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Questão de partida:
Os projectos educativos (de escola ou turma) afirmam com frequência que é necessário
formar os alunos "para a autonomia". Este tipo de enunciado (muitas vezes em
contradição com todas as práticas diárias da escola) pode ser ingénuo ou mesmo
perigoso: alguns professores, após terem depositado toda a confiança nos alunos e de
terem procurado pôr em acção práticas com muita autonomia, quando se confrontam
com os primeiros problemas, viram a “cento e oitenta graus”, passando então a adoptar
formas de estar e sanções muito duras. Os colegas mais cépticos em relação a estas
práticas assistem a estas mudanças de comportamento com uma certa satisfação dizendo
muitas vezes: "Eu bem vos avisei, os alunos são uns malandros, que não querem fazer
nada, é necessário tê-los sempre na mão”.
Como proceder então de modo que a autonomia não seja apenas uma ilusão ou
utopia “beata”?
Este debate torna-se ainda mais controverso (chegando-se mesmo a assistir a situações)
quando os mesmos professores passam facilmente de uma posição à outra aderindo à
tese "do aluno a endireitar" após ter defendido a "do aluno a respeitar". Muitos voltam-
se para os seus colegas mais novos que começam as suas carreiras cheios de ilusões,
dizendo que também eles já acreditaram nisso, que experimentaram tudo nesse campo,
mas que foram “traídos” pelos alunos que não souberam aproveitar as oportunidades
que tiveram. Assim, não tiveram outro remédio senão reconsiderar e voltar atrás,
tentando lidar agora com os alunos de forma mais “directiva” ou mesmo “autoritária. Já
não têm dúvidas sobre isso, foi a experiência que os ensinou. Este balancear entre uma
postura e outra não é um acaso, pois há um parentesco profundo entre estas duas teses.
Ambas encerram a criança numa ideia simplista de "natureza" marcada pela ausência
pedagógica. Se o teórico pode sempre dizer que a criança é "livre e boa", aquele que
está confrontado com o quotidiano pode sempre invocar o seu contrário, referindo as
exigências do dia a dia e das resistências dos alunos em aprender.
Contudo, a pedagogia coloca uma questão, talvez mais frutuosa, que consiste em saber
até que ponto o "respeito absoluto", baseado nessa contemplação da criança
supostamente autónoma, não é uma nova forma de gerar desigualdades. Certamente que
para algumas crianças, que já adquiriram um domínio da linguagem, o controlo de
alguns instrumentos intelectuais poderão tirar proveito desta liberdade atribuída,
minimizando o tempo “perdido” na escola. Mas os outros, a imensa maioria, os que não
sabem ainda ler bem, que estão no seu início, que ainda têm dificuldade em observar e
compreender o que lhes é pedido, perceber e respeitar as instruções, classificar
documentos, estudar uma lição, estes apenas têm a liberdade para encalhar, para não
conseguirem. Desde modo, olhar a autonomia como uma questão de natureza é deixar
que as desigualdades se produzam ou se acentuem.
Ser autónomo é ser capaz de superar uma dificuldade, não somente através do
recurso ao adulto, mas também voltando atrás para procurar a informação
adequada, consultando um documento ou um dicionário. Têm a certeza que as
crianças sabem fazer estas coisas? Se não sabem, ensinam-lhes?
Ser autónomo é ser capaz de aprender e saber quando se sabe. Têm alguma
preocupação para evitar a fórmula leve e fácil "saber lição", dando ao aluno
as indicações que lhe permitem um auto controle das suas aprendizagens
(auto avaliação regulada)?
Ser autónomo é ser capaz de ouvir, não para renunciar a ser o próprio e a
expor-se/aceitar de forma cega uma autoridade externa, mas para confrontar-se
com o outro e melhor assegurar a sua própria autoridade e razão. Desenvolvem
de forma frequente situações/exercícios de argumentação/reformulação e de
atenção/escuta do outro?
O desafio é simples:
Se o neologismo não fosse ligeiramente pesado diria de bom grado que os alunos não
são autónomos mas "autonomizáveis". Esta construção quotidiana da autonomia é
certamente um processo extremamente rico para o futuro do aluno.