intersecção entre o “não penso” e o “não sou”, mesmo como
conjunto vazio.
Esse ponto retornará durante todo o exame do grupo, mas por
agora vemos que também compõe o quadro que mostra por que
a alienação do Seminário 15, ao contrário do Seminário 11, não
parte do ser. Ela é a operação que escolhe o “não penso”. E, portan-
to, podemos localizá-la nesse “não penso”. No entanto, este vértice
esquerdo superior (ES) engendra um ser. Lacan assimila esse não
pensar a uma forma do ser. Assim, a alienação aqui não parte do
ser, mas determina um ser, resulta um ser e está nesse ser. Para
acompanhar isso, temos que tomar a operação alienação diante do
ponto zero do vértice de partida (DS). Esse zero já aparece como
vazio
não pas je não não
penso penso sou
alienação
92 o tempo na psicanálise II
Note-se que o “não penso” já é o produto final da escolha no
vel. Ele não perde nada. O conjunto que perde uma parte de si
é o conjunto que não está nomeado e que é formado na posição
inicial (DS) pela reunião de “não penso” e o conjunto intersec-
ção vazio. E o que se perde é exatamente o vazio. Assim, fica-se
com o “não penso” e perde-se o vazio. Ocorre que Lacan faz essa
disjunção funcionar como uma hiância que coloca em relação os
dois conjuntos do vértice ES. De um lado o “não penso” rela-
cionado à marca significante que determina um ser (je) por esse
“não sou nada senão esta marca”. E do outro, o que se perde pelo
corte da escolha, mas com o que se fica em relação; nesse vazio do
pas je, Lacan posiciona a segunda forma de negatividade, o isso.
“Está toda a estrutura gramatical, a estrutura da língua, exceto o
je... A estrutura gramatical da pulsão que não pode ser formulada
conforme o je”6. No vazio encontramos, portanto, um ser sem o 6 Brodsky, Short Story
je, que Lacan faz equivaler ao isso, a pulsão acéfala a qual tinha (2004, p. 87).
vazio
não
penso pas je
je Objeto a
marca Lá onde isso estava
Figura
Figura 3: 3: Conjuntos
Conjuntos doesquerdo
do vértice vértice esquerdo superior
Que podemos ler: lá onde isso estava, por que foi separado pelo
corte e não mais está, o je, que lá não está nem esteve, deve advir.
Esse ponto retornará à frente. Essa é a primeira operação com suas
consequências.
não não
penso sou
verdade
vazio
pas je não Figura 4: Operação verdade
sou
4. A transferência
Todavia, esse trajeto bem definido no seminário do Ato Analí-
tico não implica, em nosso entender, que nessa passagem diagonal
(de ES para DI) seja localizada a operação transferência como con-
sideram alguns colegas. Antes, nesses dois movimentos lógicos do
grupo, colocam-se apenas as duas posições do sujeito advindas do
ponto zero: o sujeito diante do trauma e a montagem da fantasia (je
como marca) no ES e o sujeito no intervalo da cadeia significante
(je que não é) no DI. É somente a partir dessas duas posições do
sujeito que a transferência, tomada tanto como entrada em análise
(instante de ver), como percurso-sustentação da análise (tempo de
compreender), pode se dar. São posições condicionantes para que a
transferência se efetive contingencialmente.
A leitura que proporemos localiza a transferência na diagonal
que vai do ponto zero ao vértice esquerdo inferior (EI). Ela se apoia
em pelo menos duas observações que se podem evidenciar no Se-
minário do Ato Analítico. A primeira, é que Lacan não escreve a
transferência nessa diagonal de ES-DI em nenhum momento, mas
na diagonal que vai do ponto zero ao vértice EI:
96 o tempo na psicanálise II
s a lá onde isso
estava
não
penso
não
sou
alienação
cia
ferên verdade
ns
tra
a s a
lá onde isso
não
sou
estava
Figura
Figura6:6:Os
Ostempos
tempos lógicos noprimeiro
lógicos no primeirosemi-grupo
semi-grupo
98 o tempo na psicanálise II
vezes implicado com a perda de uma peça), desenvolvem-se inú-
meras outras jogadas até que, se não houver desistência, chega-se
ao momento em que o jogo anuncia como será seu desenlace. Essas
outras jogadas se aproximam do que seja essa diagonal extensiva da
transferência, “tempo de compreender”. Nesse tempo o ato do ana-
lista se coloca por suas “jogadas”, seu manejo: “Fora do que chamei
manejo da transferência, não há ato analítico”13. 13 Ibid., aula de 29 de
novembro de 1967.
Quanto ao terceiro tempo lógico, o momento de concluir se evi-
denciará no segundo semigrupo que virá à frente.
5. O impasse
Localizar no vértice EI aqueles que eram os conjuntos vazios dos
vértices ES e DI quer dizer algumas coisas. Lacan resume essa po-
sição como impasse14 do sujeito. Dessa forma ele nos aponta que aí 14 No resumo sobre o Semi-
não está o fim da análise, pois esse fim se articula, sabemos, à pas- nário “A lógica da Fantasia”,
texto de mesmo nome,
sagem. Esse fim de análise, articulado com a passagem, definição Lacan diz, se referindo a essa
maior do ato psicanalítico, faz ecoar outras duas formas de se referir passagem, que: “É preciso
que se feche o ciclo pelo qual
a esse ato, também formuladas em tempos próximos a este momen- o impasse do sujeito se con-
to de seu ensino: a destituição subjetiva e travessia da fantasia. Isso suma ao revelar sua verdade”
(Lacan, 1969/2003, p. 324).
nos parece importante salientar, porque cada uma dessas maneiras Devemos anotar que tal resu-
distintas de se referir ao mesmo tempo da análise (momento de mo foi escrito para o anuário
de 1969 da Escola Prática
concluir, em uma referência aos tempos lógicos), se articula com um de Estudos Superiores, local
dos dois elementos posicionados nesse canto do impasse no grupo. onde Lacan apresentava seus
O vértice EI não é o fim da experiência, mas contém o núcleo do seminários à época. Um resu-
mo escrito após o término
que é necessário para sua efetivação. De um lado o -j como signifi- do Seminário 15 (1967-68),
cado da castração, única significação definitiva para o significante, portanto.
6. O segundo semigrupo
Vejamos, então, como se monta o segundo semigrupo, tomando
sempre em conta o ponto de chegada do primeiro. Com Lacan,
podemos apresentá-lo da seguinte maneira:
Pressa
a s a
complementá-las para que
um novo grafo, orientado
por sua relação, seja satisfató-
rio, duplicando o precedente,
Figura 7: O segundo semi-grupo para completar o grupo de
Klein, na medida em que
seus quatro ápices se igualam
Figura 7: O segundo semi-grupo por reunir diversos concursos
operacionais. E ainda grafos,
por serem dois, inscrevem a
Vemos como o ponto de chegada do primeiro semigrupo é o distância do sujeito do su-
posto saber à sua inserção no
ponto de partida do segundo. Observamos também que Lacan po- real.” [grifo nosso] (Lacan,
siciona as mencionadas “pressa” e “repetição”20 na operação que 1969/2003, p. 326).
7. Repetição e acting-out
Voltemos às operações anunciadas da pressa e da repetição. To-
memos primeiro a repetição. A maneira primordial pela qual Lacan
trabalha essa operação é a partir do acting-out. Tomar o acting-
out por essa operação chamada repetição não é algo que seja di-
fícil acompanhar, já que sabemos como acting-out e repetição se
ligam diretamente. Porém, conjugar aí a própria definição lacania-
na de acting-out é tarefa mais complicada, porque esta inclui em
si a transferência. Como conhecemos: “transferência sem análise”.
Como então, uma vez que dissemos que no segundo grupo há sus-
pensão da transferência, supor aí o acting-out?
Aqui, talvez, uma precisão maior sobre a função do sujeito su-
posto saber ajude a esclarecer melhor essa questão. Sabemos como
o sujeito suposto saber é introduzido no Seminário 11 em conjunto
“Wo S tat”, e permitam-me escrever esse “S” com a letra aqui bar-
rada, lá onde o significante agia, no duplo sentido de que ele acaba
de cessar e de que ele ia justo agir, de modo algum “soll ich werden”,
mas “muss ich”, eu que ajo, eu que lanço no mundo essa coisa à qual
35 Ibid., aula de 17 de é possível dirigir-se como a uma razão35.
janeiro de 1968.
Não se trata, portanto, de advir o sujeito lá onde isso estava, mas
de advir a causa de sua divisão. Para encerrar, como disse Lacan:
Palavras-chave
Lacan, Grupo de Klein, transferência, fantasia,
ato analítico.
Keywords
Lacan, Group of Klein, transference, fantasy,
analytical act.
Recebido
12/04/2009
Aprovado
08/07/2009
Escher
Referências bibliográficas
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L. Etcheverry. In: Edição Standard Argentina das Obras psico-
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FREUD, Sigmund. (1919). Pegan a um niño. Contribución al co-
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FREUD, Sigmund. (1923). La organización genital infantil. Una in-
terpolación en la teoría de la sexualidad. Trad.: J. L. Etcheverry.
In: Edição Standard Argentina das Obras psicológicas comple-
Resumo
Lacan, em 1966, introduziu uma nota de rodapé em
seu texto denominado “De uma questão preliminar a
todo tratamento possível da psicose”. A referida nota
propôs recortar o campo da realidade no esquema R e,
a partir disso, convertê-lo em uma banda de Moebius.
Introduziu-se, então, a dimensão do tempo na cons-
trução da fantasia inconsciente. O presente artigo visa
a esmiuçar esse passo, sustentado por Lacan, ao adotar
a estratégia do uso da topologia para a formalização da
experiência analítica.
Palavras-chaves
Temporalidade, construção da fantasia inconsciente,
banda de Moebius, formalização, topologia.
Keywords
Temporality, unconscious fantasy, Moebius strip, for-
malization, topology.
Recebido
08/05/2009
Aprovado
10/08/2009
Referências bibliográficas
FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Trad.
sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
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de Sigmund Freud, vol. VII).
FREUD, S. (1905). O chiste e suas relações com o inconsciente. Trad.
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FREUD, S. (1920). Mais além do princípio do prazer. Trad. sob a
direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edi-
ção Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud, vol. XVIII).
LACAN, J. (1951). Intervenção sobre a transferência. In: Escritos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
Resumo
A partir do tema proposto, o tempo na análise, e rela-
cionando-o ao conceito de tempo do sujeito do incons-
ciente, o artigo retoma, primeiro, o conceito de tempo a
partir de um ponto de vista histórico-cronológico para
rastrear as diferentes concepções de sujeito do incons-
ciente que Lacan desenvolveu ao longo de seu ensino.
Posteriormente, ressalta-se o tempo efêmero da pulsação
para fazer referência ao real, que aparece na tiquê, no
acidente, no witz e no inesperado. Todas situações nas
quais consegue-se elidir o automatismo significante, sem
deixar de considerar o enlaçamento com o simbólico e
com o imaginário. Em seguida, o artigo trata das par-
ticularidades da análise do sujeito-criança. As mudan-
ças na economia de gozo, experimentadas pela criança
durante o processo podem provocar resistência nos pais.
Palavras-chave
Sujeito-criança, separação, trabalho com os pais, nova
economia de desejo, o sintoma e o gozo.
Abstract
Starting from the proposed theme, “Time in the analy-
sis” and adding the concept of “The time of the subject
of the unconscious”, the article takes first the concept
of time in an historical point of view in order to follow
the several definitions of subject of the unconscious that
Lacan developed throughout his teaching. The article
emphasizes the ephemeral time of the pulsation to refer
especially to the Real, which appears in the tyche, the
accident, the “witz”, the surprise. All of them circums-
tances in which the authomaton of the signifiers chain is
avoided without disregarding the knot created with the
Keywords
Subject-child, separation, work with parents, new eco-
nomy of desire, symptom and juissance.
Recebido
08/05/2009
Aprovado
28/06/2009
Referências bibliográficas
FREUD, S. (1932). Conferência XXXIV: Explicações, aplicações e
orientações. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janei-
ro: Imago, 1996. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicoló-
gicas Completas de Sigmund Freud, vol. XXII).
LACAN, J. (1949). Reglamento y doctrina de la comisión de en-
señanza. In: MILLER, J.A., Escisión, Excomunión, Disolución
– Tres momentos en la vida de Jacques Lacan. Buenos Aires: Ed.
Manantial, 1987.
Resumo
A partir do resgate da noção de “antecipação”, matiz
temporal do significante que consideramos esquecido pe-
los psicanalistas lacanianos, e mediante uma revisão dos
valores do termo Nachträglich em alemão e uma crítica à
sua equivalência com o aprés-coup francês, este trabalho
pretende apresentar uma lógica possível para o trabalho
com pais e parentes na clínica psicanalítica lacaniana
com crianças. Se o sujeito não coincide com pessoa al-
guma, e se nos casos de consulta por uma criança falam,
efetivamente, muitas pessoas (que aqui reduzimos à du-
pla “pais e parentes”), a possibilidade de incluí-las em
um dispositivo de frequência fixa (tal é nossa proposta)
permitiria não chegar sempre tarde a situações de crise e,
inclusive antecipá-las.
Palavras-chave
Antecipação, retroação, psicanálise com crianças,
significante, dispositivo.
Keywords
Anticipation, retroaction, psychoanalysis of children,
signifier, device.
Recebido
16/04/2009
Aprovado
06/08/2009
Palavras-chave
Encontro Internacional, organização,
causas e consequências.
Keywords
International Meeting, organization, causes and conse-
quences.
Recebido
07/05/2009
Aprovado
01/07/2009
E agora, após tudo quanto acaba de ser dito, só resta perguntar: que
é pois o sujeito senão uma posição? Que é ele senão um termo de res-
ponsabilidade face às exigências da pulsão? Que é ele senão o ponto
onde se põe uma responsabilidade pelo gozo e pela causa do desejo?
Que é ele senão uma decisão de assumir – ou não – isso que clama e
ao que não há como não dar sua devida resposta? E que é essa decisão
de assumir – ou não – os empuxos da exigência senão o exercício de
uma responsabilidade? (p. 227).
E de que fala?
Do “estranho familiar” freudiano vivenciado pelo humano na
apreensão da própria imagem; da antipatia/e/ou/fascinação, passí-
veis de serem provocadas pela visão da própria imagem no espelho;
da identificação; da diferenciação; da trilha do envelhecimento; da
aposentadoria; do sujeito que jamais se aposenta, comprometido
com o trabalho não obrigatório nem remunerado; de um conceito
de trabalho em prol do tornar-se sujeito da escolha-escrita pela via
do próprio desejo de viver; de um trabalho que não cessa pró uma
ascensão à humanidade, justo pela animação do Desejo, pelo mo-
vimento topológico de dar-se à aprendizagem de amar também as
Ângela Mucida
Psicanalista, Mestre em Filosofia Contemporânea pela UFMG e
doutoranda em Psicologia/Psicanálise na UFMG. Professora Ad-
junta do Centro Universitário Newton Paiva e coordenadora da es-
pecialização em saúde mental e psicanálise nesta instituição.
AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano
– Fórum de Belo Horizonte, autora de: O sujeito não envelhece –
Psicanálise e velhice (2004/2006) e Escrita de uma memória que
não se apaga – Envelhecimento e velhice (2009).
E-mail: angelamucida@terra.com.br
Antonio Quinet
Psiquiatra, Psicanalista, Doutor em Filosofia pela Universidade de
Paris VII (Vincennes), AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns
do Campo Lacaniano – Fórum do Rio de Janeiro, autor de: 4+1
condições da análise (Jorge Zahar Editor), Teoria e clínica da psi-
cose (Forense Universitária), A descoberta do inconsciente (Jorge
Zahar Editor), Um olhar a mais (Jorge Zahar Editor), A lição de
Charcot (Jorge Zahar Editor), Psicose e laço social (Jorge Zahar
Editor) e Artorquato (Editora 7 Letras).
E-mail: quinet@openlink.com.br
Dominique Fingermann
Psicanalista, AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo La-
caniano – Fórum de São Paulo. Representante do CRIF (Colégio de
Representantes da Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano).
E-mail: dfingermann@terra.com.br
Eliane Fittipaldi
Mestre e Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, lecio-
nou na USP, na PUC-SP e na FGV. Tradutora de mais de trinta li-
vros para diversas editoras e participante da equipe de tradutores que
recebeu o Prêmio Jabuti na categoria “Tradução Científica” em 1979.
Professora de literatura em cursos livres, palestrante no meio acadê-
mico a respeito de crítica literária e teoria da tradução, e em congres-
sos de negócios a respeito de comunicação e educação organizacional.
E-mail: elifitti@ajato.com.br
Érico Nogueira
Poeta, editor (Dicta & Contradicta) e doutorando em Línguas e
Literaturas Clássicas na USP. É autor de O livro de Scardanelli (É
Realizações, 2008).
E-mail: ericonogueira@yahoo.com
Gabriel Lombardi
Médico pela Universidad de Buenos Aires, professor de Clínica Psi-
canalítica na Universidade de Buenos Aires e no Colégio Clínico
de Rio de la Plata; AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do
Campo Lacaniano – Argentina. É autor de vários livros, entre os
quais Clínica y lógica de la autorreferencia.
E-mail: gabriellombardi@arnet.com.ar
Ronaldo Torres
Psicanalista, Mestre e doutorando em Psicologia Clínica pelo Institu-
to de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Membro participante do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo.
E-mail: ronaldotorrescl@gmail.com
Silvana Pessoa
Psicanalista, Especialista em Psicologia Clínica (UFBa), Mestre em
Psicologia e Educação pela Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo, membro-fundador da Associação Científica Campo
Psicanalítico – Salvador. Membro da Escola de Psicanálise dos Fó-
runs do Campo Lacaniano – Fórum de São Paulo. Coordenadora
dos Módulos de Leitura Jacques Lacan das Formações Clínicas do
Campo Lacaniano-SP.
E-mail: silvanapessoa@uol.com.br
Susy Roizin
Licenciada em Psicologia pela Universidade de Buenos Aires. Efe-
tuou residência de Psicologia Clínica com adultos e crianças no
Centro de Saúde Mental de Ramat Hen, em Israel, Membro da
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Tel Aviv
e do Fórum França.
E-mail: susy.roizin@gmail.com
Referências bibliográficas
(outras informações: consultar a nbr 6023 da abnt-2002):