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Organização
Sidnei Sauerbronn
Editora
DOCUPRINT
2006
Sumário
1. Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05
2. Abertura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07
3. Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09
4. Esquina 65 0 – Sidnei Sauerbronn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
5. Depoimento 1 – Antônio Cândido de Oliveira Neto . . . . . . . . . . . . . . . . 33
6. Depoimento 2 – Savério Cristófaro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
7. Depoimento 3 – Armando Capobianco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
8. Depoimento 4 – Eraldo Giovanetti . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
9. Depoimento 5 – Roberto Luiz Moreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
10. Depoimento 6 – Celso Theodoro Araujo Jr. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
11. Depoimento 7 – Wanderley Platinetti . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
12. Depoimento 8 – Erio Girelli e Dagoberto Drago . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
13. Depoimento 9 – Sérgio Augusto Chaves Pergola . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
14. Posfácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211
15. Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214
16. Consultas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
Esquina 65
Apresentação
Abertura
23.39.29 S / 46.31.27 W
No começo eram apenas meninos. Uns tinham nascido ali mesmo, na vizinhança. Outros
foram vindo de um pouco mais distante, de outras infâncias e eram aceitos ou não conforme
um código que nunca fora escrito, mas que, implícita e rigorosamente, acolhia ou rejeitava
sem se entender porque.
Ali, no sossegado cruzamento, formaram um grupo hermético, uma assembléia talvez e
se reuniram em caráter permanente enquanto lapidavam seus temperamentos e cresciam
para a vida.
Durou pouco mais que o tempo de uma adolescência.
Ressalvadas as poucas ocorrências de viagens, não houve um só dia daquele período em
que eu não tivesse estado ali, onde ouvidos sempre havia e a pauta era livre, da mais rasa
futilidade às mais nobres reflexões.
Amizade e disputa, ingenuidade e malícia, seriedade e deboche, inquietação e preguiça
conviviam em harmonia naquele canto. O espírito crítico afiado, a vivacidade e o inesgotável
ânimo para a chacota produziam cenários para saborosos lances de divertida maldade. O riso
era farto e a vítima, desconcertada, acusava claramente o golpe sem guardar ressentimento.
Sabia que sua oportunidade não tardaria. Ninguém escapava. Nada escapava.
A única coisa que lhes escapou e não poderia deixar de assim ser, foi a passagem do tempo
que lhes tomou os sonhos, o ócio, a despreocupação e, por fim, o próprio local de reuniões
para lhes entregar, em sábia contrapartida, a esperada realidade de suas vidas.
A mesma força silenciosa que ignora ilusões e expropria esquinas moveu dali as famílias,
instalou as lojas e permitiu o tráfego intenso.
Relutantes, os meninos se foram. Não mais freqüentam a esquina. É ela que, em alegre
retribuição, os visita agora.
Nós nos preparávamos para o que vinha, Robertinho. Queríamos ser durões. Não podíamos
ficar dizendo o quanto você era querido.
Obrigado, Sidão.
Dago
Setembro de 2006
Esquina 65 - 5
Abertura
Esquina 65.
Esquina 65 - 7
Abertura
colher depoimentos de cada um deles. São oito pessoas e, por trás desta foto, o Antonio
Candido de Oliveira , o Tonico, que fotografou a turma.
Li alguma coisa sobre a representação fotográfica, a questão dos indícios e ou vestígios
para a reconstrução da memória histórica. Assim, estabeleci um roteiro vago para colher
os depoimentos e fui a campo.
Em cada depoimento, antes de fazer qualquer tipo de pergunta, apresentava a foto e pedia
que falassem o que vinha à memória. O tempo era determinado pela duração do 1º lado
da fita cassete. Ao término desse período, partia para perguntas direcionadas e que, nem
sempre, eram as mesmas.
As entrevistas foram realizadas entre abril e novembro de 2004. Não satisfeito resolvi obter
mais depoimentos a partir de outra foto tirada no mesmo dia. Nesta estão presentes, além
dos já mencionados, o Erio e o Dago. Faltou entrevistar o Pergola, pois este se declarou
impossibilitado de ser entrevistado no momento.
Os depoimentos trazem uma série de referências (representações), que acabam sendo
interessantes para o leitor que viveu a época ou busca informações sobre esse período.
Sidão.
São Bernardo do Campo, 40 anos depois.
Esquina 65 - 8
Introdução
Para todos nós existia o campinho, uma quadra abaixo da esquina da turma. Para quem
vivia em São Paulo, estávamos em um subúrbio, chegava-se em Santo André vindo de trem
a partir da Estação da Luz ou de ônibus pelo Parque Dom Pedro. Lembro de professores no
ginásio que desembarcavam na estação em Santo André.
A rua Cesário Mota terminava ou começava a partir da rua General Glicério. Havia uma ponte
sobre um riozinho que, mais tarde canalizado, prolongou a rua Cesário Mota. Essa ponte
tinha uma proteção, três colunas de um metro de altura, atravessadas por três canos. Ali era
uma parada, lugar de se conversar. Como diria o Pinga: e as bostas passando.
O campinho passou por várias transformações. Na década de 60, as margens do rio eram
referências, assim como a linha de trem. Campinho de futebol, jogo de fubecas. Muito barro
e mato. A vidraçaria parecia eterna. Logo perto a Kibon.
Esquina 65 - 9
Introdução
Há uma diferença que eu procurei manter nesse enfoque, não caracterizar a vanguarda
ou os jovens anos de 60, como se fosse essa própria turma. Não são engajados, não são
vanguarda, não são pobres. Duro sim, pobre nunca. Não eram leitores, não pertenciam
a movimentos políticos, como diz um deles: não ia dar certo mesmo. Alienados no velho
jargão – termo que já não serve, não diferencia.
Prá frente e prá trás do ano de 1965. Essa foi a frase repetida para cada qual. Estamos na
década de 60. Música. Comportamento desviante. Pós-JK. Como a estrutura está presente
no cotidiano? Profissão dos pais. Descolamento da família para a turma, “ma non troppo”,
aí está o invisível. Estamos meio que perdidos no 1965. Subúrbio. Estação de trem, uma
passarela, trilho separando o bairro tradicional, do bairro dos novos migrantes na cidade.
Esquina 65 - 10
Introdução
ESQUINA 65.
“Um bisturi de ouro é entregue pela Câmara Municipal de Santo André ao médico andreense
Mário Degni, eleito o Cirurgião do Século.”
“14 de julho. Quarta-feira. O satélite Mariner 4, lançado em 1964 pelos Estados Unidos,
tornou-se o primeiro a enviar fotografias do planeta Marte, transmitidas em 8 horas.”
Esquina 65 - 11
Introdução
1965
Fotografia em branco e preto.
Novembro. O calor não era tanto. Pelo menos na foto sem cores.
Mas se suava.
Sapato sem meia.
Sorvete na foto.
Cruzamento:
Rua Campos Salles com rua Cesário Motta.
Rua da Igreja com rua do Fórum, aquela que ia dar no Cine Carlos Gomes.
Esquina 65 - 12
Introdução
Na foto:
Da esquerda para a direita:
Savério, Wanderley, Roberto, Sérgio, Eraldo, Armando, Sidnei, Celso.
Ou por apelido: Lobão, Sapo, Pinga, Pergola, Gera, Salim, Sidão e Celsinho.
Fotógrafo: Tonico (Antonio Cândido de Oliveira Neto)
Origem:
Feita a pergunta, teríamos:
- Italianos: Capobianco (Salim), Platinetti (Sapo), Giovanetti (Gera), Cristófaro
(Lobão), Pergola (Sergião), Sauerbronn/alemão e italiano (Sidão).
- Portugueses: Theodoro de Araújo (Celsinho) e Moreira (Pinga).
Se fosse feita a pergunta, quem era, ou foi, office-boy?
- Salim (Cartório), Sidão (Rhodia), Celsinho (Candinho), Sapo (Candinho),
Tonico (Cofap).
Se fosse feita a pergunta, profissão dos pais?
- Alfaiate, advogado, engenheiro, bilheteira de cinema, empresário de indústria
de plástico, dono de madeireira e funcionário da Receita Federal.
Se fosse feita a pergunta, que profissão tomaram?
- Engenheiro, vendedor de seguros, madeireiro, advogado, aventureiro, empresário,
sociólogo.
Objetos:
Calça jeans Lee, branca e azul.
Camisa Franita (botões na gola).
Alfaiate Lázaro (calças).
Roberto Moreira era chamado de caneta Bic, pela roupa toda azul.
Na foto é aquele que está a chupar um sorvete.
Sapato sob medida da Pizanina, rua Augusta.
Cigarro Minister.
O carro (Fusca).
Tala larga, bege, chapa embutida, capô liso.
O dono e conseqüência. Foi o primeiro a ter um carro, bateu vários, atropelou o primeiro
imigrante japonês que chegou ao Brasil.
Esquina 65 - 13
Introdução
A ESQUINA, O BAR.
Ponto de encontro.
(a descrição a seguir não é para ser lida com rigor, ela serve para rememorar os lugares e
pessoas).
No centro da foto, um pouco à direita, existia um bar chamado Regina. O proprietário era
o Sr. Eduardo Flores e sua esposa Da. Silvina.
Regina era a filha. Triste figura.
Embaixo dona Gilda/Terezinha. Seu Ernesto. VINHO.
Donos anteriores, e posteriores. Seu Gaúcho, Glenn Miller e Teixeira que encerrou o
“buteco” 10 anos depois-1975.
Quem se colocar no lugar do Salim, aquele que está segurando o estojo da máquina
fotográfica, com o bolso da camisa cheio de coisas, entre elas, um maço de Minister,
estará olhando em sua frente, para o fotógrafo, ou seja, para o Tonico.
No lugar do fotógrafo. Verá ao fundo um prédio em construção.
Descendo essa rua: lado direito, casa do Fídel, Sabiá e Gera, e Guga.
Lado esquerdo, Sbrighi, Nescau, Luis Américo (pé de ameixa).
Passando as casas chega-se a uma ponte, um riozinho, grades com canos de ferro para a
proteção.
No terreno que margeava o rio, montava-se o circo, jogava-se futebol (campinho), virou
depósito de paralelepípedos, hoje não sei. Mais abaixo, a Serraria Sortino.
Logo atrás, passava a linha do trem... Na rua que beirava a linha, se a seguíssemos,
encontraríamos o cine Tangará e, mais à frente, a porteira da Estação de Trem.
Bem ao fundo de tudo isso, as chaminés da Rhodia não cansavam de soltar fumaça. Cheiro
insuportável.
Na posição em que o Salim está na foto, olhando na direção do fotógrafo subiríamos a
Cesário Motta, rua do Fórum. Na primeira quadra a casa do Gabrilli. Subindo a rua: o
sobrado do Dori, Marcolão, portão superior da vila Gabrilli, e na esquina primeira, o Bar
do Noca, televisão Dick Color, Erio, Eduardo (Sabugo) e Ronaldo. Avistaríamos a chaminé
corcunda do restaurante Balderi e estaríamos no Cine Carlos Gomes.
Dobrando à direita, chegaríamos ao Largo da Estátua.
Esquina 65 - 14
Introdução
MAPA DA REGIÃO
Esquina 65 - 15
Introdução
Voltando um pouco:
Na esquina mencionada, se dobrássemos à direita e, a seguir à esquerda, encontraríamos
o salão do Daniel barbeiro, o famoso 100 Nome. E, caminhando estaríamos no largo da
Estátua.
De volta ao ponto inicial:
Pelo lado esquerdo da foto, seguindo, chegaríamos à Igreja do Carmo, Rua Campos Salles,
rua da Igreja.
Antes disso, passaríamos pela casa de Salim/Armandinho Capobianco. Office-boy do
Cartório. Na varanda de sua casa, ouvia-se Enrico Simonetti, Samba 707, Elza Soares e
até Tamba Trio.
Do outro lado da rua:
Antes de chegarmos à igreja, passamos, à direita, frente a uma casa esquisita, de quem
estava se desquitando. Em seguida Padre Plínio, casa do Pinga (Moreira), Savério, Sálvio,
Troglô, Cheu (o intelectual - vinho e bossa nova), Orlandinho (jogos variados) e Fabinho,
casa do canto orfeônico e Celsinho.
Uma quadra antes da Igreja: descendo, à direita, a biquinha. O Leão.
Subindo à esquerda, o Largo da Estátua.
Neste caminhar, o salão 100 Nome do Daniel e o Bilhar do Sr. Pascoal.
De costas para a foto, lado direito, casa do Gabrilli, branca e bonita, e um puta cachorro – o
Zarig. Albertina e Rosângela. Rua Campos Salles e a seguir outro portão da Vila Gabrilli,
entrando Sidão e Miltinho. Seguindo a Campos Salles, Sergião, Pedrão e Sapo. Rádio
Amador.
Cinco esquinas e Casa da Nanci.
Voltando uma quadra desta mesma rua, cruzamento agora com a General Glicério. Uma
esquina antes do local em que a foto foi “batida”, primeira rua à direita, Dago, Garrafa e
Jacques. O clube Bochófilo e o colégio das freiras.
Voltando à foto:
Beatlemania.
Pose.
Blowup. Olhando mais uma vez a foto.
Estávamos nesse cruzamento: rua do Fórum, com rua da Igreja.
Esquina
Esquina 65 - 16
Introdução
Bar
Encontro
Tinha um bueiro em sua frente. Era aí que sentávamos, cuspíamos, e cantávamos: O
Guarani e a Bossa Nova.
Porta aberta do fusca , Pergola olhava atento, o quanto o Celsinho poderia destruir o seu
carro, com as baquetas de quem não foi nunca um músico, somente um bom ouvidor/
gravador.
Sentado ao lado, Sidão.
Novos personagens:
No momento em que foi batida esta foto, outros estavam na casa de Troglô/Márcio, jogando
tênis de mesa. Não vieram para a foto, só o Celsinho. Perderam a chance da imagem.
Outra Foto:
Dago
Erio
Milton Bassaglio
Meninas:
Nanci
Priscila
Giovanna
Maria Alice
Maria Inês
Maria Célia
Mariluce
Maria Nazareth
Marcia
Angela
Mariza
Sonia
Cristina
Gorilona
Esquina 65 - 17
Introdução
Célia
Cleide
Sueli
Bundinha de Arroba
Monique
Sueli
Vera Lucia
Rosângela
Músicas do ano:
Os discos mais vendidos
Revista Intervalo, de 04 a 09 de julho de 1965
Outras músicas:
“Arrastão”
“Samba da Bênção”
Esquina 65 - 18
Introdução
“Carcará”
“Das Rosas”
“Minha Namorada” - Os Cariocas
“O Neguinho e a Senhorita” - Noite Ilustrada
“Pau-de-Arara”
“Pedro Pedreiro”
“Preciso Aprender a Ser Só”
“Quero que vá tudo para o inferno”
“Samba de Verão”
“Trem das onze” - Demônios da Garoa
“Acender as Velas”
“Festa de Arromba”
“Festa do Bolinha”
“Gatinha Manhosa”
“Gatinha Moderna” a da calça Lee
“Joga a chave, meu amor”
“Malvadeza Durão”
“Mascarada”
“Mexericos da Candinha”
“Não quero ver você triste”
“Parei, Olhei”
“Pequena Marcha para um grande amor”
“Primavera”
“Reza”
“Sentimental Demais” - Altemar Dutra
“Terra de Ninguém”
“Upa Neguinho na Estrada” - Elis Regina
“Vinícius e Caymmi no Zum Zum”
“Amore Scusami”
“La casa d’Irene”
“Eight Days a Week”
“A Hard Day´s Night”
“Help!”
Esquina 65 - 19
Introdução
Esquina 65 - 20
Introdução
e Jair Rodrigues.
16 de agosto. Segunda-feira, ou 24 de agosto? É transmitido diretamente do ginásio
Maracananzinho, no Rio de Janeiro, o capítulo final da telenovela “O Direito de Nascer”,
um dos maiores sucessos da teledramaturgia brasileira.
15 de setembro. Estréia a série (USA) Perdidos no Espaço - família Robinson, formada
por um casal e três crianças, o piloto Don West e um sabotador, o professor Smith - em
um planeta do sistema Alpha Centauro.
Estréia da série Feiticeira na TV Paulista
Telecatch. Patrocínio do rum Montilla. Teddy Boy Marino, Tigre Paraguaio e Verdugo.
Roberto Carlos, um dos cantores da juventude de maior sucesso, vai comandar a partir de
setembro, no teatro Record, um novo musical intitulado Jovem Guarda, cujo mandamento
primeiro é tocar as músicas da juventude atual, muito rock e twist e hully-gully.
Cinema:
O cinema, sala escura.
CENÁRIO (voltando à foto):
quando se olha o poste pintado pela metade de branco: uma placa invertida, assinala
Pare!
Comentário: após uma sessão de cinema no Cine Tangará, O Padre e a Moça, filme muito
parado que gerou um comentário sarcástico do Pinga: “Basta ficar filmando essa placa por
15 minutos e está feito um filme nacional“.
A ausência de outras formas de acesso à cultura.
O Jornal da tela.
CINE Tangará:
início de sessão, as luzes
Girar pelos... corredores
Filmes:
Vagas Estrelas da Ursa. Claudia Cardinale. Luchino Visconti.
Doutor Jivago. O bigode que virou moda.
A Hora e a Vez de Augusto Matraga.
My fair Lady.
Esses Homens Maravilhosos e suas Máquinas Voadoras.
Esquina 65 - 21
Introdução
Mulher de Palha.
O Puritano da Rua Augusta—Mazzaropi.
Hércules.
A conjuntura.
O início da ditadura.
Classe média?
AS DISCUSSÕES.
A bebida.
O livro.
A poesia.
As aspirações.
O bairro - a cidade e
São Paulo: só de trem?
Esquina 65 - 22
Introdução
Marechal.
Tiro de guerra.
Cassações e prisões.
Guevara.
Vietnã.
13 de maio. Segunda-feira. O Camboja corta relações diplomáticas com o Estados
Unidos! (Norte-americanos vão destruir bases soviéticas no Vietnã).
Destaque:
Morre Churchill. 89 anos.
15 de fevereiro. Morre Nat King Cole.
Arena conta Zumbi.
Assassinado Malcom X.
Ronnie Cord se casa em S.Paulo.
Corinthians não segura Pelé. O Corinthians perdeu para o Santos de 4 a 3 e desceu para
o segundo lugar do Campeonato.
Os Yarbirds, grupo de rock inglês, substitui seu guitarrista. Sai Eric Clapton e entra Jeff
Beck. Um ano depois, quando Beck formou seu grupo com Rod Stewart nos vocais, os
Yarbirds teriam Jimme Page, que formaria o Led Zeppelin.
Bob Dylan aparece pela primeira vez nas paradas de pop music. Subterramean Homesick
Blues.
Esquina 65 - 23
Introdução
Havia um senhor soturno, que morava na rua Cesário Mota. A sua casa era uma lingüiça,
terreno estreito, ficava entre duas casas bem construídas, a primeira de um promotor a
segunda do empresário Giovanetti.
O senhor, para nós, não era grisalho, quantos anos? 30?
Ao ser traído por sua mulher, ou simplesmente abandonado, virou um ermitão, deixou a
barba crescer, e para nós virou “Fídel”.
Um belo dia tirou toda a sua roupa. Saiu a correr.
Toda noite queimava resto de lenhas.
Só sossegou quando veio a mãe da Gorilona.
Embaixo se alojou.
Cleide se apaixonou pelo filho do promotor.
Esquina 65 - 24
Introdução
Outras palavras:
Unissex Calça Saint-Tropez
Mug (1966) boneco do Wilson Simonal Crush (refrigerante)
Maracanã (Chope) Escrava (pulseira larga)
Máquina de fazer doido (TV) Anel de brucutu (peça do carro VW.
GUERRA FRIA Orifícios por onde saia água para limpar os
Gordini vidros dianteiros do carro)
Maleta 007 Camisa Volta ao Mundo
Dr.Kildare Sandália japonesa (anterior às havaianas)
Mocassin Laquê
Ban-lon (Blusa de malha)
Literatura:
“O festival de besteira que assola o país”. Stanislaw Ponte Preta.
Revista Civilização Brasileira.
Eventos:
01/10/65. Realizado no Cine Santo André o espetáculo musical Linha de Frente, com música
brasileira e a presença, entre outros, do Jongo Trio.
Cine Tangará...Show de Bossa Nova.
No saguão, poltrona circular, sala de espera.
Toilette, bomboniére.
Claudete Soares (1 metro de altura).
Grande atração Elis Regina.
Drops de uísque.
Abertura Zimbo Trio. Garota de Ipanema.
Ary Toledo cantando ....
Elis se apresenta no final, totalmente bêbada.
“Jornal Brasiliense. Agosto de 1965. O jornal divulgava as notícias do Instituto Américo
Brasiliense e tinha como editores os professores Clestenes de Oliveira e Carlos Galante.
Segue a notícia destacada pelo professor Galante: In Extasis - Aproveitando o facultativo
do dia 19, os alunos Michel Wagapoff e Michel Ivanov organizaram um show de poesia
e música com esse sugestivo título. A parte poética esteve a cargo de (sic) LIBERDADE,
Esquina 65 - 25
Introdução
e de Eduardo Santos Lima e Michel Ivanov, que interpretaram versos de Olavo Bilac,
Manuel Bandeira e Camões. Da parte musical encarregou-se o conjunto Os Bossa Quatro,
composto de Arnaldo (contrabaixo), Maurício (flauta), Vitinho (bateria), Rogério (violão)
e Clóvis (piano). Como crooner funcionou o Paulo do curso noturno. A apresentação dos
números esteve a cargo de Diva F. Aquino e a renda reverteu em benefício da comissão da
formatura do clássico.”
Escola Duque de Caxias.
Diretor: Professor LA PATE.
De sala em sala, apresentava uma foto dos beatles. Beatles os cabeludos, coisa que veio
da Inglaterra, mau exemplo. Cabelos...
Foto: SALTANDO NO AR SOBRE PEDREGULHOS.
Esquina 65 - 26
Fotos
Foto 1. A Esquina. Da esquerda para a direita: Savério, Sapo, Moreira, Eraldo, Sergião,
Salim, Sidão e Celsinho.
Esquina 65 - 27
Fotos
Foto 2. Do outro lado da esquina. Da esquerda para a direita: Milton (dentro do Jeep),
Dago, Moreira, Buba, Sidão, Salim, Sapo e Erio.
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Fotos
Esquina 65 - 29
Fotos
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Fotos
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Fotos
Foto 6.
O Bar, 1970. Outra turma. Da esquerda para a direita: a quinta pessoa é o Pedrão.
Esquina 65 - 32
Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
DEPOIMENTO 1
Antônio Cândido de Oliveira Neto
Também: Tonico ou Tunico.
(por trás da câmera)
Esquina 65 - 33
Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
Tonico está com 58 anos no ano de 2004. É formado em Direito, reside em Santo André.
É casado e tem três filhos, todos com estudo superior, ou cursando, no caso a filha. Seu
pai foi um intelectual, possuía livros importados sobre: filosofia, alquimia e esotéricos.
Foi Maçom. Apreciava música clássica. Eu lembro que ele tinha um aparelho de som que
captava radio em FM, o que era raro naquela época, pelo menos em Santo André.
No dia 07/04/04, quarta-feira, às 14:30 hs, encontrei o Dago e o Tonico. Fomos almoçar
no restaurante Garoupa, almoçamos filé de pescada com molho de camarão e lula a doré.
Não consumimos bebidas alcóolicas.
Fazia uns cinco anos que eu não conversava com ele. Contei a ele que estava querendo
construir um sítio na Internet, contendo registro de memória de nossa turma. A construção
das páginas seria feita a partir de depoimentos de nossos amigos que foram fotografados por
ele no ano de 1965. Como ele foi o autor das fotos, seria o primeiro a ser entrevistado.
Caímos em memórias e falamos das situações atuais dos antigos amigos.
Falamos de ética entre colegas e da situação de vida do Sapo e Sabiá nos dias de hoje.
Na conversa, o Tonico sugeriu trabalhar com outras fotos de outra época.
Expliquei o limite de enfoque nessas fotos: as fotos poderiam ser apresentadas, aproveitadas,
mas os depoimentos seriam em cima dessa, de 1965, pois, se fosse realizar os depoimentos
sobre as demais, não terminaria nunca.
Houve brincadeira por parte do Tonico sobre o termo de responsabilidade pela entrevista,
eu disse que devolveria a entrevista para ser autenticada.
Comentei que algumas pessoas da foto me incomodam no relacionamento pessoal, foi, de
certa maneira, relembrado este mal-estar.
De toda nossa conversa, entre o Dago, eu e o Tonico; percebe-se que há uma bestificação
com o presente em relação à simplicidade do passado. Saiu discussão sobre ética individual
em um grupo de gente simples.
O Tonico diz que não vota em mais ninguém: o maior problema é justiça.
Fiquei de ligar para marcar uma entrevista.
Depois de muitos telefonemas, marcamos que ela ocorreria em minha casa (o que não seria
ideal). Por conta dele, combinamos o encontro em seu escritório de advocacia, situado na
rua Abílio Soares.
No dia 21/04/04, quarta-feira, às 11:00 hs encontrei-o em seu escritório. Escritório
equipado com 2 computadores, estantes cheias de livros de Direito, 6x4metros, nada
moderno. O escritório é dividido com um sócio. E para quem tem sócio, tem...
Esquina 65 - 35
Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
Tonico: Primeira impressão, primeira coisa é uma sensação de saudades de uma coisa que
ficou de repente, parece até que de repente.
Ano de 65 né?
Tonico: Ficou longe apesar de ser 1965. Porque, hoje, olhando prá trás, eu acho que eu era
muito ingênuo (tom arrastado). Acho que era muito ingênuo (repete).
No quê?
Tonico: Prá própria situação em que a gente estava vivendo. Tinha percepção do que estava
acontecendo (é evidente, mas eu tinha uma certa ingenuidade, talvez, na maneira de pensar)
ou de querer ter uma atitude que não tinha, não sei se estou me expressando bem, mas a
forma, uma coisa assim, quer dizer, isso vai além da foto.
Procuro analisar, pensar em termos de como pensava, de como víamos a coisa, mais ou
menos isso.
Não sei se era esse o ponto que você estava procurando
Eu vi essa foto muito mais que você, apesar que foi você quem a tirou.
Tonico: Eu acho que, aí, mostra sim. Essa fotografia mostra de que tipo que a gente era,
que espécie, o padrão de vida que a gente tinha.
Esquina 65 - 36
Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
Eu lembro deste poste, tinha um sinal de pare nesta foto. Fomos ao cine Tangará e assistimos ao filme o Padre e a Moça, o
Moreira ficou indignado.
Tonico: Foi com o Paulo José não foi?
Esquina 65 - 37
Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
O filme era cabeça, o Pinga [Moreira] comentou várias vezes: Esses brasileiros. Era só pegar uma câmera e deixar filmando a
placa de trânsito “ pare” durante meia hora, vira obra de arte. Ficava puto com qualquer novidade.
[apresentei a foto 3]
Esquina 65 - 38
Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
Esquina 65 - 39
Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
que era um grupo de milionários; estou descrevendo o padrão que a gente tinha, mostra o
nosso status.
Outra coisa nessa fotografia, não tem mulher. Por que hein?
Tonico: É interessante a pergunta. Era terrível. O grupo tinha uma certa perversidade,
você arrumava uma namorada, o bando via uma porrada de defeitos; então se tivesse uma
mulher aqui, ela estava danada.
O grupo era muito severo, a mulher tinha que ter um padrão estético... era um clube do
bolinha.
Cinema e TV.
Tonico: A televisão era um zero à esquerda, o negócio era o cinema. Depois começou a
chegar o negócio de teatro. A televisão era um terceiro esquema, tinha alguns que eram
chegados na televisão, Sergião era o mais chegado. A TV era em branco e preto. Essa época
era a da novela Beto Rockfeller talvez um pouco mais prá frente, o galã era o Luiz Gustavo,
aparecia em bailes de formatura.
Política.
Tonico: Tinha alguma noção do que era certo e errado, não tão alienado de não enxergar.
Daquele tempo o que eu lembro em relação com a política era das passeatas em Santo André,
o Vandré tinha influência na região, era chegado nesse pedaço, ele tinha um relacionamento
com D. Jorge. Apóio isso, era um cara esclarecido. Uma pessoa séria, correta. Não era um
padre de meia tigela, estou enganado? Muito respeitado.
Dramas.
Tonico: Estamos fazendo a impressão de uma época, eu lembro muito do Cheu, era um
contestador, agressivo, hoje seria um xiita. Ele carregava uma revolta. Era estudioso.
Também eu e o Celsinho.
Tonico: Eu tenho a impressão que a postura dele era fruto de um problema que ele tinha,
todo mundo tinha problema, o dele era mais destacado.
Tanto é verdade o que estou falando que por uma palavra mal colocada pelo pai da Terezinha,
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Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
o seu Ernesto, ele deu uma bofetada no rosto daquele homem que já tinha mais de 60 anos
de idade. Isto me marcou até hoje. Foi uma coisa inadmissível. Coisa de moleque. O seu
Ernesto vinha lá da Av. Industrial pedalando a bicicleta, o homem chegava do trabalho, ele
queria jantar, ter o descanso dele, direito dele. Eu acho que às vezes nós abusávamos nas
brincadeiras, vozerio. O homem foi reclamar, gritou para nós termos educação [na verdade ele
veio com uma vassoura dando porrada, nós corremos o Cheu foi o único que ficou parado]. Aí
o homem falou que ali não era a casa dele [do Cheu] que fizesse isso na sua casa. E emendou:
“sua mãe não te deu educação”? O Cheu foi lá e sentou a mão na cara do homem; foi o negócio
de falar da mãe, não que o homem tivesse falado “o seu filho da puta”. É por isso que eu digo,
o cara tinha um problema a mais do que os nossos.
Cinema.
Tonico: Cinema era o Carlos Gomes. A gente também ia ao Tangará. O Carlos Gomes era
mais turma, eu acho. Os filmes eram do Hitchcock. Apareceu o James Bond. Toda vez, quando
terminava o filme, todos diziam que eu imitava o James Bond, jeito de pegar o cigarro, o capote
com a gola levantada.
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Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
era de mudança e nós seguíamos a tradição daquele momento. O país estava mudando e nós
enxergamos, vai falar que enxerguei mal? Tomamos uma decisão no momento certo, nós
enxergamos, nós tínhamos um atraso na nossa vida.
De repente, começamos a ver que tinha muita gente que nós tínhamos amizade e os caras
estavam indo para a faculdade e nós estávamos vendo que era importante fazer faculdade,
trazia conhecimento, ia desenvolver uma profissão a se estabelecer enfim. Eu acho que foi
isso.
Vamos chamar o Sapo, tentamos arrastar e ele não veio, então partimos para nossa
aventura.
O que estava acontecendo no grupo era que o Moreira, o Savério, o Erio, o Dago, esse pessoal
um pouco mais novo, os caras indo para a faculdade e nós fomos ficando nessa bobeira. Nós
tivemos uma visão, tanto nessa questão e vimos que o país estava desenvolvendo. Se era
a ditadura que trouxe uma série de merda, um monte de cagada, teve um lado que trouxe
o progresso, com o exército mandando. Mesmo assim, a gente tinha que admitir que tinha
gente inteligente e muito. E gente com dinheiro ainda por cima, a coisa acabou tendo um
desenvolvimento.
Vamos ser alguma coisa. O que puxou foi o momento. Talvez, se não tivesse tido a revolução
não teríamos feito nada. Por mais que a gente critique tudo isso aí nos trouxe vantagens,
talvez se não houvesse ocorrido a revolução nós não tínhamos voltado a estudar.
A tortura foi mais prá frente. As notícias chegavam esparsas para nós.
Eu lembro daquele congresso da UNE em 63 que teve aqui em Santo André, eu lembro por causa de Rio Claro, tinha o
Chabregas. Ele era da UNE.
Tonico: Quando eu falo que eu era ingênuo. Que a gente só ouvia. Ouvia notícia, concordava
com que ouvia, nós não éramos engajados [ano de 1965].
Posteriormente, ali da turma mesmo, só o Ucha e o Landinho.
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Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
Você trabalhava?
Tonico: Trabalhava, à noite não queria ir para a escola, queria ficar batendo papo. Também
não foi tanto assim que largou a escola e nunca mais voltou. Ficamos um período sem ir à
escola, um tempo, não sei se foi um ano ou dois anos, depois comecei ter consciência.
Porque era mais gotoso ficar batendo papo do que ir para escola?
Tonico: Por que a gente andava atrás de mulher também. De noite, levava as meninas no
paredão lá do... (risada) e diga de passagem que as meninas de que estou falando eram
todas empregadas domésticas, coitadas, não era menina de família tradicional. Isso aí tinha
uma ou outra.
Não era o trabalho que fazia com que a gente não fosse à escola. Tem cara que não fazia porra nenhuma e não ia.
Tonico: O Celsinho não ia, Salim não era chegado. Sergião ia, mas era folgado.
***
Endereço atual.
Tonico: Bairro Bangu. Vila São Pedro vizinho do Parque das Nações depois da linha. Você
atravessava a linha, a gente chamava de Morro Vermelho.
Eu lembro que o Pedrão falava assim: “lá do morro vermelho a gente vê o pico, vê o pico do
Jaraguá”.
Não lembro.
Tonico: E nós contestávamos o Pedrão. Juntamos uma turma, pegamos um carro e subimos
no topo da Rua Antonio Cardoso, [ali era o morro vermelho] em um dia legal, de sol, o céu
estava limpo, dava para avistar o pico. Da minha casa, que é um lugar mais baixo cheguei a
tirar uma fotografia. Imagine como é longe o lugar.
Se você falava que morava no parque [Parque das Nações] era foda, era tudo tido como...,
por isso que eu falei, morar no centro tinha uma importância de, até certo ponto, se achar
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Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
que era melhor que os outros. Prá dizer a verdade sem hipocrisia nenhuma, achava que a
gente era melhor.
Eu cheguei a pensar em escrever uma coisa assim no computador, na medida que vou
lembrando. Andaram acontecendo algumas coisas comigo, talvez isso volte outra vez,
um pró-memória.
Você virou algum agente do DOPS antigo [em relação às anotações que estava fazendo]?
Eu hein.
Tonico: Eu lembro de passar na frente daquele prédio quando a gente ia para Rio Claro de
ônibus, passar na porta daquele prédio. Que temor.
Vou te contar, a Fernanda ficou doente, nós levamos ela no hospital Brasil. Isso aí era umas
11hs da noite: eu a Marcia e a Fernanda, esperando ser atendido. Pouquíssima gente. De
repente, eu ali sentado, vi uma pessoa entrar; falei assim, porra eu acho que é fulano. Não
vou te falar ainda quem é. Achei que poderia estar mais diferente, mas o cara até que estava
bem, quase que igual.
O cara acabou de ser atendido, deu a volta no balcão, quando chegou no saguão, não sei se
foi por que ele me viu ou foi outra pessoa. O cara fez assim, ficou andando com a mão no
rosto tapando metade do rosto.
Quem era?
Pablo, ele me viu e quis disfarçar; quis se esconder.
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Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
Não tou aqui, mas essa fotografia é mais do que se tivesse aqui, sei lá, é uma sensação de
eu ser o espírito dessa fotografia.
É o autor.
Tonico. Tenho essa sensação. Eu acho que todos vão lembrar que fui eu que tirei essa
fotografia. Ela expressa toda uma época em que a gente viveu.
Por que você tem certeza que é o ano de 1965?
Pelo carro.
Tonico. O carro é de 1964.
Mas ele comprou em 1965, fiz uma contagem e cheguei ao mês de novembro , ou estava escrito no verso da foto.
Tonico: Eu lembro que nesse dia fez sol e depois ficou um tempo diferente.
Trabalho?
Tonico: Celsinho no Candinho, Sapo também (risos). Foi tão efêmero isso aí.
Por que Nescau? Olha que apelido que foram dar para o cara. Marcou.
Eu ia falar dos Beatles também. Outro dia estava ouvindo rádio, de repente esbarrei numa
música, PQP!, me deu uma vontade de chorar.
Meninas da época.
Tonico: Lembra da “Forfe”, “Isqueiro Bique”, era uma menina que trabalhava por ali, que era
empregada doméstica, ela tinha o cabelo vermelho, tem uma parada dessa aí.
Lembro de uma que foi namorada do Robertinho também, bem antiga. Conchita ou Rosita,
bem, acho que foi a primeira namorada do Moreira.
Regina Manoel “Bolacha”.
Outra mulher, a Boneca de Pano [empregada do Savério], tinha um problema de queimadura
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Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
no rosto, bastou olhar e surgiu o apelido, coisa terrível. Éramos maldosos, tinha um lado
poético, mas também um lado perverso, vamos ser sinceros.
A biquinha era um marco da cidade, o seu fim foi outro crime, podiam ter deixado um
contorno, era um marco da cidade.
Sugiro um item de palavras proibidas, umas expressões que não se dirigiam para as meninas:
tesão que era proibidíssima, pecaminosa, gostosa.
Caneca de chope Maracanã era um balde de cerveja, nessa época, pegava com as duas
mãos, esquentava pra caramba. Coisa de louco.
É da época a Japona, buclê, cashmere.
Você lembra de uma história que o Erio contava do ônibus. Ele pegou o ônibus para ir para
casa da namorada, a Roseana. Um cara deu uma vomitada sobre um outro. O cashmere
ficou cheio de arrozinho. A gente ria prá caralho com essas histórias.
Literatura?
Tonico: Outro dia eu falei: porra! O Sidão vai ficar perguntando as coisas, acho que não vou
lembrar porra nenhuma. Tem um negócio do Sidão que eu lembrei. O que me veio à cabeça,
coisa mais bonita, a coisa é linda: a história é do Shell Scot dos livros. Era bonito (rindo).
Você lia o livro e interpretava depois, você lia e ninguém precisava ler, o Sabiá era sempre
o criminoso, mesmo que quisesse ler o livro você tinha um modo de narrar , eu tinha que
esperar você ler prá você contar a história, parecia que a gente tava vendo um filme quando
você contava, era um silêncio e todo mundo ficava olhando para o Sabiá , pois na sua
interpretação, sempre tinha um chefão criminoso com características semelhantes a ele. Ao
ver você contar parte da história, eu pensava, vou comprar um livro desse, eu quero ler. Mas
você lia tão rápido essas porras, que não dava tempo de comprar. Acho que você lia um livro
por dia, agora até chorei. Sempre era o Sabiá. O Sabiá também lia os livros, dava “pitacos”
mas você falava, não, não era bem assim.
***
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Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
procura...
Eu já havia realizado uma entrevista com o Savério, o Tonico leu a transcrição do depoimento
e teceu alguns comentários.
Quando conversei com o Savério ele disse que a “Boneca de Pano” era a sua empregada.
Tonico: Essa era outra.
Quando você encontrar com o Dago, fale para ele lembrar do que aconteceu na Cesário
Mota.
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Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
O Savério me falou, acabei lembrando. O Moreira vai lembrar, tinha cavalos... ficava no fundo de uma casa... é vago para
mim. O Sapo andou bicando a menina que morava ali.
Tonico: Eu conheci um Sardinha que morou na Vila Mansueto, era meu vizinho chamava-se
Sardinha, era maquinista da estrada de ferro. Pilotava aquelas máquinas diesel grandes. O
cara era uma figurinha.
Imagine como vai ficar esse negócio, quinze caras lembrando coisas.
Não se estudava, [lendo o que o Savério escreveu] tudo igual. Você analisa um negócio
desse e vai ver que era uma molecada até inteligente. No fim do ano [letivo] até passava. E
a escola dessa época era muito diferente da de hoje.
Era Ita o nome da irmã do Ucha. [lendo texto do Savério quando este se refere às meninas
da época]. As gêmeas da Cesário Mota. Umas meninas bocudas.
A década foi tão acelerada em termos de mudança, que entre 65 e 69, nesses quatro anos, ocorreram tantas coisas. Em cada
ano que se passava já estávamos com outra cabeça, ainda mais pela idade que nós tínhamos.
Você se casou quando, Tonico?
Tonico: Foi em 1973.
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Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
Foi por causa de uma camisa que ele comprou, meio esverdeada, parecia a cor de uma lasanha, acho que foi o Sabugo que
disse: você tá parecendo uma lasanha.
Tonico: Lembra do Brócoli, foi também o Sabugo: “teu cabelo parece um brócoli”. Pegou o
apelido (risos).
Você não vai achar a definição, é um dicionário pequeno. Não tem importância.
Tonico: depois de nossa conversa, acabei lembrando da história do Pedrão com o Sabiá,
da espingarda que foi parar na delegacia de polícia. Também a história daquele negro que
vendia calça Lee, que nós apelidamos de Lee.
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Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
Lembro do Pedrão quando comprou um fusca e voltando de Mauá veio com o freio de mão puxado (risos). Ele era ruim de
dirigir. [anos depois de 1965].
Tonico: O Erio tinha uma história de quando ele começou a dirigir. Quando olhava para o
espelho retrovisor, tinha a impressão que os carros estavam vindo de frente.
O Pedrão chegou com o carro cheio de fumaça, não conseguia descobrir o problema, até que
alguém falou: “porra é o freio de mão puxado”.
Faz anos que não vejo o Pedrão.
O problema é o seguinte, Sidão. É aquilo que a gente tá falando. Uma ou outra coisa vem à
tona, tem coisa que a gente acaba lembrando depois, vai e volta na lembrança.
Você fala, ele fala que politicamente a gente não via nada. Em 1965 até pode ser.
[não responde].
Tonico: Do Rodi, lembra da história do cavalo de corrida, Paulo Roberto Cotrim contava
que o Rodi separou da mulher, a tal de Vera Martinelli. O velho Martinelli disse que dava
qualquer coisa para ele se separar da filha, encheu ele de dinheiro, ele saiu do casamento,
e o que fez com a grana? Comprou um cavalo de corrida. Diz que reuniu os amigos (que
era aquela turma do Quitandinha) para ver o cavalo que ele tinha correr no Jockei , só que
deram tanta droga pro cavalo... o cavalo quando foi fazer a curva, não conseguiu e passou
reto (risos).
O Savério tem uma foto da turma que ele vai me mandar; um jogo de futebol; nesta foto, aparece o Rodi e o Jacaré.
[lembrou de marcas de cigarro].
Tonico: Isso aqui não vou dizer que é quase infinito, mas tem coisa pra caramba.
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Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
Um infinito.
Tonico: quem era o Dal Pino? [lendo o texto do Savério].
Negócio de política, 1965, o pai do Savério era candidato a vice- prefeito, e política não chegava em nós, não é estranho?
Os adultos não falavam?
Tonico: É aí que eu falo prá você, nós éramos alheios.
[pai do Tonico e avô comentavam em casa.]
Eu quero lembrar que teve, não me lembro o ano, mas nós tivemos um impeachment na cidade, que
ano foi isso? Caramba, foi antes disso, antes de 1964, deve ser em 1961.
Outra coisa tô lembrando agora, quando a gente jogava ovo nos ônibus. Passava ônibus, lembra, era na esquina da
Campos Salles com a Siqueira Campos. A gente jogava e depois corria para a casa do Celsinho que era perto dessa esquina.
Lembra?
Tonico: Lembro de um ovo jogado no Colégio das freiras. Aí nós éramos bem crianças [nem
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Depoimento 01 – Antônio Cândido de Oliveira Neto
tanto], nós não fazíamos esse tipo de coisa. Muito criança... Houve aquele ovo jogado na
festa junina no Colégio das freiras. Não foi uma coisa que se aprontava sistematicamente.
Uma coisa feia jogar ovos, quando era criança ainda passa.
Professor Lazarini [fotografia do diretor do ginásio Santo André], esse homem andou atrás
do Sapo. Pro Sapo estudar né, esse homem ligava prá casa do Sapo só prá ele ir fazer
prova. Convocava. Esse homem era uma excelente pessoa. Quem, hoje em dia, ia chegar
a ponto de ligar para a casa do aluno? Impressionante!
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Depoimento 02 – Savério Cristófaro
DEPOIMENTO 2
Savério Cristófaro.
Também: Lobão, Lupa, Ceruleano, Cerulha.
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Depoimento 02 – Savério Cristófaro
Savério está com 55 anos [ano de 2004], casado, dois filhos. Estudou Engenharia. Atualmente
tem uma empresa de transformação de plásticos. É um empresário bem-sucedido.
O primeiro contato foi por telefone no dia 06/05/04. Expliquei a idéia de se trabalhar a
memória de nossa turma a partir de uma foto onde ele está presente. Disse que não poderia
me encontrar, pois iria viajar para Itália, e só voltaria no fim de junho. Falou de maneira
firme, um tanto quanto... Achei que seria impossível a conversa.
Terça-feira dia 23/06/04 liguei e fiquei de enviar um e-mail com a foto e um roteiro de
entrevista. Enviei o e-mail com a foto e o roteiro do que eu pretendia perguntar. Marcamos
um encontro em seu apartamento.
Quarta feira 30/06/04, 20:00hs. Apartamento na Av. Portugal. Fim da avenida Portugal.
Acabei demorando para encontrar o endereço, pois, o fim da avenida para mim era o começo.
Bairro “chique” do Centro. Comércio e edifícios de alto padrão residencial. Afável. Piso de
madeira. Ambiente marrom, beje, sofás encapados de branco, uísque. Na sala, TV 30”. Sala
de jantar com seus devidos 10m². Ficamos em uma saleta ao lado. Me recebeu bem vestido,
sozinho, até fumou um cigarro escondido.
Deu a idéia de se fazer uma publicação, marcar um novo encontro da turma. Pessoa
organizada, pastas no escritório, também bem organizado. Mais tarde chegou a sua esposa,
Vera. Savério entusiasmado, falador, bom humor. Cobrando sistematização das coletas.
Tranqüilidade.
Quando eu indaguei sobre dramas nessa época, diz que não havia. O único que vivia na fossa
era o Sidão, ou seja, eu. Diz que ele era alegre.
Savério foi morar na rua Campos Salles [a da foto] porque o pai foi candidato a vice- prefeito
junto com Fioravante Zampol a prefeito. Perderam a eleição. Havia sido vereador duas vezes,
foi presidente da Câmara Municipal, perdeu a casa em que eles moravam no bairro Jardim.
Morava em casa alugada, onde se realizava uma série de “trotes” por telefone, uma mania
da época. A casa pertencia ao tio do Troglô. O seu pai tinha um escritório, de causas
trabalhistas.
Estava no primeiro ano do científico, no Colégio Estadual Américo Brasiliense. O que mais
lembra da vida escolar é o momento do curso de admissão. Estudou o primeiro ano no
Duque de Caxias e depois foi para o Grupo.
Descreveu uma morena que sempre passava pela esquina.
Apoiei o material de pesquisa em uma pequena mesa, entre duas garrafas de uísque.
Aparelho de som e discos em vinil.
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Depoimento 02 – Savério Cristófaro
Savério: Começo de conversa: eu não sou bom prá falar, eu sei escrever. Então preparei
esse texto. Começou uma leitura pausada e comentada.
TURMA DA ESQUINA
A FOTO DE 1965
Celsinho, Cidão, Salim, Eraldo, Serjão, Pinga, Sapo e eu [leitura da foto a partir da direita para
a esquerda]. Pequena parte da turma. (a turma era muito maior).
Eu com 16/17 anos, no primeiro ano do Científico do Colégio Estadual Américo Brasiliense. A
partir do roteiro:
A ESQUINA E O BAR
Seu Otávio e Dona Rafaela; Eduardinho e Silvina; Teixeira, Tosca & Cia. Não tenho certeza, mas
creio que a gestão nessa época era do Teixeira.
Algumas vezes fomos expulsos da nossa esquina (sempre por pouquíssimo tempo) e ocupávamos
o muro da casa do Salim ou defronte a ela.
Era meu (nosso) abrigo, nosso refúgio. Não lembro de sentir-me tão bem em outro lugar (ou
ter tanto prazer de estar ali). A ansiedade para terminar as obrigações em casa e ir para a
esquina era sempre grande.
Só participavam os “escolhidos” e às vezes tolerava-se a presença de alguns agregados.
Nenhuma pressão, repressão ou controle de quem quer que seja.
Praticamente, nada era levado a sério. Só lazer, divertimento, brincadeiras, altos (e baixos)
papos e, sobretudo gozação. Muita gozação. Tudo e todos eram motivo para gozação. Parceria,
cumplicidade, agregação.
Eu (nós?) vivia praticamente só o presente. Como é bom viver o presente sem ter que se
preocupar com o futuro.
Não me lembro de muitos momentos de fossa pessoal, ao contrário de outros (Sidão). Lembro-
me de poucos momentos de tristeza como a morte do Carlão, o acidente e a morte do Buba.
Para mim também faziam parte da esquina o América Basquete Clube (ABC) na casa do
Sergião, as “mães da rua”, “uma na mula” e “maceta” em frente à casa do Sabiá, o campinho,
o Sardinha, o pingue-pongue na casa do Landinho, os jogos de pôquer na casa do Pancho e na
minha, os trotes por telefone na minha casa.
Esquina 65 - 56
Depoimento 02 – Savério Cristófaro
O BAIRRO
O país do nosso mundo, naquela época.
Lugar tranqüilo, apesar de ser centro da cidade, pouquíssimo trânsito de veículos, pouco
movimento de pessoas (boa parte conhecíamos de vista e eram alvo de nossos nefastos
comentários, apelidos e toda sorte de gozações).
Estávamos perto de tudo e só andávamos a pé (evidentemente por falta de outra opção).
Santo André, em relação a hoje, era uma cidade pequena e tinha sua identidade. Sentia-me
meio “dono do nosso pedaço”. Quando saía daquela área me sentia em território estranho. A
Vilinha (Vila Gabrilli); a casa do Gabrilli; o bar do Noca; as padarias Leão, Ideal e Matinal; os
cinemas Carlos Gomes e Tangará; as escolas das Freiras, Estadual, Duque de Caxias, Santo
André; o Posto ABC; o Fórum e a Delegacia; a abreugrafia dos Drs Gentil e Galvão; a loja
de produtos ortopédicos do Vagner; a fábrica do Dal Pino e a fundição Girelli são lugares (a
maioria não existe mais) gravados na minha memória.
E a capital do bairro era a nossa esquina.
AS MENINAS
Classificava-as por categorias.
- Nossas irmãs: Maria Célia, Maria Inês, Vilma, Cristininha, Tuta, Nazaré, Ana Maria, minhas
irmãs, Ita, Irmã do Pedrão.
- As feias, motivo de gozações: Isani, Tiróide, Rosário (Topete de Galo), etc.
- As que não faziam diferença: Denise Carolo, Laura Daniel, gêmeas da Cezário Mota,
namorada do Juliano Lera.
- As desejadas (mas praticamente inatingíveis), algumas do Estadual, algumas do Colégio
Esquina 65 - 57
Depoimento 02 – Savério Cristófaro
das Freiras e outras mais velhas que passavam pela Campos Sales na ida e na volta do
trabalho. Todas na mira como objetivos permanentes.
- As “dadas”: Madalena e suas amigas, Carcará (eram raríssimas).
O QUE SE LIA
Shell Scott (só o Cidão).
O Cruzeiro, Manchete, Fatos e Fotos, Seleções.
Fantasma, Capitão Marvel, Mandrake, Pato Donald & Cia.
Carlos Zéfiro e similares.
O Homem Que Calculava, Itai. O Menino Das Selvas, Meu Pé De Laranja Lima, etc., para
cumprir trabalhos escolares ou por imposição dos pais.
MÚSICA
Beatles, Juca Chaves, Ray Conniff, Bossa Nova, Jovem Guarda, Nat King Cole, Italianas
(Pepino Di Capri, Sérgio Endrigo, Pino Donagio, Nico Fidenco e outros).
CINEMA
Épicos com Steve Reeves, Os Dez Mandamentos, Ben-Hur.
Comédias com Jerry Lewis, Peter Sellers.
Aventuras como “007”.
TV
Festivais de música, O fino da bossa, Jovem Guarda, Família Trapo, Praça da Alegria.
CONJUNTURA
O MOMENTO
A década que mudou o mundo, apesar de não termos tido a total percepção disto.
Os jovens, principalmente, começaram a contestar o “status quo” da época e a vulgaridade
das sociedades. Questionamentos, protestos e atitudes com relação a questões raciais,
cidadania, feminismo e liberdade sexual com as pílulas. Mais tolerância com as drogas.
Esquina 65 - 58
Depoimento 02 – Savério Cristófaro
Enormes mudanças na música com os Beatles, a Bossa Nova e no cinema. Quase tudo
resumido em “Woodstock”.
Na política, as ditaduras de esquerda e direita aprofundavam a Guerra Fria.
No Brasil começávamos 20 anos de ditadura de direita cujas consequências todos conhecemos.
Na ciência, um progresso muito rápido, o homem quase desembarcando na Lua.
DESTAQUES
Revolução de 64, assassinatos de Kennedy e Luther King, Muro de Berlim, Guerra do Vietnã,
corrida espacial, Revolução Cultural.
EVENTOS
O CAMPINHO
Sem esquecer a cocheira do Sardinha.
O campinho teve fases, das quais eu me lembro:
- Tudo mato, parte alagada, muita taboa, onde navegamos com o barco de madeira do
Pinga. Também caçávamos rãs.
- Fase de aterramento e terraplanagem: brincamos muito de guerra com estilingue e bolinhas
de argila, construímos “fortes” de barro.
-Campinho de futebol: por absoluta falta de habilidade, jogava só no 2o time. Acompanhavam-
me outros inábeis como o Celsinho, o Erio, o Dago.
Também era lugar dos papagaios nas férias de Julho.
Nos meses de Junho servia, como Central de Detecção de Balões, os quais eram pegos por
nós. Chegamos a ter a melhor equipe de caça balões de Santo André.
Vez ou outra era montado um circo. Não me recordo claramente, mas acho que por morarmos
nas imediações e ali ser nosso lugar de lazer, o pessoal do circo não se incomodava com a
nossa presença constante, circulando pelos camarins, jaulas dos animais, assistindo ensaios.
Impossível esquecer, nessa fase, o lendário Hélio Rossi.
O AMBIENTE
Muito tranquilo, sem a correria de hoje. Em termos de segurança, os riscos eram tão pequenos
que nem se pensava nisso. Ficávamos na rua até altas horas da noite e nunca houve qualquer
Esquina 65 - 59
Depoimento 02 – Savério Cristófaro
ocorrência. Qualquer acontecimento mais grave imediatamente virava notícia e era, por
muito tempo, alvo de comentários.
Era também um ambiente mais saudável. Não havia poluição, a maioria das atividades,
físicas ou não, eram ao ar livre. Um dos acontecimentos da época era ir, de bicicleta, até a
represa, num trajeto de mais de 20 km, em grupos de 20 ou mais meninos, com idade entre
14 e 17 anos. Hoje, o trânsito caótico, o trajeto passando por favelas e lugares inseguros,
correndo toda a sorte de riscos, isso seria impensável.
AS PESSOAS
Eram mais simples, mais despojadas, mais autênticas, mais solidárias, mais educadas.
Apesar da irreverência própria de adolescentes havia muito mais respeito e civilidade.
Não havia a absurda competição social que há hoje e que afeta a maioria das pessoas,
gerando grandes frustrações.
Falando em pessoas, como não lembrar de figuras tão folclóricas como Valcinir, Emestinho e
Dona Gilda, Noca, Danilinho, Seu Tomás, Rodi, Chiquinho e muitas outras.
OS OBJETOS
Cintos do Lasanha
Calças Lee e de Tergal
Sapato Índio Mock (da Clark)
Camisas de Ban-Lon e Volta ao Mundo
Perfumes Lancaster e Pinho Silvestre
Cigarros Luiz XV e Minister
Caneta Tinteiro
Rádio e TV a válvulas
Gravador de rolos
Coador de café de pano
Fusca, Dauphine, Gordini, DKW, Aero Willis e Simca Chambord
Grapete, Cerejinha e Crush
Lambreta e Mobilete
Esquina 65 - 60
Depoimento 02 – Savério Cristófaro
A ESCOLA
Estadual. Os melhores anos da minha juventude.
Turmas de escola fantásticas (sempre tendo como base a nossa turma da esquina). Sabiá,
Erio, Dago, Ronaldo e outros agregados excepcionais. Éramos a turma de maior destaque do
nosso período e estávamos sempre em evidência com as meninas.
Não esqueço da Fanfarra. Sentia-me um ser superior.
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Depoimento 03 – Armando Capobianco
DEPOIMENTO 3
Armando Capobianco.
Também: Salim ou Armandinho.
Esquina 65 - 63
Depoimento 03 – Armando Capobianco
Salim está com 54 anos no ano de 2004. Na época da foto estava com 15 anos. E está
casado. Não tem filhos. É empresário, sócio de uma indústria de confecção de roupas
jeans, com filiais de revendas em outros Estados. Começou um curso de Contabilidade
e não terminou. Não o via desde 1987. Trabalha junto com a mulher e o seu cunhado.
Atarefado. Não se envolveu em dizer sobre o bairro. Levantou no meio da entrevista para
atender cliente. Chovia, muito frio.
Comecei a procurar o Salim no dia 04/07/04. Falei com o Dago, não achava na lista
telefônica. No dia 07/07/04, Dago liga diz que não conseguiu localizá-lo. O telefone é
misterioso, ninguém quer atender. Consultou a lista telefônica e nada. Chegou ao número
!!!. A confecção não tem o nome na lista.
Achei na Internet: A confecção foi fundada em 1986, e tem o seu nome inspirado num
campeão de turfe. Possui 500 funcionários.
Liguei as 22:15hs. O vigia me respondeu “a essa hora”?
Respondi “pensei que fosse da residência”.
Liguei no dia 08/07/04. Não consegui. Tonico tem o número do celular.
Consegui falar com Salim às 15h. depois de ter ligado às 13h40.
Bem receptivo.
Fiquei de enviar foto por e-mail. Depois, marcar encontro.
Enviei um roteiro e a foto de 1965 (ampliei a foto no micro).
Observei no e-mail o objetivo do encontro: montar um site e ou uma publicação, fazer
uma memória dessa época. Informei que estava conversando e gravando com cada um
dos presentes na foto, e que poderíamos nos reunir e em conjunto montar qualquer outra
coisa.
Encontro marcado 20/07/04 15h na confecção. Enquanto dirigia o carro uma certa
emoção me envolveu. Chovia e fazia muito frio.
A confecção está localizada em uma antiga fábrica que pertencia ao pai do Enderson
[Sabiá] e do Eraldo.
Aguardei para ser atendido em uma sala de espera. Depois de 10 minutos ele apareceu,
cabelos grisalhos, vestido com um casaco de couro. Alegre.
Tomamos café em uma padaria. Bem-humorado e com certa emoção. Perguntou quanto
tempo eu estava casado e de minha família.
Voltamos para um escritório no interior da fábrica de onde se avistava cerca de 50
funcionárias operando máquinas de confecção. Tudo muito limpo. Aí não se fuma.
Esquina 65 - 65
Depoimento 03 – Armando Capobianco
Você lembra de alguma coisa, a turma, o bar? Olhando para foto[1] o que vem á sua cabeça?
[Salim olhando a foto 1, que já havia sido enviada antes...]
Salim: O que me vem na cabeça, começando..., olha se começar falando do Celsinho,
nós ficamos aqui até amanhã. Você lembra, não sei se você estava junto, o negócio da
mamona. O Celsinho já levantava invocado né, levantava super invocado. Quando a mãe
dele chamava, ele levantava nervoso prá cacete, com mau humor.
No terreno do lado do bar tinha umas mamonas, um pé de mamona. Nós descíamos e
pegávamos os cachos de mamona e esperávamos o Celsinho vir. Pegávamos os cachos e
atacávamos nele. Ele ficava puto, você nunca participou disso (pausa).
Lembra, ele falava: pelo amor de Deus, não faz isso. Pelo amor de Deus.
A gente pegava a mamona, não atirava, botava no cacho, e depois atirava. O cara queria
morrer, você lembra?
Foi num dia desses que o Celsinho quebrou o cabo de vassoura no Ernestinho (risos). Pai
da Terezinha. Nesse dia das mamonas. O cara ficou louco.
E quando nós íamos acordar ele (risos) tocando berimbau?
A gente ia acordar ele só de sacanagem. A mãe dele gostava que a gente fosse acordar ele.
O Netinho tinha um berimbau que ficava em cima da cama.
“Filhos das putas, vocês vão me matar!” Dizia o Celsinho.
Ele deu uma porrada no pai dele, ou na mãe? Quando foi ser acordado, ele quase matou
o pai e a mãe. Acho que foi o pai. O pai foi acordar. Celsinho não tem fim. Ele tinha um
pedaço de pau, um porrete, escondido.
Esquina 65 - 66
Depoimento 03 – Armando Capobianco
Eu ia por que a minha mãe ficava na bilheteira do cinema, eu entrava de graça, o meu primo/padrinho era o Clelio que era
um dos donos.
Salim: O que vamos falar do Pergola... [foto em frente]
O cabo de telefone [na expectativa de falar sobre]
O pai dele...
Cabo de telefone, Leoneti, Peruinha [DKW], Volksvagem, Mustang, Interlagos e Mercedes,
depois não sei mais.
A gente ia na casa dele, o Pergola tinha tudo.
Lembrei de um negócio, não sei a data. O apito do guarda noturno que você imitava, na varanda da tua casa. Tinha um
guarda noturno por quarteirão, você fazia o mesmo sinal do apito, lembra?
Salim: Não lembro. Tinha aquele guarda-noturno que a gente andava com a bicicleta dele.
Não lembro do apito.
Esquina 65 - 67
Depoimento 03 – Armando Capobianco
todo mundo descendo [rua Cesário Mota], vinha subindo uma puta mulher gostosa do
outro lado da rua, você não estava nesse dia? [não lembro] O Robertinho estava andando
na sarjeta e a gente na calçada e ele ali no meio-fio lembra?
Todo mundo no meio-fio e ele: “gostosa”! Olhando para trás. E deu uma porrada com a
cara no poste [lembrei] (risos).
E a espingarda para matar o Ernestinho. E parece que depois, também o Valcinir que ele
também queria matar.
Lembra do Sapo? Ele estava em todas. Se for falar do Sapo não dá tempo, ele não saía da
esquina.
Chicão do Pandeiro.
Samba 707, não sei se era da época, a gente ouvia alí na sua varanda. [o assunto saiu porque eu estava
mostrando o que eu tinha escrito].
Salim: Era um LP, vinil. Aqui é o seguinte: Rádio Eldorado. Música era na Rádio Eldorado...
O Barquinho, Edu Lobo... música era isso aí.
Savério [olhando a foto]. O lance é aquele. Nós estávamos todos escondidos na casa dele.
[no final da entrevista: uma descrição do que veio a ser o lance].
Naquele dia eu tive sorte, eu vinha vindo e vi todo mundo rindo na calçada quando eu cheguei já se tinha pego quem ali
chegava..
Salim: Agora o seguinte: O Sapo tinha a bicha Batmacumba. Lembra? Ele vinha descendo
a rua cantando “batmacumba iê, iê” [Gilberto Gil 1968?] (risos). Caralho, vivia atrás do
Sapo.
E a bicha carroceira, passeava de carroça, vinha atrás do Sapo, uma bicha portuguesa e
dirigia uma carroça.
Esquina 65 - 68
Depoimento 03 – Armando Capobianco
Tinha a bicha do Sabugo no circo. “Hasta luego”. (risos) [o nome dele era Hélio Rossi, o
Savério lembrou].
Salim: Foi com o Sabugo: “Hasta luego”.
Lembra do riozinho?
Salim: Lembro. Não sei quem guardava madeira ali.
Lembra da ilha Porchat ? Quando nós ficamos no apartamento do Guga fomos para a praia com uma garrafa de vinho.
Salim: Não lembro.
Era no Gonzaga., Eu, você, o Guga e o Celsinho. Você tinha um encontro marcado na Ilha Porchat...
Salim: Não lembro desse lance.
E o dia que nós descemos [serra de Santos] com a Kombi do Savério... nós fomos lá na boca
[zona de meretrício no cais], o Pinga tirou o pinto e mijou no chão do carro. PQP!
E quando a gente ia prá Santos sem o Celsinho saber... a gente punha um punhadinho de
areia no sapato e vinha prá cá, chegava aqui tirava o sapato e jogava a areia na frente dele.
“Seus filhos da puta”, ele berrava. (risos)
Se você começar a comentar aqui, nós vamos longe.
Nem dá tempo.
Salim: O Sapo tem muito lance.
O baixinho que você fala é o “Vaderlei” [ele falava errado o nome Wanderley], ele falava pro
Sapo: “vamos catá peixinho atrás da linha” (risos).
Você lembra uma vez que nós fomos na casa do Machadinho. Nós acabamos com a festa,
vândalos, arrancando todos os fios. [Gelo na privada].
Esquina 65 - 69
Depoimento 03 – Armando Capobianco
Você falou em gelo, lembra do ovo atirado na festa no colégio das freiras, alguém lembrou
do ovo?
E o lance da caixa d’água. Você lembrou?
Subir na caixa d’água.
Você tinha uma coleção de gibi... a gente subia na caixa e ia ler gibi lá. O Jane [Gianni] ficava
fudido. Você não tinha lembrado disso?
Era o clube do gibi, que “catso” que era?
A gente ia ler gibi lá.
No barracão da minha casa lembra. Não lembro como a gente chamava. [ABC. América Basquete Clube].
E a escola o que era na época?
Salim: Eu, em 1965, estava estudando no Senador Flaquer (baixa o tom) a maioria estudava
na Estadual, o Sapo, o Celsinho no Duque de Caxias (voz rápida), você no Duque.
Eu vou falar com ele, começo com Moreira, depois Robertinho e finalmente Pinga [Pinga é um apelido].
Salim: Puxa, você lembra da bicha Cabral. O Sapo gostava muito de bicha.
Esquina 65 - 70
Depoimento 03 – Armando Capobianco
Televisão na época?
Salim: Não era chegado em televisão, preferia ficar na rua a noite inteira. Não lembro
nada de televisão.
O que se lia?
Salim: Também não era chegado à leitura.
E o bife acebolado do Pergola?
Não lembro nada do Erio e do Dago. Engraçado; do Erio... o que eu lembro é da namorada
dele. Lembro da namorada dele, que ele falava que era “gatucha”. [Roseana].
Do Dago lembro de um amigo que ele trouxe do Paraná, Curitiba, era vizinho.
Do Gera não tem nada, que eu lembre.
Era bem mais novo.
Esquina 65 - 71
Depoimento 03 – Armando Capobianco
O cara fez eu pagar a televisão. O cara não deixava a gente ir embora. Pois eu tinha que
pagar a televisão. Uma sexta-feira antes, eu fui lá e quebrei a televisão. Foi um “salseiro”
do caramba. PQP!
O cara... Ele queria que eu pagasse a televisão...
Nem lembro onde nós ficamos.
Surra?
A surra que o Pedrão levou na esquina, da Ernestina, a mulher do Eduardinho.
Agora lembrei, a porta do bar estava abaixada. No domingo, o bar não abria, a turma se reunia em frente.
Salim: Ela estava ouvindo e ele contando a história oh! Rapaz, ela saiu com tudo, deu uma
puta surra nele [história inventada sobre ela].
Vou te passar mais fotos, a conversa com o Savério está aqui, vou te mandar a do Tonico.
Salim: Aqui está o Jeep do Aladino: “cadê la neve” [apelido dado ao Jeep]. [na verdade
era o Jeep do Milton Bassaglio]
Lembra do burro [cavalo]. “Cadê la neve” a gente andava nele, o cavalo branco apareceu
em frente ao jeep do Aladino. Quase matamos o cavalo aquele dia. “Cadê la neve” porra!
Você foi na excursão de bicicleta para a represa, para pescar. Não sei se nós fomos para
cevar ou jogar pedra (rindo) na turma do barranco. Todo mundo pescando: o Enderson, o
Sabugo... Chegou uma hora que ninguém queria saber de mais merda nenhuma, pegávamos
aquelas pedronas e todo mundo pescando.
Esquina 65 - 72
Depoimento 03 – Armando Capobianco
Começou que eu pegava as pedras, subia em cima do barranco e, numa dessas, pegamos
uma pedra, eu não sei mais quantos, pegávamos aquelas pedras, não lembro direito,
pegamos uma pedra e gritamos: “ceva!” O Enderson estava pescando. Quando a gente
atirava as pedras era por cima da cabeça dele e caía na água. Jogamos na ceva dele.
Conforme nós jogamos, o Enderson levantou e a pedra pegou na cabeça dele. Caiu no
chão. (risos). Ele caiu no chão (risos).
Nós fomos mais do que uma vez para a represa. [represa Billings].
Salim: Essa foi demais. Bicicleta eu não tinha, nem sei como eu fui parar nesse caminho.[o
Pergola tinha 2 bicicletas, eu ia com uma delas, o Savério ia com a do Milton Macaco]. Não lembro
como eu fui. Minha mãe não dava bicicleta, pôrra. Acho que eu fui de ônibus. Sabugosa
atrás de você. Não, é o Pinga. O Eraldo, eu também estou. [olhando a foto 3 do antigo
campinho de futebol]. E o lance do Sapo fazer halterofilismo.
Ficava o dia inteiro. E qualquer coisa que ele pegava, ficava fazendo exercício. Do Sapo não
dá pra falar grandes coisas, pois ele estava em todas, ele e o Celsinho.
Puta merda. Você começa lembrar as coisas.
Quer lembrar várias coisas.
O que você lembra daí?
[Apresentei parte do que já escrevi].
[barulho de vozes de mulheres da fábrica]
Esquina 65 - 73
Depoimento 03 – Armando Capobianco
Esquina 65 - 74
Depoimento 03 – Armando Capobianco
Esquina 65 - 75
Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
DEPOIMENTO 4
Eraldo Giovanetti.
Também: Gera.
Esquina 65 - 77
Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
Não via o Eraldo desde 1987. Está com 54 anos neste ano de 2004. Sem emprego fixo. Foi
dono de uma confecção de roupas. Casado e tem uma filha. Cursou até o ensino médio.
Não foi fácil localizar o Eraldo. Todos com quem me comuniquei diziam que ele estava morando
em Santos, portanto, deveria ir até lá. Conversa vai, conversa vem, Tonico no dia 30 de agosto
de 2004, me deu o telefone do Sabiá (irmão do Eraldo). Liguei para ele e consegui o telefone
do Eraldo. Marquei o encontro.
Fazia frio. Prédio classe média alta... põe alta. Vive com a mãe. A esposa mora em Santos.
Não utiliza a Internet, mas pediu para enviar as fotos para sua mulher em Santos. A sala do
apartamento deve ter uns 40 m². Imensa mesa de tampo de vidro para acomodar 20 pessoas.
Me recebeu de robe azul e meias brancas. Parecia um mafioso. Demos muitas risadas. Diz que
se vestiu assim para me receber. Sentou na cabeceira da mesa e disse que fazia questão de
sentar lá. Como música de fundo, acessou uma rádio que só toca músicas suaves da década
de 60. Tomamos várias latas de cerveja. Quando cheguei, a empregada, de uniforme, havia
servido café. Este ficou intocado. O Gera diz que foi um teste. Se eu tomasse o café, não se
beberiam as cervejas.
Em nossa conversa, cada frase é declarada sob risos e risadas. Eraldo emite risos em cada
frase. O encontro no dia 5 de outubro de 2004, foi no apartamento de sua mãe...
(chovia).
***
05/10/04 às 15h.
Tempo de gravação: 1 hora e 30´
[Fundo musical nostálgico. Sintonia em uma rádio FM].
Eraldo: Fiz tudo calculado. É a rádio para o momento. É o que o momento exige.
[apresentei as fotos em tamanho reduzido].
Esquina 65 - 79
Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
Celsinho.
Eraldo: Macarthney [Celso], não dá para ver a cara dele. Olha o sapatinho dele.
Lupa [Savério]; Pergolão [Sérgio]. Olha a cara de pateta.
Ele está preocupado com as baquetas. [Celsinho na foto].
Batendo na roda e no capô.
E esse aqui?
Sapo.
Eraldo: Não é possível. Não é possível! Esse mudou prá caralho. Se você ver, você ver,
vai ficar...você vai ter um derrame! Eu o vejo, tá assim magro [contraindo a bochecha],
careca. Não consegui identificá-lo na foto. Prá ver como está difícil o negócio. Olha o
bracinho, imitando o Roberto Carlos. O Lobão eu vejo sempre, tá parecido...
Pinga tá igual. De todos o Sapo é que está fora do padrão de reconhecimento. Pinga com
sorvete. Que coisa, hein?
Sauerbronn [Sidão] pensativo né, olhar para longe, era assim mesmo.
Outro dia estava lembrando, porque eu falei para minha mulher: “Não vejo o cara faz dez
anos”. Sidão, caralho!
Tava lembrando do divertimento que Aladino tinha, na sauna prá te espremer espinhas
(rindo). Ele falava: “que grande” e todo mundo olhando. E você não querendo. Ele falava:
“pera aí, vira aí”. Não tinha como escapar dele (risada).
Ele deu uma ducha, escorria sangue, foi na sauna do Celsinho Sampaio. Não vou esquecer
jamais isso (rindo).
Puta ensangüentado. PQP.
Cada um tem um jeito de se expor: o Salim alegre, eu fechado, o Moreira meio fechado, o Savério com aquela sobriedade.
Eraldo: É, o Savério com aquela sobriedade Ceruleana, coisa de Shakespeare (rindo).
Quem tem esse apelido Cerúlea? Por quê? O que significa isso? Não sei a causa de Cerúlea.
Por quê? Precisamos de uma explicação. Ninguém sabe.
Seu Moreira, que não se pode mais chamá-lo de Pinga em hipótese alguma.
Eu passo em frente à Madeireira [rindo]. Grito: fala Pinga!
Moreira com sorvetinho, hein?
Surra de baquetas no carro, olha a preocupação do Pergola (ria). Preocupação: “esse cara
vai me amassar o carro”. Meu Deus!
Esquina 65 - 80
Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
Esse carro era o vermelhinho? Era o vermelhinho (rindo). Nesse vermelhinho, uma vez eu
tirei o sapato, tava com chulé, parecia formicida, o negócio (rindo), tava eu, o Pergola, o
Pedrão e acho que o Celsinho. Nós estávamos escutando som. Parecia gambá. Foi uma
correria. Depois daquilo, juro por Deus, eu fiquei com vergonha, eu não esperava (rindo),
você acha que, se eu soubesse, eu tirava? Depois daquilo eu fiz um tratamento.
Eu falei para minha mãe e minha avó, que você vinha aqui, amigo do Sergião. “Aquele lá
do chulé”? , disse a minha avó? Tem lembrança. Prá você ver o que foi falado (risos).
Eu falei para ela. Você lembra do chulé? PQP!
Porra, mas o Saponildo (rindo). Pergola...
Falando prá minha avó, pô; de toda essa turma, não morreu ninguém. Só morreu o Buba,
mas em acidente de carro.
Esse primeiro aqui é o Sabiá?
Não, o Lobão.
Tenho e-mail em Santos, minha mulher mora lá, por isso estou rejuvenescido. Minha mãe
mora aqui, meu pai morreu, o pai do Robson morreu. Minha mãe não tá bem, tá aqui
sozinha com a menina [empregada]. Então como estava uma barra de grana por cima de
mim, eu falei: ”vou prá casa de minha mãe” (rindo). Tomo conta de tudo dela. Quando
chega sexta-feira eu vou prá lá, e fico até domingo.
Como é que um homem que vem fazer uma pesquisa dessa não tem uma caneta [para
anotar o e-mail]?
Oh! O fundo musical. Vou te dar uma caneta. No próximo lugar que você for, você não vai
passar vergonha.
Toma café ou toma cerveja?
Esquina 65 - 81
Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
Lembro.
Eraldo: O Saponildo ficava lá no maquiador, entrava todo mundo de graça. Sapo desde
pequeno mostrando suas habilidades. Sapolino.
“Hasta la vista”, alí no caminho do rio, era no caninho do rio [ali tinha uma pequena ponte
cercada por canos], tinha um caninho, nossa senhora!
Outra coisa que estava lembrando com o Sabiá. O Fabinho, quer coisa melhor?. O Pedrão
chegava e batia palma. Berrava: “não cabe!” Toda vez. “Porra, deixa o Pedrão entrar”. “Vai
tomar no cu, porra. A casa é minha”. Você não podia falar nada (rindo). Qualquer coisa
que acontecia, ele berrava para o Pedrão: ”vai embora!” E o Pedrão ia, ele não tinha medo.
O cara era um perigo filho da puta, pegava um pedaço de pau, uma machadinha. Mas já
morreu também. Morreu num acidente de automóvel.
Lanzoninho é outro que eu lembro também. Não dava goiaba, porra nenhuma. As goiabas
caindo no chão do quintal [ameixas]. “Posso pegar uma?”. “Não!”. Puta egoísmo F.D.P.
(rindo). Encontrei com ele sabe aonde? No zoológico. Faz tempo, minha filha era pequena.
Esquina 65 - 82
Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
Vinha vindo, eu vi e pensei: “será que é o Lanzoni?”. Eu já tinha cruzado com ele no
apartamento do Maranhão que morava no mesmo prédio que eu, lembrei. Tá outro,
careca, se você vê não conhece, mas como eu já tinha visto... Quando ele passou eu falei:
“Lanzoni”. Nossa, me abraçou. Caralho!
Disputa pela presidência do Atenas [clube caseiro]. Política. Pedrão de um lado, Sabiá do
outro. [porão da casa do Pergola]. Orra querendo angariar votos, foi ali que começou a
política. Comprar voto, oferecer (risadas)... puta merda.
Pedrão com seu caderno. Você tem que falar com ele, esse caderno é uma bíblia, um
livro. Registrava tudo que é jogo [futebol] ele julgava o jogo, ele dava as notas, nunca o
Macarthney [Celso] teve mais que 5, muito mal (rindo), apesar de que ele era ruim prá
cacete, tem esse detalhe. Puta merda, ai, ai...
Momentos de muitas risadas. Muita risada, passou um monte de gente por aí...o Brocoli tá
em Matão há 15 anos. Dom Diógenes [matou a esposa e se matou].
A foto é 10. [sou a] Maior criancinha lá no fundo, nem aparece o nariz grande, essa foto
foi perfeita.
O padrão de vida era o melhor prá todo mundo: a gente comia, bebia e ria. Ninguém tinha
problema, ninguém morria metendo, era tudo bom, aquilo que era vida e brigava... com a
turma de cima, e depois estava de bem, não tinha revólver, não tinha nada. Era tudo balão,
até 3 da manhã, atrás de balão, aquela doença de pegar balão, até 3 da manhã atrás do
balão, quase que me matou, pegar balão... umas 10 vezes... Cheguei em casa e guardei
uns 70 balões no guarda-roupa. O Aladino pegava, eu guiava o carro, eu tinha noção do
vento, o Aladino que pegava. Minha mãe foi abrir o meu guarda- roupa, surgiu uma nuvem
de fumaça preta (risos), achou que ia pôr fogo nos balões. Aí, dei tudo pro Salim, soltamos
tudo de novo!
Eu pegava e punha a data, pego no dia tal.
Lembro que vocês corriam atrás, eu não corria.
PQP! Na copa do mundo de 70, eu com Aladino, na Campos Salles. Cada parada que a
gente dava ele vinha com três até quatro. A molecada que vivia de bermudas, a gente ia
com eles. Perguntava: vocês não viram aquele moleque de bermuda? Aquele FDP. Toda
molecada queria matar ele. Ele pegava na frente de todo mundo. Pelo amor de Deus, subia
em árvore que nem macaco (risos).
O Zulu corria, aquele puta velho dizendo: é meu, é meu. Puta vergonha. Não é meu?
Aquilo que era festa meu Deus do céu! Campinho, eu lembro do Civinskas, ele tinha
Esquina 65 - 83
Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
um chute, uma canhota [aquele que jogava basquete?], o mesmo. Naquele campinho da
Campos Salles, na rua que sobe o ônibus, como chamava?
Perto da biquinha?
Eraldo: O campo da biquinha. Era lá o campo (rindo). Aí o Bartolo, me parece que era o
Bartolo, de novo. Gritaram falta! O Civinskas meteu o biquinho assim. Ele tinha um chute, ô
Sidão. Ele deu uma bomba, o Bartolo no gol, a bola passou entre suas mãos. Deu no peito,
ficaram as marcas dos gomos da bola. Se pega na cara arranca a cabeça do Marcolão. Era
o Marcolão, eu acho que era o Marcolão (rindo).
E do boteco?
Eraldo: Do boteco eu lembro tudo. Os coros que eu dava no Pedrão no pimbolim [pebolim],
ele não se conformava. Pegava mosca no balcão. Prá ver quem pegava mais. Da Tosca
como chamava o marido dela?
Teixeira.
O Ernesto era do vinho, contratava a gente por um “real” prá amassar o vinho com o pé.
Aquele baixinho safado ficava 5 horas pisando em uvas, e ele que ficava com o vinho.
Seu Teixeira inesquecível, porra que coisa! O Rodi, lembro muito dele no barzinho. Quando
ele foi no médico e ele... pro Teixeira: me dê a minha pinga. O Teixeira: caralho! Toda
hora meia pinga! O médico pediu para você diminuir a bebida. Essa foi ele que lançou pro
Teixeira. Tomava só de meia. Só porque o médico falou, eu tenho que diminuir a bebida.
E morreu de cirrose hein? O velho Rodi. Quem ia lá assim mais diferente? O Jacaré, o velho
Jacaré.
Morreu.
Eraldo: Porra não sabia dessa. Ele casou com a gordinha. Morreu o Jaú também. Foram
uns caras que já estavam...
Vamos ver. Estudo, escola.
Eu estudei 8 anos no Américo Brasiliense. Eu nunca paguei escola, eu era bom aluno,
nunca fiquei de 2ª época, nada.
Esquina 65 - 84
Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
sempre na classe C (é, é, é) sempre foi da classe C, estudamos 8 anos juntos. Não saía do
Américo Brasiliense, eu vivia lá. Acabavam as aulas, eu ficava lá jogando pingue-pongue.
Minha mãe ia lá pra me buscar de tarde, eu jogava bola, depois tinha aquele morro, eu
descia...
E quando o Sabiá, a dureza era grande, usava uma calça dele, eu ia à tarde [escola] e
ele de manhã, eu usava a calça dele, eu pegava a calça dele com vinco, um puta viadinho
enjoado prá caralho. Aí ele dava prá mim, quando eu voltava, era outra, uma vez vim com
as calças cheia de furinhos. Nossa Senhora, ele falava que não ia com aquelas calças nem
fodendo. Ele sofreu e minha mãe mais ainda. Como ele ficava fudido de me emprestar as
coisas.
Tem uma vez, isso é um depoimento que é... prá gravar... uma cara-de-pau tão grande
que é capaz de dizer que não lembra. Eu deitado, ele voltava do cursinho e tomava uns
Reativans, umas bolas, que era prá não dormir, ele ficou infernizando. Deu um qüiproquó na
cabeça dele, até hoje quando toma cerveja já dá trabalho. Então ele não pode usar nenhum
psicotrópico (rindo). Ele chegou no meu quarto, entrou. Eu dormindo, ele viu que eu estava
com o pijama dele e a esmo, eu com sono, ele me sacou da coberta... me acordou e falou:
“tira o pijama!” Veja você que puta ato ingrato, falei: “ não tiro”. Em resumo saímos num
puta... tapa, minha família toda acordada por causa do pijama na madrugada. O homem
achou que eu tinha de aturar. Sempre com aquela mania Rei do Gado... normalmente eu
tiraria, acho que eu estava com pesadelo então, confusão do Sabiá.
Guga hein! Nosso amigo Guga também. Lembra do velho Guga hein! Ele tá numa clínica...
eu falo muito com o tio dele, pergunto muito do Guga ainda. Por causa... tá numa clínica,
tão cuidando dele, tá... ao Deus dará, mas está numa puta clínica. Ninguém fica com ele,
a Dona Lizete morreu, a Laura tá prum lado sabe como é que é.
A turma vai e depois não vai mais. Por sinal o Guga foi casado com a irmã da mulher do
Sabiá, a Rosely.
A Rosely vem aqui, eu pergunto dele... ela que me disse que ele está numa clínica...
Sabuguets... seu Ronaldo Giusti. Esse é o homem que cuida do ouvido da turma...
Sidão tá querendo mais cerveja, já vi que vai acabar com meu estoque. Tô vendo que essa
entrevista é agá (risos)... [sai da sala]. Tem uma caixa lá, eu arrisquei né, já pensou vou
tomar uma cerveja, e se você disser quero um café? Por isso eu pedi para a empregada
trazer antes uma bandeja servindo café.
Destaque das mulheres do passado:
Esquina 65 - 85
Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
Rosângela Gabrilli (rindo) é... contra a Máfia dos ladrões de Santo André. Pôs a cara para
bater, é nosso orgulho. E a Suzana é de outra turma, pela idade, tive várias turmas, outra
ala, também grande mulher, cresceu no nosso meio e foi pro estrelato foi casada com o
Arnaldo Jabor, 14 anos, aquela gostosa, ela está com maior escritório de publicidade em
São Paulo, faz multishow e essa não tinha merda nenhuma, tá bonita... e a Dona Rosângela
prá mostrar que a mulher está macho.
Esquina 65 - 86
Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
Música.
Eraldo: Sou obrigado a dizer. Que gostava do Trini Lopes por causa do Pizinha... entrava
na casa dele só LP do TL era por osmose, já não podia mais ouvir esse cara. E o boyzinho
só TL. Só sei que encanou no TL, que vem até hoje na cabeça. Beatles também. É, ele
tinha tudo dos Beatles. Falando dos Beatles, lembra do Serginho? Serginho que é primo do
Celsinho. Cardoso Franco.
Lembro.
Eraldo: Andei muito com ele, agora ele sumiu...
Registro para a memória (pausa) quando a Atriz ficou na casa do Marcelo, aí ela deu prá
todo mundo, agora eu vejo ela na “Caras” [revista]. Trabalhou lá no teatro de Alumínio, é
no Teatro de Alumínio, a Atriz (risos). Ficou na casa dele [Marcelo]. Olha, eu era pequeno.
Eu via toda hora alguém garfar ela. Eu não podia. Puta que desespero. O Marcelo, o
Robinson, o Sabiá... McCarteney. Nossa Senhora.
O bairro era o melhor do mundo... e... quando descia o irmão do Sarna, que ia namorar ali
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Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
embaixo. Namorava uma menina ali de baixo. O que vinha bravo tocando música (há, há,
há). O Hitler e ratatá, ratatá, imitava uma metralhadora. Era o louco da época.
Eraldo: E da mulherada quem é que tinha? Era a Roseana... Rosângela, Maria Célia. Maria
Célia (imitando o pai dela). Quem mais?
***
Eraldo: Drama a única coisa que eu me lembro foi o acidente de automóvel com esse
moço que está me entrevistando. Morreu um outro...esse é o único drama que eu me
lembro da época. Que ficou todo mundo, em tensão nervosa, foi essa cacetada. Nossa
Senhora. Quase matou todo mundo do coração. Este é o único drama que eu lembro, o
resto normal.
***
Eraldo: Cinema na época Carlos Gomes, o Gianni liberando passagem (entrada). Assistia
ao filme até quatro vezes.
Eu me lembro de “À Meia Noite Encarnarei no Seu Cadáver” (risadas). Meu primo Elideo
trabalhou, ele era o médico, ele era português, teve que ser dublado para o brasileiro, quase
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Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
morri de rir com o Zé do Caixão: “à noite me encarnarei no seu cadáver” [pronunciado com
sotaque de português]. Ele não podia falar português, dublaram ele. Elideo. Desse filme eu
lembro bem (rindo). Foi lá no Carlos Gomes. Assisti alí: Bullit, com o Steve Mcqueen. Os
Dez Mandamentos isso era de praxe. O Vento Levou, um monte de filmes.
E música?
Eraldo: Trini Lopes. Naquela época imperavam os Beatles. O Sabiá que era extravagante...
outro dia eu lembrei prá ele, agora não estou lembrado. Tinha um disco com um cara que
tocava piston...
Lembro.
Eraldo: Lembra... prá época (ênfase) falei disso pro Sabiá ele falou como é que você
lembra? Porra, você só tocava isso. Só ele fazia este gosto avançado. Até hoje ele é
enjoado, cheio de trick tricks. Ele disse que fazia o mesmo som com o nariz (risadas).
Tinha o Ray Charles, o Ray Conniff, Bob Dylan. Nessa época tinha muita orquestra. Tinha
muito metal, era tudo puxado pelos EUA. Eram eles que mandavam.
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Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
E Aghata Cristie, que o crime é no final. Li uns 30 livros, li tudo, isso era o que eu lia, não
tinha livros de romance.
Shell Scott o do livrinho de bolso, fui pego roubando nas lojas Americanas, foi a maior
vergonha do mundo. Porra eu roubando o Shell Scott, era prá dar pro Sabiá, não era nem
prá mim.
Entravam nas lojas Americanas, roubavam um balãozinho. Pegaram o Lobão e o Celsinho,
eles pegando balãozinhos (risadas) lembra? Ficaram lavando a calçada, ele e o Macartney
(risadas) um monte de balão chinezinho (risadas). Eu fui com o Shell Scott, o velho truque do
jornal, [encaixar no meio das páginas] minha mãe foi prum lado, e nessa desce o cara. O que
foi? O que você tem no jornal posso olhar? Abri, táva lá o Shell Scott. Está acompanhado?
Com minha mãe. Chamaram a Da. Odete. Da. Odete envergonhada. Mas não tive que lavar
a calçada. Ela pagou a despesa. Não faço mais isso. Me pegou pela orelha.
Mas o que eu lia na época e o que o Enderson lia?
E política na época?
Eraldo: Eu lembro do Oswaldo Gimenes [prefeito], quando quebraram a casa dele. Eu
estava lá na praça do Carmo, eu ajudei. Atirei umas pedras, uta! Eu lembro tudo. Rasgaram
a bandeira. Era a prefeitura. Puseram fogo, ele saiu na base de tapa. Não vou esquecer
jamais isso aí. Porra! Eu estava alí no momento, eu vivia na rua. Vivia na rua. Tudo na rua.
O Sabiá do lado, vendo o que acontecia. Táva em todas, nossa senhora! Eu estava vindo
do Primeiro de Maio [clube].
***
Eraldo: Tem coisa que eu também não vou lembrar. Mas essas coisas do Marcolão eu
estava em todas. Eu vi quando ele pisou naquela bola, porra... O Pedrão conta o lance
como se fosse no dia.
E o riozinho que o Pinga punha o barquinho dele. Lembra do Pinga no barquinho. Vamos
Pinga, pega o barquinho. Pinga era enjoado né?
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Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
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Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
Luchesi estou direto com ele, ele foi presidente do Vila Alice [clube de futebol].
Gozado todo mundo mora ainda muito perto. Prá te achar foi muito difícil, você não faz idéia como demorou.
O Sabiá mora aqui neste prédio no 11º andar. Eu fiquei seis anos em Santos. Sumi. Agora
o Eraldo o Retorno 2ª fase (rindo).
O Pancho hein? Waldir bicha hein? Com aqueles carros conversíveis? Sapão que vida boa.
Nós fomos assistir... uma vez aquela peça do Chico Buarque. Roda-Viva.
Eu fui junto.
Eraldo: Que veio a polícia. Nós estávamos juntos. Lembra, eu era moleque. O Waldir era
cheio das viadagens.
Israel Cirlinas, o Israel. Eu via ele sempre. Viciado, mas viciado mesmo em vídeo- pôquer.
Na Artur de Queirós, teve uma época que tinha o videopôquer. Meu, entrava lá, lá estava o
Cirlinas todo de branco, médico ficava lá até 6 horas da manhã. Vinha a mulher buscar ele.
Aí ele falava prá ela, senta aqui um pouquinho... viciou a mulher. Quando chegava, tava
ele e a mulher jogando (rindo). Israel Cirlinas, judeu viciado em videopôquer. Mas o que
perdia de dinheiro! Tá louco. Cruzava direto, ele está igualzinho, Sidão.
Eu lembro de um monte de coisas do Carlinhos... Eu acho que comentei com Carlinhos,
ontem, vou sair com o Sidão para almoçar... é sério tal. Mandou um abraço para o Sidão...
Ele começou a lembrar, falei vou almoçar lá no Bonani. Falei prá ele. Se der eu vou lá, ele
falou.
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Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
Você tá falando estou lembrando, como chamava, Renê Diesel, o pai do Oswaldinho, você
lembra? Ele tinha um apelido, aquele massa baixinho. Teve um dia que teve um campeonato
de dominó. Tá jogando eu e o Pedrão e o Sabiá com o Renê. Ele tinha um apelido como é
que não me vem na memória?
Sabiá jogando com o Renê. Eu tenho um problema de palitos de dentes quando chupados.
Tem até uma história dessas quando o Pergola foi operado e pediu uma sopa no bar do
Teixeira. Fez aquele ruído de chupar, e eu: “porra, Pergola, come direito”, esqueci da
moleira [ele havia sofrido um acidente], dei um coque nele afundou a moleira, esqueci
completamente e dei na cabeça dele, aquela porra afundou (risos).
É inesquecível também, mas voltando ao Renê. Aí fomos prá final eu e o Pedrão. Aí, nunca
vou esquecer, tinha sardinha neste lugar. Não lembro o clube que nós fomos. Sei que era
um campeonato que o Pedrão inventou. Perdemos por abandono. Até hoje o Sabiá fala
disso.
Reizinho, lembra do Gibi, era o apelido do F.D.P., estava junto com ele o outro baixinho que
morreu. O Romeu [Jacaré]. O Romeu tava na parada, também jogava dominó.
Aí tinha o troféu, fomos sentar e aí o Sabiá, de sacanagem, pôs uma salada ao lado do
Renê. Ele fazia assim, nunca vou esquecer (imitando uma chupada) a mão toda suja de
azeite e eu jogando olhava prá ele... e o Sabiá rindo. E mais, ele pegava a salada com a
mão. A cena era essa. E o Pedrão, não sabendo de nada. Bem, não consegui prestar mais
atenção no jogo, levantei da mesa.
E o chefe da turma?
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Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
de segundo, a carinha dele, e lá de cima ele despencou (rindo). Fudeu com a Lambretta do Seu
Marcílio. Ah! Meu Deus do céu! O Marcílio falou: “moleque, você não falou que sabia andar?”
(rindo) Puta luta pra comprar aquela Lambretta.
E outra que eu lembro: meus pais foram viajar e... foi todo mundo na minha casa. E levaram
um monte de meninas. Tava o Pedrão, e o Pedrão ficou no quarto do meu avô. Aí morreu não
sei quem aqui, um tal de Galluzzi, aqui em Santo André. Eles estavam em Santos (rindo), eles
tiveram que voltar.
Aí chegaram (rindo), tava o Aladino na sala pelado e tal. Aí o meu avô foi até o quarto dele.
Lembra. Ele entrou. Tava o Pedrão com uma menina lá. O meu avô falou: “o que é isso?”
“Bom-dia, seu Atílio”. Bom-dia o cacete! Saiu todo mundo correndo, uma correria na casa toda.
Todo mundo jogado pros lados. Foi um escândalo.
Eu lembro.
Eraldo: Bom-dia, Seu Atílio! Eu acho que foi o Aladino (rindo). Meu avô, um italiano bravo, na
cama dele...
Tânia
Eraldo: Deu uma festa. Foi uma baixaria. Essa eu fui. O pai e a mãe mandaram todo mundo
prá fora... Sapolino...
Pai do Pergola torcia no videoteipe.
Ary, falaram alguma coisa? Aquele que jogava vôlei lembra? Morava em frente de casa. Jogava
vôlei pela Pirelli. Um alemão comprido.
Não lembro.
Eraldo: Morava em frente, depois tinha o Paulo Rubens [Gugu] e tinha o Dalinha e irmão...
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Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
hoje são construtores, moravam em frente ao Décio Cataruzzi..., Dalla Verde, perto do
Gerson Dória.
Ele tá bebendo?
Eraldo: Não sei se é o remédio, tédio, ele tá com uma voz esquisita, eu vou fazer esse sacrifício,
a hora que eu o vir vou pedir prá te encontrar.
O professor Carlos Galante tinha um livro sobre resolução de problemas matemáticos, foi aí que
surgiu a piada, você tem mais problemas que o Professor Galante. Livro de teoremas que ele
tinha (rindo). A mulher dele me amava, a Dona Tereza.
Michel Vagapoff. Eu cruzo com ele direto. Direto eu cruzo com ele. Casou com a Ana Cândida.
Encontro com ele até hoje, ele foi exportador de pimenta (ah! ah! ah!), orra tomamos cada
fogo juntos...
Nossa Senhora, e ele é gozado.
Lembro quando a Elis Regina se apresentou bêbada no Tangará. Eu lá estava. Puta merda,
quando ela chegou tropeçando, eu lembro tudo...
Troglô, a mãe dele fazendo cortinas... muita encrenca.
Teixeira bigodinho, sem dentes, palito...
E aquele cara que brincava de “uma na mula”. Zinho, na vilinha, ele se escondia embaixo de um
lencinho, guardanapo, que a gente fingia que não achava ele (rindo).
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Depoimento 04 – Eraldo Giovanetti
Puta maldade.
A lamparina, Zinho.
Ele punha um fósforo em brasa entre os dentes.
Ah! Meu Deus do céu! (rindo) o Zinho, todo mundo queria ele no time, ninguém pegava ele.
Não tá citado, tinha o Lera, que casou com a filha do Wilson. Manias, o Seu Manias, e do lado
do Manias o Fidel Castro [um senhor barbudo que catava papelão] (risos)... Puta, o que ele
queimava de lenha, né? O dia inteiro com pauzinho.
***
Eraldo: O que eu roubei de brucutu pra fazer anel. Eu ia na casa do Pizinha, ele morava num
prédio na esquina... Campos Salles com a Coronel, né. Aí a gente parava o elevador, apertava
dois botões, ele parava, a gente abria a porta, então ficava o concreto. É ali que a gente
guardava os brucutus. Saiu no jornal que estavam roubando muito.
Saco de Brucutus para ninguém descobrir... estavam roubando brucutu, estava todo mundo de
alerta... tinha que esconder prá mãe dele não descobrir... Brucutu e cigarro, aí descia a porta
pegava... P.Q.P!
E o Kildare? Dr. Kildare ou não? É ele mesmo, isso aqui era o filme. Lembra do Kildare que
morreu, entrou embaixo de um caminhão com a moto. É esse? Lembra dele? Bonitão, loiro, deu
uma porrada na D. Pedro II, embaixo do caminhão.
O Sabiá usava laquê. Sabiá era moderninho.
Puta! Esses paralelepípedos. É ali atrás do riozinho né? [observando a foto 3] Atrás da casa
do Décio Cataruzzi. Guerra de bolinha, lembra? De barro. Eu ficava o dia inteiro. Fazia aquelas
coisas de barro e péin! Perigoso aquilo, meu filho.
Não se podia pôr pedra, era a regra.
Ficava pior que fubeca... Argila do campinho, todo mundo do lado do Décio Cataruzzi, era o
general. O Dalla, o Ary...
***
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
DEPOIMENTO 5
Roberto Luiz Moreira.
Também: Robertinho, Moreira ou Pinga.
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
Roberto está com 57 anos, em 2004. Engenheiro Industrial. Casado e tem dois filhos. Está
morando na Boa Vista. É empresário, dono de uma madeireira, montada pelo seu pai.
O Tonico em 06/07/04, diz que falou com o Moreira adiantando sobre o que eu estava
fazendo.
Em 12/08/04, através de consulta na lista telefônica, encontrei o telefone da madeireira.
Liguei.
Atendimento seco. Perguntei se o Tonico havia falado da proposta.
Disse que sim.
Falei da idéia de se criar um site, com memória a partir da foto que ele disse não lembrar
muito bem.
Perguntei se podia marcar um encontro para conversarmos.
Foi solícito e me tratou como Sidnei.
Reação seca, porém natural, sem alteração.
Disse que estava disposto.
Falei que enviaria um e-mail antes de marcamos um encontro.
Disse que não usa e não tem. Porém seu filho utiliza.
Enviei o e-mail com foto e roteiro em 13/08/04.
Liguei e perguntei se havia recebido. Disse que não. Perguntou se o micro tinha de estar
ativado para receber. Eu disse que não.
Falei do encontro e ele adiou para o sábado próximo, pois estava com um empregado em
férias e não teria tempo.
Decidimos pelo sábado de manhã, 28/08/04. O local não ficou claro. Marcolão estava lá
fazendo compras. Mandei um abraço.
Reenviei o e-mail.
Encontrei com o Moreira no dia 28 de agosto de 2004. Fui até a madeireira. Esperava-
me no portão. Cabelos brancos. Roupa esporte clara, bem vestido. Entrei na recepção do
escritório. Caminhamos para um bar em outra quadra. Uísque. Disse que não é de falar
muito. Afetuoso me chamou de irmão. Dificuldade na entrevista, diz que não gosta de falar
muito. Apresentei duas fotos. Não discorreu sobre a foto. Apresentei um roteiro, ou seja,
o que eu escrevi sobre a foto. Disse que o Eraldo está morando em Santos. Revisitei a
Serraria, assim era chamada na época. Mais um avesso à Internet.
[barulho no bar] [coloquei as fotos em cima da mesa, início de conversa].
28/08/04. Sábado às 10h30.
Tempo de gravação: 1 h.
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
Moreira: Isso aqui é coisa de mil novecentos e nada [falando da foto para um cara que
estava no bar] .
Foi em 1965.
Dá licença, vou buscar meus óculos. [Moreira foi até a Madeireira - 5 minutos depois
voltou].
Esse comprido aqui na foto é o Fabinho?
Não. É o Sapo.
Moreira: Isso mesmo é o Sapo [Wanderley].
[barulho de cadeiras sendo arrastadas]
Savério, Sapo, eu, PQP! O filho do Ney [irmão dele] é igualzinho a mim, a mesma
postura.
Você, Pergola sentado, Salim e Eraldo.
E o Tonico atrás de tudo tirando a foto.
O ano é de 1965.
Moreira: PQP! Quem é esse aqui?
Celsinho.
Moreira: A esquina aqui, a casa do Sbrighi. Lá embaixo estão construindo um prédio na
casa do Luiz Américo, estou chupando um sorvete (risos), péra aí.
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
Moreira: O bar e a esquina. A gente se reunia ali, nascemos naquele pedaço, se bem que
veio gente mais de longe e depois foi agregando.
Bairro muito bom, o boteco do Teixeira, antes teve outro dono que seria... Távamos lá
todo dia.
Música?
Moreira: Beatles, a gente gostava prá cacete. A foto tem cara deles, até o modo de vestir.
Influência direta.
Dramas?
Moreira: Não tem drama nenhum.
As meninas?
Moreira: Rosângela Gabrilli, ela me liga de vez em quando, precisa de alguma coisa, liga
e diz: Pinga. E eu a chamo de Condessa.
O Salim eu vejo sempre. Mas a gente não pára. Encontrei-o e a esposa, outro dia numa
padaria.
Momento que não se esquece, era quando a gente ia à casa do Savério. Uma vez fiz uma
bacalhoada que demorou um dia, eles xingavam prá cacete. Saímos de lá à noite. Você
lembra?
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
Lembro. Lembro.
Moreira: O campinho caralho! Lá embaixo, empinar papagaio, o que não é bem dessa
época.
Em 1967 já estava no cursinho ou na faculdade? Mas a gente não deixava de ficar junto.
Toda noite a gente se encontrava. Em 1965 eu estava no Ginásio Santo André, fazendo
Química Industrial. Era à noite. De dia trabalhava com meu pai, até as duas horas da
tarde. Como Office-boy fazia pagamentos, ia ao correio, ao banco. De tarde eu ia pra casa,
dormia e depois ia para a escola.
Eu lembro de outra coisa: você no Duque de Caxias, você escrevia rápido. Fizemos juntos.
E até no Grupo Escolar, eu não conseguia copiar toda lição, chegava na tua casa e tua mãe
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
***
Lázaro, alfaiate.
Donos do bar.
[silêncio]
Glen Miller quem era?
Priscila namorada do Celsinho que todos curtiram.
Mariluce hoje casada com o Betão, Beto Ferreira.
Meninas da época?
Moreira: Norma, que o Pergola foi apaixonado. Ela se casou com o Bola [Bola Viva;
Carlinhos]
Quando você falou em mulher, pensei naquelas que a gente... não tinha...
***
Moreira: Playboy. Bar Quitandinha era outro time né?
Era o local que seu irmão freqüentava na época. Uma convivência de longe, perante eles.
Ensaio de escola de samba que teu irmão nos levava.
Moreira: O Panelinha [escola de samba do clube] na quadra, os segredos das fantasias,
eu sabia, os carros alegóricos eram feitos aqui [madeireira]. Frescura, mas não se podia
falar [barulho no bar].
[lendo algumas informações sobre 1965]. Por ra. Você desenterra umas.
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
No campinho?
Moreira: Nós púnhamos. Mas não tinha umas taboas naquele lago? A gente levava para
o rio cheio de bosta.
Ralf fez, eu pus massa de vidro para vedar, pintei de azul. Eu e o Fabinho Bonfanti naquela
merda. Uma vez secou o lago, certo dia deu uma enxurrada, nós pusemos naquele rio
de esgoto na Cesário Mota. Ficamos meia tarde, o Dadá Macedo dedou, ligou pro Ney e
disse:- porra o teu irmão está brincando no rio de esgoto! O Ney quebrou o barco, ou sei
lá, eu fui prá casa. Dois dias depois o Fabinho pegou tifo. E eu não peguei porra nenhuma,
gozado né?
Época do Zé Arruda. Eu quebrava o pau com ele todo dia. Ele morava na casa do Sr. Góes,
Bruno Daniel, tio do falecido Celso Daniel [ex-prefeito de Santo André]. Dona Eleonora
Daniel.
***
Moreira: Camisa Volta ao Mundo: impossível transpirar. [entra um pescador no bar, dirige-
se ao Moreira: “fala machão!” Moreira: “um amigo meu”. Pescador: “eu trouxe caranguejo.
Você não vai comer, não?” Moreira: “Não”. Pescador: ”tudo que é viado é sistemático”
(risos)].
Você é de 1947?
Sou. De julho.
Moreira: Sou de outubro.
***
Moreira: Eu lembro quando a gente ia pro cursinho: eu, Dago, Savério, Sabiá, Primo, Zé
Raul. A gente ia de Kombi alugada, deu um desespero no cara [motorista] que ele desistiu
de nos levar e trazer, de tanto nós enchermos o saco. O Sabiá alugou uma Kombi do Sarna.
Um belo dia, não sei se era o Savério quem tava dirigindo, demos uma porrada em um
ônibus.
O Miguel Romano passou com o carro dele. A empresa era do tio dele, saiu limpo, sem
problemas, não sei se pagamos. Destruímos a Kombi do Sarna, quando chegou aqui...
Chamamos ele para ver, ele morava perto.
Ele disse:- PQP!. Sempre pessimista prá caralho, disse:- eu sabia que ia acontecer essa
merda.
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
Aí tem uma lista de nomes citados pelos entrevistados que você nem vai lembrar.
Moreira: Ana Maria, quem era?
Seu Mateus.
Moreira: Seu Mateus. O Marcelinho andou dando umas trepadinhas nela. Ela era babá
da menininha. Duas vezes em cima do tanque [de lavar roupa]. Daí o Buba, filho da p...,
imitando Seu Mateus, telefonou prá casa dele um dia e disse: “aqui é o Mateus, você
engravidou a...”, não lembro o nome dela. Ficou com o c... na mão. O Buba disse: “tal
dia eu quero encontrar com você no largo da Igreja”. E o Seu Mateus saiu. Saíram ele e a
mulher dele. Eles sempre iam em uma reunião às seis, seis e pouco. Eles marcaram até
isso. O Marcelinho lá no bar, aí tomou distância e foi atrás, né? Quando atravessou a rua
da Biquinha que é a Luíz Pinto Fláquer, eles chamaram: “é mentira, é gozação”. Estava a
turma toda. Era gozação. Ele xingava prá caralho...
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
com ele, formou uma outra firma com o Dallaverde, em 1945, por aí.
Dito do Pandeiro, uma vez tomou um fogo no bar perto da Delegacia, deu umas porradas
no português dono do boteco. O português berrava: “segura que o bicho é louco”. Ele
descia a Cesário Mota tocando pandeiro.
Valcenir passa por aí... [barulho no bar]
***
Moreira: Baile Lover Boy eu fui uma vez. Eu acho que eu não era benquisto e não gostava
da frescura. Era meio revoltado nessa época.
Seleções.
Moreira: Cortei o livro e pensei: “se meu pai vir o que eu fiz...”, fiquei com essa merda, e
dei prá você.
Gabrilli, antes de fazer o transplante, ligava para o meu irmão: “Ney, Ney...” Chorava.
Uma vez, uma funcionária do Gabrilli... A Rosângela, mandou ela aqui [madeireira],
procurando uma facilidade. Uma advogada... Mora ali onde morava a Rosângela, daí veio
um dia fazer um pagamento... E disse, falei com o Gabrilli de vocês [Ney e Roberto]... ele
começou a chorar.
Caixa d’água na vila Gabrilli... que a gente subia lá em cima...
Carlos Gomes, Tangará... Casa do Sérgio, casa Tokio, local que a gente ia ver isqueiros.
***
Ilha Porchat: puta merda.
Lembro que uma vez o meu pai... O Gugu, eu fui no barbeiro e o Gugu falou: “nós vamos
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
passear em tal lugar, você quer ir?” Falei com meu pai, ele me deu, acho que 100 paus. Era
uma nota de 100... Dava prá passar um mês. Fui eu, o Aladino, o Gugu e o Nelson, primo
do Aladino... trabalha até hoje com o Aladino, lá no Galo de Ouro.
Nós ficamos em um apartamento da mãe do Nelson, uma kitchenette. Fomos com o jeep
do pai do Aladino o verdinho [Jeep]. Porra! Nós fomos na ilha Porchat, cara... Tinha uns
bailinhos em que ia o Roberto Carlos, Erasmo Carlos. Eles iam lá prá paquerar na época.
Aquele dia, tava o Erasmo Carlos, mas ele não entrou. Ficou fora... comia todas.
O Gugu, como era o mais velho, entrou numa boite e trouxe uma biscate. Aí, o que
aconteceu... Nós não pagamos ela. Ela acordou o prédio inteiro. Lá de baixo berrava:
“filhos da puta...”
No dia seguinte, fomos expulsos do apartamento... Falaram com a mãe do Nelson, fudeu
tudo.
Moreira: Guerra de mamona. Puta!... a loja ortopédica está lá até hoje...
Lembro.
Moreira: Morro Vermelho, a gente ia lá.
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
Dona Morena pensava que a empregada é que estava roubando cuecas. Tinha dez cuecas,
depois só tinha uma (risos).
Rua Augusta...Lembro uma vez que fui eu, você e o Sapo. Nós fomos comprar sapatos.
Não avisamos o Pergola –.... (risos).
O Sapo imitando o Roberto Carlos. [na foto].
“Beto Rockfeller” fez sucesso na época [barulho de copos].
“Cadê la Neve” o que é isso?
Mais um [uísque]?
Moreira: Vamos mais um, “mas dos” [para o atendente no bar]. Tá OK. Estamos aqui
recordando um troço de 1965. Aqui está a foto, uma turma nossa.
Fomos até a madeireira. Cumprimentei o Ney. Depois, fomos para uma padaria lotada.
[chegou um cara]: “quem é você aqui?”
Fusca branco. O carro deve ser de 65...
Você não me reconhece, isto é de 40 anos atrás [dizendo pro cara].
[o cara]: “Você deve se arrepender do que já fez?”
Moreira: Campos Sallles com Cesário Mota. E ainda tem essa casa na esquina [do
Salim].
Aqui tinha um boteco que a gente ficava [respondendo ao cara do bar], eu morava aqui
em frente, o Sidão morava na Vila Gabrilli, a canalhada toda dali, o Armando morava aqui.
“Você conheceu o Salim?” Tem uma empresa onde era a Chrysler, antigamente.
O Sapinho passa aí todo dia, com os cachorros dele. Está careca pra caralho. Esse é o
Eraldo Giovanetti. O Pergola está em São Paulo e o Celsinho, o Celso Araújo, também.
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
Eu também.
Sabe o que eu acho gozado? Mudou muito pouco o modo de a gente ser a... ética.
Moreira: A gente mudou muito pouco.
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
Nós, que éramos mais quietos, eu e você, nós éramos dos últimos juízes para aprovar o
cara. Quanto cara que a gente forçou pra não ficar ali...
Altos papos e, sobretudo, gozação...
Um negócio que intriga ao rememorar Santo André era Industrial, não vamos nem discutir, Firestone, Rhodia...Mas ttinha
esse lado rural, um lado rústico...
Moreira: Tinha área desocupada, que servia prá gente jogar bola.
Tinha um lado rústico...
Cocheira do Sardinha o que você foi relembrar. [hoje em dia é impossível imaginar a
existência de uma cocheira–carroça, cavalos, alfafa –, localizada em um bairro central].
Ficava atrás do Sortino.
Eu lembro do Marcolão... .
Moreira: Este é o Minhoca (risos) gente boa [apelido de um cara que chegou no bar]. Este
é o Sidão amigo de infância.
Moreira: Tá revoltado...
Minhoca: O Moreira morava aqui na Campos Salles... Então vocês eram bem de vida. Eu
morava lá no fim da Senador Flaquer .
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Depoimento 05 – Roberto Luiz Moreira
E era ruim?
Minhoca: Não. Onde morava era bom...
Eu lembro quando era pequeno ficavam uns caras lá no Quitandinha, você lembra? Rua
Coronel Oliveira Lima, onde fica hoje a Riviera [loja de roupas], ali tinha a praça. A praça
existe até hoje. Aquela época era boa. Eu apostava corrida na Senador Flaquer. Agora é
calçadão. Cantava o pneu... um quarteirão...
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Depoimento 06 – Celso Theodoro de Araújo
DEPOIMENTO 6
Celso Theodoro Araujo Jr.
Também: Celsinho, Macarthney, Celso Cebolinha e ou
Celso Caramujo.
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Depoimento 06 – Celso Theodoro de Araújo
Neste ano de 2004 estava com 55 anos. Estudou até o 1º ano de Ciências Sociais, reside
em São Paulo. Trabalha auxiliando o cunhado que possui uma Editora. O Celsinho é de
origem de família “Quatrocentão”.
Passados 17 anos retornei a falar com o Celsinho, por telefone, no dia 07/10/04. Expliquei
a ele o trabalho de levantamento acerca da memória de nossa turma a ser feita a partir de
uma foto tirada em uma esquina de Santo André - datada de novembro de 1965. Tentei
marcar um encontro para o Sábado que se aproximava. Ele já tinha um encontro e pediu
para que eu ligasse nesse dia para verificar se o encontro poderia ser realizado.
Liguei no dia 14/10/04, às 21h30. Totalmente pirado. Ele estava com um convite para
assistir a uma peça de teatro em que sua sobrinha iria atuar. Som de música bem alto.
Atendeu ao telefone no banheiro. Fiquei de ligar às 14h00 do dia seguinte.
Observação. Difícil de se contatar. O Celsinho não tem carro, o seu telefone só recebe e
quando ele liga é a cobrar. Pensei... talvez deva esquecer o Celsinho por enquanto, e ir
procurar pelo Sapo [Wanderley] que também está na foto e mora aqui em Santo André.
Em 19/10/04, falei novamente com ele e combinamos o encontro para o outro sábado.
Ficou de ligar quando chegasse em Santo André.
23/10/04 - Celsinho ligou às 13h40. Disse que estava esperando carona de Naná [uma
amiga sua]. Às 14h30 ligou dizendo que havia chegado e estava na praça IV Centenário.
Foi caminhando até a esquina da rua Campos Salles com a Cesário Mota [local em que foi
tirada a foto] Fui até lá. Estava sentado em frente a um bar que fica justamente do lado
oposto do bar que freqüentávamos [este não existe mais]. Sentado, bebia uma cerveja.
Não o via desde 1987. Foi muita emoção. Mudou um pouco nestes anos de 1987 a 2004;
está mais amargo e irritado. Ficamos ali uns 20 minutos.
Fomos a um restaurante árabe na Av. Portugal em frente ao Paço Municipal. Das mesas
perto das janelas tem-se uma visão da Praça Quarto Centenário; ali é a sede da Prefeitura
Municipal de Santo André.
Após a entrevista fomos ao bar do Grilo, na rua Monte Casseros. Contou sobre a morte do
Dori. No final levei–o até a rodoviária em São Bernardo. Já era noite, garoa fina. Ficou a
imagem dele caminhando no meio da rodoviária.
23/10/04 às 15h00.
Tempo de gravação: 1:30´
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Tonico
Celso: Puta, o Tonico... Era meio recente na turma, não é? Morava ali perto do Largo da
Igreja. Pai dele...
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Jovem Guarda. O nosso Roberto Carlos [pose do Sapo na foto]. O Sapo sempre pousou,
musculinho. Caralho, eu acho que era domingo, a gente passava a tarde. Por causa dessa
presença melancólica. Você lembra da angústia, que melancolia que a gente sentia? Sábado
à noite, domingo à tarde, a nossa perspectiva era uma coisa muito maior, aí a gente se
sentia confinado. É como quando se passa por aquela estrada viajando de carro pelo
interior, tem aquelas cidadezinhas perdidas nas estradas, havia muita coisa acontecendo
em São Paulo, no Rio, em New York, não era nem em NY, em outros lugares. A gente ficava
nessa esquina meio perdido, queria coisa maior. A gente ficava lá xingando, terra de merda,
terra de merda, puta... Sexta à noite com essa idade, sabadão, duros, crianças, o único
carro disponível era esse, ninguém tinha carro, porra, só os dos pais. Aí então dava... a
gente queria crescer, daí a origem da minha melancolia. Não quero fantasiar, os domingos
à tarde eram terríveis. De repente sumia todo mundo, iam assistir Jovem Guarda. Imagine
em Santo André que coisa mais monótona.
Não era 17? Eu lembro que eu tinha 18 e como você não podia viajar de ônibus, por que precisava de autorização, nós
fomos de trem.
Celso: Me apaixonei em 63, 64. Dezesseis anos no máximo. Fomos de trem, você foi com
aquela calça Lee nova, passamos a noite em claro, você ali suportando, você era o cara
camarada, tenho a impressão de que, como você era mais velho, tinha mais paciência. A
noite inteira em claro. Consegui trocar de camisa com o Netinho que tava com uma turma
no prédio vizinho. Comemos um filão de pão inesquecível, gostoso, enchemos aquilo de
sardinha, para esperar a deusa descer, para ir à praia, aí ela estava com outro. [do que eu
me lembro, nós íamos voltar nesse dia, porém, perdemos o último trem].
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Bonito, hein?
Celso: Um cara chamado Pique. Ele tinha uma napa!(ah! ah! ah!)... Eu, pô, noite varada.
Depois a história mudou tanto, mas aí é outra conversa, é por aí. Esse domingo melancólico,
meio ligado na música. [o tom dessa passagem foi melancólico].
Aliás, como todos. Não tem um elemento aqui [na foto] que não tinha tido uma paixão.
Esse também não, nem mesmo os mais ingênuos, fronteiriços. Sensível que nem o diabo
esse, esse [Sérgio]... todos. Não tem um F. D. P.
Inclusive as músicas de nossa época, era a melhor que o Brasil produziu até hoje. Todos
foram formados, todos. O Eraldo que era mais criança, talvez não tivesse conhecido um
Sérgio Ricardo direito. Nem o Pinga com aquele nervosismo embutido. É uma riqueza e
uma sorte termos nascido nessa geração. Lembra? Rádio? A Rádio Eldorado AM, parada de
sucessos em 1º lugar... Você viu uma parada de sucessos desse nível. AM, né? Não existia
FM. Beatles, conhecemos tudo em AM, tocava nos radinhos vagabundos desses carros. Não
tinha nem cinto de segurança (tom de voz modificado/agressiva) (risos).
Como disse minha irmã outro dia: “nós somos sabe o quê? survivers”.
O que a gente viajava com aqueles carros de merda (rindo), você nem imaginava. Agora
tem que pôr o cinto, a bolha que estoura (ai, ai, ai) assim vai. Vamos olhar essa foto.
PQP! Ah! você está gravando? A coisa tá funcionando. Estamos conversando. Gostaria que
todos tivessem me ouvindo (se dirigindo ao microfone). Viados, se apresentem [barulhos
de copos no restaurante].
Celso: Tá. Eu acabei falando tudo, sem saber do roteiro, era isso que você queria? Temos
que...
O campinho?
Celso: Tá! O campinho é o seguinte, esse prédio em obras no início daquele riacho fétido
que é bem no início de nosso campinho, estava sendo construído. Tinha aquela pontinha,
a gente andava por um caminhozinho do lado do rio. Falam hoje da marginal Pinheiros,
rio Tiête. Tamanduateí, lembra do cheiro? Inclusive tinha cocô, todo nosso cocô descia
lá. Estavam a fazer esse prédio, que a minha mãe, em 1968, quando comecei a namorar
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a Maria Cristina, eu queria casar desesperadamente com ela, a minha mãe falou que ia
comprar um apartamento nesse prédio aqui [foto 1].
O campinho era terra, depois que cruzava a casa do Sessé, primo do Landinho e do Fabinho.
O Sérgio era muito mais velho, chegava a jogar bola com a gente. Era uma casona. Bom.
Guazzeli, bem do lado do campinho à esquerda atrás da casa do Decinho Cataruzzi, lembra
do Decinho? Jogava voleibol com a gente, depois se tornou um dos maiores jogadores de
voleibol deste país. E tinha, mais adiante desse campinho, algo que era a selva Amazônica
para nós, virava uma mata no final da rua Luiz Pinto Flaquer, não era nem mais esse nome.
Ela mudava de nome, quando passava uma cerca de cimento, era um mato, não muito
alto, uma vez nos aventuramos (passado mais remoto do que o da foto), descobrimos um
cara morto no meio do mato, cheio de bicho. Eu não vi, eu não tava nesse dia, uma parte
da turma se aventurou, veio a polícia.
Atrás da linha?
Celso: É da rua Queiróz dos Santos, a linha é logo em seguida dela. Final dá pro Campinho
que começava na General Glicério. O Luiz Américo morava aqui no final, onde tinha o
Sortino do lado, depois era a linha... tinha uma cooperativa [Rhodia], uma distribuidora
da Kibon.
Lembro de uma brincadeira. De repente o Campinho acabou, virou um amontoado de
paralelepípedos, algo que eu nunca soube porque [depósito de paralelepípedos para
pavimentar ruas]. Eu lembro que fui operado da vesícula e fiquei um tempo fora. Tinha um
amontoado de paralelepípedos... e vocês tiraram uma foto lá. Eu lembro que tinha aquela
coisa de “Paul is dead too”. Foi quando os Beatles lançaram o “Help”, e diziam que o Paul
McCartney havia morrido. Especulavam através de indícios na capa do LP. Você inventou
uma história de que eu fui assassinado... essa aqui [foto 3]!
Aí você dizia, vinha com a teoria para me encher o saco, naquele momento quem é o cara
que está ausente na foto. Pena... quem é que está voltando... (ah! ah! ah!) dizia que eu
havia sido morto. Isso aqui era o campinho [foto] pedra de fazer rua, macaco.
Temos poucas fotos, quem bateu essa, foi o Tonico também?
Também.
Celso: De quem era a máquina?
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Do irmão do Tonico.
Celso: Que contribuição do Tonico.
E o bar e a esquina?
Celso: Primeiro que a gente não chamava de bar, era a mercearia. Bar começou a ser para
nós o bar “Lider”, exatamente na esquina ao contrário. Ele vendia bebida para menor, a
gente ia tomar “meia de seda”, o Cheu, você... na General Glicério na mesma ponta da
quadra. Não era bar, era a mercearia do Seu Otávio que morreu como um passarinho. Eu
lembro do Robertinho dando risadas da Dona Rafaela, uma velhinha encurujada esposa
do Seu Otávio tossia toda noite, tossia muito e um dia ele morreu dormindo. Chegamos
lá de manhã, eu lembro ela dizendo: “ele morreu como um passarinho”. É quando se diz
quando uma pessoa morre tranqüila. Lembro que eu e o Pinga achamos o jeito dela falar
muito engraçado, saímos rindo, rindo pra não atrapalhar, olha que irreverência infantil. Mas
devo dizer o seguinte: Pinga [falando pro gravador] foi você que me provocou [risos] seu
viadinho. Ele que teve a idéia e o cafajeste aqui também, foi um erro. Grosseria de criança
(rindo). “Morreu como um passarinho”.
E o Sidão também lembra, aqui não tem santo, nem demônio. E era mercearia, comprava-
se com caderneta, “mortandela” e era sempre igual... até o Teixeira ser dono não mudou
nada ali. Única coisa que aconteceu com o Teixeira é que naquele lugar que ficava fechado,
foi posta uma mesa de pebolim, mas aí nós já éramos marmanjos, uma outra época.
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Depoimento 06 – Celso Theodoro de Araújo
Meninas?
Celso: Eu lembro da Augusta Regina, a Tuta, morro de saudades. Sempre chamava ela,
sabe do quê? Talismã. Não, a palavra não era talismã, era objeto de sorte, a palavra
que se usa é outra. Foi a única moça, mulher que penetrava na turma, que a gente não
olhava para as pernas, não queria comer e nada. Qualquer outro tipo de mulher que se
aproximava, a gente queria comer, fora as irmãs.
Tinha a Maria Célia, a Maria Inês, saudosa memória, minhas irmãs, a sua Nazareth, todo
mundo tinha irmã, quase todo mundo. Aliás, poucas irmãs nessa turma pensando bem, por
isso não tem mulher. Era uma turma fechada de garotos que desassuntados, não tinham
nada que fazer.
Imagino que essa foto foi tirada em um domingo à tarde. Não tínhamos nada que fazer,
não tínhamos namorada. Você não podia namorar nem no portão. O amor ficava assim,
nos discos. Uma turma muito romântica, musical, melhor momento da música brasileira.
Tinha as biscatinhas que se comia, passavam durante a noite elas saiam em duplas pra
dar, se dava uns amassos no muro do externato, atrás do colégio das freiras, punha nas
coxas, não sei o que, a gente não namorava, eram meninas pra comer, as biscates. A
desinformação sexual era tão grande, a ignorância nossa era tão absurda, que a menina
que se deixou beijar, pôr nas coxas... Tem um caso em particular que não vou falar porque
está sendo gravado.
O carro?
Celso: Pra nós era um sonho de liberdade, a gente queria, pra que a gente queria mesmo?
Pra ir pra Santos. Eu lembro que o Savério tinha delírios, ele falava: “Celsinho”, lá na
esquina onde a gente estava agora [encontrei o Celsinho na esquina onde foi tirada a
foto], ele falava pra mim, nunca vou me esquecer. Tem cada flash! O Savério falando sério:
“daqui uns anos a gente já com uns 17 [anos], eu chego com o carro de meu pai (burrum.
burrum)”... ele sonhava com essas coisas, tipo filme americano American Grafitti. Dizia:
“você chega com o carro do seu pai, aquele Oldsmobile”, que meu pai tinha e que media
500 metros de comprimento por 200 de largura. Ele dizia: “você chega com o Oldsmobile
eu chego”... ele sonhava com essa coisa que a gente via em filmes, juventude norte-
americana. Éramos uns “caipiras”, naquela esquininha perdida numa cidade de beira de
estrada. Caipiras graças e apesar de Deus.
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Política?
Celso: Juca Chaves, Carlos Lyra, Geraldo Vandré, e nossa intuição.
Mas é interessante.
Celso: Eu estava presente, não era um inconsciente, nenhum de nós era, nenhum! Era
impossível não ser. Impossível não ser. Nós ouvíamos música, às vezes eu fui descobrir,
depois, o sentido delas, por exemplo “Acender as Velas” (cantando), ouvíamos as melhores
músicas que esse país já produziu, músicas engajadíssimas... Chico Buarque. O Chico,
quando surgiu, era suave. A gente já vinha seguindo de perto a música com o Geraldo
Vandré. “Que sol quente que tristeza” (cantando).
Cinema no Carlos Gomes, no Tangará, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, era proibido
até 18 anos, mas nós entrávamos nos dois cinemas, tínhamos total, total não, bastante
conhecimento e consciência do que estava acontecendo. Eu acho que só... que não fiz
porra nenhuma, também, eles usavam calça Lee...eu queria sentir saudades da Priscila
que, aliás...
Você lembra de tudo isso que eu estou falando?
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Escola?
Celso: Duque de Caxias e Ginásio e Escola Dr. Américo Brasiliense.
Em 1965 estávamos juntos, estudando à noite no Duque de Caxias. E tínhamos um amigo
muito simpático que a gente botava bebida na garrafa de guaraná. Mesquita! Era o nome
dele.
De noite estávamos ali e dava o recreio, tomávamos aquele guaraná e o escambau. Duque
de Caxias, mas já era na rua Francisco Amaro, de noite, já éramos marmanjos. E tem pra
mim, o Duque de Caxias no largo da igreja onde eu fiz o primário, usava um uniforme
marrom, calça curta, um negócio que grudava com colchete, que era o distintivo, tinha um
outro nome: GDC.
Eu era bom aluno. Ah! Nessa escola, o 1º dia de aula da minha vida, primeiro ano do
primário, olha que memória mais maluca. Antes de começar a aula tivemos um ataque de
riso. Quem? Savério Cristófaro e Celsinho Theodoro Araujo Jr. Botaram a gente na mesma
cadeira. Sabe aqueles ataques de risos de criança? Primeiro dia de aula, fomos de castigo
eu e o Savério. De frente para a parede, nunca vou me esquecer disso 1º ano primário,
pergunta pro Savério o que foi, ele vai se lembrar, ataque de riso, 1º ano, quantos eu devia
ter? Acho que nem era nascido (rindo).
Eu estou sendo entrevistado?
Primeira vez na minha vida... Fotógrafos agora não, cambada de malandros.
Moda na época.
Celso: Roupa: calça Lee, camisa Franita, colete vermelho, tênis. Um paletó de seu avô,
com um botão que era uma meia bola de couro. Aquilo fazia fila para ser usado. Não, esse
fim de semana sou eu, no outro é você.
Trabalho na época.
Celso: Você na Rhodia Química, de banco em banco e de vez em quando o Sapo te
acompanhava. Eu lembro uma vez, eu acompanhei um pouquinho, aí você entregou um
monte de papel... boy, né? Me responda hoje, como você conseguiu fazer isso? Eu lembro
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Depoimento 06 – Celso Theodoro de Araújo
do Banco do Estado no prédio do Christian... do lado da Igreja, onde morava o Magrão, era
o Banco do Estado de São Paulo, embaixo do prédio do Christian, é o edifício do Carmo.
Lembro, estava eu e o Sapo. Você apareceu com uma puta de uma pasta, maior office-
boy andando ali, você entregou um monte de papel. Começou a demorar você falou:
“ah! eu entrego amanhã”. Como era possível isso?” Hoje em dia isso é inadmissível, você
trabalhava na Rhodia, Rhone Poulanc, seu tio tava na França. Você foi um dos primeiros da
turma a trabalhar. Não existia o termo office-boy.
Com o caixa você faz um trato, ele te conhece há muito tempo, você deixa o depósito e pega o recibo depois. Quanto à
papelada você analisa antes, estes eram memorandos, pedidos de duas vias de comprovantes de cobrança, que alguém no
escritório havia perdido. Podia esperar dias.
Literatura na época?
Celso: Lembro do Monteiro Lobato, Stanislaw Ponte Preta. Principalmente Monteiro Lobato,
doze volumes, li todos graças à minha avó Dindi. Lembro de um livro fantástico, chama-se
“Viagem ao Céu”. O resto, uma coisinha aqui, outra ali, eu nunca fui muito de leitura.
Música?
Celso: Isso é fácil. Imaginando que era um Domingo. A música que eu odiava era a da
“Jovem Guarda”. Pra mim era a música italiana, Gino Paoli, Charles Aznavour, da França,
isso pra falar de estrangeiras. Os americanos, puta aquele monte.
Gianni Morandi, Beatles, uma coisa assombrosa não há música dos Beatles que eu não
conheça. Geraldo Vandré, Edu Lobo olha que mistura, Wilson Simonal no 1º e 2º disco —
lindo... Juca Chaves, Moacyr Franco. Eu fui o único da turma que teve coragem de assumir
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que gostava do Moacyr, junto com o Pergola que é o mais romântico de todos. O Pergola
tem até hoje discos do Moacyr Franco. Quer saber? Tem músicas naqueles discos que eram
do Braguinha, João de Barros, “Rosas e Andorinhas”, eu canto até hoje em festas. “Oh!
Minha rosa andorinha” (cantarolando). É a música do mesmo autor das Pastorinhas.
Então é uma misturança de música, então agora, Roy Orbison, Paul Anka, Neil Sedaka,
meu Deus! Marcos Vale estava começando, quanta coisa.
Quer que eu seja exato nesse momento, 1965? Não consigo. O auge da música italiana,
Sérgio Endrigo, puta que riqueza de material.
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Depoimento 06 – Celso Theodoro de Araújo
biscatinhas aí e muito mal, punha nas coxas, punhetinhas, manés. Não dá pra contar prosa
(risada). Isso é de uma verdade!
Falando de baile de carnaval, ah! eu queria dizer isso: que é uma coisa bem moderna, senti
isso há pouco tempo atrás, coisa de meses, você vai perdendo gostos. Sabe novela da
Globo. Novela de televisão, eu gostava de ver. Como sou um cara muito caseiro, tem aquele
negócio do zap né? Eu gostava de ver novela, não via implicações políticas, intelectuais,
tava cagando, gostava de ver e sempre achei que aquilo foi sempre bem feito. Nunca
fui seguidor, nunca fiquei preso ao negócio. Às vezes eu perdia... três dias de capítulos,
perguntava pra minha irmã, minha empregada... me interessava, carnaval também eu
gostava, eu fui perdendo, a gente vai perdendo coisas, não gosto mais (pausa), nem de
um nem de outro [barulho de copos].
Não consegui pôr coisas novas em cima entendeu? Inclusive a batucada do Rio de Janeiro.
Da Mangueira, isso ainda gosto, da bateria da Mangueira e só. Não posso ver nem confete,
serpentina, é um pé no saco. Mas eu gosto da Mangueira pela batucada, só. Pra mim só
precisava ter isso e mais nada.
Eu queria falar sobre música, “atenção estou respondendo”, mané, porque a música pra
mim nunca foi só um prazer auditivo, é como um perfume da vida, você gostando ou não.
Quando se fala... [Gritos no bar. Um grupo de mulheres comemorando qualquer coisa] as
meninas começaram a gritar, me viram aqui (risadas). O que fica da música prá mim é o
ambiente, é como o clima, o Marlboro, a Vodka, não é só música.
O que eu quero transmitir é a emoção do momento que está junto com as fotos. Não
adianta, a música não precisava ser “Arrastão”, tão bonita, poderia ser qualquer outra,
o que importa é a misturação do momento. Todo dia é um perfume sonoro... é isso que
girava na época. Noel Rosa, Dorival Caymmi “E das Rosas”. Eu preciso falar muito sério
das Rosas...
***
[apresentei gírias do ano de 1965].
Celso: A gente não usava “brasa” que era coisa da jovem guarda. Nós não usávamos a
maioria dessas gírias. Empregávamos pouco.
[mostrei o nome de cada pessoa citada nas entrevistas até então realizadas, pedi pra ele
escrever, fazer uma rede]
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Nome dele?
Celso: Visconde de Taunay, da família Cardoso Franco. Essa praça 4º Centenário é minha
terra.
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Depoimento 06 – Celso Theodoro de Araújo
Daniel, no Duque, dava aquela estilingada na orelha. Sempre foi um cara decente. Como
prefeito fez melhorias pra cidade. Não roubou. Gente que não rouba. O Zampol também,
diziam que não, os Dell’Antonia também, não roubaram. Os Cardoso Franco também, não
roubaram. Porque gostavam da cidade. Eles estavam interessados em criar uma cidade
para nós. Agora que se fôda, tô velho demais para me preocupar com isso. “Vai dar soco
em ponta de faca” meu pai falava isso, hoje eu entendo...
Morro vermelho?
Celso: Roberto Luis Moreira criou um caçador de cobras, que era uma espécie de vara, que
você virando, como engenheiro que é, virando você pegaria no pescoço da bicha e tcha...
matava e levava. E fomos nós para o morro vermelho atrás da linha. A primeira cobra
d’água que apareceu, saímos correndo com o caçador de cobra e tudo mais. Sabe onde foi
parar esse caçador? No bar do Teixeira, numa época mais recente do que essa. Ele pegou
esse caçador e caçava garrafa no alto da prateleira. Com o Robertinho, sabe o que a gente
fazia na garagem da casa dele? Filtro de água, passava o dia inteiro naquela garagem,
pingava água em uma caixinha com milho e areia até chegar, como se faz com pinga.
Depois de horas tomávamos aguinha. Processo de filtração, o Pinga, o Robertinho sempre
foi engenheiro. E depois brincávamos de carrinho com tocos da serraria. Principalmente
o Robertinho ganhava carrinhos fantásticos, os meus já não eram tanto. Só que a Da.
Morena ficava nervosa com a gente por que nós abandonávamos aqueles carrinhos da
Estrela, Trol o cacete e fazíamos trenzinhos com tocos da serraria, era um toco que imitava
ônibus, fazia um corte, fazia um bico, passávamos o dia inteiro. Robertinho Moreira, é dele
que estou falando. PQP!
***
Celso: No apartamento [do Sérgio Augusto] em Santos, desci pra pegar mulher. Começamos
a tomar banho e ele falou: “olha não vamos comer mulher aqui porque vai estragar as
molinhas do sofá” (risos). Eu tinha acabado... de tomar banho, peguei a toalha, joguei ela
no chão, enxuguei meus pés no chão. Eu nunca, com as baquetas de bateria... ia pensar
em riscar a pintura de um automovinho (irritado) [referindo-se à foto onde ele está com
duas baquetas, e o olhar do Sergião sugere que está preocupado que o Celsinho use o
pára-lama como tambor].
Ghost-writer. Eu quero dizer o seguinte, você manja o Cartola, né? “As rosas não falam”,
aliás, que eu considero, talvez, a música mais chata dele, o Cartola tem músicas melhores.
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Depoimento 06 – Celso Theodoro de Araújo
Mas eu fui um ghost-writer do Sérgio Augusto com as namoradas dele de Rio Claro e de
Santo André. A Mariluce, a Norma Andréa, quem escrevia as cartas era eu.
Há uns dez anos atrás encontrei a Norma, já casada com o Bola, ela virou prá mim e disse:
“eu sabia que era você que escrevia”.
Lembro que eu escrevi e o Pergola transcreveu. Eu escrevi para a Norma... ele havia
comprado umas flores, umas rosas: “Não lhe envio flores, envio-lhe espelhos”. Vinte anos
depois a Norma falou: “sabia que era você”.
A turma tinha uma certa maldade de tratamento com as pessoas. Tudo era ironizado.
Intolerância, ignorância. Eles são chatos mesmo. Os diferentes são chatos.
Lembrei, Tuta era a nossa mascote.
Quero dizer para vocês o que eu fiz com o Magrão [Dori] coisa de alguns anos atrás, nem
lembro quantos. Viemos aqui [Santo André] porque a Ana [irmã do Celsinho] pediu um
favor para pegar no Cartório uma certidão de casamento, pois tinha que fazer uma viagem.
Incumbidos que fomos, eu e o Dorival Franceschi, viemos ao Cartório onde trabalhava o
Salim, do lado da Igreja do Carmo. Veja, chegamos ali e não era mais ali. O cara falou: “é
lá na Senador Flaquer”. Ele falou como se fosse uma distância tão longe... Eu e o Magrão
em três passos atravessamos a rua. Falei: “Magro... essa cidade diminuiu”. Ainda paramos
pra tomar cerveja, chegamos no Cartório, que fica um pouco antes da Serraria Moreira...
O cara nos havia explicado como se fôssemos procurar o metrô e em dois ou três passos
atravessamos a rua.
Falei: “Magrão a coisa diminuiu, os muros estão mais baixos” (risadas), comemos um
Bauru, tomamos uma cerveja. Pegamos a certidão e voltamos. A esta altura já estávamos
um tanto quanto... Sabe o que nós fizemos? O Magrão morava na rua Cesário Mota,
naquele sobrado bem quase na esquina [Vila Gabrilli]. Falei: “vamos entrar”. Apertamos a
campainha. Ali funcionava um consultório de psiquiatria. Entramos, a pessoa abriu a porta,
nós já com aquele bafo, mas fingindo, com cara de coerência. O Dori disse: “eu morei aqui,
eu queria rever a minha casa”. “Tudo bem” , disse o cara. Não conseguimos subir ao andar
de cima. Visitamos o andar de baixo, o quintal, olha... saímos dali fomos pra minha casa
[antiga casa], Campos Salles 466, era uma loja e ainda é uma loja para noivas... tocamos
a campainha (rindo). “Olha, eu morei aqui, posso ver?” O cara disse: “claro!”. Também não
entrava um cliente (rindo). Entramos. Sidão!... tá tudo reformado, não é mais a mesma
coisa. Na hora que o cara abriu a porta... era a mesma porta que foi fabricada na Serraria
Moreira. Atenção, Moreira! Eles eram bons de madeira.
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Depoimento 06 – Celso Theodoro de Araújo
O som do trinco clac, clac, quando abriu a porta, o som do assoalho, embaixo tem um
porãozinho P.Q.P.! Aquela sala ficou grande [foi reformada]. Agora eu quero ver meu quarto.
Entrei no quarto, eu e o Magrão. Dormia eu e o Netinho, o Marcelo já tinha casado. Eu
achei aquilo tão pequininho (rindo), eu virei para o Magrão e falei: “como é que eu dormia
aqui com o Netinho? Anos e anos a fio, não cabe nada!”.
E fomos indo, chegamos até o poço que meu pai mandou fazer... um estoque de água.
Quando faltava água, o Ernestinho ia buscar água em casa... Cheguei até o poço, Sidão,
os sons da casa eram os mesmos, desde a porta onde o cara que nos atendeu, claro não
tinha a menor idéia. Mas eu e o Magrão lacrimejamos, como já tinha acontecido na casa
dele, desta vez foi na minha...
***
Celso: Depois o Celso Daniel limpou a bandeira de Santo André, parecia revista em
quadrinhos, ele simplificou, mas manteve o nome que... na Igreja do Carmo tem...
“Paulistarum Terra Mater”. Sou eu, viados, manés. Desliga essa merda.
Deixa correr.
Celso: Ninguém é mais Andreense que você, que o Dago, Pedrão, Marcolão, PQP! Ninguém,
essa é a minha turma. E eu não estou nem de porre ainda. Já imaginou quando eu ficar
de porre então? Manés. Morram de saudades de mim. Essa é a minha terra. Italianos, a
culpa é dessa italianada (rindo). Cadê a minha turma? Mata mais uma dessa e vamos pro
bar do Grilo.
***
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
DEPOIMENTO 7
Wanderley Platinetti
Também: Sapo, Sapinho, Saponildo, Sapon.
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
O Sapo está com 56 anos em 2004. Não trabalha, ou melhor, não encontra trabalho. Divorciado,
separado, vive só. Está morando na Vila Pires, caminho para o Clube Aramaçan. Cuida de seus
cães. Não possui carro, é um andarilho. Sua situação, não é a dos melhores dias de sua vida.
Não dispõe de dinheiro para comprar óculos – imagine uma consulta médica?
Foi difícil encontrá-lo.
Quarta-feira, 18/10/04, Liguei para o Eraldo perguntando sobre o Sapo. Disse que o Osvaldinho
barbeiro, que mora na Vila Assunção, poderia me ajudar a encontrá-lo.
Tanto o Salim, como o Moreira e mesmo o Tonico, diziam que ele caminhava junto com seus
cachorros, quase todos os dias pela rua Senador Flaquer. Ali eu poderia achá-lo. Uma idéia nada
prática.
Quarta-feira, 29/10/04, encontrei o Erio no Teatro Municipal de Santo André, fiquei de ligar
para sua residência para poder me encontrar com o Sapo. O Erio mantém esporadicamente
contato com ele. 09/11/04 liguei para o Erio: “encontrar o Sapo está difícil!”. Me ligou
na sexta-feira, já havia conversado com o Sapo. Eu deveria encontrá-lo no dia seguinte às
9h da manhã.
Quarta-feira, 10/11/04, Sapo me ligou a cobrar de um telefone público. Disse que o Erio falou
que eu estava escrevendo um livro. Já estava sabendo pelo Tonico e Salim. Argumentou que
não havia me procurado porque não está a fim de falar de Pergola e etc. e tal. Voz estridente.
Disse também, que não ligou antes porque esteve internado com um ataque...
Marquei um encontro na “esquina” da Campos Salles com a Cesário Mota, em um bar situado
em frente ao local em que foi tirada a foto...
Quinta-feira, 11/11/04. Fui para a esquina, cheguei às 9h, (na minha cabeça era esse o
horário combinado — Lizete me disse depois que eu havia marcado para as 10h). De dentro do
carro, observava cada um que passava que tivesse cabelo branco e fosse magro. Me falaram
que ele estava bem diferente.
Enfiei umas moedas no parquímetro. Me atrapalhei com o marcador de horário. Entrei no bar e
tomei uma Coca-Cola. Na TV era transmitido um noticiário sobre a morte de Arafat. Voltei pro
carro. Pensei: “quando der 10h eu me mando, esse cara eu não vou ver mais”. Deixei o tempo
correr; 10h10 liguei o carro e pensei: “ele teve dificuldades em me encontrar”.
Aí, aparece o cara na janela do carro! “Entre, vamos achar um lugar pra conversar”. Muito calor.
O Sapo com blusa de lã.
Acabamos indo para a mesma esfirraria em que havia encontrado o Celsinho.
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
Não, o Salim.
Sapo: Ah! Rapaz, o Salim, você, o Pergola, e aqui?
Celsinho.
Sapo: Isto aqui é um xerox?
É uma cópia.
Sapo: Eu lembro que essa fotografia era nítida. Lembro desta foto. Você tinha na parede
de sua casa, no sobrado, quando sobe a escada. Porra tinha uma outra com o Bassaglio
[foto] que a gente estava em frente da esquina do Gabrilli, eu não achei aquela foto. O
Milton estava dentro do Jeep.
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
1965.
Sapo: Mais um ano faz 40 anos (pausa). Eu tinha aí na época? Faz 39 anos, eu tenho 56,
hô loco! To ruim de matemática.
No mesmo lugar.
Sapo: Beberam?
Sim. Bebemos.
Sapo: Ele não sumiu de repente sem dizer nada?
***
Você, olhando pra foto, o que vem na sua memória?
Sapo: Não me preparei (pausa). Me lembra uma idade aí..., bacana, gostosa, cheia de
amigos, frustrada em certo modo de ver, né? Tinha isso também na época. Uns caras
tinham carro, outros não, ficavam olhando. Outros iam dar uma volta, quando o dono
convidava. Quero dizer, isso é frustrante. Naquela época não percebia isso, mas sentia né?
O cara [o dono] sai e vai onde quer, convida quem quer, deixa o outro que ele não está
mais batendo papo [brigado] na esquina...
Eu dirigindo o carro dele [Pergola], e ele fez isso com o Celsinho. Parei o carro. Falei “eu
fico com o Celsinho aqui na esquina”. Ele era maquiavélico, aquele Pergola. Se for um cara
que eu não tenho vontade nenhuma de ver, é ele. Começo lembrar da época do Pergola,
não tem um prol pra ele, isso analisando friamente. Não é você deixar pra lá, deixar
passar... Foi amigo, a gente se criou junto. Mas ele era frio, calculista. O Pergola era todo
interesse pra ele. Te roubava de mim, pra ficar com ele. Roubava o fulano pra ficar com
ele. Impunha com o carro, como condição de maneira indireta ou direta. Cercava, tudo era
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
na casa dele, a mesa de pingue-pongue era lá, a quadrinha de basquete era lá, a vitrolinha
era lá, o fusquinha era lá. Ele decidia quem vai dirigir. Ele deixava dirigir, ou não deixava.
Era um ditador, um idiota. Era um idiota, não tem turminha que tem um tipo como aquele;
nem no seriado do Chaves , onde o dono da bola faz picuinha para outro ao brincar com a
bola. Ali tem sentimento, eu não vi sentimento nunca no Pergola. Você já me viu chorando,
você viu o Celsinho chorando. Você viu o Pergola chorando algum dia?
Não lembro.
Sapo: Não lembra porque ele nunca chorou. Acho que nem quando o Carlão morreu [primo
do Pergola, morreu aos 16 anos devido ao câncer]. Então quando se fala no Pergola é ficar
lembrando daquelas coisas. Eu não cheguei a ser um belo puxa-saco. Ele me convidava
para dirigir, a turma falava: é “puxa- saco”. Mas não chegava a ser igual o Fabinho que ia
lavar o carro dele. O Fabinho nem dirigia, mas tudo bem, ficava na expectativa. O Pergola
fazia maldade para os outros. Maldoso. Lembrei de uma dele: quando marcou pra irmos
comer pizza em um restaurante. Não sabia que ele tinha brigado com o Celsinho, se
desentenderam, nessa época do Fusquinha vinho, é por aí. Então o que acontece, vamos
lá na casa do Pergola para sair, para comer uma pizza, eu, Pergola e mais dois. Não lembro
quem eram. E ele disse, “vai dirigindo”. A partir da casa dele, eu pego o carro e saio
dirigindo. Chegou na esquina, estava o Celsinho sozinho. “Péra eu vou pegar o Celsinho”,
“não, não! Segue, segue”. Tava na cara, tinham quebrado o pau, tinham se desentendido.
Ir comer pizza com os outros e deixar o Celsinho sozinho? O Celsinho era nostálgico (hun,
hun, hun). Parei o carro e fiquei com o Celsinho, sei lá o que fizeram, foram em frente.
Celsinho?
Sapo: (pausa) Amigo legal, tô falando do Pergola que era um cara legal na época, mas
com defeitos, mais defeitos do que... Possessivo, egoísta, tudo era dele. Já começava
desde a bolinha de pingue-pongue que era dele, a mesinha, a bola de basquete, quem
entrava no time, quem não entrava. Opa! Péra aí! “Quem vai escalar?”. “A casa tá lotada,
não entra”, acontecia quando se ia jogar basquete na casa dele. “Não! Já temos gente
demais aqui, não pode”. Convidava pra ir não sei aonde, punha uns pra fora de sua casa,
sempre foi assim, a vida inteira, de cabo a rabo... Não é questão daquilo não, era em tudo
era... aniversário, era “onde vamos comer pizza?” Era assim... (pausa).
Agora, o Celsinho já não, era um cara mais igual, romântico, mais Beatles (riso curto). É!
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Celsinho era um Beatle, metido a Beatle, sem ter a menor idéia do que era um Beatle.
Não lembro.
Sapo: Lembrei dela agora, por acaso. Não é que eu fique lembrando toda hora. Por acaso
lembrei. Essa menina era emancipada, era mais saída, normal, mais saída né. Volta e
meia, tinha um bailinho na casa dela.
Bailinhos?
Sapo: Era aquela beleza. Eu fui convidado, eu sou o bom. Fulano não foi, aquele também
não, aí ficava com medo se não fosse, eu sou privilegiado porque fui convidado. Chegava
lá, o que a gente usufruía? Chegava lá, aprontava, fazia bobagens, um ou outro namorava
alguma menina, o resto ficava fazendo besteira, apagava a luz, jogava bolo, bobagens de
moleques.
Lembro na casa da Marcia de Castro, uma festa de aniversário, que se jogou esfirra em
ônibus e na rua. A outra festa que nós fomos foi aquela em que o Alberto me tacou um
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gelo aqui [na testa], a cabeça sangrou. Pusemos papel higiênico dentro do vazo sanitário,
apagaram a luz. E foi o Alberto, eu fiquei sabendo depois. Estou lá no meio e de repente
“péinn”, um negócio bateu na minha cabeça que abriu e sangrou. Era um cubo de gelo...,
eu estava fazendo gracinha e ele que era mais velho viu aquela pataquada, e resolveu atirar
a pedra de gelo. Deve ter sido isso. Aí... corta a luz, tira fusível, casa do Machadinho, tira
vidro, para acabar com a festa. Era uma turminha de vândalos, meio de família (risada). É!
Coisa de filmes americanos..., sei lá, se via em filminhos americanos e queria fazer igual,
vai saber. Só sei que se achavam os bons. Inclusive eu.
A gente se vestia na moda, a gente era (sic) os mais bonitos, a gente estava na onda, tinha
calça na moda, perfumes: Rastro, Lancaster, Pino Silvestre. O Lancaster que o Aladino
trazia lá da Argentina, o original mesmo. Aquele que dava o cheiro. Às vezes eu ia com o
Salim na rua Augusta buscar o Rastro. Ai, via o sapatinho de esfumaçar [era moda o sapato
feito sob medida e esfumaçado], aquelas coisas lá [sapataria]. Ia daqui de ônibus ou de
trem pra se chegar até a Augusta [rua] pra ir lá na Spinelli, pegar um perfume, pegar um
sapato... Já tinha a calça do Lázaro, era a calça dele né? Bolso chapado.
Sabia.
Sapo: Ele me arrumou um negócio na Sul América, para trabalhar no Centro de Pesquisa
da Ford, depois de lá, trabalhinhos.
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
Escola?
Sapo: Sempre tava. Duque [Ginásio Duque de Caxias], fui expulso, fui atrás do “Pica-
pau”, do Belchior [professor de inglês], pulei carteiras pra dar porrada. O Jimão estava na
classe, o Ailton, quem mais estudava naquela classe? É, estourava por faltas, daí eu vim
para o Santo André [Ginásio] e aconteceu a mesma coisa, só que era diferente. Aí eram
as meninas, quando eu vim para cá [para esse nosso encontro], por um acaso vi uma
fotografia da Mirian, estava abraçado com ela, minha mãe que guardou. Tinha a Lúcia que
eu namorei, ela morava em frente ao Noca [bar], onde depois virou uma escola de inglês, o
pai era gerente de banco ali na rua Bernardino. Ela andava com um carrão da família, tinha
um carro grande, americano, um carro caramelo e branco. Lúcia, Mirian, Cristina foram
todas estudar à noite aí no Santo André [Ginásio Santo André].
Aí eu matava aula com uma, matava a aula com outra, conclusão, estourei por faltas. Foi
aí que encerrou a minha carreira de estudo. Eu ia bem nas matérias, tudo bem, me fodi,
fui para a segunda chamada por falta, meu pai não entendeu...
Faltava por quê? Vinha o Aladino com carro e dizia “tem duas meninas, vamos lá pro km
28”, voltava e pegava mais uma namorada, matava uma aula, levava ela pra classe, matava
aula com a outra, quando chegou no fim do ano; ´pumba!`. E outra, tinha que pagar a
Segunda Chamada, o meu pai uma vez se recusou, a minha mãe veio e blá, blá, blá, no
último ano. Quer saber, vai tudo a PQP! Mas era pra matar aula, ficar namorando...
Matar aula, ficar namorando aqui no Santo André [o ginásio ficava próximo do local em
que estávamos]. No Duque não. Eram mais aquelas coisas de brincar na aula, matar aula,
coisinhas bobas que os caras levavam muito a sério. Daí fui pra noite, estudei com o Paulo
Pim, tinha amizade com a irmã do Paulo Pim. Faz tempo que eu não vejo ela (sic), morava
aqui nos prédios do IAPI, ela era legal pra caralho... Lembra do Paulo Pim? Você lembra
dele sim. No Duque à noite, ficava ele e um tal de Amauri; ele tinha um Karmann Ghia
na época. Ele era um daqueles caras considerados marginais, ficava no canto da classe.
Quando eu mudei pra noite, o meu pai não quis que eu ficasse mais lá, aí eu me transferi
pra cá [ginásio Santo André]. Mudei do dia para a noite [turno escolar], aí entrei na classe
do Paulo Pim. O Amauri, irmão dele, está até hoje por aí, perto do Queirós [padaria]
descendo o estacionamento. O Amauri nunca mais vi.
***
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O Queirós [dono da padaria] morreu. Ele tirava um dia de folga por semana e ficava do
outro lado do balcão criticando o bar. “Ei! Me atende aqui! Bar de merda, do caralho!” Ele
tinha um filho que bebia, tinha um moleque novo que levava ele embora, dirigia o carro,
era menor de idade. Numa dessas o moleque foi levar ele pra Capuava, capotou o carro.
O moleque morreu, aí abalou o homem, sozinho e tal, ele continuou mais um tempo,
aí vieram dois irmãos portugueses, ficaram muitos anos lá. Hoje um deles está na rua
subindo onde eu moro, ali na D. Pedro I, montou uma pizzaria ali, não faz muito tempo. A
padaria do Queirós foi reformada, quem ainda vai ali é o Albertozi e o Fábio Lobi. Fim de
tarde eles dão uma paradinha ali.
Campinho?
Sapo: Foi lá, depois, que construíram o Sortino [serraria], que botaram os parararalelepípedos
[pronúncia proposital]. Antes ali vinha o circo, chegava...
Punha o Fabinho no barquinho, lembra disso no barquinho, só cabia ele, era pequininho.
No campinho tinha tudo, eu era participante, desde as batatinhas assadas, na beira do rio,
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Largava o cigarro na tua casa [esconder dos pais], você punha num livro lá [livro oco
inventado pelo Moreira]. Tinha uma ensebação pra liberar o cigarro. O cara com vontade
de fumar chegava lá e você ensebava. Descia pra esquina, fumava, vamos fumar de novo?
(risos).
Vou falar pra você o que todo mundo já falou?
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
dela]. Hê! Eu! Ela era amiga da Ana . Encontrei a Joana está fazendo uns quatro meses, lá
na cooperativa... ela tá assim... mas não é gorda. Uma massa, peitão bem definido, calça
justa de couro, jaqueta de couro. Começamos a bater papo, blá, blá, blá... Aí começamos
a relembrar, do irmão dela, disso, daquilo... Aí eu me lembrei dessa loira, ela disse que
nunca ouviu dizer... Tinha até um Fusca bege. Comigo ela veio discutir... Pode ser que eu
não saiba, mas de lembrar? ah, ah, ah. Não lembro do que eu fiz ontem. Mas disso daí! Eu
ia te chamar direto na tua casa, tava ela lá com a “cara”. Loira e bonita... disse “não faço
nem idéia do que você está falando”. “Escondendo o lado sapatão, hein mulher”. Ela estava
morando com o irmão dela, ele deu um golpe na praça, meteu a mão. Construiu uma puta
casa em frente ao Aramaçan, roubalheira... Meu pai foi quem arrumou emprego pra aquele
cara, na Firestone. Você sabe de quem estou falando?
Sei.
Sapo: Gordinho tal. Aí ela acabou ficando com essa casa. Depois... me falou onde está
morando, não marquei o endereço...
***
Dadá Macedo [era fotógrafo] está de cadeira de rodas... ficava ajudando o Pedrão, nem sei
se amputou a perna. Pedrão ta querendo visitar ele. Falei, “eu vou com você a hora que
quiser”.
Danilinho jogava xadrez com os olhos vendados com o Serviglieri, fazia aquelas coisas.
Solta ele... vai lá no Batalhão... lembra disso? [esse assunto é retomado mais à frente]
Ernestina [foi dona do bar], é ela. Um dia, peguei uma “maria-mole” pus aqui [na altura
do pênis]. Eu não sei? O Pedrão viu. Era ela a mãe do Noquinho [apelido devido à ausência
de curva na parte traseira da cabeça], ela mesma. Eu fiz aquela barbaridade e ela ria.
Ela ria, mas não que a gente tivesse vendo. Peguei a maria-mole saí lá fora e fazia
assim.[balançando]. O Pedrão viu ela dando risada lá dentro do bar, eu não vi. Ela mesma,
uma vez abaixou a porta e deu no Pedrão. Mulher do Flores, Eduardinho.
***
Espanhol da motocicleta, vizinho do Salim.
***
Eu lembro do seu pai. Seu pai punha você aqui nos ombros. Pensei que ele tinha morrido
na época. Não tinha!
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
Encontrei com o pai do Salim, ele era vivo, alfaiate, faz uns anos. Quem me falou, foi um
cidadão, o seu Carlos, um alfaiate de mil novecentos e nada. Um dia ele me falou que o
pai do Salim estava vivo.
Pai do Salim. O quê?
Estava procurando uma casa exatamente na rua onde o homem era alfaiate. Peguei, desci
do ônibus em frente ao ponto da alfaiataria. E eu olhei, não precisava falar nada era o
próprio Salim. O Salim mesmo, cabelo igual. Gêmeo. Desci, conversei, bati papo. Pra mim,
caralho! Sempre soube que o pai do Salim havia morrido. A gente não ficava perguntando.
Na época da gente era assim. Perguntando se o pai era vivo. A separação naquela época
era diferente. Era pesada.
***
Sapo: Você gravou, papo furado?
Não.
Sapo: O Oideo, você lembra dele?
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
Lembro.
Sapo: Era de noite ele pegava a lanterna de carbureto [usada para caçar rãs] punha dependurada.
O Oideo ficava tirando a roupa, imitando um streap-tease (rindo) na cocheira.
[lendo trechos iniciais de alguns depoimentos]
A turma era muito maior [depoimento do Savério]. Depende do que ele pensava o que era
turma. Tinha uns que pensavam que eram da turma, mas não eram, uns tinham passado pelos
testes outros não. Uns se achavam que eram, todo, todo, e não eram. Dependendo (risos) do
ponto de vista... Flavinho do vôlei nunca foi e achava que era. Teve vários que pensavam e
nunca foram...
Bom, você falou com o Savério?
Não.
Sapo: Vai ficar gravando nada! Vou falar sozinho?
***
Sapo: Se eu tivesse lido o do Savério [trecho do depoimento], eu faria um resumo, eu faria
uma coisa melhor, melhor pra mim.
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
Dramas?
Sapo: Frustração tinha, claro que tinha. Eram todos meio duros, alguns viviam de mesada,
pra mim, meu pai não dava nem “cadeirada”.
Porra eu ia no (sic) cinema vai... Tinha dinheiro para um maço de Minister e a entrada da
matinê. Uma Coca e olhe lá, mas e daí? Tinha outro que saía para comer pizza, dava pra
pagar para a menina, um oba-oba a mais.
Pizza naquela época. Tô lembrando quando o pai do Pergola convidou para ir no restaurante
do Dall’Olio... [aniversário do Pergola] e pediu a pizza picadinha para render mais. Achei
que era uma espécie de aperitivo... A gente com uma fome, a gente comia pra caralho. Aí
o pai do Pergola dividiu a pizza, e a turma só que belisca, esperando que fosse sair outras
mais depressa. Não! Terminou na terceira. Três pizzas pra 20 caras, divididas em pequenos
pedaços. Acabou no meio da comemoração. Acabou... não era bobo nem nada, eh!
Pizza era legal, juntava um dinheirinho pra comer. Tinha também aquela: “vou eu e você”, o
outro não podia ficar sabendo... o dinheiro não dava... tinha esses lancezinhos às vezes.
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
O bar?
Sapo: Tinha o português [dono do bar] pai do Moicano, lembro do Moicano com aquele
cabelinho assim. Tinha o Teixeira; “Uma loira?” A Loira era o seguinte: na época que o
Rodi, o Dori, os caras que conheciam os magnatas de São Paulo, caras com a grana, o Pilim
lembra? Esses caras né? Eles ficavam contando “casos” lá [freqüentavam o boteco–fim dos
anos 60]... E o Teixeira ficava de olho, ali do balcão. Um dia, sentados, batendo papo, o
cara falou de uma fulana, o Teixeira fez assim... “Espera um pouco, era uma loira?” “Sim”.
(risadas). Parecia que já tinha saído com ela, que a conhecia. Essa frase marcou [barulho
de carro- ventania- chuva].
E quando ele falava daquela secretária da fábrica... Do chefe maioral que tinha na Firestone.
Era a Adelaide, irmã do Baroni, que o pai foi prefeito de Santo André? Irmã do Baroni...,
ela era bonitona. Tinha carro... O Teixeira, por algum motivo, pegava carona com ela.
Ele falava que quando ela dirigia, quando engatava as marchas, passava a mão na perna
dele...,(risadas). Essa foi foda!
Teixeira ia no Aranami dar o “tchum” [embebedar-se], chegava chutando... o ”Velotrol”, os
brinquedos dos meninos [seus filhos].
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
jogou a corda puxou com o Simca Aronde. E toda data, aniversário de quando aconteceu
isso, o cara vinha trazer presente pra ele [nunca foi presenciado por nós].
Mas essa disputa, como é que era? Ficava alguém cronometrando pra ver quem descia mais rápido?
Sapo: Daqui até Santos, pela Serra Velha. Ali tinha um monte de coisa. Ali, tinha a turma
do Chiquinho Lorenzini, tinha a do Robson, tinha a do Oideo, tinha a do Piva. O Pergola
às vezes se metia, chegou até valer certificado de carro, quem conseguir daqui [Santo
André] até Santos pela estrada da Serra Velha em menos tempo. Eu cheguei a ir junto com
alguém.
Outra coisa, fazer o menor tempo pela Anchieta? Descia um por vez, não era disputa com outro carro no mesmo
momento?
Sapo: Descia um só, lembro. Descer a serra pela Anchieta.
Começava a serra e se marcava, lembro. Cheguei a ir algumas vezes.
Uma vez peguei a Berlineta do Pergola, eu tomei umas bolinhas, era carnaval, fiquei
acordado 4 dias, meu Deus do céu!
Fui pra lá que não tinha pra ninguém, que nem um doido, aquele carrinho tinha estabilidade.
Ficava no chão né?[barulho de talheres]. Aquilo lá foi um absurdo, nem eu sei como é que
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
eu fiz aquilo com a Berlineta do Pergola, foi quando ele comprou aquele carro. Mas do
resto, era arriscar a vida, eram uns negócios absurdos.
Ás vezes valia certificado com o Lorenzini. Lembro até dos carros que se tinha na época.
O Chiquinho quis uma vez ir com o Galaxie, pra valer certificado com o Robson. O Robson
tinha um outro carro que... porra, um Galaxie naquelas curvas da estrada de Santos. E foi. O
Oideo vinha com aquela Rural, para poder apostar corrida. O Pergola, Aladino, corria aqui na
praça IV Centenário, depois aqui teve corrida de Kart.
Eu estava lá também?
Sapo: Tava. Pusemos a mesa lá fora no quintal. Ele fez um cabrito, uma leitoa, qualquer coisa
assim. Era isso..., foi aquela turminha convidada, pois sempre se “podava” alguém... Eu lembro
quando você falou isso. E do jeito como você falou isso.
Nós estávamos comendo lá no quintal, aí meu pai achou uma boa a idéia a de juntar os amigos,
ali comendo; a primeira vez que ele fez e nunca mais ele fez e nem sei como fez. Eu lembro que
era uma leitoa ou cabrito era uma coisa assim. A gente comendo, de repente caiu no chão um
talher, alguma coisa que você foi pegar debaixo da mesa..., ai meu pai falou “na próxima vez a
gente podia fazer um pato!”. Você levantou e falou, “quem disse um pato?” (risos) Era meu pai
que tinha dado uma idéia, um pato assado. “Quem disse um pato?”. Puta merda! Você ria.
Esse “um pato” ficou marcado. Na próxima vez pode fazer isso, ou um pato. “Quem disse um
pato” (rindo)? Ficou só nisso não teve mais pato, nem pardal, nem pomba, porra nenhuma.
***
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
Tempo tá indo né? Quarenta anos. Eu estava lembrando com o Pedrão, quando caçava
passarinho com estilingue, a gente ia de calça curta e estilingue. O Dadá pegou nós (sic) dois
no Tangará [cinema], tava eu e o Pedrão, atirando pedras nas pombas. O Dadá Macedo segurou
os dois aqui... Deu um corretivo em nós dois, puta merda nem sei o que deu. Ele de gravatinha
todo arrumado. E vê no que deu, o Dadá trabalhou com o Pedrão já faz anos. Hoje ele está na
cadeira de rodas. Mora lá pela Vila Assunção. A gente está pra ir visitar ele.
***
Cadê o garçom? Cadê o John Lemon? [limão]
Tudo que você tem e perde, é uma perda. [discussão sobre o cabelo].
***
Falando nisso..., e a Dorinha Duval? [foto em que estava seminua, em uma revista... que
apareciam vedetes] (risadas).
Você lembra quando eu falei: “não uso mais isso!” e dei pra você, puta mentira. Falei, “mudei de fase” ( rindo).
Sapo:... Lembro de uma coisa... Tinha um varal, um fio [dentro de um barracão no fundo
da casa em que eu morava], ali você pendurava as fotos pra ficar olhando..., umas punhetas
(risos)... E os Biotônicos... a gente tomava um fogo de biotônico. Subia aquilo lá! Também
tomava-se uma caixa.
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trás, a turminha que morou junto, o pai e a mãe moravam juntos, ali morando um próximo do
outro e a gente. Acabou...
***
Sábado, 09/04/05, 12h. Local: a mesma esfirraria, o mesmo local indicado pelo Erio, o
mesmo local com que falei com o Celsinho e o mesmo garçom. No dia anterior eu conversei
com o Dago e havia dito que iria encontrar com o Sapo nesse lugar. Dago apareceu mais
tarde, sentou junto e almoçou.
***
Você é capaz de contar aquele caso que aconteceu na casa do Savério, quando o Salvio, vestido como mulher, pregou uma
peça na turma?
Sapo: Vou te dar um resumo, depois você põe pra gravar. O negócio foi o seguinte: a
família do Lobão (Savério, irmão do Sálvio) foi viajar, inclusive ele. O que aconteceu?
Não sei quem foi que veio com essa idéia. Eu estava lá desde o início. Não sei se foi um
Pedrão? Não sei se foi um Pergola? Quem deu a idéia? Não lembro. Então falaram, “vamos
pegar a turma, fazer um trote?”. O Sálvio se ofereceu. “Vamos falar que você é uma
mulher, uma menina que nós pegamos e taí na casa, com isso dá pra gente ver os caras,
as cantadas que eles vão dar”.
O que aconteceu? O Sálvio se vestiu de mulher, pegou sutiã da irmã, pôs um cabelinho,
uma peruca. Ficou na cama deitado com a coberta, com uma perna de fora, fez voz de
mulherzinha. Tudo bem. Luz apagada, e conclusão, os que já sabiam ficavam escondidos
no guarda-roupa, embaixo da cama, no quarto escuro. Aí um ia, chegava na turma e
falava: “porra tem uma menina que apareceu por aqui, está lá na cama, está dando, mas
porra, não é biscate, tem que ir lá e cantar ela, que ela é meio... Não é puta, tem que
chegar lá com jeito, tem que cantar, a gente tentou e não comeu”. Ta bom! Então mandava
um, muito que bem. Aí os que estavam lá dentro já sabiam, todos da turma, dentro do
guarda-roupa, atrás dos móveis. O cara subia, ficava sozinho. O cara ia e sentava-se do
lado do Sálvio. E vinha com aquela conversinha. “Oi! Você tá aqui? Qual é o seu nome?”.
E o Sálvio debaixo das cobertinhas vestido de mulher, com sutiã, abajur, e não sei o
quê... Falando à meia- luz. Daí o cara dando cantada, pra ver se dava pra comer ali. “A
gente pode marcar um encontro outra vez, em outro lugar, eu vim não sei de que lugar”.
Patacoadas ensaiadas. Aí o cara lá. E a gente pra ver a cantada do cara. A gente não via o
cara se declarando pra mulher. Era curiosidade né? O que você falava pra sua namorada,
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
quem sabia? Mas ali a gente ouvia toda a cantada do cara, e pá, pá, pá,... até o cara cair
na real. E a turma saía de dentro do guarda-roupa e tirava o sarro. Acendia a luz. Aí esse
cara, começava a fazer parte dos que iam pegar um outro.
Aí chamava mais um e já ficava esse ai que caiu.
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
O Danilinho com uma mãozinha, lembra? Puseram lá, e “Pô”! Batida seca, PQP! Quebrou
merda nenhuma. A turma se matava de rir.
Quando ele bebia, ele se achava uma autoridade, e falava como tal. Ali tinha o batalhão de
soldados da PM [coisas da ditadura—cercaram com cones uma parte da rua Campos Salles
e instalaram um batalhão].
Aí inventaram, não sei quem foi. Acho que o Dori estava presente, o Rubens sempre estava
nessa; coincidia. Alguém de lá da turma combinou com o Bilingue? Lembra? Um “policinha”
que tinha lá, daquela turma [policiais] que freqüentavam o bar do Teixeira? Combinaram
que prenderam um cara lá no batalhão... Alguém da turma.
Chegaram pro Danilo e falaram, “porra o cara foi preso, você que tem autoridade pra
caralho, tira o cara de lá, que ele está preso!”.
“Quem é o cara?”.
E o Danilo, “é pra já!”.
Aí encenaram. Ele pegou e virou a esquina.
O polícia lá na porta do batalhão, “pois não seu Danilo”.
“Continência, o fulano está aí preso?”.
“É, ele cometeu uma infração, não sei o que lá, ele está preso aí”.
“Quero falar com o Capitão”, não sei o que, não sei quem era na época.
“Como vai prender esse cara?”.
Danilinho já varrendo com aquele tipinho dele [Woody Allen ou Peter Sellers misto com
o pai do Pimentinha] chegou lá. Não lembro quem era o cara que prenderam. Não sei
se foi o Dori, se não foi... não lembro quem foi, só sei que estava lá dentro do batalhão,
tudo combinado. O Danilo, “como foi prender esse rapaz direito?”, “exijo que solte ele na
hora”.
“Sim senhor, seu Danilo, houve um engano, pois não Sr. Danilo”.
“Tira a algema dele, solta ele”.
“Puta seu Danilo se não é o Sr. o cara fica preso, o cara ia ficar preso”.
“Obrigado, vamos tomar uma cervejinha”.
O Danilo como se fosse um cara de autoridade, que foi lá e tirou o cara imediatamente do
batalhão. Isso P.Q.P.! foi uma das coisas mais gozadas que eu vi ali. Ele deu uma puta dura
no guarda.
“Permaneça em continência e em sentido” pro polícia.
“Sim senhor”.
Esquina 65 - 153
Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
E tinha o detalhe dele olhar pra ver se a roupa do cara tava legal, a postura. Era uma
figurinha, completamente louco. Mas né?
***
E o circo, Sapo?
Sapo: você vai querer falar do Hélio Rossi?
Circo teve vários né? Eu ia nos camarotes, meu pai ficava sempre no camarote [ficavam em
frente ao picadeiro principal]... Às vezes eu levava alguém da turma. Punha no camarote
ali na frente. Até que teve o circo que veio a bicha e uma outra; também argentino.
Não tinha aqueles canos que faziam proteção na pontezinha do riozinho que ficava no
fim da rua General Glicério? Ficavam ali conversando, o Hélio Rossi e a outra bicha mais
“coroa’... A gente ia no (sic) bar do Bartolli, na esquina onde tinha o posto Spray do... era
um armazém ali, a gente ia lá e tomava cuba-libre.
O Hélio Rossi durante o dia ficava de biquininho tomando sol. Tinha uma biscatona que era
do circo, que eu não lembro o nome dela.
Aí o Hélio Rossi falava: “que vás a tomar, Sapito, que vás a tomar?”. Uma vez eu fui no
camarim dele lá...
Lá no circo não cabia a pista de patinação, ele fazia apresentação, com aquele cocar de
príncipe e na apresentação dos artistas dava volta no picadeiro. Ele gostava de mim né?
Toda hora: Sapito...
Era trailer o camarim...
Dos que foram lá, que eu lembre é o Pinga por causa da faca: “Vai que inverte, a situação”.
Não lembro dos outros que foram.
O Pinga foi só com uma faca, que pegou lá na Da. Tosca. Ele falou, “vai que ele inverte o
disco... vou preparado”. Até parece, o Helio Rossi era um puta de um cara grandão. Ele
não fazia nada no circo, ele patinava, mas como não tinha pista...
***
Perguntei de alguns termos usados no depoimento que ele já havia dado anteriormente.
Sapo: “Positivo, positola” é do Toninho, hoje ele é pintor, usa rabo de cavalo, ele aparecia
na turma e cumprimentava desse jeito. Amigo do Dago, Casa Branca [bairro].
***
Sapo: De “cadeirada”. Eu falava pro meu pai, todos os caras da turma tinham mesada. O
meu pai falou, “eu vou te dar é uma cadeirada” (risos).
***
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
Sapo: Uma vez o meu pai me pegou fumando Negritos, eu tinha 19 anos, chovia pra
caralho, vinha do Tiro-de-Guerra, parei lá na turma, tô fumando. Meu pai chegou com um
guarda-chuva pra me pegar, e levei porque estava fumando. Quando ele viu o Negritos, aí
piorou, cabo de guarda-chuva na cabeça.
***
“Cara picada Pedrão”.[ picada = elegante]
Sapo: Tinha grupos de meninas que a gente conhecia. E o Pedrão falava, “porra, fala de
mim... que eu sou o chefe da turma, que eu sou moreno, cara pintoso, fumo Minister”. Era
pra falar pras meninas que a gente o conhecia, que ele era pintoso.
Como se adiantava alguma coisa. “Então eu vou sair com ele”, ele falava isso aí.
Ele começou a ficar gordo, ele tinha uma blusa verde. A turma falava você tá gordo. Ele
falava: “é a blusa...” foi até desenhado na parede, desenharam ele com a blusa... assim...
Lembra do bar da esquina? Tinha aquela parede, a porta da entrada e a parte da treliça
na entrada. Aí desenharam ele com aquela barriga e a blusa dele, e uma seta indicando,
Pedrão você está gordo! Não! É a blusa...
***
Curiosidade, e o jeep do Aladino?
Sapo: Era do pai dele, ele pegava o jeep, punha aqueles aditivos pra andar, aí a gente... no
largo da Igreja..., eu era um que ficava do lado dele. Ele virava o jeep, eu ficava olhando
a roda de trás, pra ver se levantava... , e levantava mesmo. Ele fazia curva que a roda
levantava, tanto é, que um dia ele capotou o jeep. Uma vez capotou o jeep na rua. Pra não
dizer pro pai que capotou, ele chegou na casa dele que ficava na rua XV de Novembro, uma
casona que tinha um terreno, e em uma rampa tombamos o jeep pra dizer que capotou lá
dentro mesmo. O pai dele deve ter engolido isso aí...
***
Você trabalhou no Candinho?
Sapo: Trabalhei, meu pai era amigo do Candinho, eu era moleque, meu pai falou com ele
lá. Eu e seu Quirino e um monte de velhos.
Era ali na rua Monte Casseros, escritório de contabilidade. Despachante.
***
Cássia de Forfe era empregada, sabe ali onde fica a esquina da Campos Salles, o sobradão
que volta e meia entrava ônibus naquelas barras protetoras. Ela trabalhava lá. Era uma
moça “ruiva”, e a turma dava um sarrinho a mais, ela se chamava Cassia. E falavam Cassia
Esquina 65 - 155
Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
de Forfe, não sei porquê? Não lembro [de acordo com o Tonico pela cor do seu cabelo, que
era vermelho–caixa de fósforo].
***
Noquinho. Filho do Flores e Da. Silvina. Tinha a cabeça reta atrás. Hoje é médico, foi
pra Santos. Era época do Ocara [clube–escola de samba], tocava bateria na fanfarra.
Esse apelido era porque sua cabeça na parte de traz era reta. Não tinha curva... (já foi
mencionado neste texto lá atrás)
***
A Gorilona?
Sapo: Era filha da Cigana, descendo a casa do Ernestinho, não tinha ali um velho que
catava papelão? A Gorilona era aquela bonitona, que namorou com o Gorilão. Ele vai até
hoje no Pedrão. O cara era forte.
***
Lázaro alfaiate?
Sapo: O Lázaro. Eu sempre tive ele (sic) como um cara bacana. Nunca veio me cantar,
trabalho era trabalho. Eu ia fazer calça. Nunca foi tirar medida, me apalpar... Ele mesmo
falava, uma coisa é uma coisa... Isso foi uma vez... Tá gravando?
Esquina 65 - 156
Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
uma calça igual a do Sapo, de bolso chapado”. Então ele pra me retribuir, quando pedia
uma, ele me dava duas de graça.
***
O ovo no colégio das freiras?
Sapo: Aliás, tem duas: uma lá no Duque quando em uma festa junina botei uma bomba
embaixo do tablado da quadrilha...
O das freiras foi o seguinte: aquela festa junina. Inverno. E a turma,... estava naquela época
de jogar ovo em ônibus. Até teve uma vez em que o Celsinho conseguiu jogar um ovo no
ônibus, entrou por uma janela e saiu pela outra. Não pegou ninguém. Como acontecia lá na
turma do Lagosta [bar]. A turma pegava ovo e deixava ficar podre, e depois saia jogando
em carro. Daí teve a festa no externato [colégio das freiras], a idéia brilhante não sei de
quem foi. Levaram o ovo podre, chegou lá, alguém disse, “vamos jogar os ovos?...”.
Lá iam aquelas pessoas da vizinhança, srs. e sras. O que acontece? “Quem que vai jogar
o ovo? Dá aqui que eu jogo”. Fizeram uma rodinha em volta de mim, eu peguei o ovo e
joguei. Carimbou na Da. Glorinha... que estava com casaco de pele. Ovo nela. O marido
do lado, todo mundo, ninguém viu. Joguei o ovo pra cima, ela foi sorteada. Moleque. Caiu
no casaco de pele, era época de frio, sabe aqueles casacos da época? Ferrou o casaco da
mulher. [ A partir do testemunho do Dago que era vizinho da Da. Glorinha, o ovo atingiu na
verdade o marido dela que estava com uma blusa de cashemere novinha. E foi declarado
culpado um colega nosso chamado Brunoro].
[Parem! Parem! todos. Fiquem em seus lugares! Assim era falado nos alto-falantes].
Sapo: Aí não teve mais esta festa junina. A partir dessa façanha, nunca mais teve festa
junina no externato (risos).
***
Rojões na casa da Dindinha?
Sapo: Missa Campal. A avó do Celsinho ficava no terraço, terço na mão... Em frente
à casa tinha a igreja. A praça. Eles faziam a cerimônia em cima da escadaria, naquele
espaço. A gente ia pro quarto do Celsinho. Da janela dava pra ficar vendo a missa. Não sei
quem arrumou o rojão. Aqueles rojões, não eram aqueles de vara... Eram os caramurus
de papelão. A gente no porão que dava pra frente da igreja, punha o caramuru na janela
soltava e “puum” explodia lá onde eles estavam fazendo a missa. Aí começaram a perceber
que vinha da casa do Celsinho. A Dindinha era aquela senhora devota. Tudo bem, como é
Esquina 65 - 157
Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
que pode né? [rojões saindo dali]. Tanto é, que ela foi enterrada com as vestes de nossa
senhora da Aparecida, que pertencia à igreja. Doou toda aquela propriedade para o Santa
Paula, ela era consideradíssima. Aí os caras chegaram lá e falaram: ta saindo bomba daqui
e caindo lá. Como ela não escutava direito falou, “bomba...? Eu não estou ouvindo nem
o sininho da missa”. Não teve como explicar pra ela o que era aquilo, dizer pra ela que
tinham uns marmanjos soltando fogos lá de baixo para explodir na missa. Estourava bem
lá em cima, e a gente ria que se matava, estava lá eu e o Celsinho, não lembro mais quem,
não era bem o quarto dele era uma outra dependência que dava de frente. Ele morava
em- baixo... Ela falou: “bom..., não estou ouvindo nem o sininho da missa?”. Ela cismou.
Lembra do sininho? Blim, blim, badalava lá. E pra explicar pros caras... ficou por isso
mesmo... a gente parou com aquilo.
***
Sapo: Foi o seguinte: o Pergola foi pra Rio Claro, eu andava com aquela Leonette e o
Pergola deixou a chave pra mim. Deixou pra eu ir lá pegar a Leonette, e andar. Eu me
dava com o cachorro, o Dick, e tudo bem pra eu entrar. Foi de viagem pra Rio Claro e
deixou a moto pra eu andar. Eu peguei a moto e fui pra esquina. O Tonico pediu pra dar
uma volta e foi pra Mauá, sei lá se sabia andar direito, só sei que foi fazer uma curva,
encontrou pedriscos e caiu com a moto, entortou uma parte da moto. Chegou lá ralado, a
moto arranhada, arrastando, o escambau né? Eu expliquei pro Sergião. Mas o pai dele na
volta viu. E o Pergola, nem falou que tinha me emprestado, falou que eu tinha pulado lá
no quintal. Mas tinha fechadura naquele portão de treliça. Ele me deu a chave, só que pro
pai dele ele não falou. O pai do Pergola foi lá na esquina! Chegou lá na turma e falou, “seu
Sapo, o Sr. roubou a moto do Sérgio Augusto”. Eu falei pra ele, “roubei coisa nenhuma”, ele
deixou pra lá. E também eu vou falar pra ele... que eu tinha caído com a moto? E agora?
Quem paga o prejuízo? Acabou não dando em nada.
***
Você falou agora há pouco no Ocara?
Sapo: Lembro mais, quando era época de carnaval tinha aqueles caras que a gente
conhecia: o Cuba, o Nelsinho Sampaio. A turma do Ocara saía no carnaval, a gente ia lá
ver o ensaio da escola de samba. Faziam à noite, acabava indo lá na sede. Pacholas da vida
que só pegava na rua. Descobri onde era o galpão, era longe, já não queria saber.
***
Esquina 65 - 158
Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
E aquele enorme urso branco que o Pergola comprou prá conquistar namoradas?
Sapo: o urso ele deu para a Norma, deu pra Suely, mas elas não aceitavam. Aí ele dava
para uma outra. O Pergola pegou e foi dar pra Norma..., eu guiando o Galaxie novinho
dele. Ele vem com o urso, aquele puta urso bonito e disse pra mim: “espera aqui”. Fiquei
longe da porta. Chovendo. Ele de “taturana” [camisa listrada], capacete na cabeça, todo
enfaixado [por causa de um acidente ocorrido em 1968]... Guarda- chuva. Ele desce com
o urso. Eu, no carro parado, esperando ele. Atenderam ele na porta... Chovendo, eu só
olhando. O urso não passava de sua mão para o lado de dentro da casa. Conclusão: o que
ele fez com o urso? Voltou com o guarda-chuva, voltou para o carro. Urso do lado. Um urso
grande. “Porra não quiseram por causa da família...” [fala lenta do Pergola].
Aí depois ele arrumou outra namorada; lá foi o mesmo urso, também não aceitaram o
urso... não aceitaram o urso... Quem aceitasse o urso selou compromisso na época, né?
Então não queriam nada!... Mas ele voltando com o urso, o guarda-chuva debaixo da chuva
e ver a cara dele quando entrou no carro de novo, P.Q.P.! tinha de (sic) ter gente pra ver
aquilo.
Ele era esperto, não ia levar a turma toda pra ver isso. Só comigo né?
“Eu vou escrever uma carta para a Sônia, eu vou”. Ele te chamava, você chegava e ele
falava: “escrevo o quê, o que você acha?” Época daquelas coisas “tão longe dos olhos,
perto do seu coração”. Você podia inverter; “tão longe do coração perto dos seus olhos”. Eu
cheguei a escrever pra ele, pensavam que ele era um poeta. P.Q.P.!
E soltar os LPs? Eu falava pra ele, “solta um LP em cima delas...” tinha música nos LPs.
Você em vez de cantar, falava uma música que não fosse de tanto sucesso pra pessoa não
perceber. Você vê, elas entravam até nas paradas de sucesso, música de Roberto Carlos.
Soltar um LP em cima delas (risadas)... Ai meu Deus do céu! Tinha umas coisas bobas,
como cantar no plural. Eu fazia isso de cantar no plural. O Celsinho ria que se matava com
isso.
“Se vocês querem ser minhas namoradas, ai que lindas namoradas vocês poderiam ser...”
cada bobagem, cada besteira, mas tinha coisa que era inteligente.
***
[A partir deste momento o Dago participa do depoimento].
Dago: Vocês lembram do Dario?
Sapo: Dario [Italiano. Veio morar na casa da irmã dele por alguns anos].
Quando ele bebia era foda, puta cada loucura que ele fazia! Uma vez ele entrou no bar do
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Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
seu Orlando, aquele senhor, pai... do “Pé de Chumbo...” queria pegar um nego ali atrás
do bar, não lembro quem era. O cara corria lá dentro do bar entre sacos de feijão, tinha
aqueles tambores né? Corria lá pra dentro, e o Dario atrás.
***
Certa vez a turma montou uma cabana no campinho. Apareceu uma menina toda estropiada, mal vestida, não usava
calcinha. Passou a dormir por lá. Alguns transaram com ela.
Sapo: O Dario que era mais velho entrou lá [cabana]. Ele era mais saído. Lugar sujinho,
uma coberta suja. O cara entrou lá e... No outro dia veio uma amiga. E o Sardela, que era
o Sardinha, avô do Garcia [ex-deputado federal] pegou as duas e levou para o juizado,
levou lá pra cima na delegacia... sei que elas foram com ele. As duas sumiram... as duas
vieram dormir lá, uma, duas ou três noites. Sujas pra cacete.
Mas não eram feias, tinham uma boa feição..., elas eram bonitinhas, dava pra comer. O
Dario entrou com tudo. Puta merda. Que belo historiador, hein?
Voltou para a Itália e escreveu para o Pinga: “estou namorando. E você? Envie fotos de
sua namorada...”
***
Sapo: Você lembra da Bergel?
Era o seguinte: o cara foi na farmácia. Chegou lá na turma [Ginásio Duque de Caxias], e
disse, “porra! Tem uma cara que trabalha lá na farmácia rapaz, puta de uma gostosa [pior
que tinha mesmo]. Você vai lá, você pode trepar nela”.
“Ela não fala nada, você trepa nela, porra uma puta de uma gostosa, tá toda de branco”.
“Como é o nome dela?” “Ela se chama Bergel”. “Vamos lá na farmácia que vou te apresentar”.
Pegava o cara, levava para a farmácia Drogapan que ficava na esquina perto do Canário de
Prata [bar] com a Coronel [rua]. Chegava lá e falava pro fulano, “sobe aí”. Você pegava e
subia na balança, ele dizia “leia ali...” A marca da balança era Bergel.
Todo mundo foi, a turma toda. Porra ela não fala nada, toda de branco, bonita [lógico que
a turma ia junto para rir, ver a reação]. Ela era quieta. Os caras imaginavam (rindo), uma
cara com um nome desse. Puta, era o nome da balança. “Tá vendo, você trepa na Bergel”.
Quem inventou isso é que eu gostaria de saber? Teve associação, um gênio, hein? Ou
idiota? Sei lá eu!
***
Jogava-se muito pocker a dinheiro, lembram?
Sapo: Polícia da Firestone. Eu lembro, a gente jogando na casa do Carlão, duas mesas...
Esquina 65 - 160
Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
Esquina 65 - 161
Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
Dago: “Era azul marinho. O terno do meu amiguinho, no batizado eu abafei. Com o meu
terno...” agora eu não lembro.
Sapo: Tinha o terno azul marinho, tinha “brim coringa” [Sapo e Dago] (risadas).
O Salim sabe mais isso daí (risos).
Com o sotaque do pai do Pergola.
Sapo: Era aquela música americana.
Dago: “Blue Velvet”.
Sapo: “Era azul marinho. O terno que eu mandei fazer”.
Dago: E a música que nós fizemos pro Sidão [paródia de “Gente Humilde”-1970].
Sapo e Dago: (cantando): “quando anoitece o Sidão da Vila desce, e se dirige para a esquina
onde há um bar. A Dona Tosca lhe oferece um pastelzinho, e uma Brahma bem gelada pra
agradar. Aí o Teixeira lhe dá um sorriso tão faceiro, em cuja boca não há um dente em nenhum
lugar”.
Sapo: mas eu sabia diferente...”e o Teixeira dá um sorriso bem contente...”
Esquina 65 - 162
Depoimento 07 – Wanderley Platinetti
Você lembra do paninho? Em frente à casa do Salim nós púnhamos um pano no chão, puxava-se o fio que ficava entre as árvores,
o pano subia...
Sapo: Ah! assombração subia. Lembro...
Esquina 65 - 163
Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
DEPOIMENTO 8
Erio Girelli: também, Erinho e Potro.
Dagoberto Drago: também, Dago, Daguinho,
Dagão, Dagon, Rex e Negão.
Esquina 65 - 165
Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
***
Esquina 65 - 167
Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
Erio: Você intimista aqui nas pedras que nem o Tom Jobim. Puta! Olha o Robertinho que
coisa, Lobão, Pergola, Tonico, quem é esse aqui? Puta! O Salim.
Dago: Foram todas tiradas no mesmo dia. Tudo Franita [marca da camisa] para fora,
manga arregaçada [foto1].
Vamos tomar uma cerveja, Erio?
Erio: Não, vou tomar um refrigerante.
E o Milton ?
Erio: O Milton Bassaglio eu nunca mais vi. Milton “Bagunça”, né?
Dago: O Bassaglio estudou com a gente.
Erio: Um ano.
Dago: Foi aí que veio o “Bagunça” [apelido].
Erio: Acho que é anterior a isso.
Dago: Ele estudava no Duque de Caxias, ele era filho do Professor Enio Andrade. Tem
uma história que o “Garrafa” [Flávio] conta. O Professor Enio Andrade falando do corpo,
ele era professor de ciências, e como tal, falava de higiene pessoal, estava em uma aula
e foi muito gozado ele contando coisas sobre distúrbios intestinais. O Flávio contava com
detalhes. A molecada ria ao ouvir um professor falando desse assunto...
Erio: Olha o Lobão com um paralelepípedo na mão prá dar na cabeça [foto]. Esse aqui
também, todo mundo em volta do Pergola.
Dago: Aqui ninguém tinha 18 anos, né?
Esquina 65 - 168
Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
Esquina 65 - 169
Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
Entrei na cozinha de sua casa, o Erio ainda de pijama indo para o banheiro se trocar com
um calção na mão. Eu disse: “vamos em tal lugar?” “Não! Estou descendo prá ir lá na
esquina”. “Ah! é? Você está indo prá esquina?”. Fiquei decepcionado, porra. O Erio falou:
“tenho ido, o pessoal lá é legal. Tem coisa prá fazer, o pessoal sempre tem história prá
contar, vão prá cá, vão pra lá. Agora sou um novo membro da turma”. Jogou o calção pra
cima e fez um “iá!” Fez uma comemoração (rindo) sou um novo membro da turma.
Erio: Isso não posso contestar, por que eu não lembro (rindo).
Dago: Aí o cara foi para o banheiro, esperei ele sair. Fui com ele até a rua para descer até
a esquina, quando chegou no cruzamento da rua Cesário Mota com a Correia Dias eu fui
para minha casa com o rabo entre as pernas. O que eu podia fazer, não podia ir na turma,
aí não era território meu. Foi do ano de 1961 para 1962.
Erio: Foi nesse ano mesmo. Você vai lembrar disso, por que você é personagem presente
nisso, sabe disso, vou falar e lembrar com detalhes disso. As primeiras pessoas a irem prá
turma foram o Ronaldo e o Eduardo, nós ficamos por um tempo, fomos um tempo, depois
nós vínhamos de uma época de rivalidade com a turma de baixo, você não [para o Dago],
mas nós éramos da turma de cima, Carlos Palazini no comando, tínhamos brigas. A turma
de baixo se fundia um pouco com a da Vila Gabrilli, turma do Pio, e a do Landinho que era
outra. E tinha a do Dago, na Siqueira Campos, era da paz, não era beligerante. Nós éramos
os Balcãs alí (ênfase)...
Dago: Realmente a minha turma era como uma tribo primitiva, mais ligada às coisas da
infância...
Erio: Isto. Você vivia naquele lugar. Antropólogos ali perto da casa de seu pai, não
deixariam construir mais nada, porque vão encontrar restos de Barbetas (risos) [Barbeta
era sobrenome de um amigo do Dago]. Conta o Dago que certa vez o crucificaram, isto é,
amarraram o Barbeta em estacas fincadas no chão].
Então havia uma beligerância entre a turma de cima e a turma de baixo, a turma de cima
era o Alemãozinho, Mimi, Bola, eu, Ronaldo, Eduardo e Milton de Ébano. Quem eram os
nossos grandes rivais? Os judeus. Israel Cirlinas, Josef. Esses eram os rivais da turma de
cima e tínhamos problemas com a turma de baixo.
Nós tivemos uma guerra, uma guerra com barro e pedra. Sabugo e o Bola comandando
isso. E lá de baixo, o Piozinho com uma enxada, mais o Carioca.
***
Erio: Tem uma passagem na minha vida que dá prá marcar o tempo do ingresso na turma.
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
Um dado pra dizer que você está certo, foi em 1961 ou 1962. Nós fomos na inauguração
da casa do João Antônio, estava em obras...
Dago: A piscina cheia de lodo, limbo, uma sopa biologicamente contaminada.
Erio: Claro, ambiente prá fazer...
Dago: Caldo de cultura para qualquer doença.
Erio: Prá fazer cultura “in vitru”, prá fazer a doença que quiser... Nós fomos fazer um
trabalho de escola do Américo Brasiliense [colégio].
Dago: Uma casa antiga.
Erio: O João Antônio tinha um carro antigo, o Gurgelzinho, um kart.
Você e o Savério foram andar de Kart Gurgel. E eu e o Ronaldo fomos mergulhar na piscina.
E demoramos para decidir essa entrada na piscina
Dago: Eu tenho dúvidas se nós entramos ou não.
Erio: Você não entrou. Entrei eu e o Ronaldo. O Ronaldo disse o seguinte: “vamos logo
por que... vocês são muito “afinados”, se tivesse a turma aqui, já estaria todo mundo
nadando...”
Dago: “Já estaria todo mundo aqui dentro....”
Erio: Exatamente.
Isso é 1961 puro, é claro! Nós tínhamos 11 anos de idade, você tinha 12, nós éramos
crianças.
Dago: Aí eu me lembro, fomos dar uma volta de kart, me lembro até que tipo de tarde
era, era como a de hoje, típica de São Bernardo, garoenta, uma neblina pesada, garoa, nós
andando perto do Ginásio João Ramalho.
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
conversa e se acertaram, não teve mais briga, e as condições eram que eles não mexeriam
mais com a gente, não fariam mais comentários, ou olhares...
Erio: Aí teve uma passagem gozada, com o Dago.
Dago: Estava eu ali sentado do nosso lado da turma, o Pedrão prometeu que não iríamos
mais mexer com eles. Então tá feito, ninguém mais mexe com ninguém, tá bom. O Pedrão
disse: então tchau heim. Tavam no meio da rua os dois chefes, as duas turmas.
Erio: Instrução da liderança, [só eles conversaram sobre o pacto, o resto era silêncio].
Dago: Tchau, hein! E ali do nosso lado, eu fui o único que também falei pro cara. O cara falou
“tchau, Pedrão”, eu falei “tchau...” (risadas), eu fui violentamente criticado (risadas).
Erio: Foi como ceder terreno, um “arrêgo” (rindo),
Dago: Eu não devia falar tchau também (risadas), os subordinados ali não tinham direito.
O tchau feito pelos dois chefes, eu não tinha esse direito de falar tchau.
Erio: Foi um entrevero. Voltando ao que eu estava falando... Então estou descendo aqui a
rua Cesário Mota, a fábrica ficava do lado direito do portão da Vila. Surgiu uma cena que é
muda, não tem sentido nem prá frente nem prá trás o que vou contar, tá gravada na minha
cabeça, ninguém tira. Vejo o Marcolão sem camisa (ênfase) soltando uma flecha pro ar, pra
ninguém, não tinha pássaro nenhum, não tinha nada saindo da casa dele, ele estava em
cima do muro... “ssschap” (ruído), um anjo (ênfase), um cupido um querubim (risadas). É
isso aí, essa é a esquina, é essa coisa.
***
Erio: E é mais ou menos nessa época que começa a Bossa Nova, chegando no seu auge.
E aí as identidades musicais, eu, você, Celsinho, o Dago, o Sabugo um pouco, pessoas que
ficaram... O Sabugo pelo amor de Deus.
Dago: Sabugo muito com Pery Ribeiro. Tinha também a onda da música italiana.
Erio: Que é simultânea.
***
Dago: Aí teve a aproximação, vou lembrar um pouco de coisas, depois desse dia em
que o Erio declarou “eu sou um novo membro da turma”. Não demorou muito tempo prá
eu ser levado por ele pra turma. Eu me acanhava de ir até lá, na verdade o Ronaldo e o
Erio foram e talvez o Sabugo um pouco, as pontas de lança prá me levar até a turma.
Eu vinha de uma turma muito pura, mais isolada, que ainda não tinha sido contaminada
pela civilização da adolescência (rindo), aí comecei a ir pra lá, timidamente. Um ou outro a
gente conhecia do Grupo Escolar. O Sapo, que fazia parte da manada da Dna. Olinda. [era
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
uma professora do curso primário que ao sair de sua casa para dar aula ia arregimentando
as crianças pelo caminho].
O Sapo sempre estudou comigo. Aí, timidamente, eu comecei a chegar. O Pergola era um
cara que eu conversava na rua, não era amigo mas cumprimentava. Comecei a chegar, e
comecei encontrar resistência... tinha gente resistente por serem indiferentes. O Pedrão
não dava bola, eu era um intruso chegando.
Erio: Claro!
Dago: Pasmem, a resistência do Savério, imagine, amigo de escola...
Erio: O Savério estudava com a gente, mas não admitia o Dago na turma.
Dago: O Savério, em uma determinada noite, quando eu já tinha vários dias de incursão,
vindo a ser aceito por uns, sendo ignorado por outros... Sendo aceito por uns, ignorado
por outros. Em uma noite estávamos... Lembro o local, estávamos perto dessas pedras que
aparecem nas fotografias. Lembro dos paralelepípedos lá no campinho, do lado da obra
desse prédio que o Erio já mencionou, ali ainda tinha o rio [hoje canalizado], o riozinho
com uma pontezinha. Ali tinha um guarda-corpo na calçada, feito de pilaretas de alvenaria
e tubos, nós estávamos sentados nesses tubos...
Erio: Circo, tava passando por ali, Helio Rossi...
Dago: Nessa época, foram os únicos dias que eu cheguei a conhecer o legendário Dario
Bottini.
Erio: Morava ali perto, foi embora logo [para a Itália].
Dago: Lembro da casa dele, direitinho, mas nunca troquei um diálogo com ele... lembro da
cara dele. Numa noite nós todos sentados ali na guia da calçada, nessa mureta. O Savério
chega pra mim e diz: “O que você está fazendo aqui? O que você está fazendo aqui?” Eu
tive que justificar: “estou vindo aqui... “
Ele respondeu: “ Porra, vai lá com a tua turma. Com o Bertinho, com o Fabinho, o Flavio
Garrafa...”
Erio: E sobre o Savério. O mais grave nisso tudo é que ele era freqüentador, nosso amigo,
assíduo na escola... Fizemos admissão juntos.
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
programa do Simonal, que o Ronaldo veio me dizendo que ele havia entortado o Lúcio
Alves cantando “Teresa da Praia”.
Dago: “Teresa da Praia”. Então vamos à Teresa da praia deixar... do sol. Teresa da praia...
[cantando]. O Simonal fez todos aqueles efeitos dele.
Erio: Uma entortada (falando com ênfase) como se fosse um jogador de futebol, isso prá
mim marca o fim do Simonal como representante daquela...
A gente era muito hermético né Sidão? Esse foi um dos grandes defeitos em música,
hermético demais, pouco tolerantes mesmo com gente boa, não se tolerava... entende?
Esse é um problema que depois foi para a política.
Dago: O Wilson Simonal já tinha uma forma de cantar samba diferente, ele tinha um puta
balanço, uma bossa...
Erio: Os dois primeiros LPs eram suportáveis, aí exagerou começou a malandragem, a
florear, ele era um contratado da Odeon, “A Nova dimensão do Samba” é da Odeon.
Dago: Voltando a falar do lago do Aramaçan, ele foi palco de batalhas, nós tínhamos
batalhas ali dentro, guerra d’água, batalhas aquáticas com remo. Teve uma vez que
você, Sidão, caiu dentro do lago, com um radinho de pilha que era do Troglô, se não me
engano. Você estava com o rádio de pilha e alguém pediu pra você empurrar o barco. Os
barcos ancoravam, atracavam de bico (risos), e na hora de sair ficavam prensados uns nos
outros.
Erio: Isso, não dava para remar, tinha que dar uma empurrada.
Dago: Quando tinha alguém na margem a gente falava: “empurra o barco”.
Erio: Isso...
Dago: Você foi empurrar o barco, eu estava em outro barco e você em terra, na margem
com um radinho portátil no ouvido. “Empurra o barco” alguém pediu. E você foi empurrar,
perdeu o equilíbrio e caiu dentro do lago, salvando o rádio...
Aí eu descobri que o lago era raso. Achava que era fundo prá caralho.
Erio: Era o córrego Guarará que formava o lago. No meio dele, tínhamos uma ilha.
Dago: Que pediam para não se atracar, tinha uma placa: “não atraque na ilha”! Por que
será que não podíamos atracar na ilha?
Erio: Acho que era prá não ficar mergulhando. É, Dago, ali não tinha controle. A garotada
poderia morrer.
Dago: E tinha um vertedouro do lago que era perigoso.
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
Erio: Claro por que fazia uma corrente. O barco vinha sendo levado... ali era uma represinha
do córrego Guarará. A barragem segurava. Hoje o córrego tá lá correndo direto.
Dago: Fazia uma corrente ali...
Erio: Lembra do barco como vinha sendo levado? Era uma represinha do córrego Guarará.
Aquilo tudo a barragem segurava. Hoje o córregão tá lá correndo de novo.
Dago: E não dava prá aceitar, não se aceitava inclusive uma... Apesar de se dizer que a
Bossa Nova tem tudo a ver com o Jazz, com sua origem no jazz, com batida semelhante,
se algum cantor brasileiro fizesse como o Wilson Simonal: “então ora... vamos zimbora”,
era criticado por ser americanizado.
Erio: O Dick Farney prá nós uma figura que até gostávamos, americanizado, isso tudo
levava à literatura. A gente era pobre em literatura. Muito de livro de bolso, né? Muito
Shell Scott, muita literatura de baixo, underground, né? Do lado do porão de baixo, mas
no andar de baixo mesmo, mas levava também a certas tendências que futuramente...
***
Em 1964 eu já tinha uma visão anti-ditadura e te explico onde estava a origem disso. Minha
prima em 64, me explicou o que era o golpe. Santiago Dantas, João Goulart, a República
Sindicalista, passei a ter uma visão claramente pró esses caras, mesmo tendo na família o
Erlon contra, né, meu pai também. Então, a partir já de 1964. Eu me lembro do golpe, uns
dias depois, desse pífio, hoje você lendo o Elio Gaspari... que foi pesquisar, foi pífio, não
teve nada... era só ter dado um berro, o General Zenobe, qualquer um daqueles caras, se
tivesse dado um berro. O Jair Dantas Ribeiro, o número um do Jango Goulart, não teria
havido “revolução” nenhuma.
Eu lembro de comentar com minha tia... Iva, ela falando que a Lúcia tá errada, eu respondi:
“não tia, ela tá certa, esses caras estão dando um golpe militar”. A partir daí, desenvolvi
um interesse por política, eu lembro perfeitamente disso. Por volta de 1970, ou 72. Não.
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
Meu primeiro carro foi em... Em 73, no grande golpe militar do Chile, que foi uma das
coisas que mais me doeram, foi a derrota. Nós tínhamos feito uma festa, eu lembro com
você [Sidão]. Nós comemoramos num barzinho que tinha em frente a “Seda Nossa” [loja
de tecidos], lembra? Em uma lanchonete que tinha em frente ao “Seda Nossa”, embaixo
do prédio...
Dago: Tinha. Não lembro o nome...
Erio: Rua Senador Flaquer, do lado oposto à “Sociedade Italiana...”, um dia você falou
[Dago]: O prefeito foi deposto. Você viu ele sozinho, você passava de carro, e você falou:
“depuseram o Pezzolo”, o Toninho Pezzolo.
Dago: Ele estava sozinho esperando um táxi na rua... sem carro oficial.
Erio: Sem nada.
Dago: O carro oficial do Pedro Dell’Antonia [outro prefeito da cidade] era um Buick preto.
Era dirigido por um motorista negro de uniforme engalanado. O motorista encostava o
carro na rua Correia Dias onde morava o prefeito, e ficava sentado no pára-lamas fazendo
pose.
Erio: Teu vizinho. Então no barzinho comemoramos a primeira vez que praticamente um
socialista foi eleito. O caso do “Chicho”, o grande Salvador Allende no Chile. Nesta época
ocorre o golpe, eu já trabalhava na Sortino. [barulho de facas e pratos no restaurante].
Eu ia pra São Paulo todas às noites, porque eu fazia um curso de administração de empresas.
Meu rádio, acho que nem tinha FM, só AM, ondas médias e curtas, rádio de botão.
Dago: FM começou em 74...
Erio: Então não tinha FM, estou falando de 1973. Sintonizava nas ondas curtas, a rádio
Tirana da Albânia, a rádio de Moscou, e a rádio de Cuba, sendo que dessas três, só a
Tirana falava em português, a de Moscou e a de Cuba eram em espanhol, e eu lembro dos
comentários e esperanças na rádio, de que o General Carlos Prates... que era comandante
da região sul do Chile, estaria preparando um contra-golpe à ditadura do Pinochet.
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
[no jogo de maceta o jogador com uma bola tenta derrubar a casinha do outro - um tripé,
com altura de trinta centímetros, feito com ripas. Este com um taco de madeira, tenta
bater na bola e atirá-la longe. Ganha quem atingir o objeto, derrubando-o ou defendendo
a casinha].
Dago: Que você me acusa...
Erio: De ter lido a “striptease” do Jânio.
Dago: Que era uma manchete que estava no chão. Na rua Monte Casseros, um jornal
assim jogado no chão.
Erio: Em 63, antes do golpe militar de 1964, aconteceu a morte do Presidente Kennedy,
que foi uma consternação nacional.
Dago: Eu estava em cima do muro literalmente, em frente do rio da Escola Júlio de
Mesquita.
***
Dago: O que era aquela fábrica? Ali no fundo, do lado do Fórum onde a gente jogava
“maceta”, uma casa abandonada. Fabriqueta no fundo.
Erio: Tinha um ônibus abandonado.
Dago: Isso. Ônibus abandonado.
***
Eu fiz uma associação. Fiquei sabendo da morte do Kennedy em frente à casa do Ucha, conta aquela coisa do Shakespeare.
Dago: Ah! do Shakespeare, a história do Shakespeare saiu de uma noite em que o Ronaldo
tinha que fazer um trabalho escolar, não sei precisar bem o ano.
Isso foi em 1965, fim de 64 ou 65 mesmo. O Ronaldo teve que fazer um trabalho escolar,
eu acho que foi punitivo, ele teve que fazer um trabalho de castigo, não lembro o tema do
trabalho dele, e uma noite ele teve que ir à biblioteca, fazer pesquisa pro trabalho dele.
“Vamos comigo” ele disse. Eu não tinha nada a ver com o trabalho dele. A biblioteca ficava
onde é a Av. Perimetral, onde hoje é o Colégio Singular.
Erio: Biblioteca Municipal de Santo André...
Dago: Subi com ele. Enquanto ele foi pegar um material que tinha que ler ou tomar notas,
eu fui fuçando livros a esmo na biblioteca... Obras na biblioteca...
Erio: Começou a copiar poemas...
Dago: Acabei lendo uns sonetos traduzidos do Shakespeare. Peguei uns sonetos pus em
cima da mesa, comecei a gostar... achei bonito. Tenho em casa guardados até hoje... no
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
papel que eu anotei, você acredita? Papel do Ronaldo. Peguei uma caneta, papel emprestado
do Ronaldo, anotei os sonetos. Foram quatro, cinco, muito bonitos e eu lembro de cabeça
alguns deles, assim, anotei aquilo, gostei prá caramba e guardei... Tenho até hoje como
eu já disse. Porra, levei para a esquina no dia seguinte. Acho que foi numa noite, isso. Fui
para esquina e comecei a mostrar... mostrei prá você... um monte de gente e tal. Aí chegou
o Ucha, que era o intelectualzão da turma. Falei prá ele: “vê se tá bonito, dá uma lida, fui
eu que fiz, estou mostrando para o pessoal” e tal. O Cheu leu todos silenciosamente, eram
quatro ou cinco e quando terminou disse: “Está bonzinho“ (risadas), todo mundo estourou
de rir.
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Estamos falando de memória, às vezes achava que estava eu e você. De tanto ouvir falar acabo incorporando a minha presença em
fatos em que eu não estava presente.
Erio: Claro!
O Aladino vinha com fama de ter cagado no salão nobre do Brasiliense. Essa era a grande fama,
como o Carmelo Chippari vinha com a fama de ter adulterado provas à noite no Américo, o
Aladino vinha com a fama de ter cagado...
Dago: O Benedito, com a fama de ter roubado um carro e capotado, ele passava dirigindo com
um capacete de gesso (rindo), em conseqüência desse acidente.
Erio: Exatamente.
Dago: Lembra do Benedito? Tinha um capacete na cabeça durante um tempão.
Erio: Esse cara sumiu.
Dago: Foi assassinado. Correram rumores de que foi por causa de uma certa Máfia de Empresas
de...
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
e tantos anos.
Miss Campeonato era um programa de TV ligado ao futebol, Rose Rondelli que foi Miss
Campeonato veio a ser mulher depois do Chico Anisio lembra?
Tinha aquela que o Pergola..., acho que não era da década de 60, que morreu de Aids.
Erio: Sandra Brea.
Dago: O Pergola queria pagar.
Erio: Pagar para comer. Diziam que era de programa e estaria no livro de alguma cafetina
(risos), você poderia adquiri-la mediante um pagamento. E o Pergola, “onde eu vou
achar...”? O Pergola era demais.
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O Pergola começou com esse Fusca, fazia esse tipo de manobra depois subiu para o
Mustang, caiu para o Renault 1093, carro com que ocorre o acidente.
Dago: O Mustang veio depois, nós tínhamos até uma brincadeira que dizia, ele bateu com
um fusquinha, sei lá, ganhou um carro melhor, bateu... ganhou um melhor.
Erio: Mas não tinha...
Dago: Matou o velho japonês, ganhou outro maior do que já tinha, nós dizíamos: “ele vai
ter que cair com um avião no Morumbi cheio” (rindo)...
Erio: Para ganhar mais alguma coisa.
Outros carros importantes do Pergola, depois do acidente. Nós íamos prá Santos, “terra
santa” [expressão usada certa vez pelo pai do Pergola em uma chegada em Santos] com
o Galaxie, ele com o capacete [devido ao acidente que vai ser relatado mais à frente, a
sua cabeça foi enfaixada após a operação, e isto tornou-se um ponto de referência em
determinadas situações. Por exemplo: em bailes que tinham luzes estroboscópicas ou nas
feiras beneficentes, coisas da época].
Dago: Nós, em 1967, à noite, no Américo Brasiliense, no intervalo da segunda aula para
a terceira aula, muitas vezes a gente ficava perto do muro para ver o Ginásio Santo André.
O Pergola chegou com o Mustang 67, à noite, ou melhor, com o Galaxie, o Galaxie recém-
comprado, ele era 67, vinho.
Erio: Por isso que eu digo, ele teve subidas e descidas. Este carro é 64. O modelo é 64,
isso aqui é 65.
Aí ele comprava outros carros, e voltava para um mais simples.
Dago: O Galaxie 67, depois veio o Renault 1093 [cilindradas].
Erio: O 1093 foi em 1968, né?
Dago: Acho que ele tinha os dois, Erio. Vou te dizer por quê, ele saía com o Galaxie, com
o capacete.
Erio: Eu fui prá Santos com ele e a Roseni muitas vezes, lembro dele com o capacete no
Clube do Ingleses, no Grigs.
Dago: Do lado da ilha Porchat.
Erio: Isso, isso.
Dago: Na subida.
Erio: Isso, antes de chegar no Top House. Imagina o Pergola com a luz negra. Lembra?
Ilha Porchat, Clube dos Ingleses. Ali no Caiçara.
Dago: Eu posso dizer para você que o Galaxie foi comprado em 67.
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tinha o olho todo azul, nós chegamos a pensar que era o Buba. Ele na verdade não tinha
um olho azul ele tinha os olhos sem o preto. Era uma coisa estranha. Ai fomos até a
delegacia, o Marcolão pegou roupa dele pro Sidão.
Erio: Quando chegamos no hospital das clinicas, aquele barulho, estavam preparando o
primeiro transplante de coração. Zerbini preparando o primeiro transplante no Brasil. E o
Pergola era o número um na fila [provável doador para o João Boiadeiro]. Encontrei lá o
Valter Lorenzini e o pai do Pastore. Na entrada o Valter Lorenzini.
Dago: O Pastore também ficou em coma, ficou no hospital.
Erio: Com comoção cerebral. Falei com o Valter, que era conhecido nosso, ele disse que
o Pastore tava bem, mas também estava com o pai dele do lado, ia dizer o quê? “A
recuperação do Pastore é coisa bem tranqüila... Mas o Sérgio Augusto [Pergola] não tem
chance... Está com um hematoma craniano monstruoso. Não, sem chances de drenar é
questão aí de horas” [ele sobreviveu].
***
Dago: Eu tenho alguma coisa a falar dos primeiros dias de quando ingressei na turma. A
carteirinha do clube. O Pergola, ele me cobrando mensalidade que eu não pagava. Como
novo membro da turma, fiquei sócio do Atenas Basquete Clube, tinha esse nome para formar
ABC. Tinha que ser, forçaram um nome pro clube, tinha que ser Atenas para formar um A.
Eu fui sócio, tive carteirinha com fotografia e assinatura do Sabiá que era o presidente do
clube. Mas o tesoureiro era o Pergola, e o Pergola veio me cobrar ali na esquina, não era o
bar do Teixeira ainda, eu estava na parte alta, no melhor cantinho para se sentar, eu estava
sentado bem ali e o Pergola agachado na minha frente, falando comigo e me cobrando que
eu não tinha pago, estava atrasado. E eu já sentindo a bagunça que era, pensei: “se eu
vou pagar vou ser o único”. O Pergola falando: “não, você tem que pagar, por que agora
nós estamos...,” a palavra não é excluir e tal, era “estamos expulsando quem não paga”
(risos). Aí eu falei, eu recém-admitido, minha carteirinha era nova, cheguei a pagar uma
ou duas mensalidades era a terceira vez vamos dizer assim, eu estava atrasado, eu via que
não era o único, mas não podia ficar dando as cartas, era um novato (rindo). E eu falei:
“e alguém já foi expulso?” (ênfase)
O Pergola com aquela voz grave dele: “já” (risadas)! “Quem?” “ O Pancho Aurélio (imitando
a voz do Pergola, meio pastosa). Foi o único expulso da turma. Foi o Pancho (risadas). Aí
resolvi. Não paguei mais.
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ao invés de ter uma luta, com o outro repicando para tentar sustar o outro num blefe, não,
o outro fez uma aposta pesada e ele só pagou prá ver, pagou prá ver uma abertura que era
obrigatória mostrar, e essa é mais uma passagem.
E a última pra terminar é a indisposição dele com os clientes do restaurante [do qual era
proprietário], quando diziam das comidas servidas...
Dago: Pediam filé a Chateaubriand e depois reclamavam que estava mal passado.
Erio: Isso. Muito cru.
Dago: Ele dizia: “sabe Dago, não dá prá atender essa gente que não sabe o que é um filé
Chateaubriand”...
Erio: O Chateaubriand tem que estar vermelho, um filé alto né.
Dago: Ele ria de boca aberta né? Não emitia som.
Onde estão os irmãos Arruda hein? Lembra o Zé Arruda e o Ruy. Um ria da piada do outro,
os irmãos que se prestigiavam. O irmão contava piadas sem graça o outro hu! hu!.
Erio: Moravam na (risadas) Casa do Olhar, aquela casa que hoje é da prefeitura, chama-se
Casa do Olhar [antiga casa do ex-prefeito Bruno Daniel].
Dago: Lembro da voz dos dois. Zé Arruda era magrão, tinha umas pernas finas, andava
meio curvado.
Erio: Onde será que andam? Nem sei se a gente reconheceria, sei lá?
E os dois Curitibanos, o Curitiba e o Boina.
Dago: Esse eu encontrei no Rio, começo de 1980, por aí.
Erio: O pai dele era coronel?
Dago: Coronel. Fomos jantar no Fiorentina, jantando ali, entra um cara para fazer um
telefonema lá dentro, estava com roupa de correr, era ele, o Curitiba. No outro dia saí para
jantar com ele e a mulher, o nome dele é Dirceu e estava casado com uma Marilia, depois
se separou, inclusive.
Erio: Tinha a irmã dele.
Dago: O Ronaldo era meio doido pela irmã.
Erio: A Curitibinha?
Dago: Tinha uma Curtibinha nova e uma Curitibinha mais velha.
Erio: Eu via pouco...
Dago: O Ronaldo gostava dela, tinha uns lábios bonitos...
Erio: Falando em apelido, o apelido interessante é do Boina, que é o Curitiba, e diria para
você que um dos melhores foi do filho do dono do bar, “Trincheiras” [o dono do bar era o
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
Teixeira].
O Pedrão ficava cismando de inventar apelido. “Creme”, ele me apelidou de Creme que não
pegou, ele fazia frases... (risadas).
Dago: “Potro” depois.
Erio: Que era o jeito de eu parar...
Dago: Por causa da parada.
Erio: Bem esse tinha uma lógica. Sabugo foi o Pedrão quem deu. Lasanha foi o Sabugo.
Dago: Salim fui eu quem dei, cara de turco.
Erio: Ele tem cara de turco. Virou um ditador com os empregados, um terror...
Seria a antítese de Schindler [a lista de]. Ele salvava... O Salim quer mandar matar...
(rindo).
***
E o termo “ its awa”?
Erio: Sou testemunha, na verdade estava presente, são três testemunhas, um é o envolvido
Dago; outros, eu e o Sabugo.
Dago: Ronaldo.
Erio: No “its awa”, não.
Dago: Nós estávamos indo para Sorocaba.
Erio: O Ronaldo não voltou. Voltamos nós três. O “its awa” começou com a presença do
Ronaldo. Estávamos dentro do carro quando você olha para um homem.
Dago: Sim, sim.
Erio: Você olha para o homem, esse homem olha prá você, paramos ali no trânsito. Um
cara fechou. Houve um entrevero. O cara xingou. O Dago berrou: “its awa’, ‘its awa’
prá você”. Isto na ida para Sorocaba, e fomos rindo prá caramba, cantamos música ao
contrário, era a época do disco que o John Lennon falava num disco “Paul is dead too”, e aí
não se sabia se esse som era de estar morto ou se era “dad” de papai, então nesse...
Dago: O Ronaldo estava indo para Sorocaba. Num Fusca do Seu Pedrinho, Sabugo
dirigindo, Ronaldo na frente eu e o Erio atrás, fomos fazer companhia ao Ronaldo, ele ia
prá Sorocaba para pedir nota para um professor, ele havia sido reprovado em Anatomia,
cadeira do primeiro ano do curso de medicina. Tinha sido reprovado, ia lá prá chorar nota
com o professor.
Erio: E acabou ficando. Então na ida, numa confusão de trânsito, isso faz muito tempo, o
Eduardo dirigindo invocado, houve um entrevero olharam torto para nós. O Dago de trás
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
do banco, olhando pro homem falou pra ele: “its awa” pro senhor”. O cara ficou olhando
parado.
Dago: Era uma palavra sem sentido.
Erio: O cara esperando um PQP! Filho da Puta, mas não..., “its awa” pro senhor. E fomos
embora, então. Na volta fizemos a Anhanguera.
Dago: Fomos rindo e nos perguntando: “o que esse cara tá pensando com isso?”
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
Dago: Nós pegamos o bairro, puta vida! Não vamos falar nem do bairro, só ali do cruzamento
[ruas: Campos Salles e Cesário Mota], era um lugar no centro da cidade, ainda tranqüilo,
só residências.
Erio: A Rua Campos Salles era uma rua no meu modo de entender, das mais gostosas de
se morar em Santo André.
Dago: Arborizada, com árvores que fechavam o céu.
Erio: A rua Cesário Mota não, sempre uma rua acanhada, estreita, eu morava na Cesário.
A rua do Dago tinha um inconveniente de descer o ônibus, apesar de ser relativamente
larga.
Dago: Era um cruzamento tranqüilo que permitia a gente jogar bola ali. Ficar batendo bola
no cruzamento da esquina.
Erio: Agora, a Campos Salles sempre foi uma rua com características do loteamento City,
muita árvore, larga, com calçadas boas, né? A casa do Ângelo Gabrilli era um marco, a Vila
era um marco.
Dago: E aquele cachorro [ficava na casa do Gabrilli].
Erio: O Zarig, né?
Dago: Um cachorro dura quinze, dezoito anos, sei lá, nem isso. A impressão que a gente
tem é que esse cachorro durou trinta anos (rindo).
Erio: O Jane [Gianni]. Quantos anos tem o Jane. Tá vivo.
Dago: O Gianni fazia assim (acenando com o dedo com se fosse um não) prá mim no
cinema. Eu tinha 4 anos, meu avô queria me levar no cinema.
Erio: Ele [Gianni] tinha lábio leporino, tinha um defeito no lábio, bigode lindo, olhos azuis,
um homem bonito prá caramba...
Dago: Cara de tenor.
Erio: O Jane no cinema. Tua mãe na bilheteria (mãe do Sidão), o Jane, né. Tua mãe e
o Clélio na bilheteria, o Jane na entrada conferindo os bilhetes, e o Amigo-da-Onça de
limpador de...
Dago: Amigo-da-Onça.
Erio: O lanterninha era o Vampiro. E o Amigo da Onça era o lavador, passava aquele
produto, uma cândida para matar pulga.
Dago: O Amigo da Onça tá nos trotes. Amigo da Onça tenho a voz dele gravada. Quando
eu peço prá ele contar um pedaço de um filme.
“Não posso contar por que estou trabalhando, não assisto... posso te dizer que tem muito
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
tiro e muito índio (risadas). Um filme de faroeste. Índio, índio, muito tiro, e quem trabalha
é a Brigite Bardot, ela trabalhava em um western, “Shalako” [ano de 1968], um western
com a Brigite.
Ele falou: “tem bastante artista bom”. E eu falei: “e também artista boa”, aí ele dá uma
risada maliciosa (risadas).
Erio: Então o Carlos Gomes é um marco (ênfase). O marco. Estamos falando do bairro
né. O meu primeiro contato com o Carlos Gomes. É importante lembrar que ele estava
em reforma, montanhas de pedra na porta, e o cinema funcionando, as duas sessões do
domingo funcionando, pedras na porta.
Meu pai era habituê do Balderi [restaurante], ficava na esquina perto do Carlos Gomes.
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
Dago: Meu avô pedia: “deixa ele entrar”. Aí, eu chegava em casa. Olha o que eu era
pequeno! Meu pai e minha mãe perguntavam: “então não te deixaram entrar? Como é que
o Gianni fez?” E eu fazia com o dedinho [gesto de não]. Fazia assim... Era com o dedo duro,
só fazia assim, a mão não se movia era o dedo. Falavam o nome do porteiro. A cidade o
que era nesse tempo? Sabia-se o nome do cara que estava na portaria do cinema.
Erio: O Ronaldo certa vez, fez uma consulta sobre um filme, que por sinal foi o pior filme
que nós assistimos na vida, apagou o nome..., até outro dia eu tinha na lembrança.
Nós fomos assistir a um filme que era sobre a vida do Werner Von Braunn, um negócio de
foguete..., o filme foi péssimo.
O Ronaldo perguntou para o Jane antes de entrar no cinema, se o filme era bom, se era
recomendável.
É muito bom!, disse o Jane. Aí eu falei pro Ronaldo depois de ter assistido: “você queria
que ele falasse o quê?”
Como é que se chamava o filme? A história da vida do Werner Von Braunn?
***
Dago: Gostaria de saber se nesses depoimentos, você tem alguma coisa do episódio do
envolvimento do Marcelinho com a Carcará.
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
não lembra do homem de pés inchados de bebedeira? O folclórico, eu diria para você,
o primeiro grande símbolo sexual de Santo André, o ciclista que comia a Dona Sinhá,
professora do primário.
Dago: Sim, o Nogueira.
Erio: O Nogueira (risadas), era comedor o ciclista...
A machadinha, aquele doce quebra-dentes, que se comprava ali.
Dago: A padaria do Seu Joaquim, onde se tinha os melhores doces e sorvetes. São coisas
que você não sabe se é fantasia ou mito.
Erio: Lógico, a idade...
Dago: Não sei se era. Mas que sorvete de coco queimado que ele tinha! Vai tomar
banho...
Erio: O filho dele era um contemporâneo nosso...
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Depoimento 08 – Erio Girelli e Dagoberto Drago
Dago: Houve isso. Ali no fim eu atravessava a linha, eu lembro direito, eu fazia muito isso,
só que era uma coisa que dependia do meu avô. Pedia pro meu avô, isto que estou falando,
é antes da turma da esquina, estou falando da minha infância...
Erio: Mas o lugar é esse.
Dago: Quando fiz 12 anos, já estava na turma, já é uma outra fase. Eu já ia sozinho
para os lugares mas, antes disso, ou ia escondido, não contava que fazia, ou o meu avô
levava. A gente ia pro morro vermelho, eu estou falando de quando estava com seis ou
sete anos.
Erio: Primeiro teve uma grande terraplanagem no local.
Dago: Ele virou o Morro Vermelho porque era de terra vermelha, mas, antes, ele era
coberto de mato. Os tratores fizeram um serviço de terraplanagem, eu não sei avaliar
quanto tempo durou.
Erio: Deixaram as “damas”.
Dago: Não sei quanto tempo esse trabalho durou, mas posso dizer que o movimento de
terra ali durou um ano. Fizeram um loteamento que hoje virou o Jaçatuba. Gozado que
prepararam o terreno e... demorou muito para ser habitado.
Erio: Não abriram sequer o loteamento, nem guia e sarjeta. Foi feita a terraplanagem e
deixaram as “damas”, prá você saber quanto tinha sido cortado.
Dago: Sabe o que são as “damas” prá mim? As “damas”... são as testemunhas prá você
ver quanto você cortou. Quando se faz terraplanagem deixa-se aqueles cucurutos sem
mexer, prá medir o volume.
Erio: O terreno era desta altura aqui; cortou, ficou aqui... essas são as “damas”.
Dago: Verifica-se quanto se cortou, né? E aquilo ficou por muito tempo. E a erosão veio
em cima porque tiraram toda a cobertura vegetal. Olha, Erio, a gente era criança, devia
ter sete anos e tinha na cabeça, na minha imaginação, olha o que é o cinema, Holywood,
tudo prá mim era claro, as erosões eram o Arizona, o Grand Canyon. As “damas” eram o
Arizona, aquela terra vermelha dos westerns, dos “farvestes” [pronúncia proposital] que a
gente assistia. A gente andava com lanças na mão e espadas, dentro dos buracos. Eram
erosões formadas na terra que eram profundas, tinha algumas de 6 metros, eram enormes,
andávamos naquilo com espadas na mão brincando de índio, de mocinho, subíamos e
descíamos nas “damas”. Olha, misturávamos as coisas: o faroeste que se assistia no cinema
era o Arizona, cenários dos índios de filme americano e ao mesmo tempo misturavam-se
coisas brasileiras, a gente gritava: “primeiro bandeirante a cavalo, segundo bandeirante a
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Dago: Outro dia eu estava, não sei, não faz um mês, estava em um lugar público, entrando
no elevador em um Centro de Treinamento em São Paulo e senti o cheiro de Lancaster.
Erio: Tinha o Acqua Fresca.
Dago: O Rastro era um belíssimo perfume, era uma lavanda, a tampa era bem
elaborada.
Erio: Quando você comprava na Rua Augusta, voltava de trem de São Paulo até aqui, já
vinha vazando porque não vedava bem. O Salim gostava muito de Pizanina, sapato muito
espelhado.
Dago: Na parte de cima ele punha lâmina [metálica] no sapato.
Erio: Eu não entendo, uma chapa espelhada, eram os sapatos mais...
***
Erio: Eu lembro mais claro uma coisa que ficou muito tempo para trás. Se você tivesse me
chamado, para fazer uma entrevista do período que eu tive há 25 anos seria mais difícil de
lembrar de alguma coisa. As crianças crescendo..., apagou tudo.
Dago: Agora o Sidão tem mais histórias...
Erio: Precisa ir puxando o fio, né? Lembrando passagens. As lembranças traem você, às
vezes, confundem. Você acaba colocando coisas que você não viveu tanto.
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Depoimento 09 – Sérgio Augusto Chaves Pergóla
DEPOIMENTO 9
Sérgio Augusto Chaves Pergóla
Também: Sergião, Pergola e ou Taturana
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Depoimento 09 – Sérgio Augusto Chaves Pergóla
Consegui o número de seu telefone através do Tonico. Liguei em julho de 2004. Expliquei
que a partir da foto estava recuperando a memória da nossa turma e que gostaria de
entrevistá-lo.
Foi o Tonico.
Sérgio: Sabia, ele está sumido [voz mole pastosa]. Ele está doente.
[mandei por e-mail a foto e um roteiro para ser respondido por escrito].
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Depoimento 09 – Sérgio Augusto Chaves Pergóla
11/02/05– Enviei uma carta para o Pergola onde junto com a reprodução da foto, pedi
que respondesse por escrito a um determinado roteiro a sua manifestação sobre ela.
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Posfácio
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Posfácio
Foram dois anos de encontros com o presente, o passado e locais revisitados. As coisas
parecem que diminuíram de tamanho.
O reencontro foi alegre e doloroso: uma mistura.
O Roberto morreu. Uma série de amigos mencionados não os vi mais. Provavelmente
jamais os verei.
De alguns que estão nas fotos me reaproximei. Não sei por quanto tempo.
Os bares, os cinemas, algumas casas, os campos de futebol não existem mais.
Assim como os Beatles.
Parece triste? Não, não é.
A maioria dos entrevistados passam bem.
Rimos e riremos muito de tudo isso.
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Agradecimentos
Posfácio
À Lizete Freire Onesti pelas primeiras leituras, sugestões e correções do texto. Ao Marco
Antonio Barbeiro pela leitura distanciada e revisão. À Maria Cristina Alves Costa pela
primeira formatação. Ao Dagoberto Drago e Erio Girelli pela localização de alguns dos
depoentes e pela concretização desta publicação. Ao Rafael Tavana pela formatação final.
Ao José Carlos Bisconcini Gama pela limpeza da foto principal e ao Luiz Thomazi Filho pela
revisão final, e que após a leitura disse: “acabei de entrar na turma”. Ao Dago novamente
pela última revisão e editoração. A todos esses pelas conversas sobre este livro.
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Consultas
Posfácio
Livros
Kossoy, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Atêlie Editorial.
1999
Ribeiro, Darcy. Aos Trancos e Barrancos: como o Brasil deu no que deu. Rio de Janeiro:
Guanabara Dois. 1985
Revistas
Jornais
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