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Sumário

O Coração, Esporte e Seções


v Carta do Presidente da SOCESP
Exercício Físico — I
vi
Otávio Rizzi Coelho
Carta do Editor Convidado
vii Eventos
Editor Convidado: Nabil Ghorayeb viii Normas para Publicação

Artigos de Atualização
97 Avaliação cardiológica pré-participação 130 Prevenção secundária da doença arterial
do atleta coronária pela atividade física
Preparticipation screening of athletes for Secondary prevention of coronary artery
cardiovascular disease disease by physic activity
NABIL GHORAYEB, GIUSEPPE S. ROMEU SERGIO MENEGHELO,
DIOGUARDI, DANIEL J. DAHER, CÉSAR ANGELA RUBIA NEVES CAVALCANTI
A. JARDIM, CLAUDIO A. BAPTISTA, FUCHS, CARLOS ALBERTO CORDEIRO
MICHEL BATLOUNI HOSSRI, LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA,
RICA DODO D. BÜCHLER

105 Avaliação cardiovascular pré-participação


na academia: aspectos médicos e 143 Insuficiência cardíaca: importância da
fisiológicos atividade física
Preparticipation cardiovascular evaluation on Heart failure: exercise training
the gym: medical and physical features PAULO YAZBEK JÚNIOR,
DANIEL JOGAIB DAHER, MAURO LÍVIA MARIA DOS SANTOS SABBAG,
GUISELINI, NABIL GHORAYEB, GIUSEPPE EDMAR BOCCHI, GUILHERME V.
DIOGUARDI GUIMARÃES, CRISTINA V. CARDOSO,
ALMIR SERGIO FERRAZ,
LINAMARA RIZZO BATTISTELLA
114 Preparação do atleta de esportes
competitivos
The high performance athlete training 152 Valvopatias: atividades físicas e esporte
TURIBIO LEITE DE BARROS, GERSELI Valvopathy: physical activity and sports
ANGELI, LUIS FERNANDO FURQUIM LEITE FLÁVIO TARASOUTCHI, MARCELO KATZ,
DE BARROS TARSO A. D. ACCORSI, MAX GRINBERG

121 Prevenção primária da doença coronária 160 Miocardiopatias: atividades físicas e


pela atividade física esporte
Coronary disease primary prevention and Cardiomyopathies: exercise and sports
physical activity LUCIANO NASTARI,
JAPY ANGELINI OLIVEIRA FILHO, MARIA JANIEIRE NAZARÉ NUNES ALVES,
ANA FÁTIMA SALLES, CHARLES MADY
XIOMARA MIRANDA SALVETTI

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 iii
169 Cardiopatias congênitas: atividades 184 Atividade física e doença cardiovascular
físicas e esporte na mulher
Congenital heart diseases: physical activities Exercise and cardiovascular disease in
and sports women
ANTONIO SERGIO TEBEXRENI, MARIA PAOLA SMANIO,
APARECIDA DE PAULA E SILVA, ANTONIO LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA
CARLOS DE CAMARGO CARVALHO

Edição Anterior: Febre Reumática


Editor Convidado: Benedito Carlos Maciel

Próxima Edição: O Coração, Esporte e Exercício Físico — II


Editor Convidado: Nabil Ghorayeb

iv Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005


AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA PRÉ-PARTICIPAÇÃO
GHORAYEB N e cols. DO ATLETA
Avaliação cardiológica
pré-participação do atleta

NABIL GHORAYEB, GIUSEPPE S. DIOGUARDI, DANIEL J. DAHER,


CÉSAR A. JARDIM, CLAUDIO A. BAPTISTA, MICHEL BATLOUNI

Seção Médica de Cardiologia do Exercício e do Esporte —


Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 — Ibirapuera —


CEP 04012-180 — São Paulo — SP

O exame cardiológico pré-participação do atleta tem por objetivo detectar possí-


veis anormalidades cardíacas, silenciosas ou não, que podem levar ao afastamento
temporário ou definitivo do esporte e em alguns casos até a morte súbita durante o
esporte. Os mais de 4 mil exames cardiológicos realizados desde 1975 em atletas
amadores e profissionais seguiram esse protocolo básico: anamnese e exame clíni-
co, eletrocardiografia em repouso, teste ergométrico (até exaustão), ecocardiografia
com Doppler, radiografia do tórax e análises laboratoriais (hemograma, perfil glicídi-
co e lipídico, função renal, reações sorológicas para doença de Chagas). Muitas das
alterações encontradas nos exames de rotina e que podem ser confundidas com
cardiopatias são adaptações fisiológicas resultantes do treinamento intensivo e re-
gular, compondo as características conhecidas como síndrome do coração de atle-
ta, cardiomegalia, distúrbios do ritmo e da condução, e alterações da repolarização
ventricular no eletrocardiograma. Esses critérios, que definem as alterações como
as de corações não-patológicos estruturalmente, são: retorno aos padrões normais
após suspensão temporária da atividade esportiva, normalização das modificações
eletrocardiográficas durante o teste ergométrico, funções sistólica e diastólica nor-
mais no ecocardiograma.

Palavras-chave: coração de atleta, hipertrofia cardíaca, exame pré-participação do


atleta, avaliação cardiológica do atleta, morte súbita.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:97-104)


RSCESP (72594)-1518

INTRODUÇÃO mentada na prática.


Os médicos responsáveis pela orientação clínica das
As mortes súbitas de atletas ocorridas recentemente avaliações de atletas, ao se depararem com alterações
em diferentes países, durante as práticas esportivas, que simulem cardiopatia ou que a identifiquem como
causam grande impacto no meio leigo e científico e tal, enfrentam difícil e delicado encaminhamento das
indicam a necessidade de posicionamento científico decisões. A recomendação de afastamento do atleta
bem definido do cardiologista em relação ao tema. A no auge de sua vida profissional e econômica não é
avaliação cardiológica pré-participação periódica de aceita tranqüilamente. Muitas vezes, tem sido ignora-
atletas tem sido objeto de publicações de grande im- da pelo atleta e por seus familiares, dirigentes e em-
portância(1-5), é necessidade bem definida entre os que presários.
atuam na área desportiva, porém não foi ainda imple- A avaliação cardiológica pré-participação de atle-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 97


tas competitivos objetiva ADAPTAÇÕES FISIOLÓGICAS
identificar alterações es- CARDIOVASCULARES
truturais e/ou de caráter
GHORAYEB N e cols. funcional exacerbado, A primeira descrição médica do chamado “coração
Avaliação cardiológica como bradicardias extre- de atleta” foi feita por Henschen(7), logo após a primeira
pré-participação do atleta mas, outros distúrbios do olimpíada da era moderna, em 1896, ao examinar cor-
ritmo cardíaco e hipertro- redores de esqui “cross-country” na neve, utilizando
fia cardíaca fisiológica ou apenas como exame propedêutico a percussão do pre-
não. Situações patológi- córdio. A síndrome do coração de atleta é caracteriza-
cas, como displasia arrit- da por várias alterações fisiológicas e anatômicas, de
mogênica do ventrículo caráter benigno e reversível, que correspondem a adap-
direito, cardiomiopatia hi- tações ao aumento da demanda energética durante o
pertrófica, síndromes arritmogênicas e outras, podem esforço repetitivo. Há aumento da força de contração,
aumentar o risco de morbidade e mortalidade duran- com melhor reserva cardíaca e melhor aproveitamento
te a prática físico-esportiva(2-4). Entre as principais do oxigênio, mesmo em níveis máximos de trabalho.
causas de eventos fatais nas atividades esportivas, Para a mesma carga de esforço, em relação a um co-
não-traumáticas, destaca-se a etiologia cardiovascu- ração sedentário, um coração treinado apresenta me-
lar. nor duplo produto (freqüência cardíaca x pressão sis-
Os objetivos básicos da avaliação cardiológica pré- tólica máxima) e, conseqüentemente, menor gasto
participação(4, 5) são: energético. Entre os efeitos cardiovasculares do trei-
1. Detectar precocemente cardiopatias incipientes, que namento físico vigoroso praticado durante longos perí-
causem risco durante o exercício físico esportivo ou de odos, observados experimentalmente e em atletas com-
lazer. petitivos altamente treinados, incluem-se(5, 8, 9):
2. Analisar o impacto dos treinamentos intensivos e 1. menor freqüência cardíaca em repouso e em qual-
contínuos no aparelho cardiovascular. quer nível de exercício;
3. Confirmar a regressão das alterações cardíacas com 2. redução mais rápida da freqüência cardíaca após
o abandono dos treinamentos, constatada geralmente exercício;
após três a seis meses de afastamento. 3. maior volume sistólico em repouso e durante exercí-
4. Avaliar os riscos e os benefícios cardiovasculares cios progressivos;
do exercício, principalmente após a quarta década de 4. elevação do débito cardíaco máximo;
vida, quando aumenta a incidência de doenças dege- 5. aumento do consumo máximo de oxigênio (VO2 máx);
nerativas, como a aterosclerose coronária. 6. volume cardíaco aumentado em estreita correlação
5. Determinar a capacidade funcional do atleta. com o volume sistólico durante o exercício;
Os exames pré-participação devem ser realizados 7. pressões de enchimento do coração (pressão dias-
indistintamente em todos os atletas, sempre coorde- tólica final do ventrículo direito e pressão capilar pul-
nados por médico. Algumas publicações relatam que o monar) normais em repouso e ligeiramente elevadas
exercício físico vigoroso foi gatilho de complicações durante o exercício;
cardiovasculares, inclusive o da morte súbita, ocorrida 8. maior diminuição da resistência periférica total e re-
durante os treinos e competições. A detecção precoce distribuição do fluxo sanguíneo;
de anormalidades permite, com sua resolução satisfa- 9. aumento da extração de oxigênio pelos músculos
tória, em muitos casos, a continuidade da atividade esqueléticos periféricos, níveis reduzidos de lactato
esportiva(2, 6). sanguíneo e aumento da diferença arteriovenosa de
Por outro lado, a crescente associação ativida- oxigênio máxima;
de física/saúde induziu novos hábitos populares 10. dilatação e hipertrofia cardíacas.
de crescente participação esportiva, principalmen- Ademais, verificam-se: maior eficiência mecânica da
te em provas de alto nível de intensidade, como musculatura esquelética, associada a aumento da ca-
maratona e triatlo, entre outras. Isso se refletiu na pilarização e das atividades enzímicas, e aumento da
necessidade de avaliar e preparar grande contin- capacidade funcional pulmonar e melhor relação venti-
gente de indivíduos, nos quais o fator idade, im- lação/perfusão.
portante para atletas olímpicos, deixou de ser le- Essas alterações cardiovasculares resultam prova-
vado em conta. Atualmente, esportistas de todas velmente de complexa interação de mecanismos cen-
as faixas etárias participam de provas de longa trais e periféricos, operando em níveis estruturais, ele-
duração e de grande exigência cardiovascular. trofisiológicos, bioquímicos, metabólicos e neurogêni-
Para eles aplica-se a mesma avaliação recomen- cos. E dependem da intensidade e da duração do trei-
dada para os atletas. namento, do tipo de atividade atlética e, provavelmen-

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te, de fatores genéticos(8, 9). sintomas sugestivos de doença cardiológica e história
cronológica da vida esportiva. Antecedentes familiares
AVALIAÇÃO de cardiopatias congênitas, morte súbita de parentes
GHORAYEB N e cols. CARDIOLÓGICA (homens com menos de 55 anos e mulheres com me-
Avaliação cardiológica DO ATLETA nos de 65 anos)(10), hipertensão arterial, diabetes, dis-
pré-participação do atleta lipidemias e insuficiência coronária, e antecedentes
A avaliação do atleta pessoais de precordialgia, dispnéia, síncope, tonturas
segue a semiologia tradi- e palpitações, desencadeados pelo exercício, obrigam
cional, porém com maior investigação mais detalhada.
ênfase cardiovascular. Ge- O histórico esportivo deve incluir o início das ativi-
ralmente os atletas são in- dades físicas regulares, a duração e a intensidade dos
divíduos assintomáticos e treinamentos, e a qualidade do trabalho físico, que de-
em excelente estado geral. A referência a sintomas, pende da posição do atleta na equipe e do tipo de mo-
principalmente os induzidos pelo esforço físico, deve dalidade esportiva praticada. Associadas às caracte-
ser valorizada e investigada. Tem sido constatado au- rísticas genéticas, essas variáveis constituem fatores
mento da incidência de arritmias ventriculares comple- que podem determinar alterações anatômicas cardía-
xas, como taquicardias ventriculares não-sustentadas cas próprias do atleta e ser confundidas com cardiopa-
no pico do esforço, as quais, afastadas as causas clás- tias assintomáticas(5, 8). Um princípio importante na
sicas de cardiomiopatias e síndromes arritmogênicas, avaliação cardiovascular é que as funções miocárdi-
têm como hipótese mais aventada a seqüela pós-mio- cas e a circulação coronária podem ser adequadas no
cardite viral, sugerida nos exames de imagens, como repouso, mas não durante o exercício; portanto, deve-
a ressonância magnética e a cintilografia do miocárdio. se dar maior atenção à influência da atividade física
Quanto aos exames complementares, a seleção nos sintomas referidos pelo atleta(3, 4). Entretanto, mes-
adequada de medidas propedêuticas, dentre as várias mo atletas com cardiopatias podem apresentar alta
atualmente disponíveis, fornece ao médico meio mais capacidade funcional, atingindo 15 a 16 MET no teste
acurado para o diagnóstico e o prognóstico comparati- ergométrico(11).
vamente à época em que só se dispunha de eletrocar- Exame físico
diografia e radiografia simples do tórax(1, 2, 4, 5). O exame físico do atleta deve ser completo, obser-
A rotina de avaliação cardiovascular é controversa vando-se hidratação e palidez das mucosas, medidas
na literatura(1, 2, 4, 5). Discute-se o custo/benefício efetivo antropométricas, pulsos e sopros carotídeos, pulsos pe-
de uma avaliação mais completa comparativamente a riféricos e exame toracoabdominal. No coração de atleta
só anamnese e eletrocardiografia em repouso. Nossa existem achados habituais, como sopros sistólicos fun-
experiência com mais de 4 mil avaliações de atletas cionais, terceira e quarta bulhas, bulhas hiperfonéticas
demonstrou um número significante de arritmias com- e bradicardia. Outros elementos, como taquiarritmia,
plexas desencadeadas no pico do esforço em atletas fibrilação atrial e sopros, sugerindo doença valvular e
assintomáticos e sem substrato anatômico de cardio- cardiopatias congênitas, não fazem parte da síndrome
patia. A avaliação utilizada há mais de 30 anos na Se- do coração de atleta e obrigam investigação mais de-
ção Médica de Cardiologia do Exercício e do Esporte talhada. Nos longilíneos devem ser afastadas as for-
do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia é consti- mas heterozigóticas (leves) da síndrome de Marfan
tuída de(5): anamnese e exame físico; radiografia de (doença da válvula mitral ou do anel aórtico)(10-13).
tórax (póstero-anterior e perfil esquerdo); eletrocardio- Muitas das cardiopatias que podem levar à morte
grafia clássica em repouso; teste ergométrico ou ergo- súbita de atletas podem não ser identificadas apenas
espirométrico; exames laboratoriais; e ecocardiografia pela avaliação clínica. Da série de 130 mortes súbitas
bidimensional com Doppler colorido. Exames cardioló- em atletas americanos de 1985 a 1995, apenas 8 (6%)
gicos mais específicos, como Holter, “tilt test”, cintilo- tiveram diagnóstico de cardiopatia pela avaliação clíni-
grafia do miocárdio, ressonância magnética do cora- ca, ainda em vida(3). Algumas doenças, como a esteno-
ção, estudos eletrofisiológicos e cinecoronarioventricu- se aórtica, foram facilmente detectadas pela ausculta
lografia, são realizados caso a avaliação inicial indique cardíaca. Entretanto, origem anômala da coronária es-
necessidade. querda e cardiomiopatia hipertrófica só apresentaram
sintomas em 31% e 21% dos casos, respectivamente.
Anamnese e exame físico
História clínica Radiografia de tórax
A anamnese permanece como a fonte mais rica de Radiografia de tórax em posição póstero-anterior e
informação, devendo ser completa e detalhada, com perfil esquerdo deve ser solicitada de rotina. Seu baixo
ênfase para antecedentes cardiovasculares familiares, custo e as valiosas informações que fornece sobre a

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 99


estrutura do coração e dos vexo de V1 a V3). As ondas T precordiais direitas
vasos sanguíneos toráci- geralmente tornam-se positivas após os 16 anos de
cos permitem identificar idade, mas ocasionalmente podem persistir negati-
GHORAYEB N e cols. cardiopatias silenciosas, vas no adulto jovem;
Avaliação cardiológica incluindo calcificações pe- c) pseudo-isquemia (ondas T negativas ou difásicas).
pré-participação do atleta ricárdicas e vasculares im- Sobrecargas ventriculares
portantes, assim como do- O padrão de sobrecarga ventricular esquerda é co-
enças congênitas com iní- mum no atleta(19), cuja incidência varia de 35% a 76%;
cio na vida adulta. Nos a incidência do padrão de sobrecarga de ventrículo di-
atletas, permite avaliar a reito varia de 18% a 69% , embora o diagnóstico de
área cardíaca, que pode- hipertrofia pelo eletrocardiograma não tenha boa cor-
rá estar globalmente au- relação com os achados dos exames de imagem, como
mentada, com circulação pulmonar reforçada em de- ecocardiografia e radiografia de tórax. As manifesta-
corrência das características hiperdinâmicas funcionais ções de hipertrofia de ventrículo esquerdo incluem:
do coração de atleta, além de detectar alterações os- aumento da voltagem; desvio do eixo médio do QRS
teoarticulares e pleuropulmonares, sintomáticas ou para trás, para cima e para a esquerda; prolongamen-
não(5). to da despolarização; e gradual deslocamento do seg-
mento S-T e da onda T na direção oposta àquela do
Eletrocardiografia complexo QRS. As limitações de sensibilidade dos cri-
A eletrocardiografia de 12 derivações continua sen- térios eletrocardiográficos na hipertrofia de ventrículo
do importante método diagnóstico cardiovascular. Exis- esquerdo são reconhecidas, variando de 25% a 50%
tem alterações na freqüência cardíaca, no ritmo, na con- (critérios de Sokolow-Lyon e escore de pontos de
dução elétrica e na repolarização ventricular que são Romhilt-Estes, respectivamente), e a especificidade é
consideradas variações da normalidade presentes no de cerca de 95% em ambos(8, 9, 12).
atleta(5, 14-20). O eletrocardiograma do atleta reflete os Síndromes arritmogênicas, como pré-excitação (sín-
extremos da normalidade mais que qualquer outro drome de Wolff-Parkinson-White), síndrome do QT lon-
método na avaliação cardíaca. go e síndrome de Brugada, podem ser causas de mor-
Distúrbios do ritmo te súbita e são diagnosticadas pela eletrocardiografia.
Bradicardia sinusal. Alguns estudos demonstram in- Alguns estudos demonstraram maior freqüência de sín-
cidência de bradicardia abaixo de 50 bpm em até 65% drome de Wolff-Parkinson-White em atletas que na
dos atletas e freqüência cardíaca abaixo de 40 bpm população geral, porém com baixa incidência de taqui-
durante o sono. Arritmia sinusal é freqüente, embora arritmias, estimada em cerca 0,15%(19).
desapareça com o esforço. Arritmias supraventricula-
res e ventriculares sem complexidade têm incidência Teste ergométrico
que varia de 41% a 100% em diferentes estudos. Avalia a função cardiovascular e a capacidade fun-
Distúrbios de condução atrioventriculares cional do atleta nos esforços físicos, seus limites fisio-
Bloqueios de primeiro e segundo graus são encon- lógicos e sua evolução com a preparação física, e di-
trados em cerca de 37% e 23%, respectivamente(19), agnostica cardiopatias silenciosas.
sendo reversíveis com a parada do treinamento físico A condição funcional será confirmada quando as
em 95% dos indivíduos. alterações prévias da repolarização ventricular forem
Distúrbios de condução intraventricular de níveis reversíveis no teste ergométrico. Na fase de recupera-
variados ção, a maior parte das alterações retorna aos padrões
São mais freqüentes os do ramo direito do feixe de iniciais. As alterações do segmento ST-T que não se
His. normalizarem ou que surgirem durante ou após o es-
Alterações da repolarização ventricular forço devem ser minuciosamente investigadas. Os dis-
O diagnóstico é positivo quando presentes em pelo túrbios do ritmo e da condução, quando de caráter fun-
menos três derivações do eletrocardiograma. São mais cional, retornam à normalidade ou regularizam o grau
encontradas nas precordiais esquerdas, com os seguin- de distúrbio(5, 12, 15) já nas manobras pré-esforço ou no
tes padrões: pico do exercício. Por sua vez, o desencadeamento de
a) repolarização ventricular precoce, que corresponde arritmias pelo esforço deve ser profundamente investi-
à causa mais comum de elevação do segmento S-T gado.
em coração normal e que pode ser detectada nas No Instituto Dante Pazzanese são utilizados os pro-
derivações inferiores, precordiais esquerdas e, mais tocolos de Ellestad e de cargas crescentes contínuas
raramente, nas precordiais direitas; (protocolo de rampa). O ergômetro mais usualmente
b) padrão juvenil (onda T negativa e segmento S-T con- utilizado é a esteira, mas, de acordo com a aptidão do

100 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
atleta, a bicicleta também sagem de ferritina devem ser solicitadas nas suspeitas
pode ser usada. A perio- clínicas específicas(21).
dicidade para a realização
GHORAYEB N e cols. do teste ergométrico em Ecocardiografia(9, 14, 22)
Avaliação cardiológica atletas é anual, devendo A ecocardiografia é indicada nos atletas com sus-
pré-participação do atleta ser menor (semestral) peita de cardiopatia e nos atletas iniciantes em avalia-
para esportes de alto ní- ções longitudinais seriadas, para acompanhamento dos
vel de demanda energéti- processos morfológicos de adaptação funcional cardi-
ca, como triatlo e marato- ológica ao treinamento físico. Todos os parâmetros ro-
na, e indivíduos de maior tineiros devem ser indexados para massa corpórea.
risco, e trimestral na pre- A ecocardiografia é um método essencial no diag-
sença de cardiopatia. nóstico de várias cardiopatias que podem predispor
Foram detectadas arritmias induzidas pelo esforço atletas à morte súbita, podendo detectar anormalida-
em 26% dos atletas jovens, sendo 7% arritmias com- des estruturais que envolvem o miocárdio, a aorta e as
plexas e associadas a cardiopatias, como síndrome de válvulas. Pode diferenciar as adaptações fisiológicas
Wolff-Parkinson-White, doença de Chagas, miocardi- do coração de atleta da hipertrofia patológica da cardi-
te, falsa corda de ventrículo esquerdo, dupla via nodal omiopatia hipertrófica.
e displasia arritmogênica de ventrículo direito, que le- O coração de atleta corresponde a alterações da
varam 3,1% desses atletas a serem desqualificados adaptação ao treinamento repetido, que depende da
para competições e encaminhados para tratamento intensidade, da duração e do tipo de exercício, da ida-
específico(12, 21). de, do sexo e da raça. O ecocardiograma de atleta de-
monstra alterações do diâmetro cavitário, da espessu-
Exames laboratoriais(5, 13) ra das paredes e da massa ventricular. Geralmente a
Hemograma hipertrofia ventricular excêntrica predomina nos atle-
A anemia, principalmente a ferropriva, é em geral tas de resistência, pela sobrecarga volumétrica, e a hi-
conseqüente a erros alimentares e até desnutrição de pertrofia concêntrica predomina nos esportes isomé-
vários graus. Mesmo em níveis leves, pode causar pre- tricos, pela sobrecarga de pressão. Na Tabela 1 estão
juízo no rendimento do atleta. Anemias mais intensas apresentados alguns dados ecocardiográficos que con-
podem ser sintomáticas e causar alteração no eletro- tribuem para a discriminação da hipertrofia fisiológica
cardiograma e sopros. Leucopenia absoluta e relativa do atleta na cardiomiopatia hipertrófica.
é comumente observada em atletas de alto rendimen- A utilização da ecocardiografia no exame de pré-
to, indicando diminuição de imunidade e maior susceti- participação (triagem) de atletas tem aspectos contro-
bilidade a infecções virais versos, principalmente em relação ao custo/efetivida-
Sódio, potássio e cloro de, em decorrência da baixa freqüência de cardiopati-
Permite a detecção de distúrbios eletrolíticos que as. No entanto, para diagnosticar a síndrome do cora-
podem causar diminuição da força muscular, cãibras e ção de atleta, diferenciando-a da hipertrofia patológi-
alterações eletrocardiográficas, representadas por dis- ca, é um dos métodos mais sensíveis e específicos.
túrbios do ritmo e da repolarização ventricular, que Outrossim, é útil para a detecção de anormalidades
podem ser confundidas com achados fisiológicos do congênitas, genéticas e adquiridas, de alto risco cardi-
eletrocardiograma do atleta. ovascular em jovens, como cardiomiopatia hipertrófica
Perfil lipídico e glicemia assimétrica obstrutiva, displasia arritmogênica do ven-
A associação de aterosclerose com dislipidemia e trículo direito e outras cardiomiopatias, síndrome de
diabetes é freqüente. A coronariopatia é prevalente no Marfan (com valvopatia aórtica e mitral) e valvopatias
grupo etário acima dos 35 anos e é considerada a prin- (prolapso da valva mitral e estenose aórtica), que, no
cipal cauda de morte súbita em atletas acima dessa seu início, podem ser clinicamente irreconhecíveis em
faixa etária jovens atletas assintomáticos(8, 9, 14, 22).
Sorologia para doença de Chagas
A pesquisa da doença de Chagas em suas várias CONCLUSÃO
formas clínicas faz-se necessária como rotina em nos-
so meio, na avaliação de atletas, por ser ainda endêmi- A avaliação cardiológica é importante em qualquer
ca em algumas regiões do Brasil e da América do Sul e indivíduo que pretenda praticar esportes como lazer
subdiagnosticada nos esportistas brasileiros, que mui- ou competição. Diferenciar se os achados caracterizam
tas vezes provêm de regiões de nível socioeconômico hipertrofia cardíaca fisiológica ou cardiomiopatia hiper-
mais baixo. trófica, responsável por mais da metade das mortes
Sorologia para Lues, agregação plaquetária e do- súbitas nos esportes de jovens com menos de 35

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 101
Tabela 1. Alterações ecocardiográficas no coração de atleta e na cardiomiopatia
hipertrófica.

GHORAYEB N e cols. Coração Cardiomiopatia


Avaliação cardiológica
Ecocardiograma de atleta hipertrófica
pré-participação do atleta

Relação septo/parede posterior


de ventrículo esquerdo < 1,3 > 1,3
Relação septo/diâmetro diastólico
de ventrículo esquerdo < 0,43 > 0,43
Índice de massa de ventrículo esquerdo Normal ou alto Alto
Função diastólica Normal Diminuída
Movimento sistólico anterior da
válvula mitral Não Sim

anos,(9, 10, 22) pode, em muitas situações, ser bastante portiva. Enfim, atletas aparentemente sadios poderão
difícil. Na suspeita de grave doença miocárdica, deve- ter os riscos de complicações elevados com a continui-
se recorrer ao exame de ressonância magnética do dade das atividades físicas regulares e intensas.
coração, que, apesar do alto custo, por vezes é a única A morte súbita de causa cardíaca na atividade espor-
maneira de se conseguir uma definição. tiva varia com a idade, com a população estudada, e com
É preciso observar se as cardiopatias incipientes, a intensidade e o tipo de esporte praticado. Embora seja
consideradas sem risco e de controle cardiológico mí- um evento raro, a repercussão é dramática e deve ser
nimo, poderão ter seu curso natural piorado com os vigorosamente prevenida, com avaliações cardiológicas
efeitos da estimulação determinada pela atividade es- periódicas e completa orientação médica e ética.(5, 13)

102 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
PREPARTICIPATION SCREENING OF ATHLETES
GHORAYEB N e cols. FOR CARDIOVASCULAR DISEASE
Avaliação cardiológica
pré-participação do atleta

NABIL GHORAYEB, MICHEL BATLOUNI, GIUSEPPE S. DIOGUARDI,


SERGIO TIMERMAN, ALI NAKHLAWI, ADRIANO M. TRICOTI,
CLARISSA C. DALL’ORTO, DANIEL F. MUGRABI

Cardiac evaluation before participation in any sport modality is performed to de-


tect possible cardiovascular abnormalities, silent or not, that can definitively or tem-
porally disqualify an athlete for sport activity. A cardiac disease can also set a casca-
de of events that culminates in sudden cardiac death during effort and this situation
can be prevented by careful clinical assessment. An evaluation protocol conducted
by us for cardiac examination in more than 4,000 athletes in our institution since
1975 included the following procedures: clinical history and physical examination,
resting ECG, exercise stress test, Doppler echocardiogram, thorax X-ray and labo-
ratory analysis including hemogram, fast glycemia and serum lipids, serologic reac-
tion for Chagas disease. Several changes were observed that could be erroneously
mistaken with the so-called athlete’s heart syndrome like cardiomegaly, heart rhythm
disturbances and changes in ventricular repolarization in the resting ECG. The crite-
ria defining those parameters as not abnormal included the return to normal values
after de-training, normalization of the electrocardiographic variables during exercise
stress test, and also systolic and diastolic ventricular function in the Doppler echo-
cardiogram.

Key words: athlete’s heart, cardiac hypertrophy, pre-participation evaluation of ath-


letes, pre-participation examination of athletes, sudden cardiac death.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:97-104)


RSCESP (72594)-1518

REFERÊNCIAS 5. Ghorayeb N, Dioguardi GS, Daher Daniel. Avaliação


cardiológica do atleta. In: Lasmar N, Camanho G,
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104 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
AVALIAÇÃO CARDIOVASCULAR PRÉ-PARTICIPAÇÃO
DAHER DJ e cols. NA ACADEMIA: ASPECTOS MÉDICOS E FISIOLÓGICOS
Avaliação cardiovascular
pré-participação na
academia: aspectos
médicos e fisiológicos DANIEL JOGAIB DAHER, MAURO GUISELINI, NABIL GHORAYEB,
GIUSEPPE DIOGUARDI

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia


Instituto Runner de Ensino e Pesquisa

Endereço para correspondência: Rua Coriolano, 982/83 — Vila Romana —


CEP 05047-000 — São Paulo — SP

O exercício tem importante papel na promoção do bem-estar físico e psíquico,


sendo sua prática atualmente divulgada e encorajada em todas as faixas etárias. As
academias de ginástica, nesse contexto, passaram a ter papel de destaque, sendo
um espaço freqüentado por enorme contingente de pessoas interessadas em ativi-
dade física orientada e segura. A avaliação médica, com ênfase nos aspectos cardi-
ovasculares, e a avaliação física desses alunos passaram a ter grande importância,
não apenas em relação à prevenção de eventos relacionados aos exercícios, como
na prescrição adequada dos mesmos. Os profissionais envolvidos nessas tarefas
precisam aliar uma série de qualidades e conhecimentos, e, embora não atendam
atletas profissionais, avaliam e orientam indivíduos que muito freqüentemente prati-
cam atividades físicas de alto rendimento e com grande impacto no sistema cardior-
respiratório. A utilização de métodos diagnósticos, além da história clínica e do exa-
me físico, passou a ser obrigatória em grande parte dessa população, uma vez que
a atividade física pode representar risco naqueles com doença cardíaca não diag-
nosticada ou que não esteja sob controle adequado. As condutas a serem adotadas
para a correta avaliação pré-participação em alunos de academia, no que se refere
tanto à avaliação médica como aos aspectos fisiológicos, a estrutura necessária
para essa avaliação, os equipamentos mais freqüentemente utilizados e o conheci-
mento exigido para os profissionais que irão realizá-la serão os aspectos discutidos
neste artigo.

Palavras-chave: avaliação cardiovascular, academia, teste ergométrico, exercício.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:105-13)


RSCESP (72594)-1519

INTRODUÇÃO aumento da volemia, entre outras(2). A pressão arterial


e o perfil lipídico também são alterados favoravelmen-
A realização de atividades físicas é fundamental na te, com redução das cifras tensionais em repouso, ele-
preservação e na promoção da saúde(1). A regularida- vação do HDL-colesterol, e diminuição dos triglicéri-
de de exercícios realizados de forma adequada pro- des e da intolerância à glicose(3). Ocorre, também, me-
move inúmeras adaptações fisiológicas, anatômicas e lhora tanto da qualidade de vida como da autoconfian-
também histológicas, como hipertrofia e hiperplasia das ça, já bem documentada entre aqueles que praticam
fibras musculares esqueléticas, aumento da atividade exercícios regularmente(4).
enzimática celular, aumento da vasculatura capilar e Entretanto, as doenças cardiovasculares podem

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 105
estar presentes entre os — avaliação de aspectos posturais;
que desejam iniciar ou — avaliação de aspectos da composição corporal;
continuar esse saudável —avaliação de aspectos neuromotores;
DAHER DJ e cols. hábito, podendo se trans- — avaliação de aspectos metabólicos.
Avaliação cardiovascular formar em obstáculos para Conforme recomendação do Colégio Americano de
pré-participação na a realização com seguran- Medicina Desportiva, de 2000, academias, clubes, cen-
academia: aspectos
médicos e fisiológicos
ça da atividade física. A tros esportivos, empresas e demais locais que desen-
avaliação médica, realiza- volvem programas de exercícios cujo objetivo primário
da antes do início da ativi- é o desenvolvimento da aptidão física relacionada à
dade física e periodica- promoção da saúde e bem-estar devem administrar,
mente com a continuidade em complemento à avaliação médica, uma bateria de
da mesma, ajuda a preve- testes físicos em uma única sessão, usando a seguin-
nir e a superar, com tratamento quando necessário, as te seqüência: pressão arterial e freqüência cardíaca
situações que possam colocar em risco a integridade em repouso, composição corporal, resistência cardior-
desses indivíduos, seja em treinos seja durante ativi- respiratória, força de resistência muscular e flexibilida-
dades recreativas ou competitivas. Sabemos que em de(7).
número expressivo de indivíduos essa avaliação pré- É importante que o programa de avaliação física da
participação representa a única oportunidade de um academia seja composto de testes simples, porém de
exame periódico, sendo uma situação facilitadora para resultados comprovados cientificamente, que possam
que o médico possa aconselhar o aluno quanto aos ser realizados em espaços adequados e com equipa-
diversos aspectos da prática física, bem como dirimir mentos de custo financeiro baixo e aplicados por pro-
dúvidas que porventura possam existir. fissionais especializados.
Os profissionais de educação física que atuam em
locais que desenvolvem programas de aptidão física ESTRUTURA E PROFISSIONAIS
relacionados à promoção da saúde e bem-estar de-
vem conhecer os princípios científicos que norteiam a O local da avaliação deverá ser, sempre que possí-
avaliação física e a prescrição de exercícios. Os resul- vel, o mesmo local em que o indivíduo realiza a ativida-
tados dos testes de aptidão física são utilizados para de física, isto é, na própria academia.
planejar cientificamente programas de exercícios de As vantagens dessa decisão são: o relaxamento do
acordo com necessidades, interesses e capacidades aluno, por estar em local conhecido e sendo avaliado
individuais dos clientes(5). por profissionais de seu convívio; maior contato entre
Com o conhecimento, a liderança e a orientação dos aluno-médico-educador físico; e observação imediata
profissionais, o cliente pode reduzir os riscos de lesões dos resultados dos exames, facilitando a liberação ou
e doenças e melhorar seu nível de aptidão física e saú- o afastamento temporário do aluno até que providênci-
de de forma eficiente e segura. as sejam tomadas. Caso a academia seja utilizada, o
Segundo a Organização Mundial de Saúde, aptidão local deverá contar com instalações apropriadas, equi-
física deve ser entendida como a capacidade de reali- pamentos adequados e suporte para atendimento das
zar trabalho muscular de maneira satisfatória; assim, emergências que eventualmente venham a acontecer
dentro dessa concepção, estar apto fisicamente signi- no ambiente do exame. Devem, portanto, ser seguidas
fica apresentar condições que permitam bom desem- as normas estabelecidas para a correta e segura reali-
penho motor quando submetido a situações que en- zação do teste ergométrico, que, como veremos, é parte
volvam esforços físicos. essencial na avaliação ora proposta.
De acordo com Bouchard e colaboradores(6), apti- Os profissionais envolvidos na avaliação cardiovas-
dão física é definida como um estado dinâmico de ener- cular são o médico e o educador físico, sendo neces-
gia e vitalidade que permite a cada um não apenas a sário a ambos o treinamento específico para essa situ-
realização de tarefas do cotidiano, ocupações ativas ação. A interação entre esses dois profissionais é de
das horas de lazer e enfrentar emergências imprevis- suma importância para a boa realização dos procedi-
tas sem fadiga excessiva, mas também evitar o apare- mentos em questão.
cimento das disfunções hipocinéticas, enquanto funci- Os equipamentos mais freqüentemente utilizados
onando no pico da capacidade intelectual e sentindo nas avaliações das academias são: para a avaliação
alegria de viver. postural, o simetrógrafo; e para a avaliação da compo-
Assim sendo, tendo em vista a prescrição de exercíci- sição corporal, balança antropométrica ou digital, com-
os para o desenvolvimento dos componentes da aptidão passo de dobras cutâneas e trena metálica. A avalia-
física para a promoção da saúde, pelo menos quatro as- ção dos aspectos neuromotores consta de testes de
pectos devem constar da rotina de avaliação física: flexibilidade e, para tanto, utiliza o banco de Wells ou

106 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
flexímetro e para o teste da, visando a afastar a presença de ruídos adventícios
de força de resistência como sibilos, roncos e estertores, que podem signifi-
muscular localizada dinâ- car presença de anormalidades respiratórias primári-
DAHER DJ e cols. mica são utilizados ape- as ou relacionadas com doenças cardíacas. A auscul-
Avaliação cardiovascular nas colchonete e cronô- ta pulmonar realizada durante e logo após a fase de
pré-participação na metro. Para os testes sub- esforço do teste ergométrico pode ser muito revelado-
academia: aspectos
médicos e fisiológicos
máximos de aspectos me- ra em condições como asma induzida pelo exercício e
tabólicos são utilizados di- em casos de disfunção ventricular. A medida correta
ferentes ergômetros, da pressão arterial, tanto em repouso como durante o
como banco, bicicleta ou exercício, também se mostra fundamental, podendo
esteira, esfigmomanôme- inclusive orientar o diagnóstico de um quadro de hiper-
tro, estetoscópio, freqüen- tensão arterial não suspeitado. Em indivíduos adultos,
címetro e cronômetro, para a predição indireta do con- valores superiores a 130 mmHg para a pressão arteri-
sumo máximo de oxigênio. O eletrocardiógrafo conven- al sistólica e a 85 mmHg para a pressão arterial diastó-
cional ou os sistemas computadorizados, juntamente lica são considerados anormais e devem ser fruto de
com o cicloergômetro e a esteira ergométrica, são roti- encaminhamento para investigação.(10)
neiramente utilizados para a avaliação médica.
EXAMES COMPLEMENTARES
HISTÓRIA CLÍNICA
A eletrocardiografia de repouso e o teste ergométri-
Anamnese ou história clínica é o principal elemento co são os exames indicados para complementar a ava-
da avaliação cardiovascular, podendo detectar cerca liação cardiovascular, sendo o primeiro indicado em to-
de 70% das afecções cardiovasculares em indivíduos dos os alunos que desejem iniciar uma atividade físi-
jovens(8). Na academia, por causa do grande número ca, independentemente da idade. A indicação do teste
de avaliações a serem realizadas, recomendamos a ergométrico nessa situação é motivo de discordância
utilização de questionários direcionados, a serem res- na literatura. Acreditamos, no entanto, que sua utiliza-
pondidos previamente pelo aluno, com perguntas rela- ção mais liberal venha proporcionar maior segurança
tivas a possíveis doenças preexistentes, uso de medi- a todos aqueles envolvidos nas atividades em ques-
cações, fumo, drogas, álcool, alergias, asma brônqui- tão. Os indivíduos que freqüentam o ambiente das aca-
ca, alterações da pressão arterial, tonturas ou sínco- demias são por vezes extremamente competitivos e,
pes relacionadas ao exercício, palpitações, história de apesar de não serem especificamente atletas profissi-
sopros cardíacos e história de morte súbita ou doen- onais, realizam treinamentos em geral em altas cargas
ças cardiovasculares na família. de trabalho, levando a um estresse elevado do sistema
Um questionário mais simples, conhecido como cardiovascular. Naqueles com fatores predisponentes,
questionário de prontidão para atividade física (“Physi- essa atividade intensa, às vezes extenuante, pode ser-
cal Activity Readiness Questionnaire” — PAR-Q), po- vir como “gatilho” para eventos cardiovasculares que
derá ser utilizado como um padrão mínimo de avalia- não ocorreriam em situação de menor demanda cardi-
ção pré-participação, sendo porém muito útil quando orrespiratória(11).
considerada uma avaliação em massa, como ocorre
em alguns eventos esportivos envolvendo grande nú- Eletrocardiografia
mero de participantes(9). A eletrocardiografia de 12 derivações, pelo seu bai-
xo custo e pela facilidade de realização, continua sen-
EXAME FÍSICO do um importante método diagnóstico cardiovascular.
Existem alterações na freqüência cardíaca, no ritmo,
Deve ser realizado após a história clínica e compre- na condução elétrica e na repolarização ventricular que
ende aferição da pressão arterial, palpação dos pulsos são consideradas variações da normalidade,(10, 12, 13) mas
periféricos, palpação do icto e ausculta cardíaca. Algu- que em algumas situações podem revelar anormalida-
mas condições como sopros cardíacos, terceira ou des patológicas que precisam ser mais bem investiga-
quarta bulhas e estalidos podem estar relacionadas com das.
cardiopatias e implicam avaliação mais aprofundada, Quando são avaliados indivíduos atletas ou com alto
no sentido de confirmar ou afastar a suspeita de cardi- grau de treinamento, muitas das alterações do eletro-
opatia estrutural. A palpação dos pulsos periféricos cardiograma aqui descritas podem ser encontradas, não
pode revelar anormalidades circulatórias e levantar a significando presença de doença no sistema cardio-
hipótese de doenças que levem a alterações desse si- vascular. No entanto, em pessoas fora dessas condi-
nal. Também a ausculta pulmonar deverá ser realiza- ções, essas anormalidades deverão ser investigadas

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 107
mais profundamente, a fim cia e em faixa etária mais jovem, visando, de certa for-
de diagnosticar doenças ma, a aumentar a segurança e a tranqüilizar os prati-
cardíacas ainda assinto- cantes de atividades físicas. No entanto, deve sempre
DAHER DJ e cols. máticas, que podem resul- ser salientado o baixo valor preditivo desse exame em
Avaliação cardiovascular tar em risco para o aluno populações nas quais o risco de doença é baixo.
pré-participação na durante as atividades na Quando forem encontradas alterações no teste er-
academia: aspectos
médicos e fisiológicos
academia. gométrico, sejam estas de caráter isquêmico, por arrit-
mias, resposta alterada da pressão arterial ou sinto-
Teste ergométrico mas, o aluno deverá ser informado e orientado a pro-
O teste ergométrico po- curar seu médico assistente. A liberação para a fre-
derá ser realizado em ci- qüência na academia, nesses casos, deverá ser feita
cloergômetro ou esteira em função da gravidade das alterações encontradas.
ergométrica, utilizando protocolos adequados aos ob- Nos casos com maior risco de eventos cardiovascula-
jetivos em questão e seguindo sempre as normatiza- res durante a prática de exercícios, a conduta mais ade-
ções descritas nas diretrizes do Departamento de Er- quada parece ser o afastamento provisório, até que seja
gometria, Exercício e Reabilitação Cardiovascular da realizado o tratamento da condição diagnosticada e que
Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC-DERC). De- ocorra a subseqüente liberação pelo médico assisten-
verá ser sempre limitado por sintomas ou exaustão, te do aluno por meio de relatório.
atingindo assim o máximo de sua sensibilidade e es-
pecificidade diagnóstica, além de fornecer os dados PROCEDIMENTOS PARA A REALIZAÇÃO
necessários para uma correta prescrição da atividade DA AVALIAÇÃO FÍSICA
física aeróbica.
É prudente indicar o teste ergométrico em candida- Antes de iniciar qualquer programa de exercícios
tos a freqüentar academias nas condições: físico é recomendado que o aluno/cliente passe por
— homens com mais de 35 anos de idade; um exame médico e que, conforme citado anteriormen-
— mulheres com mais de 40 anos de idade; te, indivíduos de ambos os sexos, com mais de 30 anos
— indivíduos com dois ou mais fatores de risco para de idade, sejam submetidos ao teste ergométrico para
doença coronária; serem liberados para a prática. Recomenda-se que a
— indivíduos com história de asma induzida por esfor- avaliação física seja agendada no momento da matrí-
ço; cula e que seja realizada no menor prazo possível, a
— candidatos à prática de exercícios vigorosos e/ou fim de que o programa de treinamento seja iniciado
competitivos; com base nos resultados.
— indivíduos com doença cardíaca conhecida (em qual- O tipo de avaliação física proposto a seguir é o mais
quer faixa etária). comumente realizado nas academias, dura cerca de
Os protocolos utilizados na realização do teste são 40 minutos e segue a seguinte ordem:
usualmente os mesmos que se lança mão para a in- 1. Anamnese e PAR-Q.
vestigação diagnóstica. Na esteira rolante, os de Elles- 2. Medida da pressão arterial e da freqüência cardíaca
tad e Bruce são os preferidos, apesar do crescente em repouso.
avanço dos chamados protocolos de “rampa” em nos- 3. Medidas antropométricas e avaliação da composi-
so meio. Quando a bicicleta ergométrica é utilizada, os ção corporal.
mais utilizados são os protocolos de Astrand (normal e 4. Avaliação postural.
modificado). A experiência do médico examinador com 5. Teste ergométrico submáximo (medida indireta).
cada um dos protocolos e o tipo de ergômetro disponí- 6. Teste de flexibilidade.
vel determinarão, por vezes, a opção a ser escolhida. 7. Teste abdominal.
Recomenda-se que seja feita uma adaptação em rela- 8. Teste de flexão e extensão dos cotovelos.
ção à modalidade normalmente mais praticada pelo 9. Emissão dos laudos com os resultados.
aluno; essa opção pode contribuir para a melhor res- 10. Interpretação e discussão dos resultados com o
posta ao teste e, conseqüentemente, levar à avaliação aluno/cliente e prescrição dos exercícios.
mais fiel da aptidão cardiorrespiratória, gerando uma
prescrição de exercício adequada. Aplicação dos testes utilizados na avaliação
Após os recentes acontecimentos de morte súbita física
no esporte, amplamente divulgados, as indicações para Anamnese
o teste ergométrico foram francamente modificadas, não Além dos dados coletados na anamnese tradicio-
nas diretrizes médicas mas pelo próprio público usuá- nal, é recomendado identificar as experiências anteri-
rio, o que obrigou sua realização com maior abrangên- ores do aluno/cliente com relação à prática de exercí-

108 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
cios, ou seja, o que mais do o Colégio Americano de Medicina Desportiva(5), um
gosta, que sente mais fa- único teste não é capaz de avaliar generalizadamente
cilidade para realizar ou a flexibilidade corporal total; dessa forma, existem vá-
DAHER DJ e cols. mesmo que modalidade rios testes para medir níveis de flexibilidade em uma
Avaliação cardiovascular gostaria de praticar. Esse articulação ou em um grupo de articulações, como o
pré-participação na procedimento é funda- eletrogoniômetro, o flexímetro, o flexiteste e o teste de
academia: aspectos
médicos e fisiológicos
mental, uma vez que, “sentar e alcançar”, entre outros. O teste de “sentar e
como geralmente não é alcançar”, proposto por Wells e modificado por Camai-
utilizado teste de coorde- one, apresenta um indicativo da flexibilidade da região
nação motora na avaliação inferior da coluna lombar e da região posterior da coxa,
física, o avaliador obterá e consta da maior parte das baterias de testes de apti-
informações importantes dão física relacionada à saúde quando essa variável
para a prescrição de exercícios bem como para identi- deve ser avaliada.
ficar os objetivos. Força muscular
Avaliação dos aspectos posturais A avaliação da força muscular, de acordo com Ma-
Tem como objetivo identificar os principais desvios thews(14), é de fundamental importância para o profes-
posturais que podem ser agravados com a prática de sor de educação física, para a elaboração do progra-
exercícios inadequados. Uma vez identificados desvi- ma e para seus alunos/clientes porque: 1) a força é
os significativos, o aluno/cliente deve ser encaminha- necessária para uma boa aparência; 2) a força é bási-
do para um profissional especializado, pois são casos ca para um bom desempenho na execução de diferen-
de responsabilidade do ortopedista e do fisioterapeu- tes exercícios; 3) a força é altamente considerada quan-
ta. do da medida de aptidão física; e 4) a manutenção da
A utilização do simetrógrafo possibilita identificar os força pode servir como uma profilaxia contra certas
desvios posturais mais evidentes, por meio da obser- deficiências ortopédicas.
vação de pontos anatômicos específicos que permi- Os métodos mais comuns para medir a força mus-
tem identificar possíveis assimetrias decorrentes des- cular são: tensiometria, dinamometria, teste de 1RMVD
sa alteração postural. Os principais desvios posturais (uma repetição máxima voluntária dinâmica) com pe-
possivelmente encontrados nos avaliados são os de sos e determinações por computador da produção de
coluna cervical, coluna dorsal, lombar, joelhos e pés. força e trabalho, incluindo medidas isocinéticas de for-
Avaliação de aspectos da composição corporal ça muscular(15). Como pode ser observado, a maioria
Com o objetivo de avaliar as relações entre a quan- dos testes de força utiliza equipamentos de alto custo,
tidade e a distribuição da gordura corporal e massa não disponíveis em grande parte das academias, o que
muscular e as alterações no nível de aptidão física e faz com que sejam administrados dois testes de baixo
no estado de saúde dos alunos/clientes, são aplicadas custo e fácil execução: o teste abdominal e a extensão
as técnicas mais utilizadas no dia-a-dia dos profissio- dos cotovelos.
nais de Educação Física e Nutrição: as medidas antro- — Teste abdominal: mede indiretamente a força da
pométricas e a medida da espessura de dobras cutâ- musculatura abdominal, por meio da realização do
neas. maior número possível de flexões abdominais (fle-
Medidas antropométricas xão do tronco e quadril sobre os joelhos) em um
As mais utilizadas são: massa, estatura, perímetros minuto.
corporais e espessura de dobras cutâneas. — Teste de flexão e extensão dos cotovelos: o avaliado
A medida das dobras cutâneas pode ser feita em deve ficar em decúbito ventral, braços estendidos
vários lugares do corpo; entretanto, são 10 os pontos na largura dos ombros, pernas estendidas e apoio
mais utilizados, atendendo a maioria das equações pre- na ponta dos pés. Durante um minuto são realiza-
ditivas disponíveis na literatura especializada: tríceps, das flexões e extensões do cotovelo, tocando o tó-
subescapular, axilar média, supra-ilíaca, bíceps, torá- rax no solo. Para mulheres, o teste é realizado na
cica, abdominal, supra-espinal, coxa, e panturrilha me- posição ajoelhada.
dial. Avaliação dos aspectos metabólicos
Avaliação dos aspectos neuromotores Diminuir a gordura corporal, melhorar a condição
As capacidades físicas força muscular e flexibilida- física geral e participar de atividades recreativas e com-
de são componentes da aptidão física relacionada à petitivas de natureza aeróbia são alguns dos principais
promoção da saúde e seu desenvolvimento tem influ- objetivos dos alunos/clientes de academias, incluindo
ência no desempenho das atividades cotidianas, além aqueles que dizem sentir-se muito cansados após ca-
de evitar o aparecimento de alguns tipos de doenças minhada em ritmo um pouco mais intenso.
degenerativas do sistema músculo esquelético. Segun- Para os casos citados, é importante a prescrição

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 109
de exercícios de predomi- sejáveis de massa gorda e massa magra e as possí-
nância aeróbia, sendo, veis modificações.
para tanto, necessário Quanto ao nível de aptidão física, tendo como refe-
DAHER DJ e cols. avaliar a potência aeróbia rência as tabelas de classificação, é possível estabele-
Avaliação cardiovascular para que o professor tenha cer, para cada uma das capacidades avaliadas, os res-
pré-participação na subsídios para tal finalida- pectivos valores considerados recomendados para ida-
academia: aspectos
médicos e fisiológicos
de. Esse tipo de avaliação de, sexo e objetivos, conforme os resultados obtidos
geralmente é realizado por nos testes metabólicos (resistência cardiorrespiratória)
meio de testes que me- e neuromotores (força muscular e flexibilidade).
dem o consumo máximo Atualmente existem no mercado programas com-
de oxigênio (VO 2 máx), putadorizados de avaliação física, que emitem laudos
que representa a quanti- com os resultados e as respectivas classificações dos
dade máxima de oxigênio que um indivíduo consegue diferentes testes aplicados, uma excelente ferramenta
captar do ar alveolar, transportar aos tecidos pelo sis- que torna todo o processo mais rápido.
tema cardiovascular e utilizar pelas células na unidade Discussão dos resultados com o aluno/cliente
de tempo. Na avaliação da potência aeróbia, podem — Fazendo o aluno/cliente compreender os resultados:
ser utilizados aparelhos denominados ergômetros, en- os resultados dos testes e a respectiva classifica-
tre os quais bicicleta ergométrica (mecânica ou eletro- ção de cada um deles são apresentados de forma
magnética), esteira rolante, banco de madeira, remo- clara e objetiva para que o aluno/cliente tenha co-
ergômetro (específico para remadores), e “swimming- nhecimento tanto de seu nível corrente de aptidão
flume” (específica para nadadores), assim como pistas física, que será utilizado como ponto de partida para
de atletismo e quadras de esporte. alcançar as metas/objetivos pré-determinados,
Geralmente, nas academias, a medida da potência como das necessidades especiais, como, por exem-
aeróbia realizada nesses ergômetros é feita de forma plo, exercícios específicos para o fortalecimento de
indireta, tendo em vista a facilidade e o baixo custo um grupo muscular enfraquecido.
operacional. — Apresentando o programa de treinamento: tendo em
Os testes de medida indireta constitutem uma ava- vista o nível de aptidão física, as metas/objetivos e
liação em geral, baseada na relação linear entre a fre- as modalidades de exercícios preferidas pelo alu-
qüência cardíaca e o VO2, medido quando as requisi- no/cliente, o professor apresenta uma proposta ini-
ções e as produções energéticas tenham chegado ao cial de programa de treinamento contendo informa-
equilíbrio (“steady-state”). Nesse tipo de avaliação são ções gerais sobre capacidades a serem treinadas,
utilizados normogramas, fórmulas e análise de regres- modalidades de exercício oferecidas pela academia
são, desenvolvidos a partir de medidas diretas e com o e características organizacionais da aula.
objetivo de predizer o VO2 do indivíduo, partindo de um As fases seguintes, prescrição e aplicação prática,
teste submáximo. Os testes mais utilizados são: teste são elaboradas a partir da discussão dos resultados
de bicicleta ergométrica de Ästrand de 8 minutos, teste com o aluno/cliente, que acontece logo após a aplica-
de bicicleta ergométrica de Ästrand de 5 minutos, teste ção dos testes ou no próximo encontro entre o profes-
de banco do Queens College para universitários, teste sor avaliador e o aluno/cliente.
de banco de Balke, teste de banco de Astrand, teste Caso a discussão dos resultados aconteça no mes-
de corrida de 1. 000 metros (para crianças de 8 a 13 mo dia da avaliação física, o professor avaliador terá
anos) e teste de corrida de 12 minutos. pouco tempo para interpretar os resultados, compa-
rando-os com tabelas ou com programas computado-
Interpretação dos resultados e discussão com rizados, para, em seguida, apresentá-los ao
o aluno/cliente cliente.Embora o tempo seja curto, sob o ponto de vis-
Interpretação dos resultados ta motivacional, a experiência prática tem mostrado ser
O resultado da avaliação postural permite identifi- bastante válido o fato de discutir com o aluno/cliente
car os possíveis problemas decorrentes principalmen- os resultados logo após a avaliação física.
te do enfraquecimento e/ou do encurtamento de deter-
minados grupos musculares responsáveis pela postu- Prescrição dos exercícios
ra. Atenção especial é dada aos músculos abdominais, É o momento da elaboração teórica do programa,
posteriores da coxa e flexores do quadril pela sua rela- tendo como ponto de referência metas/objetivos e ní-
ção com o aparecimento de alterações na região lom- vel de aptidão física do aluno/cliente e como base os
bar. resultados obtidos nos testes.
A porcentagem de gordura e o índice de massa cor- — Determinação dos objetivos gerais: como, por exem-
poral fornecem dados para identificar os padrões de- plo, aumentar a resistência cardiorrespiratória e di-

110 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
minuir 2% da gordura cor- retrizes do SBC-DERC, com as adaptações nos ergô-
poral. metros e protocolos pertinentes a cada grupo estuda-
— Seleção das modalida- do. Naqueles indivíduos com cardiopatia já conhecida,
DAHER DJ e cols. des de exercício de efeito as recomendações para os exames complementares
Avaliação cardiovascular geral (cíclicas e acíclicas): estão definidas nas mesmas diretrizes anteriormente
pré-participação na esteira, aula de “spinning”, citadas. Em relação a estes últimos, recomenda-se que
academia: aspectos
médicos e fisiológicos
aula de “step”, circuito ae- mantenham as medicações em uso quando da realiza-
róbio, hidroginástica e na- ção do teste ergométrico e que sua prescrição siga
tação, entre outras. rigorosamente os parâmetros encontrados no exame.
— Seleção das modalida- A opção de retirar medicamentos que possam alterar a
des de exercício de efeito resposta eletrocardiográfica e da pressão arterial du-
localizado: musculação, rante o teste ergométrico é de responsabilidade do
ginástica localizada, pilates, abdominal e alonga- médico do aluno, não devendo essa orientação partir
mento, entre outras. da equipe da academia. Nos casos em que a resposta
— Seleção dos métodos de treinamento, intensidade e da freqüência cardíaca é alterada por medicamentos
volume: esse procedimento metodológico fica a car- cronotrópicos negativos, a prescrição do exercício de-
go dos professores responsáveis de cada modali- verá se dar pelos resultados obtidos pelas escalas de
dade, embora o professor avaliador sugira, na pres- esforço percebido e pelos sintomas apresentados du-
crição, as possíveis combinações de modalidades rante o esforço. Quando da avaliação de alunos com
de exercício e as respectivas vezes durante a se- doença cardiovascular estabelecida, a realização ape-
mana. É importante ressaltar que a intensidade da nas do teste de potência aeróbica, sem monitorização
modalidade de exercício escolhida tem como refe- eletrocardiográfica, está contra-indicada.
rência os resultados obtidos nos testes específicos
das capacidades envolvidas (metabólicas e neuro- CONCLUSÕES
motoras).
A segurança do aluno e a correta prescrição da ati-
Aplicação prática vidade física, com o conseqüente aproveitamento óti-
A elaboração das aulas práticas, incluindo tempo de mo dos benefícios do exercício na saúde, tanto física
duração de cada fase e objetivos específicos de cada uma como emocional, são os objetivos principais da avalia-
das modalidades de exercício, é de responsabilidade da ção cardiovascular pré-participação nas academias.
equipe técnica da academia, cabendo aos professores Esses ambientes transformaram-se nos últimos
avaliadores a responsabilidade de conhecê-las muito bem anos em locais de convívio intenso de milhares de jo-
para poder fazer uma correta prescrição. vens, sendo claramente uma opção de estilo de vida. A
Recomenda-se que o professor avaliador, além do orientação adequada para a prática de atividades físi-
excelente conhecimento científico relacionado aos fun- cas e a segurança com que esta é praticada passaram
damentos teóricos sobre avaliação física, treinamento a ser requisitos fundamentais para o bom resultado des-
esportivo e modalidades de exercício, participe das sa atividade.
aulas práticas oferecidas pela academia, adquirindo Mais recentemente, pessoas de faixas etárias mais
vivência prática para tornar sua avaliação mais consis- elevadas também têm procurado as academias para
tente e precisa. O avaliador com alto nível de compe- programas de condicionamento físico, auxílio na redu-
tência deve associar os fundamentos teóricos à vivên- ção da obesidade e pela própria prescrição médica do
cia prática, pois essa combinação confere maior credi- exercício como parte do tratamento de diversas doen-
bilidade. ças. Essa diversidade de público acabou por determi-
nar mudanças também no perfil da avaliação médica-
AVALIAÇÕES EM GRUPOS ESPECIAIS física a ser realizada. Acreditamos que os aspectos aqui
discutidos são, nos dias atuais, os que farão com que
As avaliações realizadas em crianças, idosos, atle- esses objetivos sejam alcançados de maneira mais
tas, grávidas e deficientes físicos devem seguir as di- consistente.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 111
PREPARTICIPATION CARDIOVASCULAR EVALUATION
DAHER DJ e cols. ON THE GYM: MEDICAL AND PHYSICAL FEATURES
Avaliação cardiovascular
pré-participação na
academia: aspectos
médicos e fisiológicos DANIEL JOGAIB DAHER, MAURO GUISELINI, NABIL GHORAYEB,
GIUSEPPE DIOGUARDI

Exercising has an essential role in promoting physical and emotional welfare,


thus, nowadays, its practice is promoted and encouraged in all age groups. Gyms
have now an important role in this specific context, since it is an environment fre-
quented by a great amount of people who is interested in safe and oriented physical
activities. The students’ physical and medical evaluations, the last one emphasing
the cardiovascular aspects, are now crucial, not only in relation to the prevention of
events related to physical exercising, but also to the proper exercise prescription. All
professionals involved in these tasks should ally a series of qualities and knowledge
and, although they don’t deal with professional athletes, they evaluate and guide
individuals who very frequently practice physical activities of high performance and
great cardio respiratory system impact. The use of diagnosis methods, besides the
clinical history and the physical exam is now mandatory in a significative part of this
population, once the physical activity can represent risks to those with undiagnosed
or not under control heart disease. The conduct to be adopted for a correct pre
exercising evaluation for gym students, both on the medical and the physiological
aspects, the necessary infrastructure for this evaluation, the most frequent used
equipments and the professional knowledge necessary for the correct evaluations
are the aspects discussed in this article.

Key words: cardiovascular evaluation, gym, stress test, exercise.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:105-13)


RSCESP (72594)-1519

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 113
PREPARAÇÃO DO ATLETA DE
BARROS TL e cols. ESPORTES COMPETITIVOS
Preparação do atleta de
esportes competitivos

TURIBIO LEITE DE BARROS, GERSELI ANGELI,


LUIS FERNANDO FURQUIM LEITE DE BARROS

Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte –


Universidade Federal de São Paulo – EPM

Endereço para correspondência: Ginásio do Ibirapuera (entre portas 4 e 6) –


Rua Marechal Estênio de Albuquerque Lima, 82 – Paraíso – CEP 04005-040 –
São Paulo – SP

A preparação do atleta de alto rendimento é um desafio de natureza multidiscipli-


nar. O limite do desempenho físico depende tanto do sistema de transporte de oxi-
gênio como dos mecanismos periféricos de utilização da energia química. Por outro
lado, preparar fisicamente um atleta para ser exigido no limite máximo de desempe-
nho depende também do entendimento dos fatores de limitação musculoesqueléti-
cos. A sobrecarga física de treinamentos e competições acarreta tanto efeitos agu-
dos como crônicos, capazes de prejudicar o desempenho. A manifestação aguda
mais estudada atualmente caracteriza-se por uma série de sinais e sintomas deno-
minados pela sigla DOMS, que representa o quadro da dor muscular de início tardio,
e que, na realidade, é um quadro inflamatório com marcadores bioquímicos estabe-
lecendo uma relação causa-efeito. A manifestação crônica mais temida é a síndro-
me de “overtraining”, cuja identificação tem sido feita principalmente por alterações
do quadro psicológico do atleta. Treinar um atleta de alto nível é, portanto, um desa-
fio que não se restringe a aplicar carga de treinos, mas cada vez mais entender
todos os processos hemodinâmicos, metabólicos, bioquímicos e psicológicos de-
correntes da sobrecarga e do estresse. Assim, o entendimento pleno desse proces-
so depende principalmente da compreensão da necessidade da adequação da rela-
ção treino-recuperação.

Palavras-chave: exercício, treinamento, atletas.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:114-20)


RSCESP (72594)-1520

INTRODUÇÃO Atletas competitivos treinam de 20 a 40 horas por


semana, desafiando constantemente os limites do cor-
Treinar atletas de alto rendimento, com o objetivo po(1). No entanto, cada atleta bem como a modalidade
de torná-los competitivos em nível mundial, constitui praticada têm suas características e necessidades es-
uma tarefa árdua, que envolve conhecimentos tecno- pecíficas, que devem ser respeitadas com o propósito
lógicos e psicofisiológicos. Grandes investimentos são de se atingir os melhores resultados e de prevenir le-
feitos com o intuito de otimizar o desempenho dos atle- sões.
tas, por meio de constante aprimoramento de equipa- Nos dias de hoje, os esportes de alto rendimento
mentos e materiais esportivos(1-4). têm se tornado tão atrativos financeiramente que os

114 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
atletas tentam compensar pulmões não são “treináveis”. Entretanto, pela sua enor-
uma possível falta de ta- me competência ventilatória, possuem reserva capaz
lento (predisposição gené- de assegurar um nível de trocas gasosas adequadas
BARROS TL e cols. tica) com treinamento ex- mesmo quando o débito cardíaco é levado a seu limite.
Preparação do atleta de cessivamente intenso(2). A comprovação fisiológica desse fato é que, ao se atin-
esportes competitivos O dia-a-dia de treino e gir o débito cardíaco máximo durante o exercício, a
os fatores estressantes va- ventilação pulmonar máxima de esforço é sempre uma
riam imensamente. Distúr- fração porcentual em torno de 70% da capacidade ven-
bios psicofisiológicos pre- tilatória máxima, ou seja, os pulmões ainda teriam uma
cipitados pelo “overtrai- reserva funcional(11). A exceção a essa regra é o atleta
ning” provocam alterações excepcionalmente treinado do ponto de vista aeróbio.
na capacidade do atleta de Nesses casos excepcionais, o atleta atinge valores de
suportar as cargas de treinamento. Lesões musculo- débito cardíaco tão elevados que o tempo de contato
esqueléticas, irregularidades neuroendócrinas, supres- alvéolo capilar se reduz a índices tão críticos que im-
são imunológica e alterações psicológicas são os obs- possibilita o sangue arterializado de manter PO2 nor-
táculos que os atletas enfrentam para atingir e suplan- mal. Esses sinais de hipoxemia no exercício máximo já
tar recordes.(1) foram descritos na literatura, em relatos de avaliação
de maratonistas de elite(12). Nessas exceções, pode-se
LIMITES DO DESEMPENHO AERÓBIO considerar que o coração “ultrapassa” a competência
funcional pulmonar. Quando esse nível de aptidão car-
Os limites do desempenho nos esportes de alto ren- diovascular é atingido, pode-se admitir que o limite
dimento têm relação direta com a natureza da modali- máximo de aptidão aeróbia foi obtido.
dade praticada. Dada a enorme diversidade de moda-
lidades esportivas e, conseqüentemente, de seus fato- LIMITAÇÃO DO MÚSCULO ESQUELÉTICO
res de limitação, pretendemos inicialmente focar nos-
sa abordagem mais especificamente nos fatores limi- Do ponto de vista cardiopulmonar, o atleta de alto
tantes do desempenho aeróbio. rendimento capacita-se a tolerar níveis extraordinários
Desde a década de 60, quando o conceito do con- de intensidade de exercício. Uma corrida de maratona
sumo máximo de oxigênio (VO2 máx) passou a ser con- em ritmo competitivo de elite exige fase estável de con-
siderado como o melhor indicador do desempenho ae- sumo de oxigênio superior a 55 ml/kg/min, o que pres-
róbio, inúmeros trabalhos de pesquisa abordaram seus supõe a necessidade de o atleta atingir VO2 máx acima
fatores determinantes(5-7). O que limita o VO2 máx? Essa de 70 ml/kg/min(12). Nesse nível de solicitação tanto
abordagem, apesar de datar de várias décadas, até metabólica como mecânica, o elemento da cadeia fun-
hoje ainda pode ser considerada bastante atual(8). Quan- cional que acaba sendo mais sobrecarregado é o mús-
do estudamos os fatores limitantes do desempenho culo esquelético. Apesar da preocupação com o esta-
aeróbio podemos visualizar claramente o desenvolvi- do metabólico do músculo durante o exercício, é no
mento e a própria limitação do desempenho do atleta pós-exercício que se manifestam os sinais e sintomas
de alto rendimento. determinantes da limitação da sobrecarga muscular
A capacidade do músculo esquelético de transfor- decorrente de atividade intensa e/ou prolongada.
mar energia química em energia mecânica depende As dores musculares conseqüentes à prática de ati-
do adequado aporte de oxigênio. O sistema de trans- vidade física intensa constituem um dos quadros mais
porte de oxigênio torna-se, em última análise, o fator comumente encontrados, tanto em atletas profissionais
determinante do desempenho aeróbio(9). como em praticantes de esportes e exercícios com fins
O sistema cardiovascular é considerado o elo limi- recreativos ou estéticos.
tante da cadeia de órgãos e sistemas que compõe a O quadro, de natureza transitória, é clinicamente
seqüência de eventos de captação, transporte e utili- descrito por sinais e sintomas, que, na literatura cientí-
zação de oxigênio durante o exercício. Em uma revisão fica, têm sido denominados DOMS (“delayed onset of
publicada há quase duas décadas(10), o fisiologista res- muscle soreness”)(13-15) ou DMIT (dor muscular de iní-
piratório Jerome Dempsey já fazia uma abordagem crí- cio tardio).
tica a respeito da interação de três componentes fun- A DOMS tem sido caracterizada por dor, edema (au-
damentais dessa cadeia de eventos. De acordo com mento do volume do músculo), perda da amplitude de
esse autor, pode-se considerar que os pulmões, o sis- movimento com conseqüente diminuição da flexibilida-
tema cardiovascular e o músculo esquelético compõem de, perda de força muscular do membro afetado, au-
os três elementos fisiológicos mais importantes na aná- mento dos níveis séricos de creatina cinase, desidro-
lise do desempenho aeróbio. Na visão de Dempsey, os genase láctica, mioglobina e fragmentos da cadeia

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 115
pesada de miosina e ma- também estão associados à ruptura do aparato miofi-
nifestação subjetiva de dor brilar, o que é demonstrado pelo aumento proporcional
muscular. dos níveis séricos de proteína cinase, mioglobina, tro-
BARROS TL e cols. O quadro é, na realida- ponina, e filamentos de cadeia pesada de miosina após
Preparação do atleta de de, a consequência de mi- o exercício danoso(35).
esportes competitivos crotraumas nas fibras O aumento dos níveis de creatina cinase na corren-
musculares, dando início a te sanguínea deve-se, inicialmente (primeiras 24 ho-
um processo inflamatório ras), à ruptura das membranas das células muscula-
localizado na musculatura res. A liberação de creatina cinase encontrada até cin-
solicitada, com manifesta- co dias após o término da atividade danificadora deve-
ções dolorosas intensas, se à destruição das fibras musculares, induzida pelas
exacerbadas pela movi- reações inflamatórias que ocorrem após o exercício(36).
mentação ou palpação, e que são experimentadas en-
tre 8 e 72 horas após o exercício, podendo persistir por Alterações hormonais
5 a 10 dias, e cujo pico se dá em 24 e 48 horas após Os glicocorticóides são hormônios formados a par-
sua indução(16-19). tir de esteróides essenciais e sua principal função con-
O aumento da sensibilidade dolorosa é resultado siste em manter os níveis de glicose no sangue. Além
do edema e da sensibilização dos nociceptores intra- disso, parecem ter importante papel na adaptação ao
musculares por substâncias algogênicas liberadas após estresse(37).
estiramento e ruptura da banda Z (dano muscular). Os níveis de cortisol e de ACTH variam de acordo
Apesar de a DOMS poder ser provocada por qual- com ritmo circadiano, alimentação e padrão de exercí-
quer exercício não habitual e/ou intenso e/ou com du- cio, sendo caracteristicamente mais altos pela manhã(38).
ração maior que o habitual, os exercícios excêntricos, Com o início do exercício, tende a existir um curto tem-
ou seja, aqueles que solicitam que o músculo se con- po de atraso (minutos) para haver resposta do cortisol;
traia enquanto é alongado, são reconhecidamente ca- no entanto, os níveis aumentam de maneira proporcio-
pazes de provocar maior trauma e, portanto, maior in- nal à intensidade de exercício. Isso ocorre para intensi-
cidência do processo(20, 21). dades superiores a 50% a 60% do VO2 máx(39). A ob-
Quanto ao tratamento do quadro, apesar de encon- tenção dos níveis máximos de cortisol depende da du-
trarmos, na literatura, inúmeros procedimentos propos- ração total do período do exercício(40). Pode-se concluir,
tos, o alívio dos sintomas só poderia ocorrer quando portanto, que exercícios de curta duração podem não
do uso de medicação analgésica e/ou antiinflamató- conceder tempo suficiente para que ocorra a resposta
ria(22-26). No entanto, atualmente existem evidências de de pico do cortisol durante o exercício. Além disso, em
que a suplementação nutricional à base de antioxidan- cargas de trabalho inferiores a 50% do VO2 máx, a con-
tes seria capaz de atenuar os sintomas da DOMS, per- centração de cortisol em geral diminui, pois a taxa de
mitindo o retorno mais rápido à prática esportiva(27). remoção sanguínea desse hormônio é maior duran-
te exercícios de baixa intensidade que em repouso,
INDICADORES BIOQUÍMICOS DO parecendo ocorrer o mesmo com sua taxa de secre-
TRAUMA MUSCULAR ção(41, 42).
O exercício anaeróbio possui intensidade suficiente
Alterações enzimáticas para produzir respostas ACTH-cortisol; no entanto, sua
Quando um músculo esquelético é danificado, ocor- duração, geralmente, é tão curta que aumentos nas
re o extravasamento de alguns componentes específi- concentrações séricas desses hormônios podem não
cos desse músculo para a corrente sanguínea, em de- ser observados, mesmo na fase de recuperação do
corrência da ruptura de sua membrana. Embora a de- exercício(43). Buono e colaboradores(44) relataram au-
sidrogenase láctica, a mioglobina e as proteínas estru- mentos significativos de cortisol e ACTH após um mi-
turais do músculo sejam indicadores de dano muscu- nuto de exercício a 120% do VO2 máx, sendo o aumen-
lar, o componente mais comumente analisado para se to do ACTH imediato e o do cortisol, entre cinco e quin-
constatar lesões no músculo é a creatina cinase. Ape- ze minutos após o exercício.
sar de ser o indicador mais estudado e utilizado a fim
de se detectar dano muscular, o mecanismo de libera- SÍNDROME DO “OVERTRAINING”
ção da CK permanece obscuro, sendo encontrados
aumentos significativos dessa enzima imediatamente “Overtraining” pode ser visto como um processo de
após o exercício, até cinco dias após a atividade(28-34). deterioração do desempenho decorrente em última aná-
Está claro também que os níveis de creatina cinase lise de uma relação inadequada entre treinamento e
não representam apenas dano na fibra muscular, mas recuperação(45, 46). Distúrbios fisiológicos, psicológicos,

116 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
bioquímicos e imunológi- de atividade seguida, e são dependentes do volume,
cos podem ocorrer inde- da intensidade e da freqüência do treinamento. Melho-
pendentemente ou con- ras do desempenho também são decorrentes das mu-
BARROS TL e cols. juntamente. A disfunção danças no sistema neuromuscular, que facilitam e au-
Preparação do atleta de do eixo hipotálamo hipofi- mentam o desempenho de habilidades que exijam mo-
esportes competitivos sário em decorrência de vimentos mais rápidos e potentes(49).
etresse repetitivo de natu-
reza física ou não repre- CONCLUSÕES
senta a mais provável pa-
togênese dessa condi- A preparação do atleta de alto rendimento é, por-
ção(47). Não existe um úni- tanto, uma ciência multidisciplinar. Nas décadas de 80
co marcador biológico e 90, houve grande desenvolvimento das ciências do
para o diagnóstico do estado de “overtraining”. Os tes- treinamento esportivo. Como comentado neste artigo,
tes psicológicos parecem ser a ferramenta mais pro- chegou-se a proporcionar ao atleta extaordinários au-
missora para esse propósito(46). mentos da sua função cardiopulmonar detectando-se
sinais fisiológicos da limitação máxima do ganho he-
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE TREINAMENTO modinâmico por efeitos do treinamento. Chegou-se,
portanto, aos chamados limites do corpo, fruto desse
Em termos de treinamento, a especificidade do es- grande desenvolvimento do conhecimento científico
porte ainda é a primeira regra a ser lembrada ao atleta aplicado ao treinamento esportivo. Nesta década, pas-
que necessita adaptar órgãos e funções às exigências samos a enfrentar mais um desafio: como compatibili-
específicas do esporte escolhido. A adaptação ao trei- zar alto nível de treinamento e competições com a in-
namento é a somatória das modificações trazidas pela tegridade funcional, principalmente do aparelho loco-
repetição sistemática do exercício. Quanto maior o grau motor, como também prevenir os sinais e sintomas dos
de adaptação, maior será a capacidade de desempe- distúrbios hormonais, metabólicos e psicológicos do
nho(48). “overtraining”. Parece, portanto, surgir uma nova área
Essas mudanças estruturais e fisiológicas resultam das ciências do treinamento, que poderia ser denomi-
de uma necessidade específica do corpo decorrente nada Ciência da Prevenção e Recuperação Esportiva.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 117
THE HIGH PERFORMANCE ATHLETE TRAINING
BARROS TL e cols.
Preparação do atleta de TURIBIO LEITE DE BARROS, GERSELI ANGELI,
esportes competitivos
LUIS FERNANDO FURQUIM LEITE DE BARROS

The high performance athlete training procedure is a multidisciplinary challenge.


The physical performance limits depends upon the oxygen transport system as the
muscle capacity of energy production. By the other side, to train an athlete till his
limits also depends on understanding the factors involved in the overload of the
musculoskeletal structures. The training and competitions overload also can evoca-
te acute and chronic disturbances that can decrease performance. The acute most
common disturb is the so called DOMS that means delayed onset muscle soreness.
This clinical presentation is an inflammatory process detected by biochemical ma-
rkers in a cause-effect relationship. The most avoided chronic disturbance is the
overtraining syndrome detected mainly by mood disturbances. The high performan-
ce athlete training is a challenge that requires much more than applying workloads.
It depends on the understanding of the cardiovascular, metabolic, biochemical and
psychological procedures that follows the overload and stress. The complete un-
derstanding of this picture depends mainly on the correct training-recovery ratio.

Key words: exercise, training, athlete.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:114-20)


RSCESP (72594)-1520

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120 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
PREVENÇÃO PRIMÁRIA DA DOENÇA CORONÁRIA
OLIVEIRA FILHO JA PELA ATIVIDADE FÍSICA
e cols.
Prevenção primária
da doença coronária
pela atividade física JAPY ANGELINI OLIVEIRA FILHO, ANA FÁTIMA SALLES,
XIOMARA MIRANDA SALVETTI

Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina

Endereço para correspondência: Rua Tapejara, 109 — CEP 05594-050 —


São Paulo — SP

A atividade física traz benefícios à saúde, reduz a morbidade e a mortalidade


coronárias e restringe a atuação dos fatores de risco. O exercício mínimo benéfico à
saúde seria de 700 kcal/semana, o que corresponderia a caminhar ≅ 10 km/sema-
na. O exercício ideal, para a redução da doença coronária, seria de 2.000 kcal/
semana, o que equivaleria a caminhar ≅ 30 km/semana (≅ 1 hora/dia). Os efeitos do
exercício são variados. As perdas de peso são discretas (≅ 2 kg-3 kg), e em associ-
ação a dieta trouxe reduções de 8,5 kg. Relatam-se pequenas diminuições do coles-
terol total (6,3%), do LDL-colesterol (1%-10%), dos triglicérides (3%-5%) e da he-
moglobina glicosilada A1c (0,5%-1%) e elevações do HDL-colesterol (3%-5%). Pro-
gramas de dieta/caminhadas preveniram o diabetes do tipo II em população de risco
(58%, mudança de estilo de vida vs. 31%, uso de metformina). Em hipertensos,
registraram-se reduções de 7,4 mmHg-10 mmHg na pressão sistólica e de 5,8 mmHg-
7,5 mmHg na pressão diastólica. Exercícios intensos ativam a hemostasia; em altas
concentrações, a adrenalina promove agregação plaquetária. Em indivíduos treina-
dos, verificou-se aumento da fibrinólise e redução da adesividade e agregabilidade
plaquetárias. O exercício aumenta o “shear stress”, estimulando a formação de óxi-
do nítrico no endotélio, inibindo a aterogênese e a inflamação. Os “odds ratio” para
elevações de proteína C-reativa variaram em indivíduos com atividade leve (0,53),
moderada (0,85) e vigorosa (0,98). A adoção da atividade física implica incremento
médio de expectativa de vida de 2,15 anos. Relatou-se redução da taxa de risco de
óbito a 0,64-0,71 e a de infarto do miocárdio a 0,83 em indivíduos ativos. O grande
desafio em um programa de exercício é a aderência. Algumas recomendações são
sugeridas para atenuar essa condição.

Palavras-chave: exercício, doença coronária, atividade física.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:121-9)


RSCESP (72594)-1521

INTRODUÇÃO circulação e afasta a doença”(1). Mais recentemente, o


conceituado Dr. Paul Dudley White (1885-1973), cardi-
Há séculos são reconhecidos os benefícios do exer- ologista do Presidente Eisenhower, propunha que os
cício. O imperador Huang-Ti viveu na China (2600 a.C.) indivíduos normais deveriam exercitar-se diariamente,
e a ele atribui-se a frase: “O corpo precisa de exercí- perfazendo sete horas por semana(2).
cio... o exercício expele o ar viciado, melhora a livre A atividade física regular incluindo grandes massas

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 121
musculares – andar, na- com o sexo e a idade. Exercício físico é a atividade
dar, correr – traz adapta- física planejada, estruturada, repetitiva, destinada a
ções orgânicas, em geral, melhorar e/ou manter a aptidão física(5). Dose de exer-
OLIVEIRA FILHO JA e cardiovasculares, em cício é a quantidade de exercício gasto durante a ativi-
e cols. especial, capazes de me- dade física(5). Intensidade do exercício é a taxa de ener-
Prevenção primária lhorar a saúde, reduzir a gia utilizada na unidade de tempo durante a atividade
da doença coronária
pela atividade física
morbidade e a mortalida- física(5). Em termos absolutos, é expressa em METs (1
de e interferir no desenvol- MET ≅ 3,5 mlO2/kg/min); em termos relativos, é expres-
vimento da doença arteri- sa em porcentual do VO2PICO. Consideram-se exercíci-
al coronária e dos fatores os moderados os com 40%-60% do VO2PICO ou 4-6
de risco coronário(1-6). Há METs e vigorosos, > 60% do VO2PICO ou > 6 METs(5). Na
evidências de que o exer- avaliação individual deve-se levar em consideração o
cício físico reduz a incidência de diabetes do tipo II, grau de aptidão física, que varia com a idade e o sexo.
osteoporose, obesidade, depressão, e câncer de mama Dessa forma, um exercício discreto para um jovem de
e de cólon(5). 20 anos pode ser considerado vigoroso para uma se-
A modalidade mais prática e mais inócua de exercí- nhora da terceira idade(1, 3).
cio é a caminhada. Calcula-se que em velocidades de O consumo de 1.000 mlO2 equivale a ≅ 5 kcal. A
3 km/h (≅ 2 MPH), 4,5 km/h (≅ 3 MPH) e 6 km/h (≅ 4 conversão pode ser realizada pela fórmula:
MPH) sejam gastos, em média, respectivamente, cer- kcal/min = [(MET x 3,5 x peso corporal)/200]
ca de 2 METs, 3 METs e 4 METs(1). Em geral, um indi- sendo o peso dado em quilogramas(3).
víduo adulto caminha em velocidade de ≅ 4,5 km/h. A
dose mínima de exercício, para obter efeitos benéficos EFEITOS DO EXERCÍCIO
à saúde, seria de 700 kcal/semana, que representaria,
para indivíduo de ≅ 70 kg, aproximadamente 10 km/ Os efeitos do exercício podem ser classificados se-
semana (≅ 1 hora, 3 vezes/semana)(3). A dose de exer- gundo suas ações no organismo e compreendem efei-
cício ideal, capaz de reduzir a incidência de infarto do tos antiaterogênicos, antitrombóticos, endoteliais e ele-
miocárdio a longo prazo, seria de 2.000 kcal/semana, trofisiológicos.
e corresponderia, para um indivíduo de cerca de 70
kg, a ≅ 30 km/semana (≅ 1 hora/dia)(3). O limiar de in- Efeitos antiaterogênicos
tensidade de exercício capaz de trazer benefícios não O exercício regular produz efeitos no grau de ate-
está determinado(3). rosclerose coronária e nos fatores de risco coronário,
Tem-se recomendado aos indivíduos que realizem que incluem: redução da adiposidade, principalmente
programas de 30 ou mais minutos de exercícios mode- no tronco e abdome; redução das elevações da pres-
rados, todos os dias da semana(3, 5). Crianças e adoles- são arterial; redução da hipertrigliceridemia; aumento
centes deveriam participar de exercícios recreativos do HDL-colesterol; aumento da sensibilidade à insuli-
moderados/vigorosos no mínimo durante 60 minutos, na; e utilização de glicose, reduzindo o risco de diabe-
todos os dias, e reduzir o tempo de inatividade física tes do tipo II(3, 5).
(televisão, computador, videogames e telefone)(7). O Obesidade
tempo de televisão deveria ser limitado a duas horas A maioria dos estudos demonstra que o exercício
por dia(7). Mulheres deveriam ser incentivadas a acu- acarreta discretas reduções no peso (≅ 2 kg a 3 kg);
mular, ao menos, 30 minutos de exercício moderado entretanto, a associação da dieta ao treinamento leva
(como, por exemplo, andar rápido), de preferência to- a reduções médias de 8,5 kg, afetando a gordura cor-
dos os dias (classe I, nível de evidência B)(8). poral(3). O objetivo é o gasto calórico por exercícios mo-
Os principais benefícios do exercício estão resumi- derados de baixo impacto – andar rápido, ciclismo –
dos na Tabela 1(4, 6). utilizados com freqüência por longo tempo(3). O “Natio-
nal Weight Control Registry” envolveu 3 mil pacientes
DEFINIÇÕES com perdas > 10% do peso corporal por > 1 ano. A
perda de peso, em média, foi de 30 kg durante 5,5 anos.
Atividade física é qualquer movimento do corpo pro- O gasto calórico semanal foi de 2.445 kcal (mulheres)
duzido pelo sistema músculo esquelético, que produz e de 3.298 kcal (homens) em atividades tais como an-
gasto de energia além do consumo basal(5). Aptidão fí- dar, pedalar, correr, subir escadas e levantar pesos(9).
sica é o conjunto de atributos – cardiorrespiratórios, Estudos a curto prazo (< 16 semanas, n = 20, gasto
osteomusculares corporais – necessários para reali- calórico = 2.200 cal) foram mais eficientes que estu-
zar a atividade física(5). Pode ser avaliada pelo consu- dos a longo prazo (> 26 semanas, n = 11, gasto calóri-
mo máximo ou pico de consumo de O2 (VO2PICO) e varia co = 1.100 cal) em reduzir o peso corporal (0,18 kg/

122 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
Tabela 1. Benefícios do exercício físico(2, 4).

Variável Efeito
OLIVEIRA FILHO JA
e cols.
Freqüência cardíaca de repouso, Redução
Prevenção primária
da doença coronária freqüência cardíaca submáxima,
pela atividade física pressão arterial sistêmica
Potência aeróbia, tolerância ao esforço, Elevação
relação carga/duplo produto,
relação carga/isquemia
Sensação de fadiga Redução
Tônus parassimpático Elevação
Tônus simpático, Redução
adrenalina (repouso e esforço) e
noradrenalina (esforço) séricas,
resposta simpática ao esforço,
resposta vasoconstritora ao esforço
Colesterol total, LDL-colesterol, Redução
triglicérides séricos
Tolerância à glicose, sensibilidade à Elevação
insulina, HDL-colesterol
Fibrinogênio sérico, inibidores do Redução
plasminogênio
Ativadores do plasminogênio Elevação
Função endotelial Melhora
Dislipidemia, tabagismo, obesidade, Redução
hipertensão arterial, risco de diabetes
melito do tipo II, estresse
Estado psicológico, relacionamento Melhora
pessoal
Efetividade da revascularização Melhora
miocárdica
Risco de fibrilação ventricular, Redução
risco de primeiro acidente vascular
cerebral, risco de infarto durante exercício
Mortalidade Redução

LDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de baixa densidade; HDL-colesterol =


colesterol de lipoproteína de alta densidade.

semana vs. 0,06 kg/semana) e a gordura total (0,21 nais ou de reposição hormonal(3). Em meta-análise de
kg/semana vs. 0,06 kg/semana). Houve redução da 95 estudos, Tran e Weltman verificaram que o exercí-
gordura tanto abdominal como visceral; entretanto, não cio promoveu redução do colesterol total (6,3%) e do
há evidências de que essa redução seja relacionada à LDL-colesterol (10,1%) e elevação do HDL-colesterol
dose(10). (5%)(11). Em meta-análise recente, envolvendo 52 es-
Lípides tudos com treinamento superior a 12 semanas (n =
Há grande variabilidade nos achados de estudos 4.700), Leon e Sanches detectaram aumento do HDL-
relacionando níveis lipídicos e exercício, em função da colesterol de 4,6% e redução do LDL-colesterol (3,7%)
heterogeneidade das populações, do treinamento efe- e dos triglicérides (5,0%)(12). No “Health, Risk Factors,
tuado, do uso de fármacos e dieta e da perda de peso Exercise Training, And Genetics” (HERITAGE), estudo
associada(3, 5). Como os estrógenos elevam o HDL, es- controlado de indivíduos normolipêmicos (n = 675) trei-
tudos em mulheres envolvem vieses relativos à meno- nados durante cinco meses, os níveis de HDL-coleste-
pausa e ao uso de hormônios, com fins anticoncepcio- rol foram elevados em 3% (homens e mulheres), com

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 123
redução do LDL-colesterol Efeitos antitrombóticos
(0,9% em homens; 0,6% Evidências sugerem que o exercício tem efeitos an-
em mulheres) e dos trigli- titrombóticos(3). Em idosos submetidos a treinamento
OLIVEIRA FILHO JA cérides (2,7% em homens; vigoroso, houve redução do fibrinogênio e do inibidor
e cols. 4% em mulheres) (13) . do ativador do plasminogênio e aumento do ativador
Prevenção primária Krauss e colaboradores(14) tissular do plasminogênio(22). Após teste ergométrico em
da doença coronária
pela atividade física
estudaram 111 pacientes sedentários, observaram-se alterações persistentes na
com sobrepeso e dislipide- atividade plaquetária, que não ocorreram em indivídu-
mia discreta a moderada os ativos(23). Wang e colaboradores(24) estudaram a ati-
submetidos a seis meses vidade plaquetária em jovens randomizados. Em repou-
de exercício – “jogging” ou so, a adesividade e a agregabilidade plaquetárias di-
caminhadas. A dose se- minuíram nos treinados, sendo menor o incremento
manal de exercício relacionou-se com melhores resul- pós-exercício. Os efeitos foram abolidos com o descon-
tados que a intensidade do esforço utilizado(14). dicionamento(24). Exercícios moderados não promovem
Diabetes melito alterações significantes na coagulação sanguínea(25).
O exercício aumenta a sensibilidade à insulina, di- Cadroy e colaboradores(25) submeteram homens sadi-
minui a produção hepática de glicose e reduz a hiper- os a teste cicloergométrico de carga única por 30 mi-
glicemia pós-prandial e a obesidade; o efeito é indepen- nutos a 50% ou 70% do VO2PICO. A formação experi-
dente, porém potencializado pela perda de peso(3, 5, 15). mental de trombos de plaquetas em colágeno não se
Em nove estudos incluindo indivíduos com diabetes do alterou a 50% do VO2PICO; no entanto, aumentou 20%
tipo II submetidos a treinamento (n = 337), foi observa- após testes a 70% do VO2PICO(25). Em geral, considera-
da redução da Hgb A1c de 0,5% a 1%(15). No “Diabetes se que exercícios intensos promovem ativação da he-
Prevention Program”, o exercício (caminhada de ≅ 6 mostasia, segundo duração, intensidade, modalida-
milhas/semana – 593 kcal/semana, para indivíduo de de(26), sexo e aptidão física, secundária à ação das ca-
70 kg) e a redução do peso (≅ 4 kg) preveniram o dia- tecolaminas(25). Em altas concentrações, a adrenalina
betes do tipo II em indivíduos de alto risco durante 2,8 promove agregação plaquetária; em baixas concentra-
anos (58%, mudança de estilo de vida vs. 31%, uso de ções, potencializa a ação do ADP e do colágeno. Es-
metformina)(16). sas ações seriam mais evidentes em pacientes coro-
Hipertensão nários com disfunção endotelial(25).
Em 44 estudos randomizados e controlados (n =
2.674), Fagard(17) avaliou a relação exercício e pressão Alterações da função endotelial
arterial em repouso, encontrando redução da média da O endotélio tem ação importante no tônus arterial e
pressão sistólica (3,4 mmHg em geral; 2,6 mmHg em na agregação plaquetária(3, 27). O óxido nítrico produzi-
normotensos; 7,4 mmHg em hipertensos) e da pres- do no endotélio provoca relaxamento das fibras mus-
são diastólica (2,4 mmHg em geral; 1,8 mmHg em nor- culares lisas adjacentes, inibe a adesão e a agregação
motensos; 5,8 mmHg em hipertensos). Não houve re- de plaquetas e células inflamatórias à superfície vas-
lação entre magnitude da redução e freqüência, dura- cular, diminui a proliferação muscular e a apoptose en-
ção e intensidade do exercício(17). Kokkinos e Papade- dotelial, aumenta a atividade das enzimas que neutra-
metriou relataram reduções de 10 mmHg na pressão lizam os radicais livres, reduzindo, assim, a atividade
sistólica e de 7,5 mmHg na pressão diastólica com trei- inflamatória. Sua produção é estimulada pelo “shear
namento(18). Em estudo de coorte, Paffenbarger e cola- stress” (pressão de arrasto hemodinâmico) na superfí-
boradores demonstraram que o exercício reduz a inci- cie laminar, secundário a aumentos breves e prolonga-
dência de hipertensão arterial(19). dos do fluxo sanguíneo(28). O exercício promove aumen-
Tabagismo to do “shear stress” e vasodilatação em pacientes e
Marcus e colaboradores(20) testaram o efeito asso- modelos experimentais. O efeito do exercício é relacio-
ciado do exercício no tratamento do tabagismo. Em nado ao óxido nítrico produzido no endotélio(29, 30), em
estudo randomizado em mulheres (n = 281) submeti- decorrência da elevação da eNOS (“endothelial NO syn-
das a treinamento supervisionado com exercícios vi- thase”) e da ativação da eNOS via fosforilação Akt-de-
gorosos, a taxa de abstinência foi de 19,4% vs. 10,2% pendente (serina/treonina kinase-Akt)(27). Em conse-
em dois meses e de 11,9% vs. 5,4% em 12 meses, qüência do exercício, a elevação da produção de ácido
respectivamente, nos grupos experimental e controle(20). nítrico e prostaciclina aumenta a vasodilatação depen-
Em meta-análise de 11 estudos, o grau de abstinência dente do endotélio e inibe os múltiplos processos en-
foi maior nos indivíduos treinados em três relatos, um volvidos com a aterogênese e a reestenose(28), bem
dos quais demonstrou evidências favoráveis à ação do como o processo inflamatório associado(31). O “Natio-
exercício sobre a cessação do tabagismo(21). nal Health and Nutrition Examination Survey III” (1988-

124 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
1994) envolveu 13.748 tes (dislipidemia, tabagismo), aspectos comportamen-
participantes com > 20 tais e de biotipo(37). Estudos posteriores controlados es-
anos. Os resultados ajus- clareceram os malefícios da inatividade física. O estu-
OLIVEIRA FILHO JA tados para idade, raça, do “Health Insurance Plan” (HIP), em Nova York, de-
e cols. sexo, profissão, fatores de monstrou, pela primeira vez, que a incidência de morte
Prevenção primária risco coronário e uso de cardíaca súbita e de infarto letal era maior entre segu-
da doença coronária
pela atividade física
aspirina demonstraram os rados inativos(38). No estudo de Evans County, demons-
seguintes “odds ratio” para trou-se que a mortalidade em homens brancos admi-
elevações de proteína C- nistradores e acadêmicos era superior à registrada em
reativa em participantes trabalhadores braçais (carpinteiros, mecânicos, traba-
de atividades físicas, com- lhadores manuais) (7,3% vs. 4%, em sete anos), e que
parados a sedentários: ati- a mortalidade entre os habitantes da cidade era supe-
vidades leves (0,53; IC 95% = 0,40-0,71), moderadas rior à encontrada no ambiente rural, ajustados os valo-
(0,85; IC 95% = 0,70-1,02) e vigorosas (0,98; IC 95% = res por idade(39). Morris e colaboradores(40) avaliaram
0,78-1,23)(31). No “Aerobics Center Longitudinal Study” 17.944 civis ingleses, de meia-idade, durante 8,5 anos.
(n = 722 homens), a aptidão cardiorrespiratória foi in- Em ativos e sedentários, a incidência de infarto do mi-
versamente associada com os níveis de proteína C- ocárdio fatal e de angina do peito foi de, respectiva-
reativa e a prevalência de proteína C-reativa elevada mente, 1,1% vs. 2,9% e 0,33% vs. 0,82%(40). No “Har-
(> 2,00 mg/l)(32). A dilatação endotélio-dependente está vard Alumni Study”, Paffenberger e colaboradores(41)
reduzida na doença coronária e em pacientes com fa- acompanharam 16.936 homens, ex-alunos de Harvard,
tores de risco coronário(3). A atividade aeróbia melhora entre 35 e 74 anos, totalizando 117.680 pessoas anos.
a função endotelial(33). A incidência de infartos, fatais e não-fatais, foi signifi-
cativamente maior nos indivíduos que se exercitavam
Alterações eletrofisiológicas menos de 2.000 kcal/semana(41). Os principais dados
O exercício regular resulta no aumento da expecta- referentes à prevenção da doença coronária e ao in-
tiva de vida e protege indivíduos sadios e cardiopatas cremento na expectativa de vida promovido pela ativi-
contra eventos cardíacos(34). O mecanismo desse efei- dade física, com base no “Harvard Alumni Study”, es-
to poderia estar relacionado com o aumento da ativi- tão resumidos na Tabela 2(42). Estimativas indicam que
dade vagal, protegendo o paciente de arritmias letais, a mudança de hábitos sedentários para estilo de vida
via angiotensina II e óxido nítrico(34). O aumento da ati- ativo implica incremento médio de expectativa de vida
vidade simpática parece relacionar-se à elevação do de 2,15 anos, variando em função da idade no início
risco de morte súbita, principalmente em cardiopatas(3). do treinamento, respectivamente: 35-39 anos, 2,51
A redução da freqüência cardíaca submáxima e o es- anos; 40-44 anos, 2,34 anos; 45-49 anos, 2,10 anos;
tudo da variabilidade da freqüência cardíaca atestam 50-54 anos, 2,11 anos; 55-59 anos, 2,02 anos; 60-64
o efeito vagotônico do treinamento(2-4, 35-37). Em jovens anos, 1,75 ano; 65-69 anos, 1,35 ano; 70-74 anos, 0,72
(18-28 anos), relatou-se freqüência cardíaca em repou- ano; 75-79 anos, 0,42 ano(42). Considerou-se estilo de
so de 43 bpm (corredores de resistência, VO2PICO = 75 vida ativo a dose de exercício > 2.000 kcal/semana,
ml/kg/min), 54 bpm (atletas em geral, VO2PICO = 58 ml/ envolvendo caminhadas, subir escadas e praticar es-
kg/min) e 65 bpm (sedentários, VO2PICO = 45 ml/kg/ portes. O risco de doença coronária foi reduzido em
min)(36). A atividade vagal, avaliada pela variabilidade 30% a 40% em mulheres que andaram rapidamente,
da freqüência cardíaca, foi maior durante o dia (p < no mínimo 3 horas/semana, ou que se exercitaram vi-
0,005), a noite (p < 0,005) e o dia todo (p < 0,001) em gorosamente por 1,5 hora/semana(8). O “Multiple Risk
atletas (VO2PICO > 55 ml/kg/min) que em sedentários Factor Intervention Trial” avaliou a relação entre tempo
pareados (VO2PICO < 40 ml/kg/min)(36). A redução do tô- de lazer em atividades físicas e primeiro evento coro-
nus simpático e da produção de catecolaminas reduz nário em 12.138 homens de meia-idade(43). As taxas
o risco de fibrilação ventricular(3). de risco foram ajustadas para idade, pressão diastóli-
ca, colesterol, tabagismo e grupo (intervenção e con-
INATIVIDADE FÍSICA E DOENÇA CORONÁRIA trole) e calculadas para o tercil de atividade relaciona-
da ao lazer, evidenciando o efeito benéfico do exercí-
Até os anos 50 e 60, não havia evidências convin- cio na morbidade e na mortalidade (Tabela 3).
centes de que o exercício evitasse o infarto do miocár- A inatividade física associada à dieta inapropriada
dio(37). Estudos epidemiológicos envolvendo cobrado- é a segunda causa prevenível de morte nos Estados
res e motoristas de ônibus na Inglaterra e carteiros e Unidos, sendo responsável por 28% das mesmas (300
empregados do correio nos Estados Unidos apresen- mil óbitos anuais). É causa de doenças crônicas res-
tavam vieses envolvendo fatores de risco preexisten- ponsáveis por 250 mil mortes prematuras anuais, além

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 125
Tabela 2. Incidência de doença coronária, ajustada por idade, tabagismo, hiperten-
são e atividade física (andar, subir escadas e praticar esportes) em alunos de Har-
vard(42).
OLIVEIRA FILHO JA
e cols.
Atividade física Doença coronária
Prevenção primária
da doença coronária (dose de exercício) n Incidência Risco relativo
pela atividade física
< 2.000 kcal/semana 307 5,8/1.000 homens anos 1,00
> 2.000 kcal/semana 122 3,5/1.000 homens anos 0,61 (p < 0,001)

Tabela 3. Taxas de risco de eventos coronários e de mortalidade, ajustadas por idade, pressão diastólica, coles-
terol, tabagismo e grupo (experimental e controle), segundo o tercil de atividade física relacionada ao lazer
(“Multiple Risk Factor Intervention Trial”)(43).

Primeiro Segundo Terceiro


Evento tercil tercil tercil

Morte coronária 1,00 0,64 (0,43-0,86) p < 0,01 0,67 (0,49-0,92) p < 0,05
Morte súbita 1,00 0,64 (0,43-0,96) p < 0,01 0,67 (0,45-1,00) p < 0,05
Infarto do miocárdio 1,00 0,90 (0,76-1,06) p = NS 0,83 (0,70-0,99) p < 0,05
Mortalidade global 1,00 0,71 (0,59-0,91) p < 0,01 0,87 (0,70-1,07) p = NS

de gastos de aproximadamente um trilhão de dólares cos (condições de saúde, fatores genéticos, descon-
em assistência à saúde(44). forto), psicológicos (crenças, conhecimentos, atitudes,
personalidade, experiências anteriores), sociais (famí-
RISCOS DO EXERCÍCIO lia, supervisão, grupo), físicos (clima, distância, estí-
mulos ambientais) e relacionados ao programa (local,
Segundo a “American Heart Association”, a incidên- grupo, intensidade, duração, variabilidade, liderança)(45).
cia de parada cardiorrespiratória na população em ge- Diretrizes práticas para aumentar a aderência às ativi-
ral, durante atividade física não supervisionada, é, em dades foram publicadas recentemente(45): 1) Recomen-
média, de 1/565.000 pessoas horas, variando entre 1/ dação enfática do médico; 2) Explicações sobre vanta-
375.000 e 1/888.000. Consideraram-se quatro relatos gens e desvantagens do exercício e seus benefícios
envolvendo “jogging”, natação, tênis, jogos de campo sobre a saúde; 3) Identificar e reduzir as barreiras ao
e esqui de longo alcance entre 1978 e 1982(3). O risco exercício; 4) Comparar as vantagens do exercício com
de infarto e de morte súbita é maior em indivíduos se- outras condutas terapêuticas; 5) Escolher local conve-
dentários que se submetem a exercícios vigorosos aos niente (casa, trabalho, instituições); 6) Fornecer opções
quais não estão acostumados(2). As ocorrências mais de horários e atividades; 7) Mostrar as expectativas
comuns são as lesões musculoesqueléticas, as quais reais; 8) Realizar testes para avaliar as condições físi-
atingem 25% dos adultos entre 20 e 85 anos, e 30% cas e de saúde; 9) Elaborar metas, segundo as expec-
dos casos interrompem o treinamento(2). Consideram- tativas e possibilidades; 10) Definir horário e atividade;
se fatores de risco de lesões a intensidade do exercí- 11) Assinar contrato; 12) Garantir a participação ativa
cio, a obesidade e a participação em competições(2). do cliente/paciente; 13) Fornecer modelos adequados;
Caminhadas envolvem pequeno risco ortopédico. 14) Elaborar estímulos para a prática do exercício e
afastar estímulos ao sedentarismo; 15) Garantir ambi-
ADERÊNCIA ente agradável; 16) Prescrever intensidade, duração e
freqüência moderadas e progredir gradualmente; 17)
A baixa aderência aos programas de exercício físi- Registrar diariamente as sessões, os sintomas, os si-
co constitui um grande problema de saúde pública e nais e as sensações ocorridas; 18) Garantir o sucesso
da prática clínica diária. Inúmeros fatores pessoais e do programa; 19) Evitar desconfortos físicos e lesões
ambientais estão implicados na questão: demográficos musculoesqueléticas; 20) Fornecer programa variado;
(sexo, idade, raça, condição socioeconômica), biológi- 21) Enfatizar o prazer na atividade física; 22) Introduzir

126 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
atividades de recreação e zar testes periódicos; 27) Ensinar a automonitorização
jogos; 23) Associar músi- e o autocontrole; 28) Enfatizar a auto-eficácia; 29) Mos-
ca com o treinamento; 24) trar liderança conhecedora, confiante, motivada e ca-
OLIVEIRA FILHO JA Dar “feedback” positivo; paz; 30) Fornecer suporte social, incluindo família e
e cols. 25) Evitar atitudes negati- amigos; 31) Incentivar a formação de grupos; 32) Dis-
Prevenção primária vas e punições; 26) Reali- cutir estratégias para lidar com recaídas(45).
da doença coronária
pela atividade física

CORONARY DISEASE PRIMARY PREVENTION


AND PHYSICAL ACTIVITY

JAPY ANGELINI OLIVEIRA FILHO, ANA FÁTIMA SALLES,


XIOMARA MIRANDA SALVETTI

The physical activity brings benefits to health, reduces the coronary deaths and
events and impairs the risk factors. Physical activity levels to achieve healthy bene-
fits should aim for a minimum total of 700 kcal/week, corresponding to walk 10 km/
week. The exercise dose able to reduce coronary events would be 2,000 kcal/week,
that is, to walk ≅30 km/week (≅1 hour/day).
There are many effects. The weight loss is mild (≅2 kg-3 kg); when the training is
associated to diet, the weight can be reduced 8.5 kg. There are low decreases in
total cholesterol (6.3%), LDL-cholesterol (1%-10%), triglycerides (3%-5%), and A1c
glicolised haemoglobin (0,5%-1%), and increases in HDL-cholesterol (3%-5%). Diet
and walking programs prevent type II diabetes in high risk subjects (58%, changes
in life stile vs. 31% metformin treatment). In hypertensive patients the systolic and
diastolic blood pressure decrease, respectively, 7.4 mmHg-10 mmHg and 5.8 mmHg-
7.5 mmHg. Vigorous exercise increase platelet activity; high concentrations epinefri-
ne lead to platelet adhesiveness and aggregability. In trained subjects, the fibrinoli-
sis is increased and the platelet adhesiveness and aggregability are depressed. The
exercise enhance the shear stress, by releasing nitrous oxide, impairing atheroge-
nesis and inflammation processes. The odds ratio to C-reactive protein elevations
changed with the activity level: mild (0.53), moderate (0.85), and vigorous (0.98).
The changes to active lifestyle give about 2 year added life. The mortality risk reduc-
tion was 0.64-0.71, and the myocardial infarction risk reached 0.83 in active indivi-
duals. The major challenge in an exercise program is the adherence; some recom-
mendations are suggested to attenuate this condition.

Key words: exercise, coronary disease, physical activity.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:121-9)


RSCESP (72594)-1521

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 129
PREVENÇÃO SECUNDÁRIA DA DOENÇA ARTERIAL
MENEGHELO RS CORONÁRIA PELA ATIVIDADE FÍSICA
e cols.
Prevenção secundária
da doença arterial
coronária pela ROMEU SERGIO MENEGHELO, ANGELA RUBIA NEVES CAVALCANTI FUCHS,
atividade física CARLOS ALBERTO CORDEIRO HOSSRI, LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA,
RICA DODO D. BÜCHLER

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia


Hospital Israelita Albert Einstein

Endereço para correspondência: Rua Nicolau de S. Queiroz, 194 — 16º andar —


CEP 04105-000 — São Paulo — SP

Os objetivos da prevenção secundária da doença coronária são evitar a recor-


rência da doença e sua progressão e prolongar a vida. A atividade física é apenas
uma das ferramentas para se atingir esses objetivos, mas ela é capaz de produzir
modificações importantes subjetivas e objetivas. Exercícios regulares diminuem os
sintomas e melhoram as manifestações isquêmicas por reduzirem as necessidades
miocárdicas de oxigênio para um mesmo trabalho não exaustivo. Além disso, há
aumento do colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol), redução
dos triglicérides e efeitos positivos na curva de tolerância à glicose e nos fatores
anticoagulantes do sangue. Há ainda redução de 20% a 30% da mortalidade e pode-
se documentar regressão da aterosclerose coronária em pacientes que se exerci-
tam em níveis mais elevados. Toda sessão de exercício deve ser constituída de:
aquecimento, estímulo e desaquecimento. Existem diversas maneiras de prescrever
o exercício, mas em pacientes com alterações desencadeadas pelo esforço o treina-
mento deve sempre ser feito em nível inferior daquele que produz essas alterações.
Adicionando-se exercícios de fortalecimento muscular mais leves que os recomen-
dados para populações normais pode-se melhorar a qualidade de vida, especial-
mente de idosos, que, com a idade, diminuem a capacidade de realizar tarefas que
envolvem contração muscular. A liberação para a prática esportiva só deve ocorrer
depois de cuidadosa estratificação de risco, tendo-se em conta que não há manei-
ras para se aferir a ação da competitividade inerente a essa prática. Atividade espor-
tiva competitiva profissional é praticamente proibida em pacientes com coronariopa-
tia que desencadeia isquemia miocárdica ao esforço.

Palavras-chave: aterosclerose coronária, prevenção e controle, reabilitação, exer-


cício.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:130-42)


RSCESP (72594)-1522

INTRODUÇÃO coronarianos. Esse conceito simples deve ser atualmen-


te ampliado em decorrência dos conhecimentos cientí-
Entende-se como prevenção secundária da doen- ficos revelados nas últimas décadas. Hoje, a preven-
ça arterial coronária todas as ações necessárias para ção secundária implica a utilização de recursos abran-
se evitar a ocorrência de novos eventos em doentes gentes envolvendo mudanças comportamentais, com

130 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
total controle dos fatores pelas evidências de que exercícios regulares, em paci-
de risco, além de trata- entes com doença coronariana, podem produzir modi-
mentos clínicos, invasivos ficações benéficas que reduzem sintomas e melhoram
MENEGHELO RS e cirúrgicos, não só na ten- a qualidade de vida depois da doença instalada.
e cols. tativa de se evitar a recor- Basicamente, as mesmas modificações encontra-
Prevenção secundária rência da doença, mas das em indivíduos normais sedentários que iniciam um
da doença arterial
coronária pela
também sua regressão e programa de treinamento físico são documentadas em
atividade física o prolongamento da vida coronarianos que se engajam na prática de exercícios
com qualidade. O concei- regulares(5). Essas mudanças, além de morfológicas,
to de reabilitação cardía- hemodinâmicas e metabólicas, englobam modificações
ca, que, em décadas pas- nos fatores de risco e na qualidade de vida.
sadas, esteve fortemente As modificações morfológicas induzidas pelo trei-
ligado à prática de exercícios físicos, hoje pode ser namento físico incluem aumentos da massa muscular
confundido com essa prevenção secundária. A ativida- do ventrículo esquerdo e de seu volume final diastóli-
de física é apenas uma das ferramentas utilizadas com co, e estão relacionadas à idade. Elas são mais evi-
o objetivo de se atingir os objetivos dessa prevenção. dentes em jovens e mais difíceis de serem demonstra-
Este artigo se limitará, exclusivamente, às considera- das após os 30 anos de idade. Estudos ecocardiográfi-
ções da aplicação dos exercícios físicos visando a atin- cos demonstraram que, após um período de treinamen-
gir as metas da prevenção secundária. to em indivíduos normais com menos de 35 anos de
idade, ocorre aumento entre 10% e 20% da espessura
EVIDÊNCIAS DO EFEITO BENÉFICO DO da parede posterior do ventrículo esquerdo, bem como
EXERCÍCIO NA PREVENÇÃO SECUNDÁRIA aumento do volume final diastólico do ventrículo es-
querdo(6, 7). Estudo semelhante, em doentes coronaria-
Talvez um dos primeiros relatos da ação positiva da nos que treinaram num alto nível de exercício, ou seja,
atividade física na doença arterial coronária seja a ob- 80% a 90% do pico máximo de oxigênio, demonstrou
servação de Heberden, relatada em 1772 e hoje já aumento significativo da espessura da parede posteri-
bastante difundida. Um de seus pacientes, que possi- or e do volume final diastólico do ventrículo esquerdo,
velmente tinha angina estável, ficou praticamente cu- bem como da somatória da voltagem do QRS do ele-
rado depois da modificação de seu hábito de vida, pas- trocardiograma(8). O aumento médio do pico de consu-
sando a serrar lenha todos os dias. Efeitos do treina- mo de oxigênio do grupo foi de 38%. Tal nível de treina-
mento em doentes coronariopatas passaram a ser bem mento não é o habitual em programas de reabilitação
conhecidos na década de 60 e com eles pode-se infe- de coronariopatas, mas esses dados demonstram que
rir que o paciente de Heberden teve uma redução das o comportamento de coronariopatas pode ser seme-
necessidades miocárdicas de oxigênio, com o treina- lhante ao de indivíduos normais sedentários submeti-
mento físico, para tarefas que anteriormente geravam dos a um programa de exercícios. Em níveis de treina-
angina do peito. mento que demonstram redução dos sintomas, mas
Os primeiros estudos controlados, versando sobre com incrementos de capacidade física máxima mais
os benefícios da reabilitação cardiovascular, relataram modestos, em torno de 2 MET, nenhuma modificação
menor ocorrência de angina nos pacientes em reabili- ocorreu na espessura da parede posterior e no diâme-
tação, após o treinamento(1-4). Sensação de bem-estar tro final diastólico(9). Adaptações periféricas também
e diminuição dos sintomas ocorreram em mais de 90% ocorrem e incluem aumento da massa das fibras mus-
dos doentes que realizaram, pelo menos, seis meses culares, dos capilares e da capacidade oxidativa(10).
de exercícios supervisionados no programa de reabili- Parece ocorrer igualmente aumento da capacidade
tação do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em vasodilatadora da musculatura esquelética(11). Por cau-
São Paulo, de acordo com questionário que foi aplica- sa dessas adaptações, os doentes coronarianos têm
do a todos os pacientes que lá se encontravam em menores freqüências cardíacas e menores pressões
1992. Nessa mesma ocasião, um questionário respon- arteriais para uma mesma carga submáxima de exer-
dido por doentes que permaneciam no programa por cício. Isso explica a redução dos sintomas de angina e
10 anos revelou que 90% deles iniciaram a reabilita- das manifestações eletrocardiográficas de isquemia
ção por indicação médica e 10%, por iniciativa própria. dependentes do exercício após o treinamento.
Depois desse período, o que motivava o prosseguimen- Pacientes após infarto do miocárdio que se exerci-
to para 90% era o fato de que se sentiam melhor com tam três vezes por semana, até um nível de 70% a
os exercícios, enquanto 10% dos doentes continuaram 85% de suas freqüências cardíacas pico, podem au-
por determinação médica. Esses resultados, que inclu- mentar em 30% a 50% suas capacidades físicas, me-
em avaliações subjetivas, têm explicações objetivas didas por teste ergométrico em esteira, e o pico máxi-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 131
mo de oxigênio consumi- 70% e 90% do consumo de oxigênio pico, cinco vezes
do em 15% a 20%(12-14). O por semana, tendo sido avaliadas por dados eletrocar-
aumento da capacidade diográficos, ecocardiográficos, hemodinâmicos e da
MENEGHELO RS física ocorre em pacientes medicina nuclear(22). Os resultados sugerem aumento
e cols. com e sem isquemia de da oxigenação miocárdica e, concomitantemente, au-
Prevenção secundária esforço, e naqueles com mento da função ventricular esquerda nesses pacien-
da doença arterial
coronária pela
má função ventricular es- tes. Esses benefícios cardiovasculares foram mantidos
atividade física querda(12, 13). Ridocci e co- ao final de seis meses nos pacientes em quem o trei-
laboradores(14), avaliando namento inicial prosseguiu. Isso não significa que to-
a resposta isquêmica do dos os pacientes com doença coronária possam inici-
segmento ST, observaram ar esse programa de grande intensidade, mas que, em
menor infradesnivelamen- pacientes selecionados submetidos a níveis de treina-
to num nível maior de trabalho cardíaco, após progra- mento maiores que o habitual, pode haver adaptações
ma de treinamento de intensidade moderada a alta, maiores que as que se acreditava(22).
em alguns pacientes, após infarto do miocárdio. Esses As modificações metabólicas que podem ser obser-
dados permitem supor que, em alguns pacientes, es- vadas em decorrência do treinamento incluem aumen-
sas modificações podem ser explicadas por aumento to da reserva de glicogênio muscular, aumento da utili-
do fluxo sanguíneo coronário(14). zação de gorduras, maior remoção de lactato, aumen-
Outros investigadores relatam muito pouca evidên- to das enzimas do metabolismo aeróbio e aumento do
cia de que, em humanos, o treinamento afete direta e consumo de oxigênio. O colesterol total não é modifi-
significativamente o fluxo coronariano(15). Após uma re- cado diretamente pelo treinamento. Apenas o coleste-
visão de estudos relevantes, Franklin(16) concluiu que rol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol)
não existem evidências convincentes sobre a estimu- tem seus níveis aumentados, especialmente se o trei-
lação da circulação colateral coronária em humanos. namento for acompanhado de perda de peso. Há redu-
Entretanto, um estudo em corredores de longa distân- ção dos triglicérides e efeitos positivos na curva de to-
cia sugere que o exercício aumenta as coronárias epi- lerância à glicose. Parece haver uma modificação na
cárdicas, fenômeno que, se verdadeiro, em graus me- sensibilidade à insulina em diabéticos dela dependen-
nos intensos de exercício pode aumentar o fluxo regio- tes. Isso pode resultar na redução de suas necessida-
nal miocárdio em certas circunstâncias(17). Hung e co- des diárias se forem mantidos em atividade física re-
laboradores(18) não encontraram aumento na perfusão gular. Menores níveis de catecolaminas no sangue já
miocárdica ou na função sistólica, medidas por radio- foram documentados, após treinamento com exercício
nuclídeos, após programa de seis semanas em paci- extenuante em esteira(23). O sistema fibrinolítico do san-
entes após infarto não-complicado. Williams e colabo- gue torna-se mais eficiente, o que confere menor pos-
radores(19) estudaram o impacto do condicionamento sibilidade de infarto do miocárdio nos participantes dos
físico na fração de ejeção do ventrículo esquerdo e en- programas de reabilitação. O treinamento físico age
contraram que as frações de ejeção em repouso e no favoravelmente na redução dos fatores pró-coagulação
pico do esforço não sofrem alterações significativas. em indivíduos com mais de 60 anos de idade(24). Redu-
Entretanto, considerando-se a carga máxima obtida pré- ção da agregação plaquetária foi observada após 12
treinamento, houve aumento da fração de ejeção de semanas de treinamento físico em homens obesos
50% para 54%, após o treinamento, nessa carga(19). sedentários(25, 26).
Treinamento físico moderado, quatro a oito semanas Estudos randomizados, principalmente entre 1975
após infarto de parede anterior, em pacientes com fun- e 1985, sugeriram redução da mortalidade e da morte
ção ventricular deprimida, não previne a dilatação do súbita cardíaca da ordem de 20% a 30%, mas não fo-
ventrículo esquerdo, que ocorre, inevitavelmente, em ram capazes de demonstrar que essas diferenças eram
muitos desses pacientes.O exercício também não cau- estatisticamente significativas, por causa dos insufici-
sa maior incremento nessa dilatação(20). entes tamanhos das amostras. Em 1988, Oldridge e
Em alguns doentes selecionados, pode ocorrer au- colaboradores(27) publicaram uma meta-análise com 10
mento da fração de ejeção com o treinamento físico(21). investigações clínicas randomizadas, envolvendo um
Em muitos casos é provável que haja modesto aumen- total de 4.347 pacientes, sugerindo redução da inci-
to da contratilidade e do volume sistólico. Hagberg(22) dência de mortalidade tanto total como cardiovascular
coletou dados que sugerem que alta intensidade de de 25% nos que participavam de programas de reabili-
exercício pode resultar em adaptações centrais ao trei- tação(27). O treinamento começou entre 8 e 36 meses
namento. Essas adaptações cardiovasculares centrais após o infarto, e a duração variou de 6 a 48 meses.
ocorrem em pacientes com doença coronária, após Houve redução significativa da mortalidade tanto total
programa de um ano, com uma hora de exercício entre como cardiovascular, com razão de chance de 0,76

132 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
(95% de intervalo de con- ram, em modelo experimental de coração isolado de
fiança [CI] 0,63-0,92; p = animal, que havia aumento do limiar de fibrilação, an-
0,004]. Os decréscimos da tes e depois do início do infarto, nos corações dos ani-
MENEGHELO RS mortalidade tanto total mais submetidos a treinamento físico prévio. Entretan-
e cols. como cardiovascular não to, Mazzuero e colaboradores(35), estudando a variabili-
Prevenção secundária dependiam de quando o dade da freqüência cardíaca em doentes com infarto
da doença arterial
coronária pela
exercício tinha sido inicia- anterior, em treinamento por seis meses, não foram
atividade física do ou se o programa in- capazes de documentar influência nesse importante
cluía ou não modificações marcador da mediação da atividade autonômica adre-
de alguns fatores de risco, nérgica. O aumento da vigilância que ocorre no ambi-
ou se era uma intervenção ente da reabilitação supervisionada pode, em parte,
isolada do exercício. Entre- explicar a redução de um terço na incidência de morte
tanto, a redução da mortalidade foi mais evidente na- súbita(36). O contato freqüente com os profissionais de
queles que se exercitaram por 52 semanas ou mais e saúde envolvidos permite o reconhecimento precoce
foi menos significante entre os que se exercitaram en- de fatores desestabilizantes, como isquemia, descom-
tre 12 e 52 semanas. Não houve diferenças estatistica- pensação e reações adversas de drogas. Van Camp e
mente significativas entre os que se exercitaram 12 Peterson(37), em 1986, relataram a ocorrência de ape-
semanas ou menos. Isso é importante porque, hoje, nas três mortes entre 21 paradas cardíacas em 167
alguns programas são encerrados após 8 a 12 sema- programas que envolveram 51.303 pacientes submeti-
nas, uma vez que esse é o tempo de cobertura do se- dos a exercícios por mais de dois milhões de horas.
guro em alguns países. As meta-análises de Oldridge e colaboradores(27) e
O’Connor e colaboradores(28) realizaram uma meta- de O’Connor e colaboradores(28) não demonstraram re-
análise semelhante e chegaram a conclusão similar, dução da prevenção do reinfarto não-fatal nos pacien-
de que a reabilitação reduziu a mortalidade tanto geral tes em reabilitação. Entretanto, em estudo realizado na
como cardiovascular em cerca de 20%. Eles também Suécia(37), com 300 pacientes no grupo sob interven-
notaram que houve redução de 37% na incidência de ção, que incluía atividade física, os reinfartos não-fa-
morte súbita cardíaca(28). Consistentemente com essas tais foram menos freqüentes no seguimento de cinco e
observações, Hämäläinen e colaboradores(29), em es- 10 anos, e mais pacientes estavam ativos no trabalho
tudo prospectivo, observaram que significativa menor depois de 10 anos (51,8 vs. 27,4; p < 0,01). Bittner e
mortalidade decorrente de mortes súbitas e cardiovas- Oberman(32) relataram que para se observar efetivamen-
culares detectadas com três anos após infarto persiste te a mortalidade é necessário grande número de paci-
no seguimento de 10 anos no grupo em reabilitação. A entes, uma vez que a terapêutica atual reduziu muito a
mortalidade por doença cardíaca foi de 35,1% no gru- mortalidade. Esse grande número não é fácil de se
po que se exercitava, contra 47,1% no grupo controle conseguir hoje. Há dificuldade para que investigadores
(p = 0,02). No primeiro ano de seguimento, quando a e pacientes aceitem novas investigações controladas
diferença de mortalidade foi mais acentuada, o uso de sobre reabilitação com exercícios. Não seria mais pos-
betabloqueadores não era diferente nos dois grupos, sível, do ponto de vista ético, por exemplo, suspender
sugerindo que a medicação não deve ter influenciado medicações como as estatinas para se avaliar exclusi-
nos resultados. vamente a ação do exercício na prevenção secundá-
Outros estudos, em que a abordagem terapêutica ria.
foi mais ampla sobre os fatores de risco, mas que in- Atualmente, com o enfoque multifatorial dos progra-
cluía também exercícios físicos regulares, encontraram mas de reabilitação, envolvendo o controle de vários
redução da morte súbita no grupo sob intervenção(30, 31). fatores de risco, é difícil estabelecer o valor isolado de
O exercício pode contribuir para o aumento da estabili- cada um deles. Os primeiros trabalhos que abordaram
dade elétrica do miocárdio por vários mecanismos: re- a ação do exercício sobre os níveis lipídicos sanguíne-
dução da isquemia regional em nível submáximo de os não conseguiram demonstrar ação benéfica consis-
exercício, redução das catecolaminas no miocárdio em tente sobre os níveis de lipoproteína de baixa densida-
repouso e em níveis submáximos de esforço, e aumento de (LDL) e de HDL. Houve, sim, redução de 3% a 21%
do limiar de fibrilação, em decorrência da redução do dos níveis dos triglicérides após um a dois anos de
AMP cíclico(32). exercício(38-40). Mais recentemente, vários estudos, in-
Outras explicações para o impacto na mortalidade cluindo uma intervenção mais ampla, com aconselha-
têm sido postuladas, como aumento do tono vagal com mento dietético, demonstraram queda dos triglicérides
o treinamento físico, documentado pela modificação da e do LDL-colesterol, com manutenção ou aumento do
variabilidade da freqüência cardíaca observada por HDL-colesterol(30, 41-43). A ação isolada do exercício so-
análise espectral(33). Posel e colaboradores(34) observa- bre o tabagismo parece não ter ação positiva(44). Isola-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 133
damente, o exercício físi- ronariana em abrangente programa de reabilitação e
co parece não ter tido ação verificaram, comparando-os com 20 não-participantes,
efetiva na redução do peso que os reabilitandos tinham aumentado seus concei-
MENEGHELO RS corporal, mas se fizer par- tos positivos e a auto-estima, e tinham menor número
e cols. te de intervenção multifa- de desordens psiquiátricas. Tinham, também, menor
Prevenção secundária torial sobre fatores de ris- estresse relacionado ao trabalho e atividade sexual
da doença arterial
coronária pela
co tem efeito benéfico(45). mais satisfatória. Entretanto, segundo Gentry e
atividade física Nas pesquisas relacio- Stewart(53), mudanças psicológicas são difíceis de se
nadas à regressão da ate- documentar. Os clínicos, portanto, não devem esperar
rosclerose por meio da an- que as desordens mais importantes, como depressão
giografia, não foram estu- grave, possam ser tratadas apenas com um programa
dadas, isoladamente, as de reabilitação, mas este pode ser um coadjuvante
eventuais ações benéficas do exercício. Entretanto, um importante no tratamento.
intensivo programa de treinamento físico, em associa-
ção com intervenção dietética moderada, demonstrou POSSÍVEIS AÇÕES PREJUDICIAIS DO EXERCÍCIO
efeito favorável sobre as lesões coronárias ateroscle- FÍSICO REGULAR NA DOENÇA CORONÁRIA
róticas e sobre a isquemia induzida em pacientes com
angina do peito estável(46). Além disso, essa mesma As publicações sobre a mobilização precoce dos co-
investigação demonstrou haver relação entre a exten- ronariopatas após evento coronário, como já foi relata-
são do efeito benéfico e a intensidade do exercício re- do, desde seus primórdios, destacaram os benefícios
alizado. A regressão somente foi vista em pacientes advindos dessa prática, ao se evitar as complicações
que se exercitavam, em média, 2.200 kcal semanais. do repouso prolongado. A quase totalidade dos traba-
Outro estudo demonstrou que a progressão mais lenta lhos sobre os programas de reabilitação que se segui-
da aterosclerose foi vista, angiograficamente, nos pa- ram também concordou em relatar os benefícios que
cientes que se exercitavam, em média, 1.500 kcal por se conseguem com a prática regular de exercícios em
semana(43). doentes coronarianos. Os possíveis efeitos prejudici-
Frasure-Smith e colaboradores(47) revelaram ser a ais, entretanto, raramente são motivo para investiga-
depressão após infarto um fator independente de risco ções sistemáticas. Mas eles não podem ser despreza-
para mortalidade, mesmo após ter sido ajustado para dos.
disfunção ventricular esquerda e prévio infarto. Roose Um dos primeiros possíveis efeitos indesejáveis re-
e colaboradores(48) relacionaram o fenômeno da morte feridos na literatura foi a especulação de que exercíci-
súbita com desordens afetivas, como a depressão, ob- os mais intensos poderiam levar à hipertrofia ventricu-
servando que a atividade parassimpática, medida pela lar esquerda, e isso não seria favorável para indivídu-
análise da variabilidade da freqüência cardíaca, está os com coronariopatia. Como já foi salientado, apenas
diminuída em pacientes deprimidos quando compara- treinamento de alta intensidade pode modificar signifi-
dos aos controles. Entrevistas com 2.320 homens so- cativamente a massa muscular do ventrículo esquer-
breviventes de infarto agudo do miocárdio revelaram do(8). Na maioria dos programas, o nível de treinamen-
duas variáveis fortemente associadas com o aumento to mais baixo não causa preocupação quanto a esse
de mortalidade em três anos de seguimento: isolamento possível efeito prejudicial(9).
social e alto grau de estresse emocional. Os doentes A ocorrência de eventos coronários agudos, duran-
com isolamento social e alto grau de estresse tiveram te uma sessão de exercícios, podendo levar à morte
quatro vezes mais risco de morte súbita que os que súbita é outro efeito indesejável possível dos progra-
não tinham essas condições(49). mas de reabilitação cardiovascular. Entretanto, a inci-
Parecem existir influências benéficas do treinamento dência desses eventos é considerada aceitável e não
físico no psiquismo. Hellerstein(50) relatou que sintomas superior ao número de episódios que ocorrem na po-
de depressão foram reduzidos numa coorte de 100 pulação de pacientes coronarianos fora das sessões
pacientes participantes de um programa de treinamento. de treinamento(37).
Os doentes e suas esposas observaram que, em rela- Lesões osteoarticulares são outras ocorrências in-
ção ao período anterior ao programa, houve melhora desejáveis dos programas e têm ligação direta com a
do sono, da fadiga, da percepção de estresse e das intensidade e a freqüência do treinamento(54). Embora
funções cognitivas. Naughton e colaboradores(51), es- a prática de exercícios físicos regulares possa produ-
tudando o impacto do treinamento físico em pequeno zir injúria musculoesquelética, a adoção de medidas
grupo de doentes coronarianos, relataram menores profiláticas pode reduzi-las a níveis aceitáveis. Entre
níveis de tensão, tristeza e ansiedade. Rovario e cola- essas medidas incluem-se individualização da prescri-
boradores(52) estudaram 28 pacientes com doença co- ção, aquecimento, alongamento e relaxamento corre-

134 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
tos e o emprego de calça- mo para justificar o fato de que doentes com doença
dos e equipamentos ade- de três vasos, que morreram por causas não-cardía-
quados(55). cas, sem terem tido quadro de infarto do miocárdio clás-
MENEGHELO RS Outras ações deletéri- sico, apresentavam áreas de fibrose à necropsia(56, 62).
e cols. as foram aventadas em ar- A partir do alerta de Ellestad, e com base nos traba-
Prevenção secundária tigo de revisão publicado lhos disponíveis, pode-se concluir que só devem ser
da doença arterial
coronária pela
por Ellestad(56), em 1987. prescritos exercícios físicos que não causem períodos
atividade física Ele advogou a possibilida- de isquemia prolongada em doentes coronarianos.
de de o exercício físico re-
gular, em algumas circuns- PRINCÍPIOS GERAIS DA APLICAÇÃO DE
tâncias, ser prejudicial EXERCÍCIOS FÍSICO EM CORONARIOPATAS
para coronariopatas, sen-
do necessária a reformulação dos conceitos até então A avaliação dos dados acumulados, por meio dos
vigentes sobre o emprego de exercícios regulares nessa programas de reabilitação de doentes com coronario-
população. Segundo esse autor, os avanços nos co- patia, permitiu estabelecer regras gerais de procedi-
nhecimentos sobre isquemia miocárdica necessitavam mentos que devem ser observadas. Os exercícios de-
ser aplicados à prescrição de exercícios regulares em vem ser isotônicos, evitando-se os isométricos puros.
coronariopatas. Para ele, seria preciso valorizar o nú- Estes podem promover algum efeito de condicionamen-
mero não desprezível de mortes súbitas, durante exer- to, mas a sobrecarga aguda que impõem ao sistema
cício, decorrentes de coronariopatia. Estava também cardiovascular, a chamada sobrecarga de pressão, pelo
estabelecido que, em doentes com lesões arteriais aumento das pressões em território intravascular, adi-
coronarianas, os desnivelamentos do segmento ST, ciona riscos para quem tem cardiopatia e estrutura ar-
quase que invariavelmente, significavam isquemia mi- terial comprometida pela aterosclerose. Não é raro, ain-
ocárdica. Muitos pacientes, por prescrição médica ou da, associar-se aos exercícios isométricos a manobra
por iniciativa própria, praticam exercícios em nível de de Valsalva, com possibilidade de ocorrerem arritmias
esforço que produz isquemia miocárdica, aumentando ventriculares. Entretanto, exercícios de resistência mus-
o risco de morte súbita, podendo também causar mor- cular com pesos pequenos e em aparelhos podem ser
te celular na ausência de infarto do miocárdio. Em sua empregados, dentro de certos critérios, para propiciar
argumentação, Ellestad afirmou que, em muitos servi- melhor tônus muscular(63). Quanto mais debilitada a
ços de reabilitação, os pacientes são repetidamente musculatura esquelética do indivíduo, mais necessida-
exercitados até um nível de freqüência cardíaca que de se tem de empregar esses exercícios. Nesse parti-
produz infradesnivelamento do segmento ST ou até cular, por exemplo, a qualidade de vida dos idosos pode
mesmo angina. Algumas vezes, eles são estimulados melhorar muito com o fortalecimento dos membros
a continuar o exercício nesse nível e usam nitrogliceri- superiores, permitindo a realização de tarefas antes
na, que possibilita o prosseguimento do esforço. Ou- impossíveis de serem realizadas, como carregar as
tras vezes, os pacientes têm prescrições de exercícios compras do supermercado. Costuma-se empregar exer-
para serem realizados sem supervisão, com base na cícios repetitivos com intensidade menor que a praxe
percepção de angina ou numa freqüência cardíaca de 80% da carga máxima conseguida, como algo em
determinada. Muitos deles, especialmente os de per- torno de 40% em coronariopatas. Cuidados especiais
sonalidade tipo A, acreditam que se um pouco é bom devem ser tomados com os pacientes hipertensos, que
bastante é melhor, e se exercitam acima dos níveis pres- devem ser rigorosamente monitorizados, e com os sub-
critos, sendo sua atividade causadora de infradesnive- metidos a cirurgia de revascularização, com abertura
lamento do segmento ST. Segundo, ainda, esse mes- do esterno, pela possibilidade de não consolidação
mo autor, é bem provável que episódios curtos de oclu- óssea.
são coronária possam produzir necrose miocárdica. O regime de trabalho deve ser aeróbio, com ade-
Os trabalhos da literatura que sustentam essa hipó- quado transporte de oxigênio. O exercício com predo-
tese são os de Ninomiya e colaboradores(57) e de Braun- mínio de metabolismo anaeróbico produz acúmulo de
wald e Kloner(58). Oclusões em coronárias de cães, por ácido láctico e débito de oxigênio acentuado, levando
períodos de 15 a 20 minutos, resultaram em alterações o indivíduo à exaustão precoce, sem se obter o efeito
da contratilidade que perduraram por vários dias(57, 59). de treinamento, além do risco potencial de arritmias.
Braunwald e Kloner(58) e outros autores(60, 61) especula- Os níveis de trabalho, para maior segurança, de-
ram que o miocárdio humano também pode sofrer as vem ser submáximos. Preconiza-se não ultrapassar
mesmas conseqüências diante de repetidas isquemi- 60% a 70% da capacidade máxima observada no tes-
as a que possa ser submetido, e, inclusive, ter peque- te ergométrico. Como existe, dentro de limites submá-
nas necroses celulares. Esse poderia ser o mecanis- ximos, linearidade entre o consumo de oxigênio e a

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freqüência cardíaca, essa cercada dos mesmos cuidados que cercam a prescri-
variável é eficaz para de- ção de qualquer medicamento a esses doentes(64). É
terminar a intensidade do necessário que a prescrição contenha a dose eficaz
MENEGHELO RS treinamento. do estímulo, mas sem desencadear efeitos colaterais
e cols. As sessões de exercí- significativos. Os itens que a compõem já estão esta-
Prevenção secundária cio devem incluir aqueci- belecidos em normas mundialmente reconhecidas(65),
da doença arterial
coronária pela
mento, estímulo e desa- bem como em nosso meio(66). São eles: intensidade,
atividade física quecimento. O aqueci- duração, freqüência, modo de exercício e freqüência
mento permite a acomo- de incremento do treinamento. A despeito de existir
dação gradual da circula- pouca polêmica sobre essa prescrição, não se pode
ção ao aumento da de- esquecer de que ela deve ser a mais individualizada
manda imposta pelo exer- possível, uma vez que a generalização pode causar
cício. Além disso, diminui a incidência de lesões, pelo efeitos indesejáveis não desprezíveis. Eles englobam
exercício, nos músculos aquecidos, cujas fibras têm a possibilidade de aumento indesejável, em cardiopa-
maior facilidade de deslizamento. O período de estí- tas, da massa do ventrículo esquerdo, eventos corona-
mulo deve envolver grandes grupos musculares. Nes- rianos, incluindo morte súbita no exercício, lesões os-
se período é que se procura atingir a freqüência cardí- teoarticulares e necrose celular.
aca limite para o treinamento. O desaquecimento con- Existem várias maneiras de se estabelecer a inten-
siste na diminuição gradativa do exercício, propiciando sidade do exercício durante uma sessão de reabilita-
manutenção adequada do retorno venoso ao coração. ção de coronariopatas. Entretanto, ela só pode ser de-
A súbita interrupção do exercício, com seqüestro de terminada a partir de um teste ergométrico sintoma li-
sangue na periferia, reduz bruscamente o rendimento mitante, que permite afastar todos os potenciais ris-
cardíaco, podendo causar lipotímia. cos, revelando sintomas, comportamento anormal da
A freqüência das sessões, para maior eficácia, deve pressão arterial, isquemia miocárdica e arritmias. Não
ser de três vezes por semana, pelo menos nas fases mais se recomenda, para essa população, o estabele-
iniciais. cimento da capacidade física máxima a partir de tes-
O estabelecimento da carga de trabalho, na bicicle- tes submáximos, que podem induzir a erros significati-
ta, para a fase aeróbia sem pausa ativa e da respecti- vos de avaliação(65). Da mesma forma, não se pode mais
va freqüência cardíaca a ser atingida é determinado a aceitar a prescrição de exercício baseada em nível de
partir de teste ergométrico, na vigência da medicação freqüência submáxima calculada apenas a partir da ida-
em uso. Modificações da terapêutica, especialmente a de do paciente, sem que se realize prova ergométrica.
introdução ou retirada de drogas com efeitos cronotró- Executado o teste, de preferência com a medica-
picos, que influenciam a freqüência cardíaca no exer- ção em uso e no horário em que o indivíduo vai se
cício, determinam a reprogramação da prescrição, com exercitar, a intensidade do esforço pode ser determi-
a realização de novo teste ergométrico. Rotineiramen- nada. A freqüência cardíaca, por sua relação estreita
te, a cada seis meses, o paciente é submetido a testes com o volume de oxigênio consumido durante a ativi-
ergométricos, para reprogramação, ou a menor inter- dade física e por ser de fácil aferição no esforço, tem
valo, quando intercorrências assim o determinam. sido a variável mais freqüentemente recomendada para
Quando se observa significativa melhora do condicio- estabelecer a intensidade do exercício.
namento físico nos pacientes que iniciam com baixa A mais simples prescrição preconizada é aquela ba-
capacidade, recomenda-se, após os primeiros meses seada exclusivamente na freqüência cardíaca atingida
de reabilitação, uma reprogramação. durante teste ergométrico sintoma limitante, conside-
rando-se a maior freqüência cardíaca atingida como
PRESCRIÇÃO DO EXERCÍCIO EM sendo a máxima para o indivíduo. Segundo recomen-
CORONARIOPATAS dações do “American College of Sports Medicine”, cor-
roboradas pelo I Consenso Nacional de Reabilitação
As bases fisiológicas para a obtenção dos benefíci- Cardiovascular, a intensidade do treinamento pode ser
os propiciados por um programa regular de exercícios dada pela freqüência cardíaca que represente 70% a
para doentes coronarianos estão relacionadas ao prin- 90% da freqüência pico atingida, o que equivale a 60%
cípio de uma sobrecarga desencadear mecanismos a 80% do pico de consumo de oxigênio do indivíduo(65, 66).
adaptativos. Com efeito, espera-se que o esforço físico Aqueles com baixa capacidade física podem necessi-
realizado, acima daquele da vida diária, determine o tar de treinamento na intensidade próxima a 70% da
desencadeamento de modificações, principalmente, freqüência cardíaca máxima, e os de melhor desem-
nos músculos e nos sistemas cardiovascular e humo- penho, na freqüência mais próxima a 90%.
ral. Assim sendo, a prescrição do exercício deve ser Outro método bastante difundido, denominado mé-

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todo de Karvonen, preco- do cansaço é também um modo de se prescrever a
niza que a freqüência car- intensidade do exercício. A escala de Borg original com
díaca em repouso seja escore de 6 a 20 ou sua modificação, que classifica o
MENEGHELO RS também considerada grau de esforço por meio de um escore de 1 a 10, é a
e cols. como elemento da prescri- mais difundida(68, 69). Os números da tabela original re-
Prevenção secundária ção (67) . A freqüência de presentam aproximadamente 10% da freqüência car-
da doença arterial
coronária pela
treinamento será a fre- díaca de jovens saudáveis quando tiveram a sensação
atividade física qüência que se obtém so- subjetiva de cansaço expressa na tabela. Sua aplica-
mando-se a freqüência ção é útil em indivíduos normais e em cardiopatas,
cardíaca de repouso com desde que eles sejam pacientemente orientados e pos-
60% a 80% do valor obti- sam compreender as instruções. Existem boas corre-
do da diferença da fre- lações entre a sensação subjetiva e variáveis fisiológi-
qüência cardíaca máxima atingida no teste e a freqüên- cas, como a freqüência cardíaca. O método é particu-
cia cardíaca de repouso: larmente eficaz em pacientes que fazem uso de beta-
FCT = FCR + (FCM - FCR) x 0,60 bloqueadores, uma vez que o emprego da freqüência
em que FCT = freqüência de treinamento, FCR = fre- cardíaca fica prejudicado como elemento de prescri-
qüência cardíaca de repouso, e FCM = freqüência car- ção.
díaca máxima. Diante de exercício gradativamente crescente, o me-
Outra maneira de se prescrever a intensidade do tabolismo humano produz energia predominantemen-
exercício de uma sessão de reabilitação é a utilização te aeróbica até um certo momento, a partir do qual co-
de unidades metabólicas, múltiplas do MET, que re- meça a haver aumento do lactato sanguíneo. Esse pon-
presenta o metabolismo basal de um indivíduo em re- to, conhecido como limiar anaeróbico, pode ser tam-
pouso, cujo valor corresponde a consumo de oxigênio bém um marcador para a prescrição de exercícios físi-
de 3,5 ml/kg/minuto. Esse método é de fácil aplicação cos aeróbicos. Para identificá-lo, pode-se, num teste
e útil para prescrição de atividades da vida diária e es- ergométrico, colher amostras sanguíneas seriadas e
portivas, uma vez que existem tabelas sobre os gastos estabelecer o momento em que ocorre aumento do lac-
energéticos em MET bastante abrangentes nos con- tato. Essa maneira de prescrição, pelas dificuldades ine-
sensos, diretrizes de sociedades especializadas e na rentes ao método e pelo caráter invasivo, é pouco utili-
quase totalidade dos livros textos que versam sobre zada em nosso meio para estabelecimento da intensi-
reabilitação cardíaca. A partir do teste ergométrico re- dade de exercício na reabilitação cardiovascular.
alizado, pode-se estabelecer a quantidade de unida- Relação bastante estreita ocorre entre o aumento
des metabólicas que o indivíduo pode dispor para os dos níveis de lactato no sangue decorrente de esforço
exercícios e prescrevê-los naquele nível, bem como as gradativamente crescente e variáveis obtidas pela aná-
atividades de sua vida. Existem algumas limitações do lise dos gases expirados. Assim, o limiar anaeróbico
método, uma vez que nem todos os indivíduos têm o pode ser identificado por método não-invasivo durante
mesmo metabolismo basal fixo de 3,5 ml/kg/minuto, po- teste cardiopulmonar. Existem três momentos em que
dendo mesmo ocorrer modificações importantes dian- se podem reconhecer limiares anaeróbios. O primeiro,
te de doenças associadas e na vigência de ansiedade. quando ocorre aumento do equivalente ventilatório para
Quando da realização de exercícios que envolvem ha- o oxigênio, ou seja, a relação entre a ventilação e o
bilidade e competição, os valores das tabelas podem consumo de oxigênio, sem que ocorra aumento do equi-
não ser os reais para um determinado indivíduo. Para valente ventilatório do gás carbônico, ou seja, a rela-
atividades como caminhar, correr e andar de bicicleta, ção entre a ventilação e a produção do gás carbônico.
o método é mais preciso. Pode ainda haver influência O segundo, quando ocorre aumento do equivalente
do ambiente no gasto energético, em algumas situa- ventilatório do gás carbônico. Pode-se também esta-
ções específicas, como vento, temperatura, umidade belecer o limiar anaeróbico utilizando-se a equação de
relativa do ar, irregularidades no terreno, tipo de piso, regressão entre o consumo de oxigênio e a produção
etc. Finalmente, um erro comum quando se utiliza esse de gás carbônico, método denominado de “V slope”(70).
método é a não observância da necessidade de se atin- A carga e a freqüência cardíaca do momento em que
gir níveis próximos ao estado estável quando da reali- se deu o limiar anaeróbico são utilizadas para a pres-
zação do teste ergométrico de prescrição. Isso ocorre, crição do exercício nesse método.
praticamente, em todos os protocolos utilizados em Os exercícios para cardiopatas também podem ser
ergometria que usam o tempo de dois ou três minutos prescritos utilizando-se a capacidade funcional útil, di-
em cada etapa de esforço, tempo insuficiente para se fundida no Brasil na década de 70 por Boskis. A capa-
atingir o estado estável. cidade funcional de um cardiopata pode ser dividida
A utilização de uma escala de percepção subjetiva em três níveis: a capacidade funcional útil, a capacida-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 137
de funcional limite e a ca- mento do segmento ST. Essa prescrição do exercício
pacidade funcional máxi- segundo a capacidade funcional útil é utilizada para os
ma, que podem ser ex- pacientes com sintomas de angina do peito, infrades-
MENEGHELO RS pressas em unidades me- nivelamento do segmento ST, arritmias ventriculares
e cols. tabólicas (MET), quilogrâ- significativas, como extra-sístoles ventriculares parea-
Prevenção secundária metros, quilocalorias, fre- das, em salva de três batimentos, ou taquicardia ven-
da doença arterial
coronária pela
qüência cardíaca ou con- tricular não-sustentada, e alterações da pressão arte-
atividade física sumo de oxigênio. Enten- rial. Já para os indivíduos que não apresentam sinto-
de-se por capacidade fun- mas e nenhuma alteração clínica e eletrocardiográfi-
cional útil o maior nível de ca, a etapa do teste escolhida para a prescrição da
esforço que não causa sin- carga e da freqüência cardíaca é aquela em que o pa-
tomas e alterações clíni- ciente apresenta nível de percepção entre 13 e 15 da
cas, eletrocardiográficas e hemodinâmicas. A capaci- escala de Borg, ou seja, entre ligeiramente cansativo e
dade funcional limite é o nível de esforço que provoca cansativo.
pelo menos uma alteração, seja ela clínica, eletrocar- Mesmo empregando-se os dados da capacidade
diográfica, hemodinâmica ou mesmo um sintoma. A ca- funcional útil é possível reconhecer algum grau de is-
pacidade funcional máxima é o nível de esforço supor- quemia em coronariopatas, durante uma sessão de
tado pelo indivíduo, independentemente dos sintomas exercícios, quando técnicas mais sofisticadas são utili-
e das alterações clínicas, eletrocardiográficas e hemo- zadas. No Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia,
dinâmicas. num grupo de 26 homens com doença coronária com-
provada e com cintilografia mostrando hipoconcentra-
PRESCRIÇÃO DO EXERCÍCIO NA SEÇÃO DE ção transitória, foi feita repetição da mesma, com inje-
REABILITAÇÃO DO INSTITUTO DANTE ção do marcador radioativo durante o exercício pres-
PAZZANESE DE CARDIOLOGIA crito numa sessão de reabilitação. Cerca da metade
dos pacientes apresentou algum grau de hipocapta-
O trabalho de revisão de Ellestad(56), alertando para ção, sugerindo que, mesmo com toda a cautela na pres-
os perigos de se realizarem sessões de exercícios com crição, os pacientes coronariopatas podem estar reali-
significativos níveis de isquemia, determinou, em 1988, zando o exercício de reabilitação com algum grau de
uma modificação na maneira de se prescrever o exer- isquemia miocárdica(71).
cício de reabilitação na Seção de Reabilitação Cardio-
vascular do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. PRÁTICA ESPORTIVA EM PACIENTES
Pareceu-nos claro que, entre todos os métodos dispo- CORONARIOPATAS
níveis para prescrição, o que utilizava o conceito de
capacidade funcional útil era o mais racional quando Uma das maiores dificuldades que o cardiologista
se tentava evitar episódios isquêmicos durante a rea- enfrenta é quando da orientação de prática esportiva
bilitação. Assim, o teste passou a ser realizado exclusi- em doentes coronariopatas que desejam realizá-la. Na-
vamente em bicicleta ergométrica, mesmo ergômetro queles com a doença, mas sem manifestações de anor-
que é empregado quando se busca aplicar o estímulo, malidades em teste ergométrico sintoma limitante, a
ou seja, o maior nível de exercício empregado numa tarefa fica um pouco mais fácil. Não existindo anorma-
sessão. Foi estipulado que, após pedalagem em pedal lidades durante o esforço, os risco decorrentes de uma
livre, as cargas devem ser iniciadas com 25 watts, por isquemia ao exercício estão minimizados. Entretanto,
cinco minutos, e incrementadas de 25 watts, também a nunca se pode afastar, peremptoriamente, a possibili-
cada cinco minutos. Esse protocolo permite que se dade de instabilização de placas que não causam obs-
possa aproximar mais do estado estável em cada car- trução significativa ao fluxo e não são vistas pelos exa-
ga do que quando o tempo de exercício se situa em mes não-invasivos atualmente disponíveis. Essa pos-
torno de três minutos, que é o tempo padrão de prati- sibilidade não é desprezível, especialmente se for le-
camente todos os demais protocolos. É mais provável, vada em consideração a liberação adrenérgica sem-
pelo menos do ponto de vista teórico, que a freqüência pre ligada à prática esportiva competitiva. Não há mé-
cardíaca atingida ao final de cinco minutos em cada todo eficaz para medi-la atualmente, mesmo em dis-
carga e os achados clínicos e eletrocardiográficos se- putas com mínima emoção. A utilização da escala de
jam os mesmos se o exercício se prolongasse por mais Borg e a liberação baseada em unidades metabólicas
tempo. A carga e a freqüência preconizadas para o atingidas no teste ergométrico são os métodos de libe-
exercício de recondicionamento são as imediatamente ração mais fáceis de serem empregados. Quando exis-
anteriores ao aparecimento de manifestações isquê- tem manifestações isquêmicas ao teste de esforço é
micas, caracterizadas por angina e/ou infradesnivela- muito difícil o estabelecimento de regras gerais, a não

138 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
ser a recomendação explí- seja rigorosamente respeitado. Nesses casos, a práti-
cita de que o conceito de ca esportiva tanto competitiva como profissional deve
capacidade funcional útil ser proibida.
MENEGHELO RS
e cols.
Prevenção secundária
da doença arterial
coronária pela
atividade física
SECONDARY PREVENTION OF CORONARY ARTERY
DISEASE BY PHYSIC ACTIVITY

ROMEU SERGIO MENEGHELO, ANGELA RUBIA NEVES CAVALCANTI FUCHS,


CARLOS ALBERTO CORDEIRO HOSSRI, LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA,
RICA DODO D. BÜCHLER

The objectives of secondary prevention of coronary artery disease are to avoid


recurrence and progression of the disease and to prolong life. Physic activity is only
one of the tools to reach these objectives but it is able to produce important modifi-
cations both subjective and objective. Regular exercises decrease the symptoms
and improve the ischemic manifestations because they produce a reduction in myo-
cardial oxygen uptake for the same non exhausting work. In addition there is an
increase in HDL levels, a reduction in tryglicerides and positive effects in glucose
tolerance test and in the anticoagulant factors of the blood. There is a reduction in
mortality of 20% to 30% and it was possible to document a coronary atherosclerosis
reduction in patients exercising in elevated levels. Each exercise session is compo-
sed of: warm up, stimulus and cool down. There are several manners to prescribe
the exercise but in patients with abnormalities produced by exercise, the training
must be done at a lower level than the level that produces these abnormalities. Adding
muscle strengthening exercises at a lower level than the level recommended for
normal persons may improve the quality of life, especially for older persons who with
age have a reduced capacity for tasks that involve muscle contraction. Permission to
practice sports can only be given after a careful risk stratification, taking into account
that there is no way to measure the inherent competitive action. A professional sport
competition activity is prohibited for patients with coronary disease that produces
myocardial ischemia during exercise.

Key words: coronary atherosclerosis, prevention and control, rehabilitation, exerci-


se.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:130-42)


RSCESP (72594)-1522

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142 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA: IMPORTÂNCIA DA
YAZBEK P e cols. ATIVIDADE FÍSICA
Insuficiência cardíaca:
importância da
atividade física
PAULO YAZBEK JÚNIOR, LÍVIA MARIA DOS SANTOS SABBAG, EDMAR BOCCHI,
GUILHERME V. GUIMARÃES, CRISTINA V. CARDOSO, ALMIR SERGIO FERRAZ,
LINAMARA RIZZO BATTISTELLA

Divisão de Medicina de Reabilitação — Instituto do Coração (InCor) —


HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Rua Diderot, 43 — Vila Mariana —


CEP 04116-030 — São Paulo — SP

A insuficiência cardíaca é uma síndrome complexa de prognóstico sombrio. É


associada a limitação física mesmo com medidas terapêuticas adequadas.
Um dos principais sintomas é a limitação da capacidade funcional, com dispnéia
aos esforços. Atribuem-se diversas causas, como vasoconstrição, disfunção endo-
telial e anormalidade da musculatura esquelética, além da disfunção ventricular.
O treinamento físico torna-se uma opção de tratamento adequado, não-farmaco-
lógico, visando a melhorar a respiração do paciente sem causar dano ao músculo
cardíaco.

Palavras-chave: insuficiência cardíaca, atividade física.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:143-51)


RSCESP (72594)-1523

INTRODUÇÃO de capilar pulmonar não foi maior nos limitados por disp-
néia, quando comparados àqueles limitados por fadi-
Os estudos de Framinghan(1), que acompanharam ga.
durante 40 anos mais de 9 mil pacientes, demonstra- O treinamento físico tem mostrado ser útil no trata-
ram que a insuficiência cardíaca afeta aproximadamen- mento da insuficiência cardíaca, com melhora da tole-
te 2,5% dessa população com idade maior ou igual a rância ao esforço, maior força muscular e maior consu-
45 anos. mo de oxigênio.
De todos os sintomas da insuficiência cardíaca, a
intolerância ao exercício constitui-se no mais importante A MUSCULATURA ESQUELÉTICA E A
fato na limitação do paciente. Mas a ausência de corre- CAPACIDADE FUNCIONAL NA
lação entre a capacidade do esforço e a função ventri- INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
cular(2) contribuiu para mudar o foco de atuação do co-
ração para a musculatura esquelética(2-4). A reduzida capacidade funcional dos indivíduos com
Em 1988, Sullivan e colaboradores(3, 4) examinaram insuficiência cardíaca não está exclusivamente relaci-
o controle ventilatório de pacientes com insuficiência onada à deficiência de bomba cardíaca(5). Estudos não
cardíaca e demonstraram que 70% desses são limita- detectaram aumento imediato da capacidade de exer-
dos por fadiga nos membros inferiores e que a pressão cício com a melhora da função cardíaca(6) e demons-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 143
traram baixa correlação lismo(15). O sistema imunológico estimulado desenca-
entre as variáveis hemodi- deia a síntese de citosinas inflamatórias, como a inter-
nâmicas e a capacidade leucina-6 indutora da proteólise e atrofia muscular. O
YAZBEK P e cols. de esforço (2), indicando TNF-α compromete a função endotelial por reduzir a
Insuficiência cardíaca: haver também modifica- síntese de óxido nítrico, ativa o eixo neuro-hormonal e
importância da ções intrínsecas da mus- desenvolve o catabolismo em decorrência de resistên-
atividade física
culatura periférica nesses cia ao hormônio de crescimento, redução do esteróide
doentes(7-9). Essas altera- anabolizante desidroapiandrosterona e menor expres-
ções periféricas mudaram são local do fator I de crescimento insulina-“like”, com
o paradigma de repouso aceleração da apoptose do músculo esquelético. Por
para pacientes com insu- outro lado, ocorre aumento dos hormônios envolvidos
ficiência cardíaca. no catabolismo, como o cortisol e a angiotensina II,
São desconhecidos os fatores responsáveis pelas esta última responsável por anorexia, perda de massa
alterações estruturais da musculatura de indivíduos com corpórea e apoptose de miócitos cardíacos(16).
insuficiência cardíaca: atrofia, menor densidade capi- A atividade física regular eleva o máximo poder ae-
lar, e remodelamento com predomínio de fibras mus- róbio pelo incremento do volume de ejeção sistólica e
culares do tipo II, de maior atividade glicolítica; menor do débito cardíaco(17), bem como por aumento da ofer-
número de fibras tipo I, de alto poder oxidativo; redu- ta de oxigênio aos músculos com deslocamento da
ção da densidade de cristais de superfície, do volume curva de dissociação da hemoglobina para a direita,
e da massa das mitocôndrias por unidade de tecido incremento da microcirculação por aumento do núme-
muscular; diminuição da atividade da citocromo-oxida- ro de capilares musculares(18) e diminuição da resis-
se e de outras enzimas oxidativas dessa organela(8); tência à difusão do oxigênio das hemácias para as fi-
menor quantidade de mitocôndrias em músculos pos- bras contráteis(19, 20).
turais lentos; diminuída atividade da creatinaquinase e O remodelamento dos músculos exercitados durante
rápida utilização da fosfocreatina em músculos esque- o treino aeróbio pode fornecer justificativa adicional para
léticos rápidos. Essas alterações do metabolismo mi- a melhora da capacidade física. As fibras tipo IIb, com
tocondrial comprometem o processo oxidativo celular alto poder glicolítico, transformam-se em fibras IIa com
e desencadeiam prematuramente o metabolismo ana- maior potencial oxidativo(21). As células musculares tipo
eróbio durante o exercício(10), acarretando fadiga mus- I sofrem modificações estruturais, com aumento do
cular precoce e intolerância ao esforço. A menor capa- número e do tamanho das mitocôndrias, e bioquími-
cidade oxidativa, por sua vez, retarda a recuperação cas, com incremento da concentração de enzimas nes-
dos estoques de energia e a contratilidade muscular(11). sa organela, principalmente a creatinaquinase, respon-
Estudo experimental em ratos com insuficiência car- sável pela restituição imediata de ATP diante de altas
díaca induzida(12) identificou 24 genes reguladores da demandas de energia(22).
disfunção musculoesquelética. Outros efeitos da atividade física sobre a insuficiên-
No início da disfunção ventricular são desencadea- cia cardíaca são redução da expressão de citosinas
dos vários mecanismos compensatórios benéficos, para nos músculos e aumento dos fatores antiapoptóticos e
garantir o desempenho do coração e manter a perfu- da atividade da citocromo c oxidase(21, 23, 24).
são de órgãos vitais. A estimulação do sistema nervo- O condicionamento físico é um recurso terapêutico
so simpático resulta em ativação do sistema renina- capaz de reverter as alterações funcionais e estrutu-
angiotensina-aldosterona e conseqüentes vasoconstri- rais da musculatura periférica e melhorar a tolerância
ção sistêmica e remodelamento cardiovascular. O re- aos exercícios e a qualidade de vida dos pacientes com
crutamento contínuo desses mecanismos acarreta efei- insuficiência cardíaca(25, 26), sem interferir na causa da
tos indesejáveis, isto é, aumento de citosinas pró-infla- doença.
matórias, como as interleucinas 1 e 6, a endotelina e o Em relação à função muscular, Pu e colaborado-
fator de necrose tumoral (TNF-α)(13), que induzem mio- res(27) registraram aumento significativo do desempe-
patia esquelética e atividade da proteína fosfatase 2A nho muscular “leg press” após dez semanas de treina-
na musculatura, reguladora da mioapoptose(12). mento físico em pacientes idosos com insuficiência
Uma grave complicação da insuficiência cardíaca cardíaca e incremento da capacidade oxidativa dos
crônica é a caquexia(14), estado associado a mau prog- músculos.
nóstico, independentemente da gravidade funcional da
doença, da idade, da capacidade de exercício e da fra- DESEMPENHO DO CORAÇÃO NA
ção de ejeção ventricular. Evidências sugerem o en- INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
volvimento de processos imunes e neuro-hormonais
indutores do desequilíbrio entre catabolismo e anabo- Sullivan e colaboradores(3) constataram que, em pa-

144 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
cientes com insuficiência vezes por semana.
cardíaca, a redução de en- Bekedan e colaboradores(31) observaram correlação
zimas aeróbicas teria im- positiva com o aumento da succinato desidrogenase e
YAZBEK P e cols. portante papel em influen- VO2 pico, demonstrando que as enzimas oxidativas
Insuficiência cardíaca: ciar o baixo desempenho apresentaram melhora de suas atividades em pacien-
importância da físico apresentado por tes com insuficiência cardíaca durante exercícios físi-
atividade física
eles. Essas enzimas au- cos programados.
mentariam o potencial oxi- Trabalhos recentes(32, 33) realizados na Divisão de Me-
dativo periférico dos múscu- dicina de Reabilitação do HC-FMUSP e no InCor de-
los esqueléticos. Sabe-se monstraram que a redução da capacidade física e o
que a redução dessas en- aumento da resposta ventilatória ao exercício em paci-
zimas leva ao desvio do me- entes com insuficiência cardíaca estão associados com
tabolismo anaeróbio para o metabolismo glicolítico (ana- a alteração funcional da musculatura esquelética, em
eróbico), o que resulta em alcance preciso do limiar ana- particular com a redução da força. Um programa de
eróbio, intolerância ao exercício prolongado e fadiga(28). fortalecimento muscular poderá aumentar o VO2 tanto
Em geral, uma atividade de menor intensidade re- para pacientes com insuficiência cardíaca como para
quer duração de exercício relativamente maior. Na ex- sedentários.
periência de Romano e colaboradores(28), no Instituto
de Cardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade PROGRAMA DE ATIVIDADE FÍSICA NA
de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC- INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
FMUSP), no período de exercícios aeróbios 30 a 40
minutos de intensidade média foram suficientes para Apesar do efeito benéfico da atividade física no siste-
produzir efeito funcional de treinamento físico em paci- ma cardiovascular, sabe-se que, durante a prática de exer-
entes portadores de insuficiência cardíaca. cício físico intenso, o risco relativo de eventos cardiovas-
Goodman e colaboradores(29), ao estudar a função culares é maior que em atividades habituais(34). No entan-
ventricular em indivíduos saudáveis, sugeriram ser o to, não houve relação exercício-morte em pacientes com
mecanismo de Frank-Starling mais operativo em inten- insuficiência cardíaca durante mais de 60 mil horas-paci-
sidade de exercício até o limiar anaeróbio. Além dessa entes de treinamento físico, comparado favoravelmente
intensidade, a função ventricular aumentaria pela con- com exercício em normais e cardíacos(35).
tratilidade, com diminuição participativa do mecanismo O programa de treinamento aeróbio, contínuo ou
de Frank-Starling. Como na insuficiência cardíaca a intermitente, e exercício resistido produz melhora na
contratilidade se encontra diminuída, o treinamento(28) capacidade física. Entretanto, estudos com exercício
não deve ser realizado pós-limiar anaeróbio. aeróbio demonstraram maior aumento do consumo de
Staner(30) cita que a contratilidade diminui pela disfun- oxigênio quando comparados com estudos que reali-
ção de proteínas contráteis, disfunção de enzimas ener- zaram apenas exercício resistido na insuficiência car-
géticas e ruptura da estrutura de membranas celular. díaca. O aumento da capacidade física na insuficiên-
No InCor(28), observou-se incremento da fração de cia cardíaca também foi bem maior quando houve a
ejeção de nossos pacientes com insuficiência cardía- associação das atividades aeróbia e resistida.
ca, medida pela cintilografia miocárdica, após três me- O exercício em piscina, assim como a sauna, são
ses de exercício submáximo. Contudo, ao se aproxi- atividades geralmente contra-indicadas para pacientes
mar do limiar anaeróbio, a fração de ejeção mostra ten- com insuficiência cardíaca(36, 37). Entretanto, a sauna tem
dência à diminuição. Essas observações vêm ao en- sido bem tolerada, apresentando melhora hemodinâ-
contro do estudo de Goodman e colaboradores(29). mica e da função endotelial e diminuição da atividade
Esses dados enriquecem cada vez mais a idéia de neuro-hormonal em portadores de insuficiência cardí-
que a indicação do estudo cardiopulmonar no esforço aca(38, 39). Contudo, ainda existem controvérsias e ques-
(ergoespirometria) é indispensável em qualquer avali- tões a serem respondidas sobre atividade física e in-
ação pré-atividade física e reabilitação. O treinamento suficiência cardíaca.
físico(28) em portadores de insuficiência cardíaca deve- Programa de treinamento físico domiciliar monitori-
rá ficar próximo do limiar anaeróbio (I), não ultrapas- zado também tem sido estimulado para pacientes com
sando o ponto de compensação ácido-metabólico ou insuficiência cardíaca. Assim como o programa de ati-
limiar II. vidade física normal, o domiciliar parece ser seguro e
Normalmente a freqüência cardíaca de treinamen- efetivo em diminuir sintomas e melhorar a qualidade
to ocorre em torno de 70% do VO2 máx. de vida de pacientes com insuficiência cardíaca(40).
A duração empregada em cada sessão é de no mí- A representação gráfica do limiar anaeróbio e do
nimo 60 minutos, devendo ser realizada no mínimo três ponto de compensação respiratória no teste cardiopul-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 145
monar é expressa na Figu- namento físico (Fig. 2). Assim como a terapêutica clíni-
ra 1. O grupo de treina- ca cuida de manter a função dos órgãos compensada,
mento de baixa intensida- a atividade física promove adaptações fisiológicas fa-
YAZBEK P e cols. de foi prescrito na freqüên- voráveis, resultando em melhora da qualidade de vida
Insuficiência cardíaca: cia cardíaca limitada pelo desses pacientes.
importância da limiar anaeróbio e o de alta Na Figura 3(41) é elucidado que ambas as intensida-
atividade física
intensidade, na limitada des de treinamento aumentaram o consumo de oxigê-
pelo ponto de compensa- nio no pico do exercício, mas em nível submáximo (li-
ção respiratória, corres- miar anaeróbio) somente a baixa intensidade.
pondendo a 67% e 88% do Recentemente, estudo mais complexo, com biópsia
consumo máximo de oxi- do músculo “vastus lateralis” e análise do peptídeo na-
gênio atingido (VO2p), res- triurético tipo B em pacientes com insuficiência car-
pectivamente. díaca estável submetido a programa supervisionado de
A atividade física deve ser estimulada para todos treinamento físico de alta intensidade e baixa intensi-
os pacientes com insuficiência cardíaca estável e que dade, demonstrou aumento da capacidade oxidativa da
sejam capazes de participar de um programa de trei- musculatura esquelética. Entretanto, apenas no grupo

Figura 1. Treinamento entre 67% (LA) e 88% (PCR) em pacientes portadores de


insuficiência cardíaca. Pontos e intervalos delimitados pelos equivalentes respiratóri-
os VE/VO2 e VE/VCO2.
LA = limiar anaeróbio; PCR = ponto de compensação respiratória; BI = baixa intensi-
dade; AI = alta intensidade; VE/VO2 = equivalente ventilatório de oxigênio; VE/VCO2 =
equivalente ventilatório de dióxido de carbono; PETCO2 = pressão expiratória final de
dióxido de carbono. Tempo em minutos.

146 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
de baixa intensidade o Pacientes com insuficiência cardíaca estável em uso
peptídeo natriurético tipo B de bletabloqueador seletivo e não-seletivo, submetidos
foi significativamente redu- a programa de treinamento físico, aumentaram a tole-
YAZBEK P e cols. zido tanto em repouso rância ao exercício submáximo e do O2 de pico. Adici-
Insuficiência cardíaca: como no esforço. Conside- onalmente, o uso de betabloqueadores no tratamento
importância da ra-se que sua secreção da insuficiência cardíaca não alterou os benefícios de-
atividade física
está relacionada à disten- correntes do treinamento físico nesses pacientes.(43)
são da parede ventricular Entretanto, a etiologia não-isquêmica pareceu não se
e o exercício de baixa in- correlacionar com maior aumento do O2 de pico após
tensidade poderia promo- o período de treinamento.
ver melhor adaptação ven-
tricular esquerda, ou me- CONCLUSÃO
lhor, acomodação vascular periférica. Além disso, o trei-
namento de baixa intensidade beneficiou mais a quali- O aumento da capacidade de exercício de portado-
dade de vida dos pacientes, quando comparado ao de res de insuficiência cardíaca submetidos a programa
alta intensidade.(42) de atividade física tem sido demonstrado como fator

Figura 2. Fluxograma do Programa de Treinamento Físico para Portadores de Insuficiência Cardíaca.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 147
YAZBEK P e cols.
Insuficiência cardíaca:
importância da
atividade física

Figura 3. Comparação da evolução em pacientes portadores de insuficiência cardí-


aca nas diversas intensidades de exercício.
LA = limiar anaeróbio.

consistente. Estudos randomizados demonstraram que siológicos quando comparados a indivíduos saudá-
o grupo treinado melhorou a classe funcional da “New veis(46, 47). No entanto, os resultados encontrados não
York Heart Association” (NYHA), e aumentou a tole- indicam tendência de que a limitação central seja fator
rância ao exercício e a fração de ejeção do ventrículo limitante para que esses pacientes não possam des-
esquerdo. Adicionalmente reduziu a resistência perifé- frutar dos efeitos benéficos do exercício físico. A im-
rica total no pico do exercício(44, 45). Assim como tam- portância da periferia, em que a diferença arterioveno-
bém ficou demonstrado que o grupo treinado estava sa de oxigênio (A-VO2 dif) tem-se mostrado aumenta-
associado a menor mortalidade e baixa readmissão da nesses pacientes, pode ter papel significativo na
hospitalar por insuficiência cardíaca(34). compreensão de funções e estruturas centrais depri-
A melhora da capacidade física em portadores de midas, como aumento do débito cardíaco e conseqüen-
insuficiência cardíaca poderá ser menor nos efeitos fi- te incremento na captação de oxigênio.

148 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
HEART FAILURE: EXERCISE TRAINING
YAZBEK P e cols.
Insuficiência cardíaca: PAULO YAZBEK JÚNIOR, LÍVIA MARIA DOS SANTOS SABBAG, EDMAR BOCCHI,
importância da
atividade física GUILHERME V. GUIMARÃES, CRISTINA V. CARDOSO, ALMIR SERGIO FERRAZ,
LINAMARA RIZZO BATTISTELLA

Heart failure is a complete disease with a poor prognosis. It is associated to


limiting systems even with a modern medical management. One of the mainly symp-
toms is the exercise limitation and the reason for fatigue is attributed to vasocons-
trictor drive, endothelial dysfunction and a wide range of structural and abnormaliti-
es of skeletal muscle than to ventricular dysfunction pressure.
Physical training became a safe non-pharmacological treatment for heart failure
and help the patient to breath easier and will not cause further damage to heart
muscle.

Key words: heart failure, exercise training.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:143-51)


RSCESP (72594)-1523

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 151
VALVOPATIAS: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTE
TARASOUTCHI F
e cols. FLÁVIO TARASOUTCHI, MARCELO KATZ, TARSO A. D. ACCORSI, MAX GRINBERG
Valvopatias:
atividades físicas
e esporte
Unidade Clínica de Valvopatias — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —


Cerqueira César — CEP 04015-011 — São Paulo — SP

Ao se recomendar atividade física e esporte, o médico deve considerar as carac-


terísticas da atividade proposta, associada ao tipo de valvopatia e sua gravidade.
Uma das formas de se classificar esporte/atividade física é pelo tipo de exercício e
pela intensidade empregados em sua prática. Assim, os exercícios podem ser clas-
sificados em dinâmicos e estáticos leves, moderados e intensos. A avaliação da
doença valvar, por outro lado, inicia-se pelo diagnóstico, com anamnese, exame
físico e exames complementares, acrescentada pela estratificação de gravidade,
que leva em conta parâmetros anatômicos e funcionais das valvas, alterações ana-
tômicas do coração e presença de sintomas, principalmente dispnéia aos esforços.
Dessa forma, baseado no diagnóstico tanto anatômico como funcional da valvopa-
tia, e com a caracterização da gravidade, o médico pode recomendar atividade físi-
ca e/ou esporte de forma individualizada para o paciente.

Palavras-chave: valvopatia, atividade física, esporte.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:152-9)


RSCESP (72594)-1524

INTRODUÇÃO grande de pacientes para guiar a uma conclusão defi-


nitiva sobre os vários aspectos do manejo das valvo-
A prática esportiva é parte da cultura social, enten- patias. Em nosso meio, é uma condição freqüente, so-
dida como atividade física regular e organizada, com- bretudo porque o acometimento reumático ainda é
preendendo múltiplas modalidades. O hábito do espor- muito prevalente. De tal forma que boa parcela dos
te pode ser recreacional ou profissional, espontâneo pacientes com doença valvar cardíaca no Brasil é com-
ou recomendado. Cada modalidade tem sua exigência posta por jovens. Esses indivíduos comumente repre-
psíquica e física particular e, para a prática adequada sentam um desafio para o médico que pretende reali-
e segura, o esportista deve ter tais requisitos satisfató- zar orientação em relação às atividades físicas e es-
rios. São inúmeras as doenças que potencialmente li- portivas.
mitam e eventualmente contra-indicam certas modali-
dades esportivas, entre elas as valvopatias cardíacas. CARACTERIZAÇÃO DO ESPORTE/ATIVIDADE
As valvopatias são um grupo especial de doenças FÍSICA
cardíacas, com características peculiares, que, em
geral, após instalação, cursam com longo período sem Uma das formas de se classificar esporte/atividade
manifestações clínicas; quando há o aparecimento de física é pelo tipo de exercício e intensidade emprega-
sintomas, o paciente é um provável candidato à inter- dos em sua prática(1-4). Exercícios dinâmicos (isotôni-
venção cirúrgica. Diferentemente de outras doenças cos) caracterizam-se pela movimentação intensa das
cardiovasculares com maior impacto social e econômi- articulações, e pela contração e diminuição do compri-
co, são poucos os estudos multicêntricos com número mento de vários grupamentos musculares, provocan-

152 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
do aumento do consumo valvopatas leva em consideração a doença valvar de
de oxigênio, implicando base; a partir do diagnóstico e da estratificação de gra-
maior freqüência cardíaca, vidade, o paciente é orientado quanto às possibilida-
TARASOUTCHI F volume sistólico, débito des de prática esportiva(5, 6).
e cols. cardíaco, e pressão arte- O diagnóstico do tipo de doença valvar, assim como
Valvopatias: rial sistólica e média e sua gravidade, é feito por meio de anamnese e exame
atividades físicas
e esporte
menor pressão arterial di- físico detalhado, complementado por radiografia de tó-
astólica e resistência arte- rax, eletrocardiografia e ecocardiografia. Alguns paci-
rial periférica(1, 2). O resul- entes eventualmente realizam avaliação hemodinâmi-
tado de tal atividade é a ca com cateterismo cardíaco. A doença valvar, esteno-
sobrecarga de volume se e insuficiência, uma vez diagnosticada, é graduada
com hipertrofia ventricular em leve, moderada e grave. Essa classificação leva em
excêntrica. Exercícios estáticos (isométricos), por ou- consideração parâmetros anatômicos e hemodinâmi-
tro lado, geram grande força intramuscular, com manu- cos(5). Além disso, os pacientes são avaliados quanto
tenção do comprimento muscular, sem movimentação aos sintomas (dispnéia em esforços, dor torácica, sín-
significativa das articulações, implicando aumento da cope). Feita essa avaliação, as recomendações serão
pressão arterial sistólica, diastólica e média, com so- individualizadas de acordo com o tipo de valvopatia,
brecarga de pressão e tendência à hipertrofia ventri- gravidade e sintomas. A seguir estão apresentadas as
cular concêntrica(1, 2). Entretanto, sabe-se que as diver- recomendações(5, 6).
sas modalidades esportivas combinam atividades es-
táticas e dinâmicas e podem ser classificadas em or- Estenose mitral
dem crescente do componente estático (I, II e III) e do A etiologia da estenose mitral é reumática em 99%
componente dinâmico (A, B e C) (Tab. 1).(2) dos casos, acometendo pacientes jovens, principalmen-
te do sexo feminino(5-7). A gravidade da estenose mitral
RECOMENDAÇÃO DE ESPORTE/ATIVIDADE pode ser avaliada pela área valvar, e pela estimativa
FÍSICA EM VALVOPATAS da pressão de capilar pulmonar em exercício e da pres-
são sistólica de artéria pulmonar. A Tabela 2 apresenta
A recomendação de atividade física e esporte em a classificação da estenose mitral(5, 6).

Tabela 1. Classificação de esportes baseada nos componentes dinâmico e estático de pico.(2)

A – Dinâmico B – Dinâmico C – Dinâmico


leve moderado intenso

I – Estático leve Bilhar Beisebol “Badminton”


Boliche “Softball” Futebol
Golfe Tênis de mesa Corrida (fundo)
Tiro ao alvo Tênis (duplas) Tênis
Voleibol (individual)
“Squash”
II – Estático moderado Automobilismo Esgrima Hóquei no gelo
Motociclismo Nado sincronizado Basquetebol
Hipismo Corrida (“sprint”) Handebol
Mergulho Surfe Natação
Arco e flecha Patinação Corrida (meio
Rodeio fundo)
III – Estático intenso Artes marciais Musculação Boxe
Ginástica olímpica Luta greco-romana Decatlon
Vela Esqui “downhill” Ciclismo
Levantamento Remo
de peso
Alpinismo

Adaptado de Mitchell e colaboradores.(2)

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 153
Tabela 2. Gravidade da estenose mitral.(5, 6)

Área valvar PCP em exercício PSAP


TARASOUTCHI F
e cols.
Leve > 1,5 cm² < 20 mmHg < 35 mmHg
Valvopatias:
atividades físicas Moderada 1,1-1,5 cm² < 25 mmHg < 50 mmHg
e esporte Grave < 1 cm² > 25 mmHg > 50 mmHg

PCP = pressão de capilar pulmonar; PSAP = pressão sistólica de artéria pulmonar.

Os pacientes com estenose mitral leve geralmente estenose mitral grave, ou pacientes com pressão sis-
toleram bem o exercício, permanecendo assintomáti- tólica de artéria pulmonar > 80 mmHg durante esforço
cos. Quando a estenose mitral é mais grave, existe a não devem participar de esportes competitivos. Uma
possibilidade de o esforço físico (com aumento do atividade física aeróbica leve pode ser realizada. Os
débito cardíaco e da freqüência cardíaca) provocar pacientes devem ser avaliados cuidadosamente pela
aumento das pressões em átrio esquerdo, que, em possibilidade de indicação cirúrgica.
associação com a estenose mitral moderada a gra- 5. Pacientes que utilizam anticoagulantes devem ser
ve, eleva a pressão em capilar pulmonar, gerando aconselhados a não participar de atividades físicas de
quadro de edema agudo dos pulmões. A estenose alto impacto, pelo risco de sangramento.
mitral, entretanto, raramente é causa de morte súbi-
ta em exercício(5, 6). Insuficiência mitral
As recomendações de atividade física em estenose A insuficiência mitral apresenta diversas etiologias,
mitral geralmente são limitadas pelos sintomas(5, 6). Pa- sendo o prolapso de valva mitral e a doença reumática
cientes oligossintomáticos e/ou com estenose mitral as principais causas de insuficiência mitral(5-7, 9, 10). As
grave podem ser submetidos a teste ergométrico para recomendações de atividade física e esporte em insu-
avaliação funcional(8). Teste normal é indicador de bom ficiência mitral são direcionadas para os casos de in-
prognóstico, porém a presença de alterações hemodi- suficiência mitral primária. Quando a insuficiência mi-
nâmicas é argumento para iniciar avaliação de possí- tral for secundária a miocardiopatia dilatada ou insufi-
vel intervenção cirúrgica. Pacientes sintomáticos, com ciência coronariana, essas condições deverão ser ana-
pior prognóstico, podem exercer atividades físicas ae- lisadas em conjunto com a insuficiência mitral para a
róbicas de baixa intensidade (caminhadas leves), limi- orientação da prática esportiva.
tando-se pelo sintoma de dispnéia(5, 6). Esses pacien- A insuficiência mitral pode se instalar aguda ou cro-
tes devem ser avaliados cuidadosamente pela pro- nicamente(5, 7, 9). A insuficiência mitral aguda geralmen-
vável indicação de intervenção terapêutica (valvoplas- te apresenta-se como quadro dramático, necessitando
tia, cirurgia). Entre os assintomáticos, as recomen- intervenção precoce, não sendo, portanto, objeto des-
dações variam de acordo com a gravidade da este- te capítulo. A insuficiência mitral crônica, por outro lado,
nose mitral (5, 6): permite adaptação inicial das câmaras esquerdas, e o
1. Pacientes com estenose mitral leve, em ritmo sinu- paciente permanece assintomático por alguns anos(5, 7, 9).
sal, podem participar de todas as atividades esporti- Com o passar do tempo, os mecanismos adaptativos
vas, mesmo em caráter competitivo. esgotam-se e o paciente pode desenvolver sintomas.
2. Pacientes com estenose mitral leve e fibrilação atri- A presença de sintomas, o diâmetro ventricular esquer-
al, pacientes com estenose mitral moderada, em ritmo do e a função ventricular são os principais elementos
sinusal ou fibrilação atrial, e pacientes com pressão avaliados para indicação cirúrgica(5, 7, 9, 11).
sistólica de artéria pulmonar em repouso ou esforço < 50 A abordagem inicial do paciente com insuficiência
mmHg podem participar de atividades estáticas ou di- mitral visa ao diagnóstico e ao estabelecimento da gra-
nâmicas leve e moderada (IA, IB, IIA, IIB, conforme vidade da lesão. Anamnese, exame físico, radiografia
Tabela 1). de tórax e eletrocardiograma devem ser realizados nos
3. Pacientes em ritmo sinusal ou fibrilação atrial, com pacientes. A confirmação diagnóstica é feita com eco-
estenose mitral leve, com pressão sistólica de artéria cardiografia, que permite estimar a gravidade da insu-
pulmonar entre 50 mmHg e 80 mmHg, podem partici- ficiência mitral por meio da observação do jato regurgi-
par de exercícios estáticos leve e moderado, e exercí- tante e das alterações anatômicas e funcionais cardía-
cio dinâmico leve (IA e IIA, Tab. 1). cas decorrentes da insuficiência mitral: dilatação ven-
4. Pacientes em ritmo sinusal ou fibrilação atrial, com tricular e função ventricular(5-7). Além da ecocardiogra-

154 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
fia, a ventriculografia radi- ao fluxo causada pela estenose aórtica progride lenta-
oisotópica também forne- mente ao longo dos anos, levando à adaptação ventri-
ce informações detalha- cular com hipertrofia das paredes, mantendo cavidade
TARASOUTCHI F das acerca da anatomia e de tamanho normal e débito cardíaco normal. Ocorre,
e cols. da função ventricular. porém, diminuição da relação volume/massa e da com-
Valvopatias: As recomendações de placência, e aumento do volume diastólico final do ven-
atividades físicas
e esporte
atividade física e esporte trículo esquerdo. Também ocorre diminuição da perfu-
em insuficiência mitral le- são miocárdica e da reserva vasodilatadora coronária,
vam em consideração os mesmo sem aterosclerose das artérias epicárdicas.
sintomas e a gravidade da Taquicardia/exercício físico pode levar a isquemia su-
insuficiência mitral(5, 6) (jato bendocárdica, contribuindo para disfunção tanto sistó-
regurgitante, dilatação lica como diastólica. Não é possível estimar com certe-
ventricular e função de ventrículo esquerdo). Pacien- za como será a evolução da estenose aórtica em cada
tes sintomáticos devem ser avaliados quanto à possi- indivíduo. Em média, há decréscimo de 0,12 cm² da
bilidade cirúrgica, não sendo recomendada a prática área valvar por ano e acréscimo de 10 mmHg no gradi-
de esportes. A atividade física deve se restringir ao ente transvalvar, com evolução pior nas causas ate-
exercício aeróbico leve, sem objetivo de treinamento roscleróticas-degenerativas, quando comparada aos
ou competição(5, 6). Em relação aos pacientes assinto- reumáticos;(5, 7) porém, vários indivíduos apresentam
máticos, as recomendações são(5, 6): comportamento diferente. Alguns pacientes com este-
1. Pacientes em ritmo sinusal, com diâmetro e função nose aórtica grave podem apresentar morte súbita, que,
ventricular esquerda normais, podem participar de to- em geral, é precedida de sintomas e é evento inco-
dos os esportes competitivos. mum.
2. Pacientes em ritmo sinusal ou fibrilação atrial com O diagnóstico de estenose aórtica é feito por anam-
dilatação ventricular discreta e função ventricular nor- nese e exame físico, complementados com radiografia
mal em repouso podem participar de atividades espor- de tórax, eletrocardiografia e ecocardiografia. A avalia-
tivas competitivas dinâmica leve e moderada e estática ção de gravidade inicia-se na anamnese, pela busca
leve e moderada (IA, IB, IIA, IIB). Alguns pacientes se- ativa de sintomas relacionados à estenose aórtica, que,
lecionados podem eventualmente realizar esportes quando presentes, determinam maior probabilidade de
estáticos leve, moderado e dinâmico leve, moderado e mortalidade (dispnéia, angina, síncope). O ecocardio-
intenso (IA, IB, IC, IIA, IIB, IIC). Quando o paciente grama permite a avaliação da valva, com cálculo da
apresentar fibrilação atrial, o teste ergométrico pode área valvar, e do gradiente entre ventrículo esquerdo e
ser utilizado para avaliar a freqüência cardíaca em exer- aorta, definidores de gravidade da estenose aórtica(5, 6).
cício. Em alguns casos, a cineangiocoronariografia é utiliza-
3. Pacientes com dilatação ventricular marcante ou dis- da para cálculo do gradiente entre ventrículo esquerdo
função ventricular em qualquer grau não devem reali- e aorta(5). O teste ergométrico freqüentemente não é
zar esportes competitivos. incentivado para portadores de estenose aórtica gra-
4. Pacientes em fibrilação atrial anticoagulados devem ve, pelo risco de congestão pulmonar, síncope e arrit-
evitar esportes de alto impacto pelo risco de sangra- mias. Também tem a sensibilidade diminuída no diag-
mento. nóstico de doença arterial coronária, já que boa parte
dos pacientes apresenta sobrecarga de câmaras e al-
Estenose aórtica terações da repolarização ventricular(8). Em sintomáti-
A estenose aórtica tem dois picos de incidência: em cos, deve ser contra-indicado(8); porém, pode ser reali-
jovens (etiologia reumática e congênita) e em idosos zado com segurança em assintomáticos, para avalia-
(etiologia aterosclerótico-degenerativa, com calcifica- ção funcional da valvopatia. Achados eletrocardiográfi-
ção valvar intensa)(5, 7, 10, 12). Em geral, só há sintomas cos têm valor duvidoso, porém o desempenho hemodi-
quando a área valvar aórtica torna-se cerca de um quar- nâmico do paciente é informação valiosa para progra-
to do normal, isto é, cerca de 0,80 cm², caracterizando mação terapêutica e para orientação de atividades fí-
estenose aórtica grave(5, 7). São freqüentes, porém, pa- sicas. Pacientes assintomáticos, com estenose aórtica
cientes com estenose aórtica com área < 1 cm² assin- grave e com baixa capacidade funcional ou hipotensão
tomáticos e pacientes com área maior, sintomáticos. no teste são prováveis candidatos à terapêutica cirúr-
Pacientes assintomáticos cursam com baixa morbida- gica, mas aqueles sem limitação ou complicações ao
de e mortalidade(5, 7, 12). O aparecimento de sintomas teste máximo apresentam bom prognóstico e boa tole-
(dispnéia, síncope, angina), independentemente da rância às atividades físicas(5, 6). Pacientes com esteno-
área valvar, confere mau prognóstico, sendo o princi- se aórtica grave devem ser acompanhados anualmen-
pal indicador do tratamento cirúrgico(5, 7, 12). A obstrução te por meio de ecocardiografia, com o intuito de avaliar

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 155
o grau da estenose, do com estenose aórtica moderada sintomáticos não de-
gradiente transvalvar, da vem realizar atividade física competitiva.
hipertrofia do ventrículo Pacientes portadores de estenose aórtica congêni-
TARASOUTCHI F esquerdo e da função ven- ta podem realizar todos os tipos de atividades compe-
e cols. tricular. Pacientes com es- titivas, desde que tenham estenose leve (gradiente
Valvopatias: tenose aórtica moderada transvalvar aórtico de pico < 20 mmHg), sejam assin-
atividades físicas
e esporte
devem ser submetidos a tomáticos, com eletrocardiograma normal ao repouso
ecocardiografia a cada e com exercício, com boa tolerância ao esforço das ati-
dois anos e leve, a cada vidades habituais, sem hipertrofia e sem arritmias ven-
cinco anos.(5) triculares. Portadores de estenose aórtica congênita
A recomendação de moderada (pico entre 20 mmHg e 50 mmHg) podem
atividade física e esporte realizar esportes do grupo IA e IIA se assintomáticos,
em estenose aórtica leva em consideração a presença eletrocardiograma e ergométrico normais, sem hiper-
de sintomas e a gravidade da estenose aórtica, defini- trofia ventricular esquerda ou hipertrofia ventricular es-
da a partir da área valvar e do gradiente de pressão querda leve. Estenose aórtica congênita grave é con-
entre ventrículo esquerdo e aorta(5, 6, 13). A Tabela 3 apre- tra-indicação a atividades esportivas competitivas, po-
senta a classificação da estenose aórtica(5, 6). rém atividades recreativas podem ser avaliadas indivi-
dualmente.

Tabela 3. Gravidade da estenose aórtica.(5, 6) Insuficiência aórtica


A insuficiência aórtica apresenta diversas etiologi-
Gradiente as(5, 7). As mais comuns são valva aórtica bicúspide, do-
Área valvar VE-Ao (médio) ença reumática, endocardite infecciosa, síndrome de
Marfan e dissecção de aorta(5, 7). A insuficiência aórtica
Leve > 1,5 cm² < 20 mmHg pode ter instalação aguda, com instabilidade hemodi-
Moderada 1,1-1,5 cm² 21-49 mmHg nâmica, havendo necessidade de intervenção em ca-
Grave < 1 cm² > 50 mmHg ráter emergencial. Entretanto, na maioria dos casos, a evo-
lução da insuficiência aórtica é crônica e gradual(5, 7, 14). Du-
VE = ventrículo esquerdo; Ao = aorta. rante o curso da doença, ocorre o remodelamento do
ventrículo esquerdo, com dilatação e aumento do volu-
me diastólico final (para acomodação do maior volume
As recomendações de atividade física e esportiva sem aumentar a pressão de enchimento), objetivando
para os pacientes com estenose aórtica são(5, 6): adaptar-se ao volume regurgitante decorrente da insu-
1. Pacientes com estenose aórtica leve, assintomáti- ficiência aórtica. Nessa fase adaptativa, o paciente pode
cos, não apresentam restrições às atividades da vida estar assintomático(5, 7, 14). O aparecimento de sintomas
diária, à realização de atividades físicas e, inclusive, a é o principal marcador de indicação de tratamento ci-
esportes competitivos. Pacientes com antecedente de rúrgico(14). Pacientes assintomáticos com função ven-
síncope, mesmo que com estenose aórtica leve, de- tricular normal têm baixa morbidade e mortalidade e
vem ser avaliados cuidadosamente no sentido de se aqueles com disfunção de ventrículo esquerdo evolu-
descartar arritmias induzidas pelo exercício. em rapidamente para sintomas(14). Pacientes sintomá-
2. Pacientes com estenose aórtica leve a moderada ticos têm mau prognóstico e devem ser avaliados para
podem realizar todos os esportes competitivos de bai- programação de intervenção cirúrgica. A avaliação da
xa intensidade (IA, conforme Tabela 1). Pacientes se- gravidade da insuficiência aórtica leva em considera-
lecionados podem praticar atividades estáticas leve e ção os sintomas do paciente, o exame físico, com es-
moderada e dinâmicas leve e moderada (IA, IB, IIA, pecial atenção aos sinais periféricos da insuficiência
IIB). Esses pacientes selecionados podem ser subme- aórtica, e os dados fornecidos pelo ecocardiograma,
tidos a teste ergométrico para avaliação do comporta- fundamental na complementação diagnóstica(5-7). O
mento clínico em atividade física semelhante à que se ecocardiograma informa o diâmetro do ventrículo es-
propõe orientar. querdo e a função ventricular, além de avaliar o jato
3. Pacientes com estenose aórtica leve ou moderada, regurgitante, estimando a gravidade da insuficiência
com taquicardia supraventricular, ou arritmia ventricu- aórtica(5-7). Em casos de dúvida, o cateterismo cardía-
lar complexa em repouso ou exercício devem praticar co pode ser utilizado para realização da aortografia,
somente esportes competitivos de baixa intensidade definindo o grau de insuficiência aórtica. Em relação
(IA). aos sintomas, em casos duvidosos (pacientes autoli-
4. Pacientes com estenose aórtica grave ou pacientes mitados), um teste ergométrico pode facilitar a defini-

156 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
ção da capacidade funci- cientes com insuficiência tricúspide primária, indepen-
onal(8). Teste máximo, sem dentemente da gravidade, na ausência de pressão atrial
complicações, é sinal de direita > 20 mmHg, com pressão sistólica de ventrículo
TARASOUTCHI F boa tolerância e prognós- direito normal e função ventricular direita normal, po-
e cols. tico com exercício físico. dem realizar todos os esportes competitivos(5, 6).
Valvopatias: Alterações hemodinâmi-
atividades físicas
e esporte
cas, como, por exemplo, Estenose tricúspide (ET)
hipotensão e baixa capa- A estenose tricúspide isolada é rara. Normalmente
cidade funcional, são si- associa-se à estenose mitral reumática. Nesses casos,
nais de alerta, que devem devem prevalecer as recomendações para estenose
afastar o paciente de ati- mitral(5, 6).
vidades físicas.
As recomendações para atividade esportiva em in- Doença multivalvar
suficiência aórtica são(5, 6): A presença de doença multivalvar está associada a
1. Pacientes com insuficiência aórtica leve ou modera- doença reumática na maioria dos casos. Os pacientes
da, com diâmetro ventricular normal, ou discretamente com doença multivalvar, de modo geral, devem ser
aumentado, podem participar de todas as atividades desaconselhados a realizar atividades esportivas com-
esportivas competitivas. Em casos selecionados, paci- petitivas. A valva mais acometida anatômica e funcio-
entes com dilatação ventricular moderada podem pra- nalmente, com comprometimento hemodinâmico mais
ticar atividades esportivas estáticas leve e moderada e importante, deve prevalecer nas orientações quanto à
dinâmicas leve, moderada e intensa (IA, IB, IC, IIA, IIB, prática esportiva(5, 6).
IIC). Pacientes com dilatação ventricular progressiva
em avaliações seriadas não devem realizar esportes Pós-operatório de portadores de próteses valvares
competitivos. Existem poucas evidências de que o exercício vigo-
2. Pacientes com insuficiência aórtica leve ou modera- roso em longo prazo tenha influência sobre o funciona-
da, com arritmias ventriculares em repouso ou exercí- mento da prótese valvar. A presença de prótese valvar
cio, devem participar somente de atividades competiti- determina gradiente transvalvar, com variação indivi-
vas de baixa intensidade (IA). dual. O funcionamento adequado da prótese deve ser
3. Pacientes com insuficiência aórtica grave, assim pesquisado por meio de anamnese, exame físico e
como aqueles com insuficiência aórtica leve ou mode- ecocardiografia. Em algumas situações, pode ser ne-
rada sintomáticos, não devem participar de atividades cessária ecocardiografia transesofágica. As recomen-
físicas competitivas. dações para atividade física e esporte são(5, 6):
4. Pacientes com insuficiência aórtica e dilatação evi- 1. Pacientes com prótese valvar mitral, que não este-
dente da aorta ascendente proximal não devem parti- jam utilizando anticoagulantes, com prótese normofun-
cipar de atividades físicas competitivas. cionante, com função ventricular normal, podem parti-
5. Em pacientes com síndrome de Marfan, além da in- cipar de atividades físicas competitivas estáticas leve
suficiência aórtica outros fatores como dissecção e e moderada e dinâmica leve e moderada (IA, IB, IIA,
aneurisma de aorta devem ser avaliados para se reco- IIB).
mendar a atividade física mais adequada. 2. Pacientes com prótese mitral ou aórtica que utilizem
anticoagulantes não devem realizar atividades físicas
Prolapso da valva mitral de alto impacto, pelo risco de sangramento.
Pacientes com prolapso da valva mitral devem ser 3. Pacientes com prótese valvar aórtica que não este-
afastados de esportes competitivos se tiverem dilata- jam utilizando anticoagulantes, com prótese normofun-
ção ventricular esquerda, disfunção ventricular esquer- cionante, com função ventricular normal, podem parti-
da, taquiarritmias incontroláveis, síndrome do QT lon- cipar de atividades físicas competitivas de baixa inten-
go, síncope inexplicada, morte súbita prévia, e dilata- sidade (IA). Pacientes selecionados podem realizar ati-
ção do arco aórtico. Quando houver insuficiência mitral vidades classe IA, IB, IIA, IIB.
associada, esta deve ser considerada na orientação
de atividade física(5, 6). Pós-operatório de pacientes submetidos a
valvoplastia
Insuficiência tricúspide Neste item estão incluídos os pacientes portadores
A insuficiência tricúspide pode ser secundária a di- de estenose mitral, que realizam valvoplastia por cate-
latação ventricular direita, associada à hipertensão pul- ter-balão, e os pacientes que apresentam insuficiência
monar. Insuficiência tricúspide primária é rara, relacio- mitral corrigida por plástica mitral. No caso da valvo-
nada a doença reumática e endocardite infecciosa. Pa- plastia por balão, as recomendações de atividade físi-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 157
ca baseiam-se no grau de CONCLUSÃO
estenose residual após o
procedimento. Em relação A recomendação de atividade física e esporte deve
TARASOUTCHI F à plástica mitral, os paci- ser feita com cautela em portadores de doenças cardí-
e cols. entes devem ser aconse- acas, particularmente as doenças valvares. As valvo-
Valvopatias: lhados às atividades com- patias apresentam espectro variável de apresentação,
atividades físicas
e esporte
petitivas de baixa intensi- e, por esse motivo, as orientações de prática esportiva
dade (classe IA). Casos devem ser individualizadas. O tipo de valvopatia, a gra-
selecionados poderão re- vidade da lesão e a presença de sintomas (capacida-
alizar atividades modera- de funcional) são os principais parâmetros analisados
das (IA, IB, IIA, IIB)(5, 6). para a orientação do esporte.

VALVOPATHY: PHYSICAL ACTIVITY AND SPORTS

FLÁVIO TARASOUTCHI, MARCELO KATZ, TARSO A. D. ACCORSI, MAX GRINBERG

When recommending physical activity and sports, the physician must consider
the characteristics of the proposed activity, associated to the type of valvopathy and
its seriousness. One way to classify the physical activity/sport is by the type of exer-
cise and intensity employed in its practice. Thus, exercises can be classified in dyna-
mic, light static, moderate and intense. The evaluation of the valvular desease, on
the other hand, is initiated through the diagnostic, with anamnesis, physical exami-
nation and complementary exams, supplemented by the stratification of serious-
ness which takes into account functional and anatomical parameters of the valves,
anatomic alterations of the heart and the presence of symptoms, mainly dyspnea at
effort. Therefore, based on the functional and anatomical diagnostic of the valvopa-
thy and with the characterization of the seriousness, the physician can recommend
the physical activity and or the sport in an individualized way for the patient.

Key words: valvopathy, physical activity, sport.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:152-9)


RSCESP (72594)-1524

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 159
MIOCARDIOPATIAS: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTE
NASTARI L e cols.
Miocardiopatias: LUCIANO NASTARI, MARIA JANIEIRE NAZARÉ NUNES ALVES, CHARLES MADY
atividades físicas
e esporte

Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 — CEP


05403-900 — São Paulo — SP

Jovens atletas têm sido, atualmente, considerados como uma parte especial da
sociedade. Entretanto morte cardíaca súbita pode ocorrer mesmo na ausência de
sintomas prévios, e esse fato tem impacto emocional e social considerável na opi-
nião pública.
Nos Estados Unidos, a cardiomiopatia hipertrófica apresenta-se como a causa
mais comum de morte súbita entre atletas. Diversas doenças cardiovasculares pre-
sentes em atletas podem determinar a morte súbita, entre as quais destacam-se a
miocardiopatia dilatada, a displasia arritmogênica do ventrículo direito, a miocardite
viral, a endomiocardiofibrose e a doença arterial coronariana.
As diretrizes para qualificar ou não os atletas capazes de participar de treina-
mento intensivo e atividades competitivas são fundamentais, porque essas condi-
ções aumentam o risco de morte súbita em atletas nos quais a condição cardíaca
apresenta risco que poderá determinar o afastamento definitivo ou temporário des-
ses atletas para competições.
Nos pacientes com insuficiência cardíaca estável, treinamento com exercícios de
intensidade leve a moderada e duração prolongada não apresentou sinais de dete-
rioração dos volumes e da função ventricular esquerda, tendo apresentado redução
significativa da atividade simpática, mostrando-se seguro e efetivo, com melhora da
tolerância ao exercício e da qualidade de vida.
A forma indeterminada da doença de Chagas, claramente, apresenta-se como
uma condição benigna com favorável prognóstico ao longo do tempo. A presença de
taquicardia ventricular no teste de esforço está associada com elevada incidência
de morte súbita em pacientes portadores de cardiopatia da doença de Chagas em
sua forma crônica e com arritmia ventricular presente.
Os efeitos do treinamento com exercícios físicos em pacientes com ou sem sinto-
mas nas principais cardiopatias restritivas, hipertróficas e dilatadas, serão aborda-
dos neste capítulo.

Palavras-chave: miocardiopatias, exercício, morte súbita, atletas.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:160-8)


RSCESP (72594)-1525

MIOCARDIOPATIAS E EXERCÍCIO principal sintoma que interrompe a progressão do es-


forço em mais de um terço dos pacientes com disfun-
As doenças cardíacas que alteram a estrutura do ção miocárdica(1). O aumento da pressão transpulmo-
miocárdio caracterizam-se principalmente pela limita- nar (Vd/Vt) e da tensão dos músculos inspiratórios leva
ção da capacidade física para a realização de um es- à necessidade de aumento da ventilação, o que au-
forço físico repentino ou progressivo. A dispnéia é o menta a intensidade da dispnéia. Paralelamente à fadi-

160 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
ga da musculatura respi- dade da morbidade e da mortalidade.
ratória observa-se a fadi- O principal diagnóstico diferencial a ser considera-
ga da musculatura perifé- do é a presença de hipertrofia ventricular esquerda de-
NASTARI L e cols. rica, elevando-se a inten- corrente da conseqüência fisiológica ao treinamento
Miocardiopatias: sidade de ambos, esforço atlético intenso. A avaliação periódica por meio de eco-
atividades físicas muscular e dispnéia. A li- cardiografia bidimensional pode demonstrar, em atle-
e esporte
mitação cardiovascular ao tas de elite, redução da espessura da parede de 2,0
esforço é considerada tão mm a 5,0 mm, no período de três meses de descondi-
significativa que a classifi- cionamento(2). No seguimento de atletas acompanha-
cação do grau de acome- dos no Ambulatório de Cardiologia Esportiva do Insti-
timento da disfunção mio- tuto do Coração (Incor/HC-FMUSP), que cursam com
cárdica é baseada, há dé- hipertrofia ventricular esquerda moderada/importante,
cadas, no estágio ou grau de acometimento dessa in- tem-se observado regressão das dimensões cardíacas
capacidade de tolerar o exercício. (“New York Heart e da massa ventricular no período de três a cinco me-
Association” – NYHA). Este capítulo tem como objetivo ses.
demonstrar as distintas limitações e indicações do exer- Em um amplo levantamento com base nas autópsi-
cício físico nas diferentes classificações das miocardi- as da população de atletas dos Estados Unidos, a car-
opatias, divididas em suas formas clínicas: hipertrófi- diomiopatia hipertrófica foi a causa mais freqüente, re-
ca, dilatada e restritiva. presentando um total de um terço de todos os óbitos(3).
As recomendações para a prática de atividade física
MIOCARDIOPATIA HIPERTRÓFICA competitiva em portadores de cardiomiopatia hipertró-
fica foram bem definidas na 26ª Conferência de Be-
Caracterizada como desordem primária do miocár- thesda para Recomendação e Qualificação Atlética,
dio, a cardiomiopatia hipertrófica é definida como au- apresentada pelo “American College of Cardiology”(4).
mento da massa ventricular com desarranjo estrutural Entre elas, destaca-se que atletas com diagnóstico
de miócitos e miofibrilas. A manifestação estrutural pode demonstrado de cardiomiopatia hipertrófica não podem
ser definida como segmentar ou maciça concêntrica participar de esportes competitivos, com possível ex-
ou assimétrica e difusa ou focal, dependendo da clas- ceção para esportes de baixa intensidade. Essas reco-
sificação. A incidência da doença pode ser familiar, por mendações incluem aqueles atletas com ou sem sinto-
transmissão autossômica dominante ou, ainda, por ocor- mas e com ou sem obstrução de fluxo na via de saída
rência genética aleatória, como doença esporádica. do ventrículo esquerdo.
É importante o conhecimento dessas definições na Na Unidade de Miocardiopatias do InCor, está sen-
prática do esporte, considerando-se que a cardiomio- do realizado o acompanhamento de mais de 500 ca-
patia hipertrófica pode ocorrer sem a presença de si- sos de cardiomiopatia hipertrófica, em que todo indiví-
nais e sintomas, associado ao fato de que os indivídu- duo ou paciente com esse diagnóstico é orientado a
os são em sua maioria diagnosticados a partir de uma parar todo tipo de atividade física com caráter compe-
avaliação familiar. Além disso, a disfunção miocárdica titivo, podendo realizar atividades recreativas. Em ca-
nesse tipo de afecção é diastólica, e algumas vezes, sos selecionados, principalmente indivíduos jovens as-
dependendo da forma estrutural como é expressa, as sintomáticos, sem fatores de risco de morte súbita re-
alterações funcionais somente serão identificadas du- conhecidos (parada cardiorrespiratória recuperada,
rante esforço. Assim sendo, nos casos suspeitos, está morte súbita em parentes de primeiro grau com menos
indicada a ecocardiografia de estresse físico. de 45 anos de idade, síncope de repetição, taquicardia
A valorização dos relatos de alguns sintomas que ventricular não-sustentada ao Holter de 24 horas, hi-
progridem insidiosamente ao longo do tempo, tais como pertrofia ventricular > 30 mm, gradiente de via de saí-
dispnéia ou angina atípica, e a presença de palpita- da do ventrículo esquerdo > 30 mmHg ao ecocardio-
ções que comumente evoluem para fibrilação atrial ou grama, e não incremento da pressão arterial sistólica à
arritmias ventriculares podem ser um alerta para a in- eletrocardiografia de esforço)(5), tem sido indicada ava-
vestigação clínica e o diagnóstico precoce da cardio- liação cardiopulmonar, com a qual pode-se orientar
miopatia hipertrófica. Além disso, em pré-adolescen- melhor o tipo e a quantidade de trabalho a ser realiza-
tes e adolescentes, a realização de uma investigação do com supervisäo de um educador físico.
clínica adequada e a identificação diagnóstica precoce
são importantes para se impedir a ocorrência fatal. MIOCARDIOPATIA DILATADA
Presença de insuficiência cardíaca congestiva em
fases avançadas da doença e eventos embólicos tem A partir das observações inerentes, a limitação da
sido observada, podendo contribuir para a prematuri- manutenção de exercício progressivo e súbito em por-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 161
tadores de disfunção sis- sistência ocasionam aumento substancial da freqüên-
tólica moderada é impor- cia cardíaca e retorno lento no pós-esforço. Nessas
tante. Demonstrou-se que condições, recomenda-se que a carga de trabalho uti-
NASTARI L e cols. o exercício melhora a ca- lizada seja de baixa intensidade e em torno de 40% a
Miocardiopatias: pacidade oxidativa dos 60%, em grandes grupos musculares, em circuitos (va-
atividades físicas vasos de músculos esque- riando o grupo muscular a ser utilizado), e que sejam
e esporte
léticos e corrige a disfun- realizados exercícios localizados na ausência de ma-
ção endotelial da muscu- nobra de Valsalva e isometria muscular, respeitando
latura esquelética tanto na os limites de freqüência cardíaca determinados para a
miocardiopatia dilatada atividade aeróbia. Além disso, é importante o retorno
como na miocardiopatia da freqüência cardíaca à situação pré-esforço, antes
isquêmica, podendo pro- que o paciente se aventure em nova sessão de exercí-
mover redução da resistência vascular periférica e cios localizados. Essa recomendação tem evidenciado
melhora do volume sistólico. Também pode ser expli- modificações hemodinâmicas semelhantes às obser-
cada por meio desses mecanismos a melhora da per- vadas no treinamento aeróbio em pacientes com dis-
fusão do miocárdio, evidenciada na ausência de modi- função sistólica do ventrículo esquerdo(10).
ficações do diâmetro de coronária. A melhora do fluxo Nesses indivíduos, a medida de limites objetivos
miocárdico colateral em regiões infartadas e não-infar- para se indicar uma atividade aeróbia é primordial na
tadas, tardiamente, após evento isquêmico agudo, pode definição da dose de exercício a ser prescrita para o
levar a alguma recuperação da função tanto global como paciente, bem como para promover as modificações
regional do ventrículo esquerdo(6).A ativação neuro- metabólicas e cardiorrespiratórias necessárias para
humoral na insuficiência cardíaca é o principal deter- melhorar a tolerância ao esforço. Tem-se utilizado, como
minante prognóstico de morbidade e mortalidade nes- parâmetro, a ergoespirometria ou teste de avaliação
ses doentes. A terapêutica farmacológica por si só tem cardiorrespiratória. Por meio dessa avaliação, obtém-
aumentado a sobrevida na insuficiência cardíaca; no se o limiar anaeróbio e o ponto de descompensação
entanto, a redução da ativação simpática, promovida respiratória. Na prática, quando se tem uma ergoespi-
pelo treinamento físico, foi claramente demonstrada em rometria, estabelece-se a intensidade do treinamento
pacientes com disfunção moderada e com insuficiên- aeróbio com base nos limiares ventilatórios, o que sig-
cia cardíaca estável(7). Assim, o exercício físico pode nifica exercício com limite mínimo de freqüência cardí-
otimizar a prescrição farmacológica de pacientes com aca igual ao correspondente ao limiar anaeróbio e limi-
miocardiopatia, melhorando a classe funcional, a ca- te máximo igual à freqüência cardíaca no ponto em que
pacidade para o exercício e a qualidade de vida. A res- há descompensação respiratória. Dessa forma, o exer-
posta do débito cardíaco ao exercício também pode cício será realizado com a utilização de metabolismo
ser preditor independente para sobrevida na insufici- predominantemente aeróbio, o que desencadeará, se-
ência cardíaca(8) A melhora do consumo de oxigênio gundo o princípio da especificidade, adaptações nos
de pico e a redução precoce da fadiga muscular e res- sistemas energéticos oxidativos, além de atuar positi-
piratória com o treinamento físico reforçam os efeitos vamente nos sistemas cardiovascular e autonômico, e
benéficos periféricos promovidos pelo exercício(1). Em- também nos fatores de risco já estudados.
bora os efeitos benéficos tenham sido atribuídos pre- Quando não se dispõe de ergoespirometria, mas
dominantemente a adaptações na circulação periféri- sim de teste ergométrico, pode-se utilizar 60% a 85%
ca e nos músculos esqueléticos, também se atribuem da freqüência cardíaca máxima alcançada no teste, que
adaptações no desempenho cardíaco. se supõe ser realmente máximo. Se houver medida da
O exercício físico regular do tipo aeróbio, prolonga- freqüência cardíaca de repouso, pode-se utilizar o cál-
do e de intensidade leve a moderada tem indicação culo de 60% a 70% da reserva de freqüência cardíaca
precisa na presença de disfunção ventricular, tanto por (Tab. 1).
reduzir as repercussões da ativação neuro-humoral(9)
na periferia como por melhorar o desempenho funcio- Miocardiopatia isquêmica crônica com
nal diastólico(8). Qualquer treinamento de resistência indicação para tratamento clínico
muscular em portadores de dilatação ventricular tem Um grupo que tem se beneficiado sobremaneira com
indicação limitada quando se refere à intensidade. Os o tratamento não-farmacológico por meio de treinamen-
pacientes com insuficiência cardíaca sistólica são de- to físico bem dosado é o dos pacientes com história
pendentes do aumento da freqüência cardíaca para prévia de infarto do miocárdio ou, ainda, que apresen-
manter o débito cardíaco em repouso, porém durante tam fatores de risco associados e doença arterial coro-
o esforço o aumento da freqüência cardíaca pode oca- nária de microcirculação com algum grau de disfunção
sionar queda do volume ejetado. Os exercícios de re- miocárdica e com tratamento meramente clínico.

162 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
Os resultados devem- suficiente para reduzir a progressão da placa ateros-
se às modificações hemo- clerótica. O seguimento desses pacientes, submetidos
dinâmicas, tais como au- a programa intervencionista (dieta associada a exercí-
NASTARI L e cols. mento do volume de eje- cio prolongado), evidenciou também, após seis anos
Miocardiopatias: ção ventricular em repou- de acompanhamento, regressão da placa ateroscleró-
atividades físicas so e durante o exercício e tica(15). Os resultados foram verificados em pacientes
e esporte
redução da freqüência car- portadores de doença arterial coronariana que apre-
díaca em repouso e duran- sentaram gasto calórico semanal médio de aproxima-
te exercício submáximo(11). damente 2.200 kcal/semana(12). Quando os pacientes
Além disso, há modifica- portadores de doença arterial coronariana atingiam

Tabela 1. Cálculo da freqüência cardíaca de treinamento físico aeróbio para indivíduos em prevenção primária,
a partir da ergoespirometria, da ergometria e da estimativa da freqüência cardíaca máxima pela idade.

Limite inferior Limite superior


de trabalho de trabalho

Ergoespirometria Freqüência cardíaca Freqüência cardíaca


no limiar anaeróbio no ponto de
descompensação respiratória
Freqüência cardíaca máxima FC máx x 0,60 FC máx x 0,85
Reserva de freqüência cardíaca = (FC máx - FC repouso)x 0,50 = (FC máx - FC repouso) x 0,70
Estimativa da freqüência
cardíaca máxima = (220 - idade) x 0,70 = (220 - idade) x 0,85

FC máx = freqüência cardíaca máxima; FC repouso = freqüência cardíaca de repouso.

ção estrutural, pois, mesmo na ausência de regressão gasto calórico semanal a partir de aproximadamente
da placa aterosclerótica em vasos coronarianos epi- 1.800 kcal, entretanto, já podia ser observada interrup-
cárdicos, evidencia-se resposta vasodilatadora endo- ção da progressão da placa aterosclerótica, ou seja,
telial melhorada desses vasos, reduzindo proporcional- estabilização da doença arterial coronariana.
mente os efeitos localizados da estenose(12). Esse re- Dessa forma, fica evidente que o exercício físico
sultado espetacular deve-se principalmente ao recru- pode e deve ser indicado para o portador de doença
tamento de vasos coronarianos colaterais durante o arterial coronariana, bem como para indivíduos com
esforço físico e ao aumento da densidade de capilares fatores de risco para a mesma. Há que se observar,
arteriolares no miocárdio e na musculatura esqueléti- entretanto, qual a orientação mais adequada para cada
ca. caso.
Clinicamente, evidencia-se atenuação da depressão
do segmento ST à eletrocardiografia durante o teste Cardiomiopatia da doença de Chagas
de esforço, bem como diminuição ou desaparecimento A história natural da doença de Chagas é compos-
dos defeitos de perfusão evidenciados na cintilografia ta de fases e formas clínicas, em que aparece de for-
miocárdica com tálio, para o mesmo nível de esforço(13). ma clara a dissociação entre presença de sintomas e
Esses resultados são indicativos de aumento substan- sinais objetivos de lesão miocárdica.
cial da perfusão intramiocárdica e, principalmente, da Após a fase aguda de infestação, em que não mais
modificação metabólica expressa pela melhora signifi- de 10% dos pacientes apresentam manifestações clí-
cativa da capacidade oxidativa enzimática intrínseca nicas consistentes com o diagnóstico de cardite cha-
na musculatura cardíaca e esquelética e reestabeleci- gásica, em poucas semanas a parasitemia e a reação
mento da função endotelial coronariana(14). inflamatória sistêmica são caracteristicamente reduzi-
Estudo populacional em portadores de doença ar- das e inicia-se a intrigante forma indeterminada. Gran-
terial coronariana, acompanhados por arteriografia co- de porcentagem de pacientes permanecerá nesse es-
ronária, concluiu que um ano de atividade física regu- tágio evolutivo da doença, apresentando prognóstico
lar aeróbia associada a dieta pobre em gorduras já era muito semelhante ao de indivíduos normais.(16) A mio-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 163
cardite crônica fibrosante nica da doença de Chagas e a correlação com presen-
focal, que se desenvolve ça ou não de sintomas permanecem com significado
de modo lento, mas persis- prognóstico obscuro, uma vez que nenhum estudo mul-
NASTARI L e cols. tente, durante longo perí- ticêntrico prospectivo de seguimento por longo prazo
Miocardiopatias: odo de normalidade clíni- foi avaliado até o momento.
atividades físicas ca, promove dano cumu- Estudos com o acompanhamento de pacientes as-
e esporte
lativo, que, ao atingir de- sintomáticos, portadores da forma crônica em fase ini-
terminado limiar, alcança o cial da doença (apresentando alterações eletrocardio-
ponto crítico a partir do gráficas e sem alterações de disfunção ventricular), em
qual surgem os sintomas seguimento de dez anos(19), demonstraram sobrevida
e sinais físicos de insufici- de 61,3% para o grupo assintomático com eletrocardi-
ência cardíaca, condição ograma alterado. Outros autores obtiveram resultados
rotulada como forma crônica da doença. Assim, tais semelhantes para esse grupo de pacientes(20). Quando
conceitos apresentados nessa teoria fisiopatológica in- submetidos a avaliação da capacidade funcional pelo
dicam que as fases indeterminada e crônica represen- VO2 máx, esses pacientes apresentam diminuição sig-
tam evolução única no contexto da história natural da nificativa, em comparação ao grupo controle normal(21).
doença de Chagas. O infiltrado inflamatório linfomono- Nas formas mais avançadas, com o estabelecimento
nuclear e a fibrose intersticial de distribuição multifocal da disfunção ventricular, os poucos trabalhos evoluti-
são responsáveis pela disfunção do nó sinusal, pelos vos demonstram acentuada piora da mortalidade, in-
bloqueios atrioventriculares, pelas arritmias ventricula- clusive em comparação com outras formas etiológicas
res isoladas e repetitivas, e, também, pela disfunção de insuficiência cardíaca(22).
autonômica do coração. Esse acometimento cardíaco Os sintomas mais freqüentemente encontrados nes-
também pode ser observado na forma indeterminada sa fase da doença são a dispnéia e a fadiga, e a análi-
da doença de Chagas, porém em menor intensidade. se subjetiva desses dados clínicos constitui a base da
A morte súbita é uma das principais causas de morte classificação adotada e amplamente difundida pela
em chagásicos, independentemente da presença de NYHA. Para diminuir a possibilidade de variação de ob-
sinais e sintomas de insuficiência cardíaca. O principal servadores distintos, a análise da capacidade funcio-
mecanismo de morte súbita é a taquicardia ventricular nal pela ergoespirometria com determinação de VO2
sustentada, em geral rápida, às vezes polimórfica, de- máx revelou-se de grande utilidade na avaliação do grau
generando para fibrilação ventricular. de disfunção ventricular(7, 23), no diagnóstico(24), e no
Na abordagem de recomendações em relação a ati- prognóstico(25) da insuficiência cardíaca, inclusive para
vidade física e cardiopatia chagásica, podem ser con- indicação de tratamento cirúrgico. Por outro lado, paci-
sideradas orientações para portadores de forma inde- entes com cardiopatia chagásica e insuficiência cardí-
terminada, forma crônica e forma arritmogênica da aca em classe funcional II-IV podem apresentar VO2
doença. máx comparáveis com indivíduos normais sedentári-
Forma indeterminada os(26). Não existem, até o momento, trabalhos na litera-
Após avaliação clínica completa, que deve ser de- tura que tornem possível estratificar, de forma segura,
terminada pela história clínica e pelo exame físico, com- os riscos da forma crônica da doença. O desconheci-
plementado com a avaliação laboratorial que deve con- mento da completa história natural impede que se con-
sistir de eletrocardiografia, radiografia de tórax e estu- vencionem quais são as permissividades toleráveis.
do radiológico de esôfago e cólon, a ausência de alte- Assim sendo, o diagnóstico de fase crônica da doença
rações clínicas e laboratoriais determina o diagnóstico constitui empecilho para a realização de atividades fí-
da forma indeterminada da doença. Com base nos as- sicas de caráter esportivo.(27).
pectos prognósticos apresentados anteriormente(17,18), Pacientes portadores de insuficiência cardíaca apre-
parece ser justificada a recomendação virtualmente sentam benefícios(9) com o tratamento com exercícios
consensual de que os pacientes assintomáticos, nes- em programas de reabilitação cardiovascular. Esses
sa fase da doença, mesmo apresentando evidências pacientes, após avaliação com especialista cardiolo-
laboratoriais de dano miocárdico insipiente, não devam gista, podem ser programados para realizar atividade
receber restrições quanto a sua atividade física(16). Exis- física, supervisionada ou não. É cada vez maior o nú-
tem controvérsias em relação à liberação desses paci- mero de estudos que preconizam exercícios não-su-
entes para exercer atividades que envolvam risco pró- pervisionados, após período de aprendizado supervi-
prio e para a coletividade, como, por exemplo, pilotar sionado, visando, com isso, ao menor custo e à maior
aviões, conduzir coletivos e máquinas perigosas, etc. comodidade para o paciente. A realização de avalia-
Forma crônica ção funcional cardiorrespiratória (ergoespirometria),
As diversas fases evolutivas possíveis na forma crô- com determinação do limiar anaeróbico e do ponto de

164 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
descompensação respira- miocardites, que, muitas vezes, se apresentam assin-
tória, é de fundamental im- tomáticas do ponto de vista cardiovascular mas são
portância para melhor se- potencialmente malignas para esses atletas, que po-
NASTARI L e cols. guimento desses pacien- dem ser vítimas de arritmias cardíacas e morte súbi-
Miocardiopatias: tes. ta(31).
atividades físicas Para a população de atletas, é baixo o risco de morte
e esporte
Miocardites súbita(32, 33). Do total de eventos de morte súbita regis-
A miocardite é uma in- trado nos Estados Unidos, a miocardite está presente
flamação cardíaca que re- em porcentagem inferior a 5% do número total de ca-
sulta mais freqüentemen- sos(3, 4, 34), sendo a arritmia a principal causa de morte
te de um processo infecci- súbita para esse grupo de pacientes(4, 35).
oso, embora também pos- O diagnóstico de miocardite aguda pelos dados des-
sa ser resultante de agressão secundária do sistema critos na literatura deve contra-indicar atividades físi-
imunológico, agentes químicos, agentes físicos ou ir- cas competitivas, pelo risco em potencial de apareci-
radiação. Entre os agentes infecciosos, o mais comum mento de arritmias malignas. Esses pacientes devem
é o viral, principalmente os enterovírus, sendo o cox- ser submetidos a controle clínico rigoroso e com deter-
sackie do tipo B o mais comum e responsável por 50% minação do término do quadro agudo; na não-consta-
dos casos. tação de lesões cardiológicas remanescentes deverá
Os pacientes com miocardite viral com freqüência ser indicado o retorno às atividade físicas. Atletas que
têm história de doença respiratória de vias aéreas su- estiverem em vigência de quadro infeccioso agudo de-
periores, com quadro febril definido, e/ou síndrome gri- verão ser retirados de atividades esportivas competiti-
pal precedente, com nasofaringite ou amidalite eviden- vas, até o controle do quadro agudo, para diminuir o
tes. O isolamento do vírus nas fezes, nos lavados fa- risco de arritmias por possíveis miocardites.
ríngeos ou em outros líquidos corporais e as altera-
ções dos níveis de anticorpos específicos são clinica- Displasia arritmogênica do ventrículo direito
mente úteis. Os pacientes podem também apresentar- Doença caracterizada por desordem no músculo
se assintomáticos ou com ocorrência de arritmias fre- cardíaco, de causa não conhecida e caracterizada pa-
qüentes e até morte súbita. A infecção pelo vírus cox- tologicamente por substituição fibroadiposa do tecido
sackie B é mais freqüente em adolescentes e mulhe- muscular do ventrículo direito. Apresenta característi-
res jovens, e a gravidez e o estado pós-parto parecem ca familiar em aproximadamente 30% dos casos, com
predispor ao comprometimento do coração. herança autossômica dominante e incidência estima-
Após uma fase inicial de agressão viral direta ao da de um para cinco mil indivíduos.
miocárdio, que dura no máximo uma ou duas sema- A história natural da doença é determinada por ins-
nas, a evolução posterior para a cura sem seqüelas é tabilidade elétrica do miocárdio distrófico, a qual pode
muito freqüente, embora a miocardite viral aguda pos- precipitar o aparecimento de arritmias de repouso em
sa evoluir ocasionalmente para uma forma crônica com qualquer momento do curso da doença. A progressiva
miocardiopatia dilatada. perda do miocárdio resultará em disfunção ventricular
Nos últimos cem anos, foram publicados mais de e insuficiência cardíaca.
600 trabalhos científicos, especificamente na aborda- Não existem estudos clínicos prospectivos contro-
gem da interação entre atividade física e alterações lados que determinem marcadores clínicos que pos-
imunológicas. Essas respostas dependem de uma sé- sam predizer a ocorrência de arritmias. A história clíni-
rie de fatores, que incluem, entre outros, intensidade, ca típica é composta de síncopes, palpitações, taqui-
duração, modalidade do exercício, mudanças da tem- cardia ventricular ou fibrilação ventricular espontânea,
peratura corporal, estado de hidratação, e posição cor- bloqueio de ramo direito e disfunção ventricular direita,
poral.(28, 29) que pode ser bem determinada pela ressonância nu-
Em geral, os exercícios de moderadas duração (> clear magnética do coração(36).
60 minutos) e intensidade (> 60% VO2 máx) estão as- Os registros de morte súbita em atletas da região
sociados a poucas alterações e menor estresse no sis- do Vêneto, na Itália, diferem das estatísticas america-
tema imunológico. Alguns trabalhos demonstram que nas, por ser a displasia arritmogênica do ventrículo di-
níveis elevados de atividade física podem aumentar a reito a causa mais comum de morte súbita em atletas
suscetibilidade às infecções respiratórias superiores, nessa região(37). Essa diferença pode ser explicada por
principalmente para agentes virais, embora a resistên- uma particular predisposição genética dessa popula-
cia para infecções bacterianas permaneça aparente- ção italiana.
mente inalterada(30). A presença de quadros infeccio- O tratamento baseia-se no uso de drogas antiarrít-
sos virais aumenta a possibilidade de ocorrência de micas e, na maioria dos casos, no uso de desfibrilador

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 165
implantável. nismos são: deposição de fibrose e hipertrofia ou infil-
Uma vez estabelecido tração decorrentes de inúmeras causas.
o diagnóstico, esses pa- A incapacidade de enchimento ventricular limita o
NASTARI L e cols. cientes devem ser orien- débito cardíaco e eleva a pressão de enchimento; as-
Miocardiopatias: tados a evitar atividades sim, intolerância ao exercício e dispnéia são os sinto-
atividades físicas físicas competitivas; mes- mas mais observados.
e esporte
mo após o uso de desfi- O principal representante desse grupo em nosso
brilador implantável para meio é a endomiocardiofibrose. A capacidade máxima
a prevenção primária de de consumo de oxigênio apresenta-se comprometida
morte súbita, está contra- de forma diretamente proporcional à disfunção ventri-
indicada a participação cular(39). Não existem, até o momento, trabalhos cientí-
em atividades esportivas ficos que demonstrem a presença de possíveis marca-
competitivas(38). dores clínicos para predizer mortalidade para esses
pacientes.
MIOCARDIOPATIAS RESTRITIVAS Em um levantamento de nove anos, em que fo-
ram registradas 29 mortes entre atletas(40), a endo-
A característica fundamental desse grupo é a fun- miocardiofibrose esteve presente como causa de
ção diastólica anormal, em que as paredes ventricula- mortalidade em um atleta. O diagnóstico de miocar-
res se encontram excessivamente rígidas, comprome- diopatia restritiva deve contra-indicar a prática des-
tendo a complacência ventricular. Os principais meca- portiva competitiva.

166 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
CARDIOMYOPATHIES: EXERCISE AND SPORTS
NASTARI L e cols.
Miocardiopatias: LUCIANO NASTARI, MARIA JANIEIRE NAZARÉ NUNES ALVES, CHARLES MADY
atividades físicas
e esporte

Young athletes have been regarded as a special part of society. Nevertheless,


sudden cardiac death can occur, usually in the absence of prior symptoms and they
have a considerable emotional and social impact on the lay public.
In the United States, hypertrophyc cardiomyopathy has consistently been the
single most common cadiovascular cause of sudden death. A diverse array of other
cardiovascular disease among athletes may be conditions known to cause sudden
death, such as dilated cardiomyopathy, arrhythmogenic right ventricular cardiomyo-
pathy, myocarditis, endomyocardial fibrosis, atherosclerotic coronary artery disea-
se.
The guidelines for athletic eligibility or disqualification are predicated on the pre-
mise that intense training and competition increase the risk of sudden death in sus-
ceptible athletes with heart disease and that this risk is likely to be reduced by tem-
porary or permanent withdrawal of the athletes from sports.
In stable chronic heart failure, long-term moderate of exercise training has no
detrimental effects on left ventricular volumes and function, reduces resting sympa-
thetic neural activation, is safe and effective in improving exercise tolerance and
quality of life.
The indeterminate form of Chagas’ disease clearly represents a benign condition
with a favorable long-term prognosis. Ventricular tachycardia on exercise testing is
associated with sudden cardiac death in patients with chronic chagasic cardiomyo-
pathy and ventricular arrhythmias.
The effects of exercise training in patients with asymptomatic or symptomatic
restrictive, hypertrophic and dilated cardiomyopathy will be analyzed in this paper.

Key words: cardiomyopathy, exercise, sudden death, athletes.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:160-8)


RSCESP (72594)-1525

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168 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
CARDIOPATIAS CONGÊNITAS: ATIVIDADES FÍSICAS
TEBEXRENI AS E ESPORTE
e cols.
Cardiopatias congênitas:
atividades físicas
e esporte ANTONIO SERGIO TEBEXRENI, MARIA APARECIDA DE PAULA E SILVA,
ANTONIO CARLOS DE CAMARGO CARVALHO

Disciplina de Cardiologia/CEMAFE — Universidade Federal de São Paulo —


Escola Paulista de Medicina

Endereço para correspondência: Rua Napoleão de Barros, 715 — 10º andar —


Vila Clementino — CEP 04024-002 — São Paulo — SP

A prática regular de atividades físicas e esportes vem sendo cada vez mais di-
fundida e estimulada pelos benefícios que acarreta à saúde física e mental, e, con-
seqüentemente, com sensível melhora da qualidade de vida, não somente em indi-
víduos hígidos como também em portadores de diferentes tipos de doenças. Na
área da cardiologia, esse conceito se aplica especialmente para a reabilitação de
coronarianos e miocardiopatas.
No presente artigo, os autores analisam as cardiopatias congênitas e suas rela-
ções com as atividades físicas e exercícios, considerando a variabilidade de apre-
sentações clínicas dessas doenças, tanto em indivíduos não operados que seguem
sua história natural como naqueles submetidos a cirurgia para correção anatômica
ou funcional das cardiopatias, assintomáticos ou muito sintomáticos e com alto grau
de comprometimento cardíaco e incapacidade física. São analisadas, também, as
características dos exercícios, como tipos e intensidade, procurando uma conduta
com base em diretrizes de reconhecida reputação e também na experiência dos
autores.

Palavras-chave: cardiopatias congênitas, atividades físicas, exercícios.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:169-83)


RSCESP (72594)-1526

INTRODUÇÃO al entre crianças, adolescentes e adultos jovens, ad-


vém com o incentivo da atividade física e com o relaci-
As cardiopatias congênitas correspondem a 0,8% onamento em seu próprio meio e na comunidade; por-
do total de nascimentos vivos(1) e se apresentam com tanto, ações comunitárias direcionadas e programas
quadros variados de comprometimento, desde padrões de atividade física acarretam grandes benefícios em
absolutamente “inocentes”, que cursam com pouca ou todos os aspectos citados(2, 3).
nenhuma repercussão clínica ou hemodinâmica, até Especificamente no caso das cardiopatias congêni-
aqueles que se apresentam como doenças de grande tas, a prescrição adequada de um programa de exercí-
complexidade, com comprometimento anatomofuncio- cios físicos é muito importante, porque tem influência
nal acentuado, altamente limitantes e de prognóstico direta na evolução e no acompanhamento desses pa-
sombrio. cientes(4). Também não podemos esquecer que a res-
Independentemente de haver ou não presença de trição excessiva de atividades físicas nesse grupo de
cardiopatia congênita, sabe-se que o desenvolvimento indivíduos pode causar consideráveis danos físicos e
tanto psicológico como físico, além da integração soci- psicológicos(5).

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 169
Embora se saiba que a norizadamente avaliados(4, 8). Também, em conse-
morbidade e a mortalida- qüência de modificações estruturais e funcionais oca-
de conseqüentes à práti- sionadas pelo tratamento cirúrgico ou decorrentes da
TEBEXRENI AS ca de exercícios nesse evolução da doença, o emprego de métodos diag-
e cols. grupo de pacientes sejam nósticos auxiliares é necessário(4, 8).
Cardiopatias congênitas: raras, e que relativamente Atualmente, métodos diagnósticos não-invasivos,
atividades físicas
e esporte
poucas doenças cardía- como a ecodopplercardiografia e a ressonância nucle-
cas são associadas com ar magnética, permitem a obtenção de relevantes in-
morte súbita durante a ati- formações anatômicas e funcionais com boa acurácia,
vidade esportiva(6), há uma como, por exemplo, o tamanho da cavidade e a função
série de desafios para a dos ventrículos e das valvas cardíacas, a presença de
correta prescrição de exer- “shunts” e a estimativa das pressões intracavitárias,
cícios por haver poucas informações disponíveis so- principalmente da artéria pulmonar, informação funda-
bre a intensidade e o tipo de atividade a ser adminis- mental para a prescrição de exercícios. Além das im-
trada, isto é, quanto à segurança de realizar exercícios portantes informações hemodinâmicas obtidas pela
vigorosos. Apesar dessas considerações, há mais de ecodopplercardiografia, o emprego de outros métodos
uma década já se detectou maior permissividade para diagnósticos, como teste ergométrico, Holter, catete-
a participação desses pacientes nessas atividades, sem rismo cardíaco e estudo eletrofisiológico, é de grande
evidências de efeitos prejudiciais(7). utilidade na obtenção de dados que permitem avalia-
ção mais fidedigna das reais condições de cada paci-
AVALIAÇÃO GERAL ente(4).
Para o portador de cardiopatia congênita, a libera-
Com o progresso obtido no campo do diagnóstico e ção para a prática desportiva depende, em algumas
do tratamento, a sobrevivência dos portadores de car- circunstâncias, da presença e da intensidade de sinto-
diopatia congênita até a idade adulta é de cerca de mas, informações que podem ser difíceis de avaliar,
80%, na maior parte dos casos com boa ou ótima ca- particularmente nos sedentários(9). Esses indivíduos
pacidade física e intelectual(1). podem relatar falta de ar ao exercício, que pode ser
Na prática, para a prescrição de atividades físicas e causada pelo descondicionamento físico ou por des-
de exercícios para esses indivíduos, é fundamental que compensação cardíaca incipiente. Em alguns casos, o
o médico responsável tenha conhecimento pleno da teste ergométrico pode avaliar a tolerância ao exercí-
doença e do doente. São diversas as manifestações cio e, quando associado à medida direta do consumo
clínicas e hemodinâmicas e a ausência de informações de oxigênio (VO2 máx), informa objetivamente o esta-
pode trazer conseqüências desastrosas ao paciente(4). do funcional do paciente(10).
Apenas para fundamentar, é preciso lembrar que o tra-
tamento cirúrgico modifica a anatomia e a hemodinâ- TIPOS DE EXERCÍCIOS E ASPECTOS
mica, acarretando alterações importantes no compor- FISIOLÓGICOS
tamento da doença na fase adulta; há, ainda, outros
fatores a considerar, que influenciam o médico na tare- Os exercícios são classificados, de acordo com o
fa de estabelecer limites e que adicionam ingredientes tipo, em predominantemente dinâmicos e predominan-
sociais, políticos e legais no cuidado desses pacien- temente estáticos. Exercícios dinâmicos são aqueles
tes, como, por exemplo, a pressão psicológica exerci- em que ocorrem encurtamento e relaxamento muscu-
da sobre os atletas durante as competições e os casos lares, associados a amplo movimento articular, com
de morte súbita (raros)(4). emprego de pouca ou nenhuma força. Exercícios está-
Para a avaliação de cada indivíduo, é de funda- ticos caracterizam-se por pouco ou nenhum encurta-
mental importância ter acesso ao maior número de mento muscular e movimento articular, porém com
informações disponíveis. O conhecimento da histó- emprego de grande força muscular. O impacto causa-
ria, particularmente das informações sobre cirurgia do ao coração e à circulação é significantemente dife-
(se houver), do exame físico e de alguns testes diag- rente na dependência do exercício físico proposto(4, 11).
nósticos permite uma avaliação do estado geral e do Nos exercícios dinâmicos ocorre maior aumento do
estado funcional do paciente. História prévia de ar- débito cardíaco à custa de aumento da freqüência car-
ritmia sintomática, quadro sincopal, hipertensão pul- díaca, do volume sistólico de ejeção e da pressão ar-
monar ou disfunção miocárdica merecem atenção terial sistólica, havendo diminuição da resistência arte-
especial, uma vez que sugerem maior comprometi- rial periférica total, o que impõe ao coração sobrecar-
mento cardíaco e, conseqüentemente, maior risco de ga volumétrica. Nos exercícios estáticos, ocorre peque-
complicações, o que implica que devem ser porme- na elevação do débito cardíaco, da freqüência cardía-

170 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
ca e do consumo de oxi- tema cardiovascular(12), além do conhecimento da his-
gênio, sem variação do tória natural da cardiopatia em todos os aspectos, isto
volume sistólico de ejeção, é, com ou sem intervenção cirúrgica e, caso presente
TEBEXRENI AS havendo, ainda, elevação essa condição, quais as implicações mais comuns de-
e cols. mais acentuada das pres- correntes do momento em que foi realizada(1).
Cardiopatias congênitas: sões arteriais (sistólica, di- Um aspecto particular a ser lembrado refere-se ao
atividades físicas
e esporte
astólica e média) sem va- potencial risco de colisões durante a atividade física
riação considerável da na presença de determinadas doenças, como a sín-
resistência periférica total, drome de Marfan, situação que pode acarretar ruptura
causando sobrecarga de da aorta, e outras situações específicas, como pós-
pressão ao sistema cardi- operatório de cirurgia cardíaca enquanto não houver
ovascular(4, 11). Vale lembrar evidências de completa cicatrização e de restabeleci-
que exercícios dinâmicos e estáticos caracterizam a mento da estabilidade do externo, assim como ausên-
atividade baseada no mecanismo de ação envolvido e cia de complicações, como pericardite ou arritmia atri-
não são sinônimos, respectivamente, de exercícios al(4).
aeróbicos e anaeróbicos, que são atividades classifi-
cadas pelo tipo de metabolismo(12). CLASSIFICAÇÃO DE ATIVIDADES FÍSICAS
É importante salientar que exercícios dinâmicos E ESPORTES
acarretam aumento absoluto da massa ventricular es-
querda e também do tamanho (volume) do ventrículo Tendo como base o tipo de exercício realizado, di-
esquerdo, caracterizando hipertrofia excêntrica dessa nâmico ou estático, pode-se adotar uma classificação
cavidade associada a aumento do consumo máximo para os esportes de acordo com cada tipo e com a
de oxigênio (VO2 máx), enquanto exercícios estáticos intensidade de realização dos mesmos durante uma
também aumentam a massa ventricular, porém sem competição. Dessa forma, de acordo com a intensida-
aumentar o tamanho da cavidade, caracterizando hi- de, os exercícios são classificados como de baixa,
pertrofia concêntrica que não está associada a consu- moderada ou alta intensidade. Consideram-se, ainda,
mo máximo de oxigênio. A realização de exercícios atividades em que existe a possibilidade de haver coli-
combinados, isto é, com componentes altamente dinâ- são entre os competidores ou entre o competidor e um
mico e altamente estático associados, proporciona hi- objeto, e também aquelas em que síncope súbita pode
pertrofia mista ao coração, ou seja, concêntrica e ex- acarretar risco de vida para o próprio atleta ou outros
cêntrica(12). indivíduos(12).
Fisiologicamente, a realização de exercícios de qual- Algumas observações sobre as limitações dessa
quer tipo acarreta aumento da demanda de oxigênio classificação são importantes. Primeiramente, há de se
pelo miocárdio, em conseqüência do aumento da fre- considerar que num evento esportivo importante ocor-
qüência cardíaca, da tensão na parede miocárdica e re estresse emocional, que é individual do atleta e que
da contratilidade. Conforme já salientado, o grande não se consegue mensurar, em que, por ação simpáti-
aumento do débito cardíaco (DC = FC x VS), que ocor- ca exacerbada, ocorre aumento do nível de catecola-
re à custa do aumento da freqüência cardíaca e do minas circulantes. Isso resulta na elevação da freqüên-
volume sistólico de ejeção nos exercícios altamente cia cardíaca, da pressão arterial e da contratilidade da
dinâmicos, resulta em aumento do volume diastólico musculatura do coração, que, conseqüentemente, im-
final do ventrículo esquerdo (mecanismo de Frank-Star- plica maior consumo miocárdico de oxigênio, além de
ling) e diminuição do volume sistólico final dessa cavi- facilitar e desencadear arritmias e poder agravar uma
dade (estado contrátil aumentado), enquanto o menor isquemia miocárdica. Outro aspecto é que a demanda
aumento da freqüência cardíaca nos exercícios alta- cardiovascular é calculada para uma determinada ati-
mente estáticos pouco ou nada altera os volumes sis- vidade esportiva e desconsidera, por exemplo, que
tólico e diastólico finais do ventrículo esquerdo, embo- numa mesma equipe atletas desempenham funções
ra haja incremento da pressão arterial e do estado con- diversas, com demanda cardiovascular diferente(12). Em
trátil dessa cavidade cardíaca(13). nosso meio, o futebol é o melhor exemplo dessa situa-
Assim, orientar, prescrever ou liberar o portador de ção, pois não somente a demanda cardiovascular mas
cardiopatia congênita para atividades físicas e exercí- também a energética, como, por exemplo, de um golei-
cios de qualquer natureza, inclusive os competitivos, ro, são absolutamente distintas daquela exigida para
requer pleno conhecimento das condições clínicas, um lateral ou para um médio-volante.(12)
anatômicas, fisiológicas e funcionais do paciente, as- Na Tabela 1 encontra-se a classificação de espor-
sim como das necessidades específicas de cada tipo tes baseada no tipo de exercício, proposta pela Força
de exercício e a repercussão das mesmas sobre o sis- Tarefa de Bethesda de 1994(12), referência obrigatória

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 171
de trabalhos e publicações umidade, em que pode ocorrer aumento do trabalho
sobre o assunto. miocárdico para uma mesma intensidade de exercício,
Algumas outras cir- e mesmo sob poluição ambiental com elevada taxa de
TEBEXRENI AS cunstâncias devem ser monóxido de carbono(12).
e cols. consideradas, como, por Mais recentemente, Picchio e colaboradores(1) pu-
Cardiopatias congênitas: exemplo, a realização de blicaram um guia com critérios de avaliação da capaci-
atividades físicas
e esporte
competições em situações dade de trabalho e da prática de atividades físicas e
específicas, como em esportes para portadores de cardiopatias congênitas,
grandes altitudes ou em classificando-as em dois grupos: I) recreativas e II) com-
profundidade, em que há petitivas. As atividades do grupo I foram subdivididas
menor quantidade de oxi- em outros dois grupos, A e B.
gênio disponível, em con- No grupo A enquadram-se atividades esportivas em
dições adversas de temperatura (calor ou frio) e de alta que há necessidade de algum treinamento específico,

Tabela 1. Classificação dos esportes baseada no tipo e na intensidade de exercício.

Exercícios estáticos Exercícios dinâmicos

A. Baixa B. Média C. Alta


intensidade intensidade intensidade

I. Baixa intensidade Bilhar Beisebol “Badminton”


Boliche Futebol “society” “Cross-country”
“Cricket” Tênis de mesa (clássico)
“Curling” Tênis em duplas Hóquei na
Golfe Vôlei grama
Tiro esportivo Marcha atlética
Corrida
Futebol
“Squash”
Tênis
II. Moderada intensidade Tiro com arco Esgrima Basquete*
Automobilismo*# Saltos de campo Hóquei no gelo*
Natação*# “Skate”* “Cross-country”
Hipismo*# Montaria (rodeio)*# (técnico)
Motociclismo*# Futebol americano Futebol
“Rugby”* australiano*
Corrida Corridas (média distância)
Surfe*# Natação
Nado sincronizado Handebol
III. Alta intensidade “Bobsledding”*# Musculação*# Boxe*
Jogos de campo Esqui na montanha*# Canoagem/
Ginástica*# Luta livre* caiaque
Caratê/judô# Ciclismo*#
“Luge”*# Decatlon
Vela*# Patinação
Alpinismo*# Corrida de
Levantamento de “skate”
peso*#
Windsurfe*#

* Risco de colisão.
# Maior risco em caso de síncope.
Modificada e adaptada de Mitchell e colaboradores(12).

172 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
porém há grande envolvi- siderando cada cardiopatia ou grupo de cardiopatias,
mento lúdico, como, por como, por exemplo, as que cursam com hiperfluxo pul-
exemplo, futebol, basque- monar, e/ou as características da intervenção realiza-
TEBEXRENI AS te, vôlei, tênis, natação, da(1).
e cols. equitação e outros espor- Tendo como base essa avaliação clínico-funcional,
Cardiopatias congênitas: tes, cuja intensidade de os cardiopatas podem ser classificados em quatro ca-
atividades físicas
e esporte
ação não é administrada tegorias distintas:
pelo atleta e sim pelo de- 1. Pacientes em ótima condição – Características:
senvolvimento do jogo e - classe funcional I (NYHA) com índice de habilidade
de outras variáveis. Essas 1;
atividades, nas quais só se - função ventricular normal;
pode controlar o tempo de - alterações hemodinâmicas pós-operatórias ausen-
duração e a freqüência semanal, são indicadas para tes;
aqueles indivíduos com situação cardiovascular avali- - capacidade funcional (tolerância ao esforço) maior
ada como ótima ou boa, e que não necessitam de ob- que 80% do valor de referência (VO2 máx > 30 ml/kg/
servação durante o exercício. Observando-se os crité- min);
rios definidos para enquadramento dos portadores de - ausência de arritmia espontânea ou induzida pelo
cardiopatias congênitas nessas atividades, recomen- esforço.
da-se que o tempo de duração de cada sessão seja de 2. Pacientes em boa condição – Características:
30 a 60 minutos, com freqüência máxima de três vezes - classe funcional I-II da NYHA e índice de habilidade
por semana, e que haja, obrigatoriamente, controle mé- 1;
dico periódico(1). - função ventricular normal;
No grupo B incluem-se atividades nas quais é pos- - alterações hemodinâmicas ausentes ou leves;
sível o controle da intensidade, da duração e da fre- - capacidade funcional (tolerância ao esforço) entre
qüência, como, por exemplo, natação recreativa em 70% e 80% do valor de referência (25 > VO2 máx >
ambiente confortável, ciclismo estacionário ou em ter- 30 ml/kg/min);
reno plano, atividades físicas escolares, exercícios de - ausência de arritmia repetitiva espontânea ou indu-
alongamento ou com manuseio de pequenos instru- zida pelo esforço em pacientes com tratamento anti-
mentos, ioga e outras, sendo indicadas para indivídu- arrítmico (se MP artificial presente: normofuncionan-
os em boas condições ou que já apresentam algum te).
comprometimento cardiovascular, após avaliação cri- 3. Pacientes em condição moderada – Características:
teriosa, numa intensidade máxima de 70% da freqüên- - classe funcional II-III da NYHA e índice de habilida-
cia cardíaca máxima preconizada para a idade, com de 2-3;
duração de 20 a 30 minutos por sessão e freqüência - função ventricular reduzida, com ou sem dilatação
semanal de três a cinco vezes, sob supervisão de um da cavidade;
paramédico com conhecimento da área, sendo reco- - alterações hemodinâmicas significativas (“shunt”,
mendado controle médico periódico(10). A Tabela 2 re- gradiente, hipertensão pulmonar e insuficiência val-
sume as principais atividades recreativas e a Tabela 3 var);
classifica os esportes competitivos mais comuns de - capacidade funcional (tolerância ao esforço) entre
acordo com o tipo de exercício e o risco de colisão, 60% e 70% do valor de referência (20 > VO2 máx >
segundo a Força Tarefa de Bologna(1). 25 ml/kg/min);
Na prática, a indicação do tipo de atividade está, - presença de arritmia com uma ou mais das se-
como em outros guias(10), intimamente condicionada ao guintes características: repetitiva espontânea ou
conhecimento das particularidades de cada doença e induzida pelo esforço; parcial eficácia de trata-
de cada doente, levando-se em consideração fatores mento antiarrítmico, bloqueio atrioventricular de
como o prazer em praticá-las e os benefícios físicos, 2º grau estável ou episódios tipo Mobitz 2, dis-
psicológicos e sociais agregados, porém consideran- função sinusal moderada com pausa menor que
do, primariamente, a possibilidade de a atividade pre- 3,5 s durante a vigília, freqüência cardíaca mí-
conizada intervir na história natural da cardiopatia e nima maior que 30 bpm e se MP artificial pre-
contribuir para a aceleração ou a deterioração da mes- sente normofuncionante.
ma(1). 4. Pacientes em condição grave – Características:
Dessa forma, para a liberação da prática de ativida- - classe funcional III-IV da NYHA e índice de habili-
des físicas e de esportes para portadores de cardiopa- dade 3-4;
tia congênita, os autores propõem avaliação clínico- - função ventricular muito comprometida, com ou sem
funcional, baseada em critérios bem estabelecidos, con- dilatação da cavidade;

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 173
Tabela 2. Atividades recreativas.

Tipo A Tipo B
TEBEXRENI AS
e cols.
Futsal e futebol de campo Natação recreativa
Cardiopatias congênitas:
atividades físicas Basquete Ciclismo estacionário
e esporte Ginástica rítmica Atividades físicas escolares
Tênis Exercícios de alongamento
Esqui na neve Ioga
Natação
Equitação

Modificada de Picchio e colaboradores(1).

Tabela 3. Classificação dos exercícios segundo o tipo e o risco de colisão.

Habilidade Potência Risco de


(dinâmicas leves) (estáticas: moderada/alta) colisão

Automobilismo Halterofilismo Futebol, Basquete


Motociclismo Arremesso de disco, etc. Equitação
Equitação Corridas de velocidade Esqui alpino
Esportes de tiro Alpinismo Automobilismo
Boliche e bocha Windsurfe Motociclismo
Golfe Esqui aquático Ciclismo
Tênis “Motocross” Squash

Modificada de Picchio e colaboradores(1).

- alterações hemodinâmicas significativas; Cardiopatias congênitas acianóticas


- capacidade funcional (tolerância ao esforço) menor Comunicação interatrial
que 60% do valor de referência (VO2 máx < 20 ml/kg/ Caracterizada pela presença de comunicação en-
min); tre os átrios por descontinuidade no septo interatrial, é
- presença de arritmias graves com uma ou mais das classificada como uma cardiopatia congênita acianóti-
seguintes características: repetitiva espontânea ou in- ca de hiperfluxo pulmonar, na maioria dos pacientes
duzida pelo esforço, sustentada, na presença ou au- assintomática, com indicação de tratamento cirúrgico
sência de tratamento antiarrítmico, bloqueio atrioven- ou por cateterismo intervencionista nos primeiros anos
tricular de grau avançado, disfunção sinusal grave de vida, com baixa mortalidade operatória (inferior a
com pausa maior que 3,5 s durante a vigília, freqüên- 1,0%) e excelente recuperação anatomofuncional nes-
cia cardíaca mínima menor que 30 bpm e se MP ar- sas condições(1, 3, 8). Pequenos defeitos evoluem com
tificial presente malfuncionante. pouca ou nenhuma sobrecarga volumétrica de ventrí-
culo direito e defeitos moderados ou grandes podem
CLASSIFICAÇÃO DAS CARDIOPATIAS evoluir com grande sobrecarga volumétrica dessa câ-
CONGÊNITAS mara e com graus variados de hipertensão pulmonar(8).
A sobrevivência após a intervenção cirúrgica é se-
Tendo em vista a realização de atividades físicas e exer- melhante à da população normal quando o tratamento
cícios programados, as cardiopatias congênitas podem, é instituído precocemente (até cinco ou seis anos de
inicialmente, ser classificadas como acianóticas ou ci- idade) ou antes dos 40 anos de idade, desde que a
anóticas, cujas características são de fácil identifica- pressão arterial pulmonar seja inferior a 40 mmHg; se
ção ao exame físico ou com o emprego de oxímetro, a pAP for maior que 40 mmHg e não se normalizar no
ou pelas lesões anatômicas e pela presença ou au- pós-operatório, a sobrevivência diminui para 50% em
sência de “shunt”(4). relação ao grupo controle(1).

174 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
A capacidade funcional Comunicação interventricular
permanece normal nos in- A comunicação interventricular é a cardiopatia con-
divíduos operados preco- gênita mais comum ao nascimento, mas seu fechamen-
TEBEXRENI AS cemente, diminuindo na- to espontâneo pode ocorrer em 60% a 70% dos casos
e cols. queles nos quais as alte- até os dois anos de idade.
Cardiopatias congênitas: rações hemodinâmicas As alterações fisiopatológicas dependem do tama-
atividades físicas
e esporte
conseqüentes à hiperten- nho do defeito e do grau de resistência vascular pul-
são pulmonar estão pre- monar, sendo considerados pequenos os menores de
sentes(1). Arritmias supra- 3,0 mm, com relação de fluxo pulmonar/sistêmico me-
ventriculares significativas nor que 1,5:1 e resistência vascular pulmonar normal.
estão presentes em 50% São consideradas comunicações com moderada reper-
dos pacientes operados cussão hemodinâmica aquelas com relação de fluxo
após os 40 anos e em menos de 10% dos pacientes entre 1,5 e 1,9:1 e resistência vascular menor que 3
operados precocemente, após 20 anos de acompanha- U.m2. Portadores de comunicação interventricular pe-
mento(1, 7). quena e/ou moderada podem participar da maioria dos
Uma boa avaliação clínica, complementada por exa- esportes, porém na presença de grandes defeitos re-
mes laboratoriais tais como eletrocardiografia, radio- comenda-se apenas exercícios de baixa intensidade
grafia de tórax, ecodopplercardiografia, teste ergoes- (classe IA)(8).
pirométrico e Holter de 24 horas, quando necessários, Complicações clínicas na evolução da doença não
permite classificar o paciente de acordo com critérios operada alteram sua história natural, sobretudo o pro-
clínico-funcionais bem definidos, permitindo sua parti- lapso do folheto aórtico, associado com insuficiência
cipação em atividades esportivas. valvar aórtica progressiva, e a estenose infundibular
De acordo com o documento elaborado pelo grupo pulmonar. A idade é de fundamental importância, pois
italiano(1), portadores de cardiopatias congênitas clas- tanto a disfunção ventricular como a hipertensão pul-
sificadas como “ótima condição” estão liberados para monar são progressivas(14, 15).
a prática de atividades esportivas competitivas, desde Atualmente, a mortalidade cirúrgica é inferior a 2,0%
que não tenham sido operados, ou seja, aqueles em na maioria dos grandes centros, ocorrendo completa
curso da história natural da doença; portadores classi- recuperação anatomofuncional se o defeito for corrigi-
ficados como “boa condição” também podem partici- do completamente e se houver normalização da pres-
par de esportes competitivos, exceto em ambiente su- são pulmonar. A expectativa e a qualidade de vida são
baquático. Finalmente, cardiopatas portadores de co- comparáveis às de indivíduos normais. Após o trata-
municação interatrial em “condição moderada ou gra- mento cirúrgico, podem ocorrer “shunt” residual e/ou
ve” não devem participar de atividades físicas ou es- seqüelas(1, 15):
portivas. - persistência e/ou progressão de hipertensão pul-
Segundo o documento de Bethesda(8), as recomen- monar;
dações para a realização de atividades físicas e espor- - comunicações residuais significantes (incidência <
tes também consideram os pacientes como grupos dis- 2%);
tintos, isto é, portadores de comunicação interatrial não- - presença e progressão de insuficiência aórtica e/
tratada (ocluída) e portadores de doença tratada cirur- ou estenose subvalvar aórtica;
gicamente ou por cateterização intervencionista. Para - lesões no sistema de condução (bloqueio de ramo
os não-tratados, a presença de pequeno defeito septal direito associado ou não a bloqueio divisional ânte-
sem evidência de hipertensão pulmonar não é impedi- ro-superior esquerdo e, mais raramente, a bloqueio
mento para a participação em todos os esportes com- A-V completo – incidência de 1% a 2%);
petitivos. Nesse grupo de indivíduos (comunicação in- - disfunção ventricular direita e esquerda;
teratrial não-ocluída), a presença de hipertensão pul- - arritmias supraventriculares (10%) e ventriculares
monar significante e/ou de “shunt” direita-esquerda por (12%).
meio do defeito implica apenas a realização de ativida- A liberação para a prática esportiva que ocorre com
des classificadas como classe IA; para os portadores seis meses de pós-operatório exige cuidadosa avalia-
de arritmia supraventricular ou ventricular sintomática ção clínica e complementar (eletrocardiografia, radio-
ou, ainda, de refluxo mitral significante, atividades clas- grafia de tórax, ecodopplercardiografia, Holter de 24
se IA. No grupo dos ocluídos, seis meses após o pro- horas, teste ergométrico e/ou cardiopulmonar e, even-
cedimento e com avaliação clínica e laboratorial sem tualmente, cateterismo cardíaco) e o tipo e a intensi-
evidências de hipertensão pulmonar, arritmias sintomá- dade de exercícios dependem do grau de hipertensão
ticas ou disfunção miocárdica a prática de esportes pulmonar residual e da presença de disfunção ventri-
competitivos é liberada(3, 8). cular e de lesões anatômicas(1, 8).

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 175
São considerados em mmHg ao cateterismo, devem ser corrigidas, quando
ótimas condições(1) paci- diagnosticadas, por meio de valvoplastia pulmonar per-
entes assintomáticos e em cutânea, método com eficácia superior a 90% e risco
TEBEXRENI AS classe funcional I da “New inferior a 1%. As valvas displásicas e as com anel hipo-
e cols. York Heart Association” plásico bem como as estenoses subvalvares e supra-
Cardiopatias congênitas: (NYHA), isto é, sem lesões valvares podem requerer tratamento cirúrgico. Seqüe-
atividades físicas
e esporte
residuais, tamanho e fun- las após o tratamento incluem: insuficiência pulmonar
ção ventricular normais, em graus variáveis, estenoses residuais, hipertrofia e/
sem arritmias, com teste ou dilatação do ventrículo direito e presença de arrit-
de esforço demonstrando mias, principalmente nos casos operados com neces-
capacidade funcional su- sidade de ventriculotomia(16).
perior a 80% dos indivídu- Atletas assintomáticos não-tratados, com gradiente
os normais e VO2 máx igual ou maior que 30 ml/kg/min. entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar menor
Essa situação é compatível com vida normal, havendo que 50 mmHg e função ventricular normal, estão libe-
liberação para qualquer tipo de esporte e trabalho(1). rados para esportes competitivos, sendo necessária
Em boas condições(1) estão aqueles indivíduos as- reavaliação periódica; aqueles com gradientes maio-
sintomáticos, porém em classe funcional I-II da NYHA. res que 50 mmHg estão liberados para esportes leves
Pacientes apresentando discretas lesões residuais, (classe IA) até o tratamento definitivo(8).
como insuficiência aórtica leve, comunicação interven- Após o tratamento com sucesso, decorridos um mês
tricular pequena, discreto aumento de cavidades, boa da valvoplastia com balão e de três a seis meses da
tolerância ao esforço (capacidade funcional entre 70% correção cirúrgica, pacientes sem sintomas e com fun-
e 80%), VO2 máx entre 25 ml/kg/min e 30 ml/kg/min e ção ventricular normal estão liberados para a prática
arritmias benignas poderão ser liberados para espor- de esportes competitivos(8).
tes como tênis, equitação, ginástica rítmica e outros(1). Ainda segundo Picchio e colaboradores(1), os paci-
Em condição moderada(1) encontram-se os sintomá- entes podem ser classificados de acordo com parâme-
ticos em classe funcional II da NYHA, com lesões resi- tros clínico-funcionais, conforme já referido. São consi-
duais de discreta/moderada repercussão hemodinâmi- derados em ótima condição e liberados para a prática
ca (hipertensão pulmonar leve, insuficiência aórtica de esportes competitivos e para qualquer atividade pro-
moderada, comunicação interventricular moderada), fissional os pacientes assintomáticos, com ou sem in-
função e dimensões ventriculares alteradas em grau suficiência pulmonar leve, estenose pulmonar residual
moderado, presença de arritmias (extra-sístoles ven- com gradiente menor que 20 mmHg e dimensão e fun-
triculares repetidas ou taquicardia paroxística supra- ção ventricular direita normais. Classificados como em
ventricular), menor tolerância ao esforço (capacidade boa condição encontram-se os pacientes com insufici-
funcional entre 60% e 70%) e VO2 máx entre 20 ml/kg/ ência pulmonar leve/moderada, estenose com gradi-
min e 25 ml/kg/min. Para esses indivíduos recomenda- ente menor que 40 mmHg, dilatação e hipertrofia do
se atividade física restrita (classe IA)(1, 8). ventrículo direito em grau discreto e função ventricular
Pacientes em condição grave(1), de risco elevado e normal. Para esses pacientes, preconizam-se ativida-
sem capacidade para o trabalho e atividades físicas des esportivas lúdico-recreativas (tipo A)(1). Em condi-
são aqueles muito sintomáticos em classe funcional III- ção moderada estão os casos em que existe estenose
IV da NYHA. Nesses pacientes permanecem lesões residual com gradiente de até 60 mmHg, insuficiência
residuais graves com disfunção ventricular de grau im- pulmonar moderada/grave, insuficiência tricúspide
portante, capacidade funcional inferior a 60% e VO2 máx moderada e dimensões cardíacas aumentadas com
inferior a 20 ml/kg/min, e arritmias graves mais freqüen- hipertrofia associada. Não há liberação para a prática
tes (fibrilação atrial crônica, extra-sístoles ventricula- esportiva(1).
res freqüentes e episódios de taquicardia supraventri- Pacientes de alto risco, classificados como em con-
cular paroxística)(1, 8). dição grave, são portadores de insuficiência pulmonar
Estenose pulmonar e/ou insuficiência tricúspide graves, dimensão ventri-
A estenose da valva pulmonar é uma cardiopatia de cular direita aumentada (podendo haver aumento do
fácil diagnóstico clínico e de relativamente fácil corre- átrio direito) e função ventricular direita ruim. São inca-
ção, com resultados excelentes e definitivos. pazes para o trabalho e a prática esportiva(1).
Estenoses leves, com gradientes menores de 50 Cardiopatias congênitas e morte súbita
mmHg entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar, Na população geral, portadores de cardiopatia con-
possibilitam débito cardíaco normal em repouso e no gênita com risco de morte súbita durante a atividade
limite inferior da normalidade ao esforço. Lesões mo- física são aqueles indivíduos que não têm o diagnósti-
deradas a graves, com gradientes superiores a 50 co de cardiopatia firmado, ou seja, são portadores de

176 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
cardiopatia congênita e não cos ou sintomáticos, com ou sem obstrução da via de
têm conhecimento da pró- saída do ventrículo esquerdo, não devem participar da
pria doença(4). maioria dos esportes competitivos, exceto os classifica-
TEBEXRENI AS Embora haja grande dos como classe IA (exercícios dinâmicos e estáticos de
e cols. destaque na mídia, a inci- baixa intensidade(23));
Cardiopatias congênitas: dência de morte súbita em 2) deve ser realizada avaliação individual, considerando-
atividades físicas
e esporte
atletas durante uma compe- se os seguintes fatores: como o risco de morte súbita é
tição é extremamente rara, menor em indivíduos de mais idade(21), deve-se eleger
da ordem de 1:100.000 atle- para a prática desportiva indivíduos com idade superior a
tas em atividade(17). Dentre 30 anos que estejam isentos de fatores de risco para morte
as cardiopatias congênitas súbita como taquicardia ventricular, sustentada ou não,
com morte súbita associa- ao Holter de 24 horas(24); história familiar de morte súbita
das à atividade física intensa, a cardiomiopatia hipertrófi- anterior aos 40 anos de idade(25); história de síncope ou
ca representa aproximadamente um terço dos casos (da- outro episódio de perda da consciência(26); anormalida-
dos de necropsia), origem anômala das artérias coroná- des hemodinâmicas graves (obstrução da via de saída
rias 20% e estenose aórtica congênita aproximadamente do ventrículo esquerdo com gradiente superior a 50
4% dos pacientes jovens(17). mmHg; exercício induzindo hipotensão(23); presença de
Cardiomiopatia hipertrófica insuficência mitral moderada a grave com átrio esquerdo
A cardiomiopatia hipertrófica é uma doença genética aumentado (maior que 50 mm) ou fibrilação atrial; e si-
autossômica dominante, com penetrância variável, carac- nais de perfusão miocárdica.
terizada pela presença de hipertrofia miocárdica sem di- Origem anômala das artérias coronárias
latação do ventrículo esquerdo, na ausência de outras Anomalia na qual a artéria coronária esquerda se ori-
cardiopatias ou doenças sistêmicas que possam levar à gina no seio de Valsalva anterior e após grande angula-
hipertrofia do miocárdio(18-20). A expressão genética é uma ção segue mais comumente entre o tronco da artéria
mutação de genes que codifica as proteínas do sarcôme- pulmonar e a aorta(8). De difícil identificação e diagnósti-
ro cardíaco, tendo sido reconhecidos até o momento mais co, costuma evoluir com quadro de insuficiência cardíaca
de cem mutações em 11 genes(19). História familiar está grave por disfunção do ventrículo esquerdo e morte súbi-
presente em dois terços dos casos e a prevalência da ta em crianças e adolescentes, sendo considerada uma
doença é estimada em 0,2% da população geral(19). As das principais causas de morte súbita durante a ativida-
alterações mais importantes da doença são a hipertrofia de física (20%). Ocasionalmente essas anomalias são
miocárdica, que varia bastante quanto a sua localização detectadas mais tardiamente. A seguir estão apresenta-
e extensão, com espessura variável de 13 mm a 60 mm, das, de forma resumida, as recomendações para partici-
sendo mais freqüente no septo ventricular e nas paredes pação em atividades:
anterior e lateral do ventrículo esquerdo, as alterações 1) diagnóstico da lesão implica a suspensão da participa-
histológicas, o aparecimento precoce de disfunção dias- ção em esportes competitivos(8);
tólica e a presença de obstrução dinâmica da via de saí- 2) seis meses após cirurgia corretiva a indicação para
da do ventrículo esquerdo(19). participação em atividades físicas e esportes resulta da
Com relação à prática desportiva na cardiomiopatia realização de um teste de esforço máximo, sem sinais de
hipertrófica, o risco de morte súbita, embora raro, existe isquemia miocárdica ou arritmia(8);
e não é o mesmo para todos os pacientes(21, 22). O grande 3) atletas precocemente infartados devem seguir as recomen-
desafio é avaliá-lo, já que alguns atletas podem tolerar dações para essa doença quanto à prática de exercícios(4, 8, 17).
treinamento intensivo sistemático sem que ocorra agra- Obstruções à ejeção ventricular esquerda
vamento da doença ou morte súbita(23). Existem múltiplos As obstruções à ejeção ventricular esquerda, sobre-
fatores que contribuem para a ocorrência de morte súbi- tudo as estenoses aórticas e as coarctações da aorta,
ta, sendo os principais a natureza e a intensidade do trei- são as malformações cardíacas, cujo comportamento ao
namento, o ambiente de competição (motivação e pres- esforço mais preocupam.
são psicológica), e as características próprias da doença Independentemente da localização da lesão, as alte-
em cada indivíduo(21). Considerando-se o risco de arritmi- rações fisiopatológicas dependem do grau da obstrução.
as potencialmente letais a que determinados portadores De caráter progressivo, com o passar do tempo o ventrí-
de cardiomiopatia hipertrófica estão sujeitos, associado culo esquerdo apresenta hipertrofia. Se graves, podem
a estresse da competição esportiva e possíveis altera- comprometer as circulações cerebral e coronária, resul-
ções de volume sanguíneo, hidratação e eletrólitos, exis- tando em sintomas graves como angina, síncope, insufi-
tem algumas recomendações quanto à participação des- ciência cardíaca, arritmias e morte súbita.
ses doentes em atividades físicas: Estenose aórtica
1) portadores de cardiomiopatia hipertrófica assintomáti- A forma mais comum é a estenose aórtica valvar por

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 177
valva bicúspide. Para libe- condição moderada pacientes com insuficiência aórtica
ração esportiva considera- significante e/ou estenose aórtica com gradiente médio
se estenose leve quando o de 30 mmHg a 50 mmHg, presença de hipertrofia ventri-
TEBEXRENI AS gradiente entre o ventrícu- cular esquerda e dilatação da aorta, e com fração de eje-
e cols. lo esquerdo e a aorta é ção de ventrículo esquerdo entre 40% e 50%, sendo con-
Cardiopatias congênitas: menor que 20 mmHg; mo- siderados inaptos para a prática esportiva. Os pacientes
atividades físicas
e esporte
derada, entre 21 mmHg e classificados como em condição grave são os portadores
40 mmHg; e grave, se su- de insuficiência aórtica grau 4 ou de estenose aórtica com
perior a 50 mmHg. Diante gradiente transvalvar superior a 50 mmHg e fração de
do esforço, o gradiente po- ejeção de ventrículo esquerdo inferior a 40%. Esses paci-
derá duplicar e a pressão entes são proibidos de exercer qualquer atividade físi-
do ventrículo esquerdo se ca(1).
elevar em 30 mmHg até 120 mmHg. Como o obstáculo à Coarctação da aorta
ejeção sanguínea é fixo, a pressão na aorta não se altera A coarctação da aorta é malformação relativamente
e o débito cardíaco pode cair. A maioria das mortes (20% comum, cujo diagnóstico é suspeitado pela simples pal-
a 80%) em portadores de estenose aórtica ocorre duran- pação comparada dos pulsos e constatação da diferença
te o exercício físico e em pacientes com sintomas prévi- de pressão arterial entre os membros superiores e inferi-
os(8, 28). ores. O obstáculo aórtico resulta em hipertensão nos
Quanto à prática desportiva, atletas com estenose aór- membros superiores e hipotensão nos inferiores, no tó-
tica leve podem participar de esportes competitivos se rax e no abdome, além de hipertrofia do ventrículo es-
forem assintomáticos e com eletrocardiograma de repou- querdo. Em 50% dos casos coexiste valva aórtica bicús-
so e teste ergométrico normais. Se a estenose for mode- pide, dos quais 25% apresentam disfunção.
rada, a prática de exercícios competitivos (classes IA, IB O tratamento pode ser cirúrgico ou percutâneo, base-
e IIA) pode ser possível para indivíduos assintomáticos, ado nos dados clínicos, ecocardiográficos e hemodinâ-
sem alterações eletrocardiográficas em repouso e duran- micos (gradiente pressórico e imagem angiográfica).
te o esforço (teste ergométrico) e ao ecocardiograma, Quando a correção é tardia, pode persistir a hipertensão
ausência de hipertrofia ou hipertrofia miocárdica discre- arterial em repouso ou aos esforços, associada com mai-
ta. Nas lesões classificadas como graves, não há possibi- or risco de dilatação e aneurisma da aorta, e hipertrofia
lidade de praticar esportes(8). miocárdica progressiva com deterioração da função ven-
Pacientes tratados por cirurgia ou valvoplastia aórtica tricular esquerda(30, 31).
em geral apresentam lesões residuais – estenose, regur- Quanto à realização de atividades físicas e esportes,
gitação ou ambos. Reavaliações periódicas são neces- de acordo com o comitê de Bethesda(8), pacientes com
sárias, pois são lesões progressivas, levando a compro- coarctação discreta (gradiente menor que 20 mmHg), sem
metimento funcional freqüente. A necessidade de reinter- circulação colateral muito desenvolvida e/ou dilatação da
venção após comissurotomia aórtica é de 55% em vinte aorta e teste ergométrico normal, podem participar de
anos. Outras preocupações são: associação com dilata- todos os esportes competitivos. Aqueles com gradiente
ção e aneurisma aórtico, arritmias e, na presença de pró- maior que 20 mmHg e hipertensão arterial em repouso
tese metálica, possibilidade de hemorragias pelo uso de ou ultrapassando 230 mmHg ao esforço estão liberados
medicação anticoagulante(29). apenas para esportes de classe A, até a correção do
De acordo com a estratificação proposta pelo grupo defeito(8).
de Bolonha, na Itália(1), são considerados em ótimas con- Após a cirurgia corretiva, as seqüelas mais comuns e
dições pacientes sem insuficiência aórtica sem dilatação com possibilidade de progressão são:
da aorta, com gradiente entre o ventrículo esquerdo e a - recoarctação da aorta, principalmente nos casos tra-
aorta menor que 20 mmHg, função ventricular esquerda tados durante o primeiro ano de vida;
normal e hipertrofia ventricular discreta; portanto, são - persistência da hipertensão arterial sistêmica (20% a
considerados aptos para a prática de atividades esporti- 30%), mais comum quando a correção é tardia(31);
vas sem restrições, inclusive exercícios de força e potên- - dilatação progressiva da aorta;
cia muscular, que aumentam a resistência periférica e a - aneurisma da aorta ascendente ou no local da coarc-
pressão arterial (como, por exemplo, levantamento de tação;
peso, alpinismo e “motocross”). Em boas condições en- - disfunção progressiva da lesão valvar aórtica asso-
contram-se os pacientes com insuficiência aórtica discreta ciada, especialmente comum quando a valva é bi-
(podendo existir estenose associada com gradiente não cúspide(4).
superior a 30 mmHg), com função ventricular esquerda Ainda quanto à liberação para a prática de espor-
normal e discreta hipertrofia ao ecocardiograma, sendo tes, o grupo coordenado por Picchio(1) considera paci-
permitidas as atividades do tipo A. São classificados em entes em ótimas condições aqueles com lesões discre-

178 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
tas, se não operados, e os Cardiopatias congênitas cianóticas
operados com sucesso Doença de Ebstein
(gradiente menor que 20 É uma cardiopatia rara, caracterizada por implante anô-
TEBEXRENI AS mmHg). A liberação pode malo da valva tricúspide, que reduz a cavidade ventricu-
e cols. ser feita após seis meses da lar. Compreende amplo espectro de malformações ana-
Cardiopatias congênitas: intervenção se a pressão tômicas cardíacas, com diferentes quadros fisiopatológi-
atividades físicas
e esporte
arterial apresentar compor- cos, clínicos e prognósticos. Em 85% dos casos existe a
tamento normal em repou- presença de comunicação interatrial do tipo “secundum”
so ou esforço. Se a hiper- e em 25% das vezes existe a presença de uma via aces-
tensão persistir, devem ser sória de condução atrioventricular (Wolff-Parkinson-Whi-
evitados exercícios estáti- te) manifesta ou oculta(1). Há formas de apresentação da
cos de alta intensidade (IIIA, doença, classificadas como leves, que podem ser acom-
IIIB e IIIC) e esportes com possibilidade de colisão. Para panhadas de arritmias graves, e casos graves associa-
aqueles com dilatação da aorta, hipertrofia ventricular e dos com elevado risco de morte com exercício(8, 32); por-
hipertensão arterial, devem ser evitados os esportes da tanto, a recomendação para a prática de atividades físi-
classe IA(8). Proibidos para qualquer atividade esportiva cas e exercícios deve ser baseada na apresentação da
ou laborativa estão os pacientes em classe III-IV da NYHA, doença(8):
com dilatação da aorta maior que 50 mm, fração de eje- 1) indivíduos com expressão leve da doença, ou seja,
ção inferior a 30%, hipertrofia de ventrículo esquerdo de isentos de cianose (“shunt” D-E pela comunicação intera-
grau importante e seqüelas neurológicas(1, 8). O acompa- trial), com área cardíaca normal ou pouco aumentada e
nhamento clínico dos pacientes, tratados ou não, é fun- ausência comprovada de arritmias, estão liberados para
damental, pois a progressão de lesões já existentes ou o a prática desportiva (classes IA e IIA), com reavaliação
surgimento de novas lesões impõem mudanças na orien- ecocardiográfica periódica obrigatória (mensuração do
tação médica. diâmetro aórtico);
Síndrome de Marfan 2) portadores de insuficiência tricúspide moderada a gra-
A síndrome de Marfan é uma doença genética, carac- ve, sem evidência de arritmias ao Holter de 24 horas,
terizada por manifestações sistêmicas associadas a dila- podem participar de atividades competitivas de baixa in-
tação da aorta ascendente, predisposição de dissecção tensidade (classe IA);
aórtica e presença de prolapso da valva mitral, decorren- 3) doentes classificados como grave estão proibidos de pra-
tes da produção defeituosa de uma substância do tecido ticar esportes – após a cirurgia corretiva, podem ser enqua-
conectivo, suscetível, portanto, a grande heterogeneida- drados na categoria anterior (classe IA) na dependência de
de em sua apresentação(4). evolução satisfatória sem evidências da presença de arritmi-
O risco de dissecção aórtica, que pode levar à morte, as ao Holter de 24 horas e ao teste de esforço, área cardíaca
pode ser predito pela presença de história familiar de dis- pouco aumentada à radiografia de tórax e regurgitação mi-
secção e pela mensuração e análise do diâmetro da aor- tral ausente ou leve à ecodopplercardiografia.
ta ascendente ao estudo ecocardiográfico(4). De acordo com a classificação proposta por Picchio e
O tratamento cirúrgico dessa doença é recomendado colaboradores(1), os portadores de doença de Ebstein po-
quando o diâmetro da aorta ultrapassa cinco centíme- dem participar de atividades físicas e de esportes segundo
tros, havendo discordância quanto à troca da valva aórti- critérios bem estabelecidos, anteriormente pré-definidos, e
ca e ao reimplante do seio de Valsalva acompanhando o de acordo com a Tabela 4, apresentada a seguir.
procedimento. Pacientes com aumento “borderline” do
diâmetro da aorta podem se beneficiar da terapêutica com
agentes betabloqueadores para diminuir o risco de dis- Tabela 4. Condição clínico-funcional e tipos de ativida-
secção(4). des físicas permitidos(1).
Quanto à realização de atividades físicas e exercíci-
os, pacientes com dilatação da aorta não devem partici- Condição Atividades físicas
par de atividades competitivas; após a cirurgia reparado-
ra, devem ser avaliados, considerando-se que deve ser Ótima Recreativas tipo B
evitada a participação em atividades com risco de impac- Boa Recreativas tipo B
to e colisões pelo risco de lesão (ruptura) decorrente de Moderada Nenhuma
desorganização ou malformação tecidual. Quando ocor- Grave Nenhuma
re troca da valva aórtica associada, há indicação preven-
tiva de anticoagulação oral; portanto, também em decor-
rência do risco de sangramento, esportes com risco de Tetralogia de Fallot
colisão devem ser evitados(8, 32). É a cardiopatia congênita cianótica mais comum em

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 179
crianças com mais de um maior que a do ventrículo esquerdo, comunicação in-
ano de idade. As altera- terventricular grande, malformações associadas da cir-
ções fisiopatológicas apre- culação pulmonar e anormalidades do ritmo. Estes são
TEBEXRENI AS sentadas dependem do incapazes de praticar esportes.
e cols. grau de estenose pulmo- É importante lembrar que a deterioração do ventrí-
Cardiopatias congênitas: nar e, secundariamente, culo direito, secundária a insuficiência pulmonar, ape-
atividades físicas
e esporte
do tamanho da comunica- sar de lenta, é progressiva e que nenhuma decisão é
ção interventricular e da definitiva, mas sim temporária. A conduta médica cor-
resistência vascular sistê- reta depende de acompanhamento clínico cuidadoso
mica. para detecção de sintomas ou sinais de insuficiência
O exercício físico pode cardíaca e “monitorização” laboratorial com eletrocar-
provocar crises de hipoxia, diografia e Holter de rotina, que podem dar sinais de
complicação séria que pode culminar com a morte, de- alerta, tais como alargamento do complexo QRS e pre-
sencadeada por vasodilatação nos músculos em ativi- sença de arritmias (taquicardia ventricular sustentada,
dade, com conseqüente queda da resistência vascular fibrilação ou “flutter” atrial(33)), causas de morte súbita
periférica. Além disso, o aumento da liberação de cate- tardia(34, 35), ecodopplercardiografia, que revela a piora
colaminas e a taquicardia resultam em aumento da da função do ventrículo direito e o surgimento ou piora
obstrução pulmonar, com diminuição do fluxo sanguí- da insuficiência tricúspide, e teste ergométrico ou er-
neo aos pulmões e aumento do “shunt” direita-esquer- goespirométrico para detectar piora da capacidade fun-
da (via comunicação interventricular). A insaturação cional e diminuição do VO2 máx(3).
periférica aumenta, diminuindo o pH e elevando a pCO2, Cardiopatias congênitas cianóticas não operadas
contribuindo para a instalação da crise de hipoxia. Para a maioria dos portadores de cardiopatia con-
Para liberação dos portadores de T4 de Fallot para gênita cianótica não operada, a realização de exercíci-
a prática desportiva, o ideal é a realização da correção os físicos implica piora da hipoxemia e desconforto pro-
cirúrgica prévia. Portadores da doença com leve reper- gressivo, o que faz com que haja autolimitação da par-
cussão podem ser liberados para exercícios de baixa te desses indivíduos frente à prática de atividades físi-
intensidade (classe A), porém com monitorização(8). cas. Raros são os pacientes que atingem a adolescên-
Para aqueles operados, o risco do exercício está na cia e a idade adulta com pouca cianose e desconforto
dependência do nível de pressão no ventrículo direito, respiratório apenas quando da realização de ativida-
do grau de insuficiência pulmonar, da presença de des físicas; porém, mesmo para esses indivíduos ocorre
“shunts” e de estenoses pulmonares residuais (infun- intensa dessaturação arterial durante a prática de exer-
dibular, valvar ou supravalvar), de disfunção ventricu- cícios(8).
lar direita e de lesões no sistema de condução (blo- Como recomendação geral, a prática de atividade
queio de ramo direito e bloqueio divisional ântero-su- física para esses indivíduos deve ser individualizada,
perior esquerdo). porém, via de regra, apenas exercícios de baixa inten-
A idade da correção é um importante fator preditivo sidade podem ser prescritos (classe IA)(8).
da capacidade de esforço, porque a sobrecarga do ven- Pós-operatório de cirurgias paliativas em cardiopatias
trículo direito, secundária ao obstáculo, induz redução congênitas cianogênicas
das funções sistólica e diastólica, também prejudica- As cirurgias paliativas nas cardiopatias congênitas
das pela hipoxia prolongada(33). cianóticas são realizadas no intuito de aumentar ou di-
Na análise de Picchio e colaboradores(1), pacientes minuir o fluxo sanguíneo para os pulmões, trazendo
com excelente resultado operatório e com ótimas con- significativo alívio dos sintomas em repouso, porém com
dições clínicas podem ser liberados para esportes do persistência da dessaturação arterial durante a reali-
tipo IA quando a pressão ventricular direita estiver nor- zação de exercícios(8).
mal ou próxima disso, com discreta dilatação do ventrí- Para esses casos, exercícios da classe IA podem
culo direito, na ausência de “shunts” residuais e arrit- ser prescritos, desde que, durante sua realização, se-
mias ao eletrocardiograma de repouso, Holter de 24 jam observados alguns critérios bem estabelecidos(8):
horas e teste ergométrico, e, se presente, insuficiência - manutenção da saturação arterial de oxigênio aci-
pulmonar discreta. São considerados em boas condi- ma de 80%;
ções os portadores de insuficiência pulmonar leve/mo- - ausência de arritmias sintomáticas e de sinais e sin-
derada, com ventrículo direito moderadamente dilata- tomas de disfunção ventricular;
do e função no limite da normalidade, podendo prati- - avaliação de capacidade física pelo teste ergomé-
car exercícios tipo A e B, mas com monitorização. Em trico e/ou ergoespirométrico próxima do normal.
condição grave encontram-se os que têm insuficiência Doença vascular pulmonar obstrutiva
pulmonar importante, pressão de ventrículo direito 50% Indivíduos portadores de doença vascular pulmo-

180 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
nar obstrutiva decorrentes teriosa avaliação individualizada para liberação de ati-
de síndrome de Eisen- vidades físicas(8).
menger têm risco elevado Transposição das grandes artérias após “switch”
TEBEXRENI AS de morte súbita durante arterial (cirurgia de Jatene)
e cols. atividades físicas de alta Para esses pacientes, após seis meses da cirurgia
Cardiopatias congênitas: intensidade, e não devem e na ausência de defeitos residuais, com área cardía-
atividades físicas
e esporte
participar de esportes ca normal e função ventricular normal em repouso e
competitivos. Naqueles in- durante o esforço e na ausência de arritmias sintomá-
divíduos em que há sus- ticas, não há restrições quanto à participação em ativi-
peita de hipertensão pul- dades físicas e esportes; porém, pelo risco de desen-
monar conseqüente à car- volvimento ou acentuação de regurgitação aórtica, re-
diopatia de hiperfluxo pul- comenda-se a não realização de exercícios classes IIIA,
monar ou outra, deve-se proceder à quantificação des- IIIB e IIIC (exercícios altamente estáticos). Quando al-
sa pressão por método indireto (ecodopplercardiogra- terações hemodinâmicas ou disfunção ventricular leve
fia) ou direto (cateterismo cardíaco) antes da liberação estão presentes, devem ser permitidos apenas exercí-
para a prática desportiva, portanto seguindo as reco- cios das classes IA, IB, IC e IIA(8).
mendações a seguir, com base na medida da pressão Pós-operatório de cirurgia de Fontan ou derivações
arterial pulmonar(8): cavopulmonares
- se a pressão arterial pulmonar for < 40 mmHg, o Essas alternativas cirúrgicas podem ser emprega-
paciente está liberado para todos os esportes com- das como tratamento paliativo para algumas doenças,
petitivos; como, por exemplo, atresia tricúspide e coração uni-
- se a pressão arterial pulmonar for > 40 mmHg, deve ventricular. Embora a evolução clínica possa ser satis-
ser feita avaliação individual para a prescrição de exer- fatória, esses pacientes apresentam débito cardíaco
cícios, considerando-se outros parâmetros que en- diminuído e, conseqüentemente, menor capacidade fí-
volvem a cardiopatia de base. sica. Assim, após avaliação individual cuidadosa e na
Outras cardiopatias congênitas cianóticas ausência de disfunção ventricular, dessaturação arte-
De maneira geral, portadores de outras cardiopati- rial em repouso e tolerância “normal” ao exercício em
as congênitas cianogênicas, como transposição dos avaliação ergométrica, podem ser liberados para es-
grandes vasos da base, coração univentricular, atresia portes da classe IA(8).
tricúspide e outras, apresentam alterações clínicas e
hemodinâmicas importantes e a avaliação para a ativi- CONSIDERAÇÕES FINAIS
dade física ocorre após cirurgia de reparação, geral-
mente de caráter funcional. Também para esses paci- Embora complexa e com grandes desafios, a prescri-
entes a avaliação clínico-funcional pormenorizada e o ção de atividades físicas e exercícios para portadores de
acompanhamento periódico são fundamentais(8). cardiopatias congênitas pode ser realizada com segurança
Transposição das grandes artérias após cirurgia de desde que se tenha pleno conhecimento da doença e do
Senning ou de Mustard doente, e que se realize avaliação clínico-funcional crite-
Indivíduos com área cardíaca normal à radiografia riosa. O conhecimento e a correta interpretação de dire-
de tórax, sem história de arritmias, “flutter” atrial ou ar- trizes especificamente concebidas com esse fim contri-
ritmia ventricular, sem história de síncope e com teste buem significativamente para a realização de um traba-
de esforço normal podem ser liberados para exercícios lho que, sem dúvida alguma, acarreta enorme benefício
dos tipos IA e IIA. Para aqueles doentes que não pre- para o doente e para todos aqueles que, de alguma ma-
enchem as condições descritas, há necessidade de cri- neira, mantêm relação com esse indivíduo.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 181
CONGENITAL HEART DISEASES: PHYSICAL
TEBEXRENI AS ACTIVITIES AND SPORTS
e cols.
Cardiopatias congênitas:
atividades físicas
e esporte ANTONIO SERGIO TEBEXRENI, MARIA APARECIDA DE PAULA E SILVA,
ANTONIO CARLOS DE CAMARGO CARVALHO

The regular practice of physical activities and sports is being increasingly stimu-
lated in view of the benefits for physical and mental health, and consequently to the
quality of life of healthy individuals and for those with various diseases. In cardiology,
this concept is applied specially for the rehabilitation of patients with coronary heart
diseases and cardiomyopathies.
In this article, the authors analyze the congenital heart diseases and their relati-
onship with physical activities and exercise, taking into account the clinical presenta-
tions variability of these diseases both in individuals who were not submitted to car-
diac surgery, and therefore with the disease in its natural course, and in those in
whom the anatomical and functional corrective surgery were performed, asympto-
matic or heavily symptomatic patients, and with high degree of cardiac compromise
and physical disability, and the characteristics of the exercises regarding the type
and intensity, aiming to establish recommendations based on putative guidelines
and also on the authors’ experience.

Key words: congenital heart diseases, physical activities, sports.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:169-83)


RSCESP (72594)-1526

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 183
ATIVIDADE FÍSICA E DOENÇA CARDIOVASCULAR
SMANIO P e col. NA MULHER
Atividade física e doença
cardiovascular na mulher

PAOLA SMANIO, LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA

Seção de Medicina Nuclear — Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 — Ibirapuera —


CEP 04012-000 — São Paulo — SP

Existem diferenças importantes, tanto anatômicas como fisiológicas, entre homens


e mulheres, que devem ser levadas em consideração ao se programar atividade
física e esportiva para o sexo feminino. Por meio da medida do limiar anaeróbio
(maior consumo de oxigênio atingido, sem o desenvolvimento de acidose láctica
sustentada), pode-se avaliar a intensidade segura de treinamento, minimizando a
ocorrência de prejuízos funcionais.
A doença arterial coronariana é a causa mais importante de óbito nas mulheres.
A detecção precoce bem como a prevenção da doença cardiovascular em mulheres
tornaram-se desafios para os cardiologistas. Os fatores de risco para o
desenvolvimento de doença arterial coronariana nas mulheres são os mesmos
observados nos homens. Sabe-se, porém, que há algumas diferenças já bem descritas
na apresentação da doença arterial coronariana segundo o sexo. A mulher desenvolve
a doença dez anos mais tardiamente e, de maneira geral, tem o primeiro infarto do
miocárdio vinte anos após, em relação ao homem. A incidência de doença arterial
coronariana no sexo feminino é relacionada à idade e no período pós-menopausa
aproxima-se à incidência observada no sexo masculino. Talvez isso decorra da perda
de proteção estrogênica. Dessa forma, o conceito de que a doença arterial
coronariana era uma doença ligada predominantemente ao sexo masculino, vigente
por décadas, começa a ser modificado.
A atividade física ajuda a prevenir e a tratar os fatores de risco para doença
aterosclerótica, incluindo hipertensão arterial, resistência à insulina, intolerância à
glicose, dislipidemia e obesidade, entre outros. A magnitude dos efeitos do exercício
é influenciada pelas características do tipo de exercício realizado, por variações
individuais e pela redução do peso corporal decorrente do exercício. Recentes
diretrizes classificam a atividade física como classe I, nível B de evidência na
prevenção de doença cardiovascular na mulher.

Palavras-chave: exercício, doença cardiovascular, mulher, fatores de risco,


prevenção.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:184-92)


RSCESP (72594)-1527

INTRODUÇÃO Exercício é definido como tipo de atividade física


planejada, estruturada, repetitiva, com o propósito de
Atividade física é definida como qualquer movimento melhora do condicionamento físico(1).
produzido por músculos esqueléticos e que resulta em Condicionamento físico é definido como condicio-
gasto de energia maior que o gasto em repouso(1). namento cardiorrespiratório, fortalecimento muscular,

184 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
com melhora da composi- frias, com limiar de sudorese mais alto, entre 1,4oC e
ção corporal e da flexibili- 20°C. Como conseqüência, em temperaturas mais ele-
dade, compreendendo vadas o custo fisiológico para manter o equilíbrio tér-
SMANIO P e col. uma série de atribuições mico com menor sudorese é maior, sendo mais limi-
Atividade física e doença do indivíduo adquiridas e tante para o desempenho físico.
cardiovascular na mulher que refletem a habilidade Em relação às lesões, as mulheres tendem a de-
de praticar exercício(1). senvolver as mesmas lesões que os homens nas mes-
A classificação do nível mas circunstâncias, em decorrência de “overtraining” e
de exercício depende das fatores anatômicos, entre outras causas. A incidência
medidas de “quantidade” e de injúrias de treinamento parece estar mais ligada ao
“intensidade” em que a ati- nível de condicionamento e de atividade física e ao tipo
vidade física é realizada. de esporte praticado que ao sexo.
Intensidade reflete a taxa de energia gasta durante Os sistemas cardiovascular e sanguíneo também
a atividade física e pode ser mensurada em termos apresentam algumas diferenças, como número médio
relativos ou absolutos. Em termos absolutos, a intensi- de hemácias em repouso, que é 10% menor na mulher
dade reflete a taxa de energia gasta durante o exercício, em relação ao homem. Após o exercício, porém, ocor-
sendo geralmente expressa em equivalentes metabóli- re aumento de até 10%, determinando aumento da di-
cos (METs), em que 1 MET é igual a 3,5 ml O2.kg-1.min-1. ferença absoluta entre os sexos, voltando aos valores
Em termos relativos, reflete a porcentagem de traba- basais entre 30 minutos e 2 horas. Entre 20 e 30 anos,
lho aeróbico empregada durante o exercício e é ex- as mulheres possuem aproximadamente 15% menos
pressa em porcentagem da freqüência cardíaca máxi- hemoglobina e 6% menos hemácias por mm3, o que
ma ou do consumo máximo de oxigênio (VO2 máximo). promove maior capacidade de transporte de oxigênio
Considera-se atividade física de intensidade leve nos homens.
aquela que permanece até 70% da freqüência cardía- Os níveis de pressão arterial tanto sistólica como
ca máxima; moderada, entre 70% e 85%; e vigorosa, diastólica são 5 mmHg a 10 mmHg mais elevados no
acima de 85%(1). homem até os 18 anos, quando a pressão se iguala.
No climatério, a pressão arterial sistólica da mulher ele-
ATIVIDADE FÍSICA E SEXO FEMININO va-se ligeiramente em relação à do homem.
Outra diferença é relacionada à maior massa mus-
Aspectos fisiológicos cular do coração do homem, resultando em maior for-
Existem diferenças importantes anatômicas e fisio- ça contrátil e volume sistólico com menor freqüência
lógicas entre homens e mulheres e que devem ser le- cardíaca.
vadas em consideração ao se programar a atividade A freqüência cardíaca, por sua vez, costuma ser
física e esportiva para o sexo feminino(1). mais elevada na mulher, geralmente entre 5 e 8 bati-
No esporte, essas diferenças manifestam-se de for- mentos em repouso.
ma significativa na capacidade física, pois tanto a fisio- O débito cardíaco na mulher, para o transporte de 1
logia como o aspecto estrutural desfavorecem a mu- litro de oxigênio em trabalho submáximo, é de 9 litros
lher nas atividades que exigem força. de sangue, com conteúdo medido de oxigênio sanguí-
No entanto, para elevar o VO2 máximo em ambos neo de 16,7 ml/100 ml. Nos homens, o débito cardíaco
os sexos não há diferença na necessidade de esforço é de 8 litros e o oxigênio sanguíneo é de 19,2 ml/100
exigido, no que se refere a intensidade, freqüência e ml. Essa maior eficiência é decorrente da maior con-
duração. Há menos diferença entre homens e mulhe- centração de hemoglobina e do maior tamanho do co-
res atletas que praticam a mesma atividade esportiva ração(3).
e com o mesmo nível de condicionamento que entre
mulheres condicionadas e não-condicionadas. Em ge- Distúrbios específicos da mulher atleta
ral, após 90 dias de treinamento o VO2 máximo da As disfunções menstruais, particularmente a ame-
mulher iguala-se ao do homem(2). norréia, podem acontecer em mulheres que se exerci-
Em geral, as mulheres não-condicionadas são me- tam muito, pela liberação de prolactina, que leva à ano-
nos tolerantes ao exercício em ambiente quente que vulação e ao hipoestrogenismo.(4) O retardo da puber-
mulheres consideradas com alta capacidade aeróbica. dade pode ocorrer em atletas jovens, principalmente
A adaptação da mulher ao calor é diferente, por pos- naquelas com magreza acentuada, pela baixa quanti-
suir 10% mais de tecido adiposo, que funciona como dade de gordura corporal, que promove alterações nas
isolamento e previne a perda excessiva de calor pelos secreções gonadotrópicas(5).
órgãos internos. A temperatura cutânea da mulher é Mas, por meio da medida do limiar anaeróbio (mai-
mais alta nas estações mais quentes e mais baixa nas or consumo de oxigênio atingido, sem o desenvolvi-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 185
mento de acidose láctica servada no sexo masculino. Talvez isso decorra da per-
sustentada), pode-se ava- da da proteção estrogênica.
liar a intensidade segura Dessa forma, o conceito de que a doença arterial
SMANIO P e col. de treinamento, minimi- coronariana era uma doença ligada predominantemente
Atividade física e doença zando a ocorrência de pre- ao sexo masculino, vigente por décadas, começa a ser
cardiovascular na mulher juízos funcionais. modificado.
Estudo(6) comparou 9 O risco para o aparecimento de doença arterial co-
corredoras de longa dis- ronariana e de suas complicações varia em torno de
tância, com distância per- 25% para as mulheres na faixa de 40 anos a 50% nas
corrida suficiente para mulheres idosas(12). Quando a evolução de mulheres
acarretar os distúrbios clí- após infarto do miocárdio é analisada dentro do pri-
nicos descritos anterior- meiro ano de seguimento, comprova-se maior mortali-
mente e 8 mulheres sedentárias, com média de idade dade em relação ao sexo masculino (38% e 25%, res-
igual a 33 anos. Como as corredoras monitorizavam a pectivamente)(12), e aproximadamente 63% das mulhe-
freqüência cardíaca e treinavam em intensidade abai- res com morte súbita por doença arterial coronariana
xo do limiar anaeróbio, nenhuma apresentou amenor- não apresentam sintomas prévios.(13).
réia e os níveis séricos de estradiol permaneceram nor- Tais evidências, aliadas à realidade social, que exi-
mais. ge envolvimento obrigatório do sexo feminino no traba-
lho, aumento do nível de estresse, tabagismo e dieta
SEXO FEMININO E DOENÇA CARDIOVASCULAR rica em colesterol, implicam necessidade de uma in-
vestigação diagnóstica periódica. A importância da ati-
A doença cardiovascular é a principal causa de vidade física regular para a prevenção de doenças car-
morte em americanos, tanto no sexo masculino como diovasculares no sexo feminino vem sendo cada vez
no feminino, com morbidade e mortalidade compará- mais estabelecida e comprovada.
veis(7). A doença arterial coronariana é a causa mais
importante de óbito nas mulheres americanas, sendo Exercício físico para mulheres idosas
responsável por mais de 250 mil mortes por ano, o que Considera-se exercício a atividade física que pro-
representa um terço da mortalidade anual(8). Maior nú- duza maior consumo de calorias e modificações dos
mero de mulheres morre por doença cardiovascular que hábitos em benefício do estado físico e do estado psí-
pela somatória de todos os tipos de câncer combina- quico(14) do indivíduo.
dos. A atividade física regular é fundamental como es-
No Brasil, os dados epidemiológicos existentes são tratégia de prevenção de inúmeras doenças, entre elas
poucos,(9) porém sabe-se que a doença arterial coro- a cardiovascular.
nariana também é a principal responsável pela morta- A atividade física regular pode reduzir a mortalida-
lidade no sexo feminino. de por doenças cardiovasculares pela redução e pelo
Na Tabela 1 estão apresentados os dados referen- controle de vários fatores de risco. Atua na hiperten-
tes ao ano de 2001, publicados pela Secretaria da Saú- são, no diabetes, na obesidade, na diminuição do de-
de do Estado de São Paulo. sejo de fumar, na redução do estresse e da ansiedade,
A detecção precoce bem como a prevenção de do- e no perfil metabólico das gorduras sanguíneas.
ença cardiovascular em mulheres tornou-se um desa- Nas mulheres idosas, ao iniciar uma atividade físi-
fio para os cardiologistas(10, 11). ca, segundo as recomendações do Colégio America-
no de Medicina Esportiva, deve-se realizar uma avalia-
Perfil das mulheres com doença arterial ção cardiológica para a exclusão de doenças cardía-
coronariana cas que contra-indiquem a prática esportiva regular.
Os fatores de risco para o desenvolvimento de do- Deve-se seguir um programa supervisionado, com in-
ença arterial coronariana nas mulheres são os mes- tensidade crescente.
mos em relação aos homens(12). Quanto ao tipo de exercício, qualquer atividade ae-
Sabe-se, porém, que há algumas diferenças já bem róbica é eficaz. Caminhar é, talvez, o mais simples e
descritas na apresentação de doença arterial corona- adequado para a maioria das idosas. Essa atividade
riana segundo o sexo. A mulher desenvolve a doença pode ser facilmente incorporada à rotina de vida, tor-
dez anos mais tardiamente e, de maneira geral, tem o nando-se um hábito salutar. Não há necessidade de
primeiro infarto do miocárdio vinte anos após, em rela- equipamentos dispendiosos nem deslocamentos para
ção ao homem. A incidência da doença arterial coro- locais apropriados e o risco de complicações é míni-
nariana no sexo feminino é relacionada à idade, e no mo.
período pós-menopausa aproxima-se à incidência ob- Um estudo realizado na Suécia(1), em 1988, incluin-

186 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
Tabela 1. Mortalidade por sexo no Estado de São Paulo, em 2001.

Mortalidade segundo causas (capítulo da CID) e sexo — Estado de São Paulo, 2001
SMANIO P e col.
Atividade física e doença
Causas (capítulo da CID) Masculino Feminino Ignorado Total
cardiovascular na mulher

I. Doenças infecciosas e
parasitárias 6.768 3.949 0 10.717
II. Neoplasias (tumores) 19.769 16.335 0 36.104
III. Doenças hematológicas
e transtornos imunitários 491 463 0 954
IV. Doenças endócrinas
nutricionais e metabólicas 4.818 6.066 0 10.884
V. Transtornos mentais e
comportamentais 1.360 446 0 1.806
VI. Doenças do sistema
nervoso 1.828 1.654 0 3.482
VII. Doenças do olho e
anexos 5 1 0 6
VIII. Doenças do ouvido e
da apófise mastóide 14 17 0 31
IX. Doenças do aparelho
circulatório 37.473 33.356 0 70.829
X. Doenças do aparelho
respiratório 13.603 10.789 0 24.392
XI. Doenças do aparelho
digestivo 8.587 4.381 0 12.968
XII. Doenças da pele e
do tecido subcutâneo 190 259 0 449
XIII. Doenças do sistema
osteomuscular e tecido
conjuntivo 239 426 0 665
XIV. Doenças do aparelho
geniturinário 2.082 1.900 0 3.982
XV. Gravidez, parto e
puerpério 0 237 0 237
XVI. Afecções originadas
no período perinatal 3.314 2.596 2 5.912
XVII. Deformidades e
anomalias cromossômicas 1.174 1.115 4 2.293
XVIII. Sintomas e sinais
clínicos e alterações
laboratoriais 8.749 6.049 4 14.802
XIX. Causas externas de
morbidade e mortalidade 28.911 4.636 13 33.560
Total 139.375 94.675 23 234.073

Fonte: SEADE. Elaboração: CIS/CPS/SES. Dados publicados pela Secretaria da


Saúde do Estado de São Paulo.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 187
do idosas com mais de 70 forço necessário para a obtenção de tais benefícios.
anos, demonstrou que Em estudo(7) que avaliou 7.337 indivíduos, foi ob-
aquelas que caminhavam servado que as taxas de doença cardiovascular foram
SMANIO P e col. pelo menos 30 minutos di- reduzidas em 19%, 38% e 40% nos grupos que reali-
Atividade física e doença ariamente apresentavam zaram atividade física considerada fraca, moderada e
cardiovascular na mulher melhor capacidade física, intensa, respectivamente. O estudo demonstra, ainda,
maior densidade óssea, a importância da prática esportiva com regularidade
menor concentração plas- (de quatro a seis vezes por semana), do tipo aeróbico,
mática de triglicérides e e com sessões de, no mínimo, 40 minutos.
menor prevalência de do- Outros estudos(3, 15) avaliaram a relação entre gor-
ença coronária em relação duras, lipoproteínas e exercício físico. Constataram que
às que caminhavam me- a implementação de exercícios de alta ou baixa inten-
nos de 30 minutos. Apesar de a atividade física regular sidade, realizados entre 85% e 90% e em torno de 50%
determinar benefícios evidentes após os 65 anos, veri- e 70% do consumo máximo de oxigênio (VO2 máximo),
ficou-se que 60% a 70% das idosas são sedentárias e respectivamente, podem produzir modificações favo-
menos de 25% participam de um programa de exercí- ráveis e consistentes sobre o perfil lipídico.
cios adequado para a prevenção de doenças cardio- Tais alterações são observadas principalmente pela
vasculares. redução dos triglicérides e pela elevação do HDL-co-
lesterol sanguíneo. Ainda não há dados consistentes
Exercício e fatores de risco cardiovascular quanto à redução dos valores do colesterol total; en-
na mulher tretanto, os benefícios cardioprotetores da elevação do
A atividade física ajuda a prevenir e tratar os fatores HDL-colesterol são consistentes com a atividade física
de risco para doença aterosclerótica, incluindo hiper- de rotina.
tensão arterial, resistência à insulina e intolerância à No início do exercício ou no exercício intenso, o gli-
glicose, níveis elevados de triglicérides, níveis baixos cogênio muscular armazenado e a glicose do sangue
de colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL- são as principais fontes de energia. No exercício pro-
colesterol) e obesidade. Atividade física associada à longado e de intensidade moderada, as gorduras são
redução de peso corporal pode diminuir os níveis de as responsáveis pela liberação da maior quantidade
colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-co- de energia necessária, pois, nesses casos, o metabo-
lesterol). lismo predominante é o aeróbico.
A magnitude dos efeitos do exercício é influenciada Os ácidos graxos são a principal fonte energética
pelas características do tipo de exercício realizado, de origem lipídica, e estão armazenados na forma de
pelas variações individuais e se o exercício produziu triglicérides no sangue, no fígado, nos músculos, no
redução do peso corporal. tecido adiposo e também nas lipoproteínas plasmáti-
Recentes diretrizes(8) publicadas pela “American cas.
Heart Association” classificam a atividade física como A quantidade de ácidos graxos oxidados no exercí-
classe I, nível B de evidência na prevenção e tratamento cio depende do tipo de solicitação ou trabalho muscu-
de doença cardiovascular na mulher. lar, da duração do esforço, da intensidade, da massa
No perfil lipídico muscular envolvida, da composição corporal, da circu-
A partir do fim dos anos 80, o Programa Nacional lação sanguínea e da quantidade celular de monofos-
de Educação sobre o Colesterol, do Instituto Nacional fato de adenosina (AMP).
de Saúde dos Estados Unidos, publicou diretrizes vi- Durante a atividade física, ocorre no tecido adipo-
sando à detecção e ao manejo das alterações do perfil so, pela ação de enzimas, a transformação dos trigli-
das gorduras para prevenir e tratar a aterosclerose, cérides em glicerol e ácidos graxos, que são fontes de
principalmente a doença arterial coronária, cuja mor- energia.
talidade é alta. No organismo, em relação ao repouso, a taxa de
A Campanha Nacional de Alerta sobre o Colesterol oxidação dos ácidos graxos liberados do tecido adipo-
Elevado realizou um importante estudo em 81.262 bra- so e utilizados pelos músculos, pelo fígado e por ou-
sileiros e observou que 40% da população tem coles- tros órgãos aumenta de 50% a 75% nos esforços de
terol total acima de 200 mg/dl, dos quais 13% têm va- intensidade moderada e até 85% nos esforços de gran-
lores superiores a 240 mg/dl. de intensidade.
Durante a atividade física, o organismo necessita No diabetes
de maior quantidade de energia em relação ao repou- A elevação da incidência de diabete do tipo 2 nas
so, o que estimula todo o sistema metabólico, inclusive últimas décadas bem como o estabelecimento da liga-
o das gorduras. Há controvérsias sobre o nível de es- ção do diabetes com a doença cardiovascular vêm pro-

188 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
movendo interesse no es- 140/90 mmHg. Dessa forma, pode-se dizer que nosso
tudo dos efeitos da ativida- país possui, hoje, aproximadamente 30 milhões de hi-
de física na resistência à pertensos, dos quais apenas 7,5 milhões estão em tra-
SMANIO P e col. insulina, no controle da gli- tamento.
Atividade física e doença cemia e na redução da in- Acima de 60 anos, a ocorrência de hipertensão ar-
cardiovascular na mulher cidência do diabetes. terial é em torno de 65%, em média, aumentando pro-
O diabetes do tipo 2 gressivamente com a idade. As crianças e os adoles-
está diretamente ligado ao centes também não estão isentos. O relatório publica-
sobrepeso e ao estilo de do pela força-tarefa americana refere prevalência de
vida sedentário. Ao lado da 2% a 13%.
predisposição familiar, a O interesse em relação aos efeitos do exercício na
obesidade é considerada hipertensão arterial não é, contudo, recente. Em 1958,
fator fortemente preditor de diabetes. Sabe-se, entre- autores encontraram níveis de pressão arterial tanto
tanto, que a inatividade física aumenta o risco de dia- sistólica como diastólica significativamente menores em
betes, independentemente da obesidade. Estudos(16-18) trabalhadores braçais, quando comparados com valo-
demonstram que o exercício aumenta a sensibilidade res obtidos em indivíduos sedentários. Pelo menos 44
à insulina, melhora a tolerância à glicose e promove estudos randomizados e controlados incluindo 2.674
perda de peso. mulheres demonstraram o efeito benéfico do exercício
Hu e colaboradores(19) acompanharam 5.125 mulhe- no controle da pressão arterial(21). A média das redu-
res diabéticas por ano (“Nurse Health Study”), obser- ções da pressão arterial sistólica e da pressão arterial
vando 323 novos casos de doença cardiovascular do- diastólica após a atividade física foi, respectivamente,
cumentada por ano. Observaram, ainda, que o nível de de 3,4 mmHg e 2,4 mmHg.
atividade física era inversamente associado ao núme- Os níveis de pressão arterial basais foram impor-
ro de paradas cardíacas e doença coronária documen- tantes determinantes dos efeitos do exercício. As mé-
tada. dias das pressões sistólica e diastólica apresentaram
Pelo fato de a doença cardiovascular ser responsá- redução de 2,6 mmHg e 1,8 mmHg nos indivíduos nor-
vel por aproximadamente 75% das mortes entre dia- motensos e de 7,4 mmHg e 5,8 mmHg nos hiperten-
béticos, já está bem estabelecida, nesses indivíduos, sos, sugerindo a importância da atividade física como
a importância da atividade física na prevenção de do- terapêutica única ou coadjuvante da hipertensão arte-
ença cardiovascular, bem como na redução da morta- rial.
lidade. Além dos efeitos na regulação por meio do “centro
Na atualidade, sabe-se que o diabetes está forte- cardiovascular” localizado no bulbo, a atividade física
mente associado à doença coronariana na mulher. Na também controla a pressão arterial pela diminuição do
estratificação de risco cardiovascular, estudos demons- estresse e da ansiedade que comumente dificultam o
tram que a presença de diabetes torna a mulher porta- controle pressórico. Shaw e colaboradores(17) demons-
dora de alto risco de eventos(12) (“Framingham global traram que o risco do desenvolvimento de hipertensão
risk > 20% in 10 years”). arterial sistêmica em indivíduos sedentários é 35%
A atividade física aumenta a sensibilidade à insuli- maior, independentemente de outras variáveis como
na, com conseqüente redução da insulinemia, princi- obesidade ou risco familiar, para hipertensão.
palmente nas mulheres com obesidade do tipo abdo- Na obesidade
minal que apresentam intolerância à glicose. O exercício é fundamental como estratégia coadju-
Inúmeros estudos(11, 19, 20) já comprovaram o benefí- vante no combate à obesidade.
cio da atividade física na redução do risco cardiovas- O registro nacional de controle de peso americano,
cular, da mortalidade cardiovascular e da mortalidade incluindo 3 mil indivíduos que perderam > 10% do peso
total nos diabéticos de ambos os sexos. Benefícios tam- corporal e que mantiveram essa perda por um ano,
bém estão comprovados para controlar a hipertensão descreveu a importância da atividade física regular(18).
arterial e na obesidade. Em 81% dos participantes houve descrição de aumen-
Na hipertensão arterial to da atividade física. Homens e mulheres apresenta-
A hipertensão arterial é uma doença altamente pre- ram gasto calórico semanal aproximado de 3.298 kcal
sente na população adulta. Nos Estados Unidos, estu- e 2.445 kcal, respectivamente.
dos(17, 21) comprovam prevalência aproximada de 25% Sabe-se que a distribuição de gordura corpórea seria
entre adultos com mais de 18 anos de idade. No Brasil, mais importante que o índice de massa corporal (peso
as estatísticas variam de uma prevalência de 22% até em quilos/altura2 em metros) em relação ao risco de
44%, utilizando o critério atual para o diagnóstico de doença cardiovascular.
hipertensão arterial, que é de pressão maior ou igual a Analisando-se a relação entre a circunferência da

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005 189
cintura e da bacia, verifi- No tabagismo
cou-se que mulheres com Alguns estudos verificaram o efeito adjunto do exer-
obesidade abdominal ca- cício na interrupção do hábito de fumar em mulheres.
SMANIO P e col. racterizada pela relação Em estudo randomizado(23) que observou 281 mulhe-
Atividade física e doença cintura/bacia maior que res durante 12 semanas de programa de atividade físi-
cardiovascular na mulher 0,85 apresentaram maior ca regular, foram verificados 19,4% de abstinência em
risco de doença cardiovas- dois meses, comparativamente a apenas 10,2% no gru-
cular que aquelas com po controle. Após 12 meses, 11,9% das ativas e 5,4%
obesidade glúteo-femoral, das sedentárias permaneceram abstinentes.
caracterizada por valores Em outros fatores de risco
inferiores a 0,85. Mulheres Há, ainda, evidências de que o exercício reduz o risco
com relação cintura/bacia de outras doenças crônicas na mulher, como osteoporo-
elevada têm distribuição de gordura similar à dos ho- se, carcinomas de cólon e mama(24) e depressão(14). A ati-
mens e risco de doença cardiovascular que se aproxi- vidade física regular atua, ainda, no tratamento das paci-
ma ao do deles também. entes com doença vascular periférica e claudicação in-
Sabe-se que mulheres idosas com obesidade ab- termitente. Em revisão(25) de 21 programas de exercício
dominal apresentam maior prevalência de hipertensão para pacientes com claudicação, observou-se que após
arterial, elevação das gorduras sanguíneas, intolerân- o exercício físico contínuo a distância para o início da dor
cia à glicose e infarto do miocárdio. aumentou em média 179% e a média da distância máxi-
Quanto à atividade física, existem poucas dúvidas ma tolerada aumentou em 122%.
sobre a relevância do exercício físico regular para o con- No tratamento de doença cardiovascular já conhecida
trole da obesidade e dos outros fatores de risco de doen- Inúmeras meta-análises concluíram que o exercí-
ças cardiovasculares associados a ela(22). cio físico, atuando em programa de reabilitação cardí-
A prática regular de exercício físico, apesar de não aca, reduz as taxas de mortalidade em pacientes após
provocar perda de peso corporal tão intensa quanto a infarto do miocárdio.(26, 27)
dieta hipocalórica, preserva a massa magra, atenua ex- Tais estudos comprovam que a reabilitação cardía-
pressivamente outros fatores de risco cardiovascular e ca reduz a mortalidade, porém não demonstram redu-
evita o ganho de peso. ção significativa da taxa de infarto do miocárdio recor-
É consenso entre os estudiosos da obesidade que rente. A atividade física também se mostra útil para o
a melhor terapia para o emagrecimento se baseia na tratamento de pacientes com angina e sem indicação
associação de dieta com treinamento físico(17). de revascularização.

190 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
EXERCISE AND CARDIOVASCULAR DISEASE IN WOMEN
SMANIO P e col.
Atividade física e doença PAOLA SMANIO, LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA
cardiovascular na mulher

The evidence demontrating that physical inativity plays a role in the development
of several diseases continues to grow. Numerous scientific reports have examined
the relationships between physical activity and health outcomes. These reports
support the concept that more active women tend to experience less coronary artery
disease and have lower cardiovascular mortality. Physical activity both prevents and
helps treat many established atherosclerotic risk factors, including elevated blood
pressure, insulin resistance and glucose intolerance, obesity and elevated triglyceride
concentrations and low high-density lipoprotein cholesterol concentration.
There are some physiological and anatomical differences between the effects of
the exercise in relation to the gender.
Despite research based gains in the treatment of cardiovascular disease, it remains
the leading killer of women. Coronary heart disease accounts for the majority of
cardiovascular disease deaths in women, disproportionately afflicts racial and ethnic
minorities, and is a prime target for prevention. Because coronary heart disease is
often fatal, and because nearly two thirds of women who die suddenly have no
previously recognized symptoms, it is essential to prevent coronary heart disease.
The risk factors for cardiovascular disease are the same for both genders. The
identification and the effective prevention of risk factors for cardiovascular disease is
very important. Several lifestyle interventions, like exercise and diet, were rated as
Class I recommendations.

Key words: exercise, cardiovascular disease, woman, risk factors, prevention.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:184-92)


RSCESP (72594)-1527

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192 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 — Março/Abril de 2005
INFLUÊNCIA DOS POLIMORFISMOS
DO SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA NO
FERREIRA JCB e cols.
Influência dos
polimorfismos do sistema
DESEMPENHO ESPORTIVO
renina-angiotensina no
desempenho esportivo
JULIO CESAR BATISTA FERREIRA, FABIANA DE SANT’ANNA EVANGELISTA,
PATRICIA CHAKUR BRUM

Laboratório de Fisiologia Celular e Molecular do Exercício —


Universidade de São Paulo — Escola de Educação Física e Esporte
Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular —
Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Escola de Educação Física e Esporte da


Universidade de São Paulo —
Departamento de Biodinâmica do Movimento do Corpo Humano —
Av. Professor Mello Moraes, 65 — Butantã — CEP 05508-900 — São Paulo — SP

As respostas adaptativas ao treinamento físico podem ser mediadas em grande


parte pela variação da expressão de genes. Em decorrência da evolução natural das
técnicas disponíveis para o aprimoramento do atleta e dos esportes, bem como da
aplicação de conceitos e ferramentas emergentes de biologia molecular, o estudo
da influência genética para o desempenho esportivo por meio da avaliação funcio-
nal de genes candidatos tornou-se um tema de grande interesse nos últimos anos.
Grande parte dos genes candidatos apresenta alterações seqüenciais em sua es-
trutura, definidas como polimorfismos, as quais têm demonstrado correlação com
os diferentes níveis de desempenho esportivo. Desde a década de 90, quando os
primeiros trabalhos destacaram o gene da enzima conversora de angiotensina como
determinante do desempenho esportivo, particularmente utilizando as variantes gê-
nicas funcionais associadas ao polimorfismo de inserção e/ou deleção de 287 pares
de bases no íntron 16 do gene da enzima conversora de angiotensina, inúmeros
trabalhos têm surgido na literatura associando esse gene às respostas cardiovascu-
lares e metabólicas ao treinamento físico. Além do polimorfismo do gene da enzima
conversora de angiotensina, alterações na expressão do angiotensinogênio tam-
bém têm sido associadas ao desempenho esportivo. Apesar da natureza poligênica
dos fenótipos desenvolvidos pelo treinamento físico, o presente trabalho tem como
objetivo revisar o papel dos genes da enzima conversora de angiotensina e do angi-
otensinogênio na determinação do desempenho esportivo.

Palavras-chave: genética, desempenho esportivo, treinamento físico.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2 Supl A:1-9)


RSCESP (72594)-1516

INTRODUÇÃO mo muscular tanto em repouso como durante o exercí-


cio físico submáximo e o exercício físico máximo. Den-
O treinamento físico é responsável por alterações tre as adaptações cardiovasculares, destacam-se a
fisiológicas do sistema cardiovascular e do metabolis- marcante redução da freqüência cardíaca de repouso

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 (supl A) — Março/Abril de 2005 1
e o aumento do volume interferir em até 60% do VO2 máx de indivíduos trei-
sistólico, e, conseqüente- nados. No entanto, foi no início da década de 90 que
mente, a manutenção do os estudos de associação entre fatores genéticos e
débito cardíaco de repou- desempenho esportivo por meio de alterações gené-
FERREIRA JCB e cols.
Influência dos so(1). O aumento do volu- ticas denominadas polimorfismos e modificação na
polimorfismos do sistema me sistólico é resultante expressão de genes e proteínas específicos tiveram
renina-angiotensina no de alterações funcionais, grande repercussão na literatura. Exemplificando, na
desempenho esportivo como aumento da contra- Figura 1 pode-se observar grande correlação na por-
tilidade cardíaca, aumen- centagem de fibras lentas (tipo I) em gêmeos mono-
to da atividade máxima zigóticos, que são geneticamente idênticos, e até
da miosina ATPase, au- mesmo em gêmeos dizigóticos.
mento do volume diastó- O polimorfismo é definido como alterações da se-
lico final, redução da resistência periférica total, bem qüência do DNA que modificam a função ou a ex-
como alterações estruturais de remodelamento car- pressão de uma proteína, ocorrendo na população
díaco (1, 2). com freqüência igual ou superior a 1%(13). O estudo
Além dos ajustes cardiovasculares que proporci- dos polimorfismos ganhou destaque na ciência do
onam maior capacidade de oferta de oxigênio para esporte, em que pesquisas científicas relacionando
os músculos, o treinamento físico promove adapta- polimorfismos de genes específicos com o desem-
ções periféricas que proporcionam aumento da ex- penho esportivo de atletas têm sido desenvolvidas
tração de oxigênio pelo músculo esquelético em ati- com grande êxito(14, 15). Apesar da natureza poligêni-
vidade, tais como aumento da atividade das enzimas ca dos fenótipos associados ao treinamento físico,
do metabolismo oxidativo(3), aumento da capilariza- os primeiros trabalhos destacaram a descoberta dos
ção muscular(4), aumento da condutância vascular genes do sistema renina-angiotensina, particularmen-
sistêmica (5) e aumento do fluxo sanguíneo periféri- te utilizando as variantes gênicas funcionais associ-
co(6). Em conjunto, as adaptações promovidas pelo adas ao polimorfismo do gene da enzima conversora
treinamento físico aeróbio refletem não apenas na de angiotensina como fator genético determinante do
melhora do consumo máximo de oxigênio (VO2 máx), desempenho esportivo(16).
mas também nos mecanismos de produção de ener-
gia aeróbia, tais como menor utilização de carboi- SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA E
dratos, aumento da oxidação de gorduras e menor DESEMPENHO ESPORTIVO
concentração de lactato sanguíneo(7).
As respostas adaptativas ao treinamento físico e, O sistema renina-angiotensina corresponde a um
conseqüentemente, a determinação do rendimento complexo sistema endócrino, parácrino e autócrino,
esportivo podem ser mediadas em grande parte pela que exerce importante papel no controle da manu-
variação da expressão de genes (8). A utilização das tenção da homeostasia tanto cardiovascular como
técnicas de biologia molecular, desenvolvidas nos renal. Previamente definido como sistema endócri-
últimos 50 anos a partir da descoberta da estrutura no, tem a cascata bioquímica iniciada com a libera-
do DNA por Watson e Crick(9), além de permitir o avan- ção da renina pelas células justaglomerulares renais.
ço científico no entendimento da influência genética A renina tem especificidade muito grande pelo seu
sobre os mecanismos envolvidos em diversas fun- substrato, o angiotensinogênio, sintetizado principal-
ções celulares, passou a contribuir significantemen- mente no fígado. Uma vez secretado, o substrato é
te para o estudo das respostas fisiológicas desenca- clivado pela renina na circulação, formando o deca-
deadas pelo treinamento físico. De fato, a associa- peptídeo angiotensina I. Posteriormente, sob ação da
ção da genética com o esporte de alto rendimento enzima conversora de angiotensina, a angiotensina I
vem sendo objeto de estudo em grandes centros de é convertida ao octapeptídeo angiotensina II, subs-
pesquisas do esporte(10). tância ativa responsável pelos principais efeitos fisi-
Hagberg e colaboradores(11) descreveram marca- ológicos associados ao sistema renina-angiotensina,
dores genéticos capazes de diferenciar o desempe- atuando diretamente nos receptores AT 1 e AT 2(17).
nho esportivo dos atletas, como, por exemplo, a as- Apesar de a angiotensina II gerada por meio do sis-
sociação do tipo de fibras musculares e VO2 máx com tema renina-angiotensina ter sido considerada clas-
as melhores respostas fisiológicas ao treinamento sicamente um hormônio, outras evidências indicam
físico aeróbio. Fagard e colaboradores(12) descreve- a síntese dos componentes do sistema renina-angi-
ram que o consumo de oxigênio parece ser uma das otensina em células individuais ou tecidos, sugerin-
variáveis fisiológicas que mais estão associadas à do que a ação da angiotensina II também pode ser
genética, de forma que a herança genética possa autócrina ou intrácrina(18). Na literatura, os polimor-

2 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 (supl A) — Março/Abril de 2005
fismos dos genes da en- da enzima conversora de angiotensina com o desem-
zima conversora de angi- penho esportivo identificaram o alelo I como um fator
otensina e do angiotensi- genético de predisposição para o melhor rendimento
nogênio ganharam desta- em provas aeróbias. Gayagay e colaboradores(22) de-
FERREIRA JCB e cols.
Influência dos que nos estudos de asso- monstraram que remadores da seleção australiana
polimorfismos do sistema ciação entre genética e convocada para os Jogos Olímpicos de Atlanta apre-
renina-angiotensina no rendimento esportivo. sentavam, em sua maioria, genótipo II quando compa-
desempenho esportivo rados tanto com indivíduos sedentários como com
POLIMORFISMO DO indivíduos normalmente ativos. Nazarov e colaborado-
GENE DA ENZIMA res(23) também observaram predisposição do alelo I em
CONVERSORA DE atletas de provas de média duração com variação en-
ANGIOTENSINA tre 12 e 15 minutos. Já Myerson e colaboradores(14),
em corredores de elite, encontraram relação direta en-
O gene da enzima conversora de angiotensina está tre aumento da freqüência do aleo I e aumento das
presente no décimo sétimo par de cromossomos do distâncias percorridas em suas respectivas provas.
genoma humano e o polimorfismo nesse gene encon- Relação direta da variante funcional mais ativa da
tra-se no íntron 16, caracterizado pela presença (in- enzima (D) com o peso cardíaco em resposta ao trei-
serção, alelo I) ou ausên-
cia (deleção, alelo D) de
287 pares de bases na
seqüência do DNA huma-
no(19). O polimorfismo de in-
serção (II) está associado
a baixa produção de enzi-
ma conversora de angio-
tensina tanto sistêmica
como local, o que leva à
diminuição da atividade do
sistema renina-angiotensi-
na(20). O polimorfismo ID
está relacionado a mode-
rada produção de enzima
conversora de angiotensi-
na. Já o polimorfismo de
deleção (DD) está associ-
ado a grande aumento da
síntese de enzima conver-
sora de angiotensina circu-
lante e local, o que confe-
re maior ativação do siste- Figura 1. Predisposição genética de gêmeos monozogóticos e dizigóticos para por-
ma renina-angiotensina. centagem do tipo de fibras de característica lenta. (Adaptado de Hagberg e colabo-
Estudos na literatura têm radores(11).)
demonstrado relação entre
o polimorfismo do gene da
enzima conversora de angiotensina e o rendimento namento físico foi relatada por Montgomery e colabo-
esportivo em diferentes modalidades esportivas(21). radores(16), Myerson e colaboradores(24) e Hernandez e
colaboradores(25). Outros autores observaram que indi-
Polimorfismo da enzima conversora de víduos com o genótipo DD apresentaram maior expres-
angiotensina e resposta ao treinamento são do RNA mensageiro da enzima conversora de an-
físico aeróbio giotensina no coração quando comparados com indiví-
O rendimento do sistema cardiovascular constitui- duos II e ID, sugerindo uma relação entre níveis eleva-
se em um elemento-chave no desempenho de atletas dos de angiotensina II no coração e crescimento dos
de provas aeróbias, por ser responsável pela oferta de cardiomiócitos.
substrato energético e de oxigênio para os músculos. A associação do alelo I com o aumento do desem-
Alguns estudos relacionando o polimorfismo do gene penho em provas aeróbias pode ser resultado de alte-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 (supl A) — Março/Abril de 2005 3
rações como aumento da na foram observadas principalmente em atletas alta-
oferta de substratos ener- mente treinados, sugerindo, então, possível influência
géticos, melhora do débi- do treinamento físico aeróbio na otimização das res-
to cardíaco, aumento da postas fisiológicas em indivíduos com polimorfismo do
FERREIRA JCB e cols.
Influência dos capilarização e densidade gene da enzima conversora de angiotensina. No mais,
polimorfismos do sistema capilar nas fibras muscu- Alvarez e colaboradores(30) sugeriram que o polimorfis-
renina-angiotensina no lares, aumento do estoque mo de inserção da enzima conversora de angiotensina
desempenho esportivo de ácido graxo intramus- representa um fator genético que contribui para o de-
cular, melhora da eficiên- senvolvimento esportivo de atletas de elite, como ci-
cia da utilização dos subs- clistas, corredores e jogadores de handebol.
tratos pela fibra muscular,
aumento da densidade Polimorfismo da enzima conversora de
mitocondrial e mudança do tipo de fibra muscular, não angiotensina e resposta ao treinamento
apresentando relação direta com a melhora do VO2 físico de força
pico(21). A variação individual do ganho de força muscular
Zhang e colaboradores(26) estudaram a relação en- reflete a interação entre fatores ambientais e elemen-
tre a proporção das fibras musculares de atletas e o tos genéticos, considerando-se que o aumento da for-
polimorfismo da enzima conversora de angiotensina por ça muscular está associado à adaptação neural e à
meio da biópsia muscular. Os resultados demonstra- hipertrofia muscular desenvolvida após um período de
ram que indivíduos II apresentaram porcentagem sig- treinamento de força(31). Estudos recentes demonstra-
nificativamente maior para fibras do tipo I em relação ram a associação do alelo D da enzima conversora de
aos indivíduos DD (Fig. 2). No entanto, esse estudo angiotensina, relacionado a níveis elevados de enzima
não concluiu claramente sobre a participação do poli- conversora de angiotensina tanto sistêmicos como te-
morfismo da enzima conversora de angiotensina na di- ciduais, com o rendimento em provas de força e veloci-
ferenciação dos tipos de fibras musculares, ou seja, dade(32).
não se sabe se o polimorfismo de II da enzima conver- Folland e colaboradores(33) observaram aumento sig-
sora de angiotensina acarreta predisposição genética nificante da força isométrica em indivíduos homozigo-
para a otimização da expressão de fibras musculares tos DD após nove semanas de treinamento de força,
de contração lenta ou se o treinamento físico é o agen- quando comparados com indivíduos II (Fig. 3). Em con-
te regulador da expressão desse tipo de fibra em indi- trapartida, Onder e colaboradores(34), analisando o de-
víduos que apresentam o polimorfismo II do gene da sempenho muscular de mulheres hipertensas que to-
enzima conversora de angiotensina. Entretanto, a as- mavam inibidores da enzima conversora de angioten-
sociação do polimorfismo do gene da enzima conver- sina durante três anos, observaram que, durante o pe-
sora de angiotensina com a melhora do rendimento em ríodo de acompanhamento do estudo, as mulheres tra-
provas aeróbias ainda parece contraditória na literatu- tadas com inibidor da enzima conversora de angioten-
ra. Isso porque Rankinen e colaboradores(27) não ob- sina apresentaram manutenção da força muscular, en-
servaram diferença no VO2 máx comparando os dife- quanto o grupo controle demonstrou queda significati-
rentes tipos do polimorfismo da enzima conversora de va da força. Os inibidores da enzima conversora de an-
angiotensina em indivíduos sedentários e treinados. giotensina são capazes de reduzir os níveis de enzima
Além disso, quando as avaliações são transpostas para conversora de angiotensina circulante; portanto, podem
animais de experimentação, a resposta hipertrófica tan- apresentar respostas similares às encontradas em in-
to cardíaca(28) como metabólica também não foi asso- divíduos homozigotos II. Dessa forma, esses dados
ciada com o gene da enzima conversora de angioten- sugerem que o ganho de força muscular para essa
sina(29). população poderia ser inversamente proporcional às
Com base nos dados existentes na literatura, o gene concentrações de enzima conversora de angiotensina
da enzima conversora de angiotensina pode ser um circulante. Entretanto, são necessários estudos adicio-
fator genético importante para a melhora do desempe- nais que confirmem essa hipótese.
nho esportivo em atletas de provas aeróbias, porém A presença da enzima conversora de angiotensina
algumas limitações nos estudos com polimorfismos no músculo esquelético foi relatada por um estudo na
devem ser cuidadosamente consideradas, tais como literatura, que sugeriu associação entre a atividade da
seleção do grupo controle, pequenas amostras e hete- enzima conversora de angiotensina e o processo de
rogeneidade da população estudada, as quais poderi- ganho de força muscular por meio de adaptação neu-
am influenciar o traço fenotípico avaliado. De fato, as ral e hipertrofia muscular após um período de treina-
alterações fisiológicas associadas ao polimorfismo de mento de força(35). Nesse mesmo estudo, observou-se
inserção do gene da enzima conversora de angiotensi- a presença da enzima conversora de angiotensina e

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FERREIRA JCB e cols.
Influência dos
polimorfismos do sistema
renina-angiotensina no
desempenho esportivo

Figura 2. Tipagem das fibras musculares por meio de reações histoquímicas de


miosina ATPase após pré-incubação no pH 4,6. (Adaptado de Zhang e colaborado-
res(26).)
* Diferença significante em relação ao grupo ACE-II (p < 0,05).
ACE = enzima conversora de angiotensina (“angiotensin converting enzyme”).

de receptores de angiotensina II nas células da mus- POLIMORFISMO M235T DO ANGIOTENSINOGÊNIO


culatura esquelética, sugerindo associação entre a
transcrição de RNA mensageiro da enzima conversora O remodelamento cardíaco com padrão excêntrico
de angiotensina e a área de secção transversa da mus- pode ser observado em atletas de provas com predo-
culatura esquelética em indivíduos normais e cardio- mínio de metabolismo aeróbio(12). Essa adaptação é
patas. secundária a uma série de alterações intracelulares,
Com relação à atuação da enzima conversora de desencadeadas por mecanismos endócrinos, neurais
angiotensina na modulação das adaptações neurais e mecânicos. No entanto, observa-se que atletas de
promovidas pelo treinamento de força, há evidências provas aeróbias que realizam o mesmo treinamento fí-
de que a enzima conversora de angiotensina pode re- sico apresentam diferentes graus de hipertrofia cardí-
gular indiretamente essas adaptações por meio do con- aca fisiológica. Karjalainen e colaboradores(38) obser-
trole do sistema nervoso simpático e também pela varam que corredores de elite que realizaram o mes-
modulação das transmissões neuromusculares(36). A mo treinamento físico demonstraram grande variação
ação do sistema renina-angiotensina sobre o sistema no peso do ventrículo esquerdo, chegando a aumen-
nervoso simpático ocorre por meio da ativação de re- tos de até 11%. De fato, o angiotensinogênio, um subs-
ceptores de angiotensina II presentes nos terminais trato presente no sistema renina-angiotensina, apre-
nervosos pré-sinápticos, e a maior atividade do siste- senta estreita relação com o processo de hipertrofia
ma renina-angiotensina e, conseqüentemente, a maior cardíaca excêntrica observada em atletas de resistên-
formação de angiotensina II estimulam o aumento da cia aeróbia(38). O polimorfismo do angiotensinogênio
atividade nervosa simpática(37). consiste na substituição do aminoácido metionina (M)
A participação da atividade local da enzima conver- para treonina (T) no códon 235. Dessa forma, os indi-
sora de angiotensina no ganho de força muscular após víduos podem ser classificados em homozigotos (MM
um período de treinamento de força ainda precisa ser e TT) ou heterozigotos (MT) para o polimorfismo M235T
mais esclarecida na literatura. De qualquer forma, os do angiotensinogênio(39). No estudo de Karjalainen e
estudos sugerem que indivíduos que apresentam o ale- colaboradores(38), maiores graus de hipertrofia do ven-
lo D da enzima conversora de angiotensina demons- trículo esquerdo foram relacionados a maior incidência
tram maior predisposição genética para ganhar força homozigótica TT para o polimorfismo M235T (Fig. 4).
muscular após período de treinamento de força quan- Dessa maneira, parece que o polimorfismo TT do angi-
do comparados com indivíduos que apresentam os ale- otensinogênio apresenta maior predisposição para a
los II ou ID, e essa facilidade no ganho de força pode hipertrofia do ventrículo esquerdo em resposta ao trei-
estar relacionada à melhora das adaptações neurais e namento físico aeróbio, promovendo melhora do rendi-
à maior hipertrofia muscular. mento de atletas de “endurance” pela maior oferta de

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FERREIRA JCB e cols.
Influência dos
polimorfismos do sistema
renina-angiotensina no
desempenho esportivo

Figura 3. Genótipo da enzima conversora de angiotensina (ECA) e porcentagem do


ganho de força após nove semanas de treinamento de força. (Adaptado de Folland
e colaboradores(33).)
* Diferença significante em relação ao genótipo ACE-II (p < 0,05).

oxigênio resultante do maior débito cardíaco. Em ani- bio ser capaz de promover a hipertrofia do ventrículo
mais de experimentação, a maior concentração de an- esquerdo e melhorar o desempenho esportivo de atle-
giotensinogênio também foi associada ao desenvolvi- tas, o componente genético parece ter importante pa-
mento de hipertrofia cardíaca, como demonstrado por pel nessa resposta. Assim, as adaptações fisiológicas
Mazzolai e colaboradores(40) por meio da utilização de ao treinamento físico, tais como aumento do VO2 máxi-
um modelo de camundongos transgênicos normoten- mo, aumento do débito cardíaco, melhora da redistri-
sos que superexpressam angiotensinogênio nos cardi- buição do fluxo sanguíneo durante exercício físico, hi-
omiócitos. Por outro lado, Diet e colaboradores(32), por pertrofia muscular tanto cardíaca como esquelética e
meio da análise dos polimorfismos I/D da enzima con- eficácia do equilíbrio do balanço eletrolítico, que, em
versora de angiotensina, M235T do angiotensinogênio última instância, resultam na melhora do rendimento
e A1166C do gene do receptor de angiotensina do tipo esportivo do atleta, são determinadas pela associação
1 (AT1), demonstraram que o grau de hipertrofia cardí- entre treinamento físico e genética.
aca promovida pelo treinamento físico aeróbio estava Dentre os polimorfismos descritos na literatu-
associado apenas à presença combinada dos polimor- ra, os polimorfismos do gene da enzima conver-
fismos DD da enzima conversora de angiotensina e TT sora de angiotensina e do angiotensinogênio são
do angiotensinogênio, o que não foi constatado quan- candidatos à determinação do desempenho espor-
do os polimorfismos foram avaliados individualmente. tivo. Apesar de os estudos com polimorfismo su-
Com base nos dados da literatura, o polimorfismo gerirem associação das adaptações ao treinamen-
do angiotensinogênio pode ser um importante compo- to físico com as variantes funcionais dos genes
nente modulador da hipertrofia cardíaca induzida pelo do sistema renina-angiotensina, alguns cuidados
treinamento físico aeróbio. Cabe ressaltar que a asso- devem ser ressaltados quando determinamos uma
ciação de diferentes polimorfismos, como, por exem- resposta fenotípica complexa ao comportamento
plo, os polimorfismos de inserção do gene da enzima de apenas um gene. De fato, uma pergunta que a
conversora de angiotensina e o polimorfismo TT do ciência do esporte ainda está tentando responder
gene angiotensinogênio, resulta na melhora das res- é se um único gene tem a capacidade de interferir
postas cardiovasculares de atletas de provas aeróbi- no rendimento final do atleta, podendo esse gene
as, demonstrando que muito provavelmente o desem- ser o fator responsável por diferenciar os níveis
penho esportivo está relacionado a fatores multigêni- de rendimento dos atletas. No mais, a existência
cos. de limitações nos estudos com polimorfismos ain-
da deve ser levada em consideração.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Em síntese, apesar da natureza poligênica dos fe-
nótipos associados ao treinamento físico, a atribuição
Dessa forma, apesar de o treinamento físico aeró- de diferentes níveis de desempenho esportivo a modi-

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FERREIRA JCB e cols.
Influência dos
polimorfismos do sistema
renina-angiotensina no
desempenho esportivo

Figura 4. Massa do ventrículo esquerdo (g/m2) de atletas de resistência aeróbia


com diferentes genótipos para o polimorfismo M235T do angiotensinogênio. (Adap-
tado de Karjalainen e colaboradores.(38))
* Diferença significante em relação ao genótipo angiotensinogênio-MM (p < 0,05).

ficações funcionais de genes candidatos contribuirá ção de jovens atletas por meio da aplicação de técni-
para o estudo dos fatores genéticos determinantes do cas de biologia molecular, como, por exemplo, identifi-
desempenho esportivo, para o desenvolvimento de mé- cação de polimorfismos gênicos e análise da expres-
todos de treinamento físico adequados e para a sele- são gênica.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 (supl A) — Março/Abril de 2005 7
THE INFLUENCE OF RENIN-ANGIOTENSIN SYSTEM
POLYMORPHISM IN EXERCISE PERFORMANCE
FERREIRA JCB e cols.
Influência dos
polimorfismos do sistema
renina-angiotensina no JULIO CESAR BATISTA FERREIRA, FABIANA DE SANT’ANNA EVANGELISTA,
desempenho esportivo
PATRICIA CHAKUR BRUM

Human physical performance is strongly influenced by genetic factors. Therefore,


in the past few years, association studies with candidate genes and genomic wide
scans with polymorphic markers have contributed for studying athletic performance.
There is a strong body of data indicating that polymorphism in specific genes are
highly associated with different levels of athletic performance. In 90’s, candidate
genes related to renin-angiotensin system, which play a key role in the regulation of
both cardiac and vascular physiology, were identified and associated with athletic
excellence. One of the first polymorphisms studied was a variation in the structure of
the human angiotensin I-converting enzyme gene, in which the insertion (I) variant
is associated with lower angiotensin I-converting enzyme levels than the deletion
(D) gene, and I/D variants have been shown to influence cardiovascular and meta-
bolic responses to exercise training. More recently, M/T variant of angiotensinogen
gene has also been associated with athletic performance. In the present review, we
report the most important polimorphisms found in genes of renin-angiotensin sys-
tem, namely angiotensin I-converting enzyme and angiotensinogen, and we decribe
their association with athletic excellence.

Key words: genetics, exercise training, athletic performance.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2 Supl A:1-9)


RSCESP (72594)-1516

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 (supl A) — Março/Abril de 2005 9
PRESCRIÇÃO DE EXERCÍCIO FÍSICO PARA
PORTADORES DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES
VANZELLI AS e cols.
Prescrição de exercício
físico para portadores
QUE FAZEM USO DE BETABLOQUEADORES
de doenças
cardiovasculares que
fazem uso de ANDRÉA SOMOLANJI VANZELLI, JAN BARBOSA BARTHOLOMEU,
betabloqueadores
LUCIANA NAGEM JANOT DE MATTOS, PATRICIA CHAKUR BRUM

Laboratório de Fisiologia Celular e Molecular do Exercício —


Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) — Universidade de São Paulo
Unidade de Reabilitação Cardiovascular e Fisiologia do Exercício —
Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Escola de Educação Física e Esporte da


Universidade de São Paulo — Departamento de Biodinâmica do Movimento
do Corpo Humano — Av. Professor Mello Moraes, 65 — Butantã —
CEP 05508-900 — São Paulo — SP

O treinamento físico aeróbio tem sido utilizado como coadjuvante ao tratamento far-
macológico de diversas doenças cardiovasculares. Além disso, o exercício físico regular
está associado à redução significante da morbidade e da mortalidade. No entanto, al-
guns cuidados devem ser tomados na prescrição de treinamento físico para portadores
de doença cardiovascular, pois os mesmos são mais suscetíveis a intercorrências cardi-
ovasculares durante o esforço.
Para que a prescrição seja segura para esses indivíduos, em que os benefícios
superem os riscos, devem ser considerados inúmeros fatores, como anamnese ade-
quada e teste de esforço com escolha do ergômetro e protocolo de teste mais adequa-
dos.
Outro fator que deve ser considerado é se o portador de doença cardiovascular faz
uso de medicamentos que modifiquem a freqüência cardíaca, já que os valores da fre-
qüência cardíaca máxima e de repouso obtidos durante o teste de esforço são utilizados
para determinação da intensidade de exercício a ser adotada na prescrição do treina-
mento físico. Nesta revisão será dada ênfase ao uso de betabloqueadores.
Assim, primeiramente serão abordados os principais cuidados a serem tomados
antes e durante a realização do teste de esforço. Na segunda parte, serão abordados os
efeitos cardiovasculares dos betabloqueadores, os quais, dentre outros medicamentos,
reduzem a freqüência cardíaca, tanto em repouso como durante o exercício, e podem
modificar a prescrição de exercício físico para portadores de doença cardiovascular.

Palavras-chave: exercício físico, betabloqueadores, doenças cardiovasculares, pres-


crição de exercício físico.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2 Supl A:10-6)


RSCESP (72594)-1517

INTRODUÇÃO tratamento farmacológico de inúmeras doenças cardi-


ovasculares(3). Alguns cuidados devem ser tomados,
Estudos epidemiológicos têm demonstrado que a porém, em relação às variáveis que compõem o trei-
prática regular de exercício físico aeróbio está intima- namento físico, tais como intensidade, duração e fre-
mente associada à redução significante da morbidade qüência(4), principalmente em indivíduos portadores de
e da mortalidade cardiovasculares(1, 2). Além disso, o doenças cardiovasculares. Esses indivíduos, na maior
exercício físico tem sido utilizado como coadjuvante ao parte das vezes, apresentam capacidade funcional re-

10 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 (supl A) — Março/Abril de 2005
duzida e anormalidades No caso de teste diagnóstico para isquemia, há neces-
eletrocardiográficas, o que sidade de suspensão. Outra observação importante a
os torna mais suscetíveis ser relatada durante as instruções prévias diz respeito
a intercorrências cardio- à vestimenta a ser usada durante o teste, que deve ser
VANZELLI AS e cols. vasculares durante a rea- confortável e não prejudique a livre movimentação das
Prescrição de exercício lização do exercício físico. articulações. Além disso, as roupas devem facilitar o
físico para portadores Por isso, avaliações pré- posicionamento de eletrodos para o registro do eletro-
de doenças
teste de esforço, como a cardiograma e do manguito para aferir a pressão arte-
cardiovasculares que
anamnese, são imprescin- rial. É importante salientar que será necessária a reali-
fazem uso de
betabloqueadores díveis, pois permitem ava- zação da tricotomia para indivíduos do sexo masculino
liar o histórico familiar e para facilitação do posicionamento dos eletrodos.
doenças pregressas. Os
testes ergométrico ou er- Seleção do tipo de teste
goespirométrico são essenciais para que se faça uma Os testes de tolerância ao esforço têm por objetivo
prescrição adequada do exercício físico, respeitando a avaliar a condição física do indivíduo, assim como pos-
individualidade biológica. síveis anormalidades cardiovasculares detectáveis du-
Como a prescrição do exercício físico é realizada rante o esforço físico, tais como isquemia. Esses tes-
tomando-se como indicador de intensidade do treino a tes podem ser ergométricos ou ergoespirométricos. No
freqüência cardíaca, cabe à equipe multidisciplinar, prin- teste ergométrico, são obtidos o registro do eletrocar-
cipalmente ao médico cardiologista, averiguar se o in- diograma, que, além de informar a freqüência cardía-
divíduo, ao iniciar um programa de condicionamento ca, é capaz de nos mostrar alterações no ritmo cardía-
físico, faz uso de medicamentos que modifiquem os co do indivíduo durante o esforço, a pressão arterial,
valores de freqüência cardíaca, tanto em repouso como além da percepção subjetiva do esforço. Já no teste
durante a realização do exercício físico. O uso desses ergoespirométrico, além das medidas obtidas no teste
medicamentos modificará sensivelmente a prescrição ergométrico convencional, é obtida a análise metabóli-
do exercício físico. ca, como o consumo de oxigênio e a produção de gás
Na primeira parte desta revisão, serão abordados carbônico, dentre outras variáveis, que nos auxiliam na
os cuidados a serem tomados para a prescrição do detecção dos limiares ventilatórios usados para deter-
exercício físico baseado nas variáveis cardiovascula- minação da intensidade do exercício físico a ser reali-
res obtidas no teste de esforço. Na segunda parte, se- zado.
rão abordados os efeitos cardiovasculares dos beta- Os testes de tolerância ao esforço são comumente
bloqueadores, os quais, dentre outros medicamentos, realizados em dois ergômetros: a) bicicleta ergométri-
reduzem a freqüência cardíaca e podem modificar a ca; b) esteira rolante. A bicicleta ergométrica apresen-
prescrição de exercício físico para portadores de do- ta a vantagem de ser mais barata e ocupar menos es-
ença cardiovascular. paço físico(7). O fato de o teste realizado na bicicleta
enfatizar principalmente membros inferiores permite
CUIDADOS A SEREM TOMADOS EM RELAÇÃO que o registro tanto eletrocardiográfico como de pres-
AOS TESTE DE ESFORÇO são arterial seja facilitado, por diminuir as interferênci-
as provocadas pelos movimentos dos membros supe-
Avaliações pré-teste de esforço riores; por outro lado, subestima a capacidade cardior-
Antes do teste de esforço, é importante a realiza- respiratória por causar fadiga periférica precoce. A es-
ção da anamnese, que permite ao professor de educa- teira rolante como ergômetro, por sua vez, apresenta a
ção física conhecer o histórico médico do avaliado. O vantagem da especificidade da prática do exercício fí-
histórico médico deve conter informações tais como sico, na medida em que geralmente a modalidade pres-
qualquer tipo de problema clínico, sintomas, medica- crita para exercício físico em programas de reabilita-
mentos utilizados ou informações referentes a testes ção e condicionamento físico é a caminhada ou a cor-
realizados anteriormente. Além disso, informações rida. Além disso, os valores obtidos do consumo de
como o histórico de atividade física pregressa e o his- oxigênio no teste de esforço são 10% a 20% maiores
tórico familiar para doenças cardiovasculares e meta- que os obtidos em bicicleta, o mesmo acontecendo com
bólicas devem fazer parte das informações obtidas na a freqüência cardíaca (5% a 20%); dessa forma, a pres-
anamnese(5). Na Tabela 1 nota-se que pacientes com crição do treinamento físico por meio do teste realiza-
contra-indicações relativas devem ser submetidos ao do em esteira não subestima valores referentes ao es-
teste de esforço apenas depois de cuidadosa avalia- forço máximo do paciente, possibilitando que a intensi-
ção risco-benefício(6). Além disso, devem ser dadas ins- dade de treinamento seja mais próxima do real. Por
truções escritas e verbais sobre evitar a ingestão de apresentar essas vantagens, a esteira rolante é o er-
alimentos, álcool, cafeína e cigarros três horas antes gômetro mais utilizado em testes de esforço em porta-
do teste de esforço. Deve ser indicado também, repou- dores de doenças cardiovasculares.
so algumas horas antes do teste, ressaltando a neces-
sidade de não interromper a medicação (quando o tes- Critérios para a interrupção do teste
te tem como objetivo a prescrição de exercício físico). Na Tabela 2 podem ser observados os principais

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 (supl A) — Março/Abril de 2005 11
critérios de interrupção de É importante ressaltar que, após o término do tes-
teste de esforço, tanto no te, os pacientes só devem deixar o local (na presença
teste ergométrico como no do médico responsável) após normalização dos níveis
teste ergoespirométrico. É de pressão arterial e de freqüência cardíaca.
VANZELLI AS e cols. importante avaliar, ao lon-
Prescrição de exercício go do teste, o nível de fa- PRESCRIÇÃO DO EXERCÍCIO FÍSICO PELA
físico para portadores diga e dispnéia do pacien- FREQÜÊNCIA CARDÍACA
de doenças
te avaliado(6, 8). Um critério
cardiovasculares que
importante de interrupção A freqüência cardíaca apresenta relação linear com
fazem uso de
betabloqueadores do esforço é o platô, tanto o aumento da intensidade do exercício físico. Em con-
de freqüência cardíaca seqüência disso, é uma variável muito útil para o con-
como de consumo de oxi- trole da intensidade de treino, ressaltando sua fácil men-
gênio. A presença do pla- suração durante o exercício físico, tanto pela palpação
tô durante o teste indica que o indivíduo avaliado atin- do pulso como pela utilização de freqüencímetros, cujo
giu o pico de esforço. custo é acessível à maioria das pessoas.
A presença de sinais clínicos que indiquem a para- Para uma prescrição de exercício eficaz, faz-se ne-
lisação do teste, como dispnéia, fadiga excessiva, do- cessária a utilização da freqüência cardíaca obtida no
res, pressão arterial elevada, assim como angina do teste ergométrico, a partir da qual obtém-se a freqüên-
peito e/ou isquemia miocárdica, representa aumento cia cardíaca máxima de cada indivíduo, que, muitas
do risco ao indivíduo que está realizando o teste. Por vezes, pode ser superior ou inferior à predita para a
isso, tais critérios são importantes variáveis para de- idade. Além disso, em casos de testes positivos (como,
terminar a paralisação do teste, critérios estes que ca- por exemplo, isquemia) a freqüência a ser utilizada
bem à interpretação médica. como máxima para prescrição deve ser a de positiva-

Tabela 1. Contra-indicações absolutas e relativas para realização do teste de esforço.

Contra-indicações absolutas Contra-indicações relativas

1. Alteração significativa recente no 1. Pressão diastólica em repouso > 115 mmHg


eletrocardiograma no repouso ou pressão sistólica em repouso > 200 mmHg
2. Infarto do miocárdio recente 2. Cardiopatia valvular moderada
complicado (a menos que o paciente
esteja estável e sem dor)
3. Angina instável 3. Anormalidades eletrolíticas conhecidas
(hipocalemia, hipomagnesemia)
4. Arritmia ventricular não-controlada 4. Marcapasso de freqüência fixa (usado
raramente)
5. Arritmia atrial não-controlada que 5. Ectopia ventricular complexa ou freqüente
compromete a função cardíaca
6. Bloqueio cardíaco atrioventricular 6. Aneurisma ventricular
de 3º grau sem marcapasso
7. Insuficiência cardíaca congestiva aguda 7. Doença metabólica não-controlada
(diabetes, tireotoxicose, mixedema)
8. Estenose aórtica grave 8. Doença infecciosa crônica (mononucleose,
hepatite, AIDS)
9. Suspeita ou certeza de aneurisma 9. Distúrbios neuromusculares,
dissecante musculoesqueléticos ou reumatóides
exacerbados por exercício
10. Miocardite ou pericardite suspeita 10. Gravidez avançada ou complicada
ou ativa
11. Tromboflebite ou trombo intracardíaco
12. Êmbolo pulmonar ou sistêmico recente
13. Infecções agudas
14. Distúrbio emocional significativo (psicose)

Adaptado de Shephard e Miller(5).

12 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 (supl A) — Março/Abril de 2005
ção do teste. Por isso, o Tabela 2. Critérios para a interrupção do teste de es-
teste de esforço é alta- forço segundo o Colégio Americano de Medicina do
mente recomendável e in- Esporte (ACSM).(6)
dispensável para portado-
VANZELLI AS e cols. res de doenças cardiovas-
Prescrição de exercício — Platô de consumo de oxigênio.
culares.
físico para portadores — Platô de freqüência cardíaca.
Basicamente existem
de doenças
duas formas de se pres- — Pressão arterial sistólica > 230 mmHg.
cardiovasculares que — Pressão arterial distólica > 120 mmHg.
crever a intensidade do
fazem uso de — Alteração eletrocardiográfica importante.
betabloqueadores exercício físico pela fre-
qüência cardíaca, segun- — Coeficiente respiratório > 1,1.
do o Colégio Americano — Percepção de esforço (Borg) > 18.
de Medicina do Esporte(6): — Sinais clínicos que indiquem paralisação do teste.
a) por meio do cálculo da porcentagem da freqüência — Angina excessiva que impeça continuação do exer-
cardíaca máxima obtida no teste; e b) por meio do cál- cício.
culo da porcentagem da freqüência cardíaca de reser-
va. A prescrição pela porcentagem da freqüência car-
díaca máxima é realizada pelo valor obtido no teste dáveis, em que se preconiza atividade moderada de
ergométrico, a partir do qual, após a obtenção da fre- gasto energético de aproximadamente 1.000 kcal/se-
qüência cardíaca máxima, calcula-se a porcentagem mana, com freqüência e duração supervisionadas pelo
recomendada para cada população: de 55% a 65% para professor de educação física. Pacientes de risco cardi-
cardiopatas, de 60% a 75% para sedentários, e de 70% ovascular moderado a alto devem seguir sistematica-
a 85% para indivíduos fisicamente ativos. mente a prescrição e as recomendações efetuadas,
A prescrição pela porcentagem da freqüência car- cujo volume não pode exceder um gasto calórico se-
díaca de reserva se dá também pela obtenção da fre- manal de 1.000 kcal, para não aumentar a carga meta-
qüência máxima durante o teste ergométrico, porém bólica que é recomendada para evitar intercorrências
devem ser levados em consideração os valores da fre- cardiovasculares. Mesmo em pacientes limitados fun-
qüência cardíaca de repouso para cálculo da intensi- cionalmente, reduzidas quantidades de exercício físi-
dade do exercício físico. co são benéficas no sentido de manutenção de uma
A fórmula para o cálculo é a que se segue: vida independente(9). É importante ressaltar, porém, que,
para indivíduos com risco cardiovascular moderado a
FC de reserva alto, existe a necessidade de seu treinamento físico
ser realizado em ambiente supervisionado, em que se
possa contar com uma equipe multidisciplinar composta
FC treino = [(FC máx - FC repouso) x porcentual de médico cardiologista, professor de educação física,
desejado] + FC repouso, nutricionistas e psicólogos, entre outros profissionais
em que FC = freqüência cardíaca. da área da saúde.
A porcentagem da freqüência cardíaca de reserva Para indivíduos portadores de doença cardiovascular
recomendada para sedentários é de 50% a 70% e para são indicadas sessões com duração de 30 a 60 minutos
ativos, de 60% a 80%. e com freqüência de três a cinco vezes por semana para
Na Tabela 3 observa-se o exemplo de prescrição que se otimizem os benefícios cardiovasculares ao longo
de exercício físico para indivíduo sedentário de 20 anos do período de condicionamento físico.
de idade, com freqüência cardíaca máxima de 210 bpm
e freqüência cardíaca de repouso de 60 bpm. A fre- USO DE MEDICAMENTOS QUE MODIFICAM A
qüência cardíaca de treinamento determinada a partir FREQÜÊNCIA CARDÍACA E QUE PODEM ALTERAR
da fórmula da freqüência cardíaca máxima foi de 126 A PRESCRIÇÃO DO EXERCÍCIO FÍSICO
bpm a 158 bpm e por meio do cálculo da freqüência
cardíaca de reserva foi de 135 bpm a 165 bpm. As fai- Dentre os medicamentos que alteram os valores ba-
xas de freqüência cardíaca de treino variam dependen- sais e de exercício da freqüência cardíaca, ressaltam-
do da fórmula utilizada. Recomenda-se, no entanto, o se, na presente revisão, os bloqueadores beta-adre-
uso da fórmula da freqüência cardíaca de reserva, pois nérgicos. Os betabloqueadores, por meio do bloqueio
a mesma leva em consideração a freqüência cardíaca dos receptores beta-adrenérgicos, reduzem a freqüên-
de repouso, que sofre influência tanto do condiciona- cia cardíaca e são bastante utilizados no tratamento
mento físico do indivíduo como do uso de betabloque- da hipertensão arterial, pois, ao diminuírem a freqüên-
adores. cia cardíaca, reduzem o débito cardíaco e controlam
os níveis pressóricos. Os betabloqueadores também
Volume, duração e freqüência das sessões de são amplamente utilizados no tratamento de diversas
exercício físico cardiomiopatias e da insuficiência cardíaca, pois impe-
Pacientes com baixo risco cardiovascular podem dem os efeitos tóxicos diretos das catecolaminas no
participar de programas similares aos de indivíduos sau- tecido cardíaco e têm impacto direto na sobrevida des-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 (supl A) — Março/Abril de 2005 13
Tabela 3. Prescrição de exercício físico por meio da freqüência cardíaca máxima e
da freqüência cardíaca de reserva segundo o Colégio Americano de Medicina do
Esporte (ACSM)(6).
VANZELLI AS e cols.
Prescrição pela Prescrição pela
Prescrição de exercício
físico para portadores
freqüência cardíaca máxima freqüência cardíaca de reserva
de doenças
cardiovasculares que Intensidade recomendada: Intensidade recomendada:
fazem uso de 60%-75% da FC máxima 50%-70% da FC de reserva
betabloqueadores Limite inferior: 60% da FC máxima Limite inferior: [(FC máxima –
210 x 0,6 = 126 bpm FC de repouso) x 0,5] + FC de repouso
[(210 – 60) x 0,5] + 60 = 135 bpm
Limite superior: 75% da FC máxima Limite superior: [(FC máxima –
210 x 0,75 = 158 bpm FC de repouso) x 0,7] + FC de repouso
[(210 – 60) x 0,7] + 60 = 165 bpm
FC de treino: 126-158 bpm FC de treino: 135-165 bpm

Considere um indivíduo sedentário aos 20 anos de idade. A freqüência cardíaca


(FC) de repouso era de 60 bpm e a máxima atingida no teste ergométrico era de
210 bpm.

ses pacientes. Seu uso a longo prazo resulta em melhor na freqüência cardíaca como indicador de intensidade
desempenho cardíaco, com significante melhora da fun- de esforço, deve-se ter maior cuidado com usuários de
ção cardíaca(10, 11), sendo esse efeito documentado tanto betabloqueadores, pois estes atuam diretamente na
em repouso como durante o exercício físico(11). freqüência cardíaca(14, 15), reduzindo-a, ou seja, a fre-
Pode-se afirmar, portanto, que o conhecimento dos qüência cardíaca máxima em um teste ergométrico e a
mecanismos deletérios que envolvem a estimulação freqüência cardíaca de repouso de usuários de beta-
adrenérgica no coração favorece o conceito de que o bloqueadores estão sempre diminuídas. Além disso, a
bloqueio do sistema adrenérgico pelos betabloquea- competência cronotrópica durante o exercício físico
dores poderia melhorar o prognóstico das cardiopati- também está diminuída.
as, prevenindo sua evolução por meio de vários meca- Assim, para não haver erro na prescrição do exer-
nismos(12, 13), como, por exemplo, menor consumo de cício físico para esses indivíduos, é importante que
oxigênio pelo miocárdio, melhora da função diastólica, seja realizado teste de esforço sob o uso de betablo-
aumento do fluxo coronariano e redução de isquemia, queadores, para que o médico possa avaliar o com-
arritmias ventriculares e morte súbita(12, 13). portamento das variáveis cardiovasculares durante
Atualmente existem três diferentes tipos de beta- o esforço e, posteriormente, o professor de educa-
bloqueadores utilizados na clínica médica, os quais po- ção física possa prescrever adequadamente a inten-
dem ser divididos em três gerações, como pode ser sidade de exercício a ser realizado e a faixa de fre-
observado na Tabela 4. Os betabloqueadores de pri- qüência cardíaca a ser controlada nas sessões de
meira geração são bloqueadores não-seletivos, pois condicionamento físico. Dessa forma, o comporta-
bloqueiam receptores dos subtipos β1 e β2-adrenérgi- mento da freqüência cardíaca durante o treinamento
cos. Já os betabloqueadores de segunda geração são físico será equivalente ao do teste de esforço. O efeito
seletivos para receptores adrenérgicos do subtipo β1, que o medicamento exerce sobre a freqüência cardí-
buscando, dessa forma, ação mais específica. Final- aca durante o teste de esforço, modulando seu au-
mente, os betabloqueadores de terceira geração acres- mento, será reproduzido quando o indivíduo estiver
centam ao bloqueio dos receptores beta-adrenérgicos se exercitando, fazendo com que, dessa forma, a
uma ação vasodilatadora, por bloquear também os re- prescrição esteja adequada.
ceptores α1-adrenérgicos, além de seu efeito antioxi- Depois de obtidos os valores da freqüência cardía-
dante. ca em repouso e no exercício físico máximo dos usuá-
rios de betabloqueadores, a prescrição de treinamento
Prescrição de exercício físico para indivíduos que físico pela freqüência cardíaca se dá como citado an-
fazem uso de betabloqueadores teriormente, ou seja, pela porcentagem da freqüência
Considerando-se o fato de os betabloqueadores se- cardíaca máxima ou reserva (Tab. 3). Vale a pena res-
rem bastante utilizados para o tratamento de diversas saltar que, em portadores de doença cardiovascular,
cardiopatias, a prescrição do exercício físico para os mesmo com bom condicionamento físico, a prescrição
usuários desses medicamentos deve ser feita sempre de exercício físico deve ser equivalente à de um indiví-
com muita cautela. Como a prescrição da intensidade duo de mesma idade sedentário saudável, ou seja, a
do exercício físico utilizada em programas de preven- intensidade não deve ultrapassar 50% a 70% da fre-
ção e reabilitação cardíacas baseia-se principalmente qüência cardíaca de reserva.

14 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 (supl A) — Março/Abril de 2005
Tabela 4. Exemplos de betabloqueadores utilizados na clínica e suas ações.

Exemplos de
betabloqueadores
VANZELLI AS e cols.
Geração utilizados Ação
Prescrição de exercício
físico para portadores 1ª Propranolol Betabloqueador não-seletivo
de doenças 2ª Bisoprolol Betabloqueadores seletivos para
cardiovasculares que
Metoprolol receptores adrenérgicos do subtipo β1
fazem uso de
betabloqueadores
3ª Carvedilol* Betabloqueadores não-seletivos e
Bucindolol com ação vasodilatadora (bloqueio dos
receptores α1-adrenérgicos)

* Ação antioxidante cardíaca.

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A PRESCRIÇÃO também a importância da realização do teste de esforço sob
DE EXERCÍCIO FÍSICO o uso de medicamentos que modifiquem a freqüência cardí-
aca, como os betabloqueadores.
Ao se revisar os conceitos relacionados à prática do exer- É importante salientar o trabalho multidisciplinar nos tes-
cício físico, nota-se que a prescrição de treinamento, princi- tes de esforço, em que estão presentes o médico, detectan-
palmente para portadores de doenças cardiovasculares, não do possíveis anormalidades, o professor de educação física,
é tão simples quanto parecia ser inicialmente. Para a realiza- efetuando a prescrição do exercício físico baseado nos parâ-
ção de uma prescrição segura, em que os benefícios supe- metros obtidos no teste, além de outros profissionais da saú-
rem os riscos, devem ser considerados inúmeros fatores, de. Esses profissionais, trabalhando de forma conjunta, auxi-
como anamnese adequada e determinação correta do ergô- liarão tanto na prevenção como no tratamento das doenças
metro e do tipo de teste a ser realizado. É preciso ressaltar cardiovasculares.

EXERCISE PRESCRIPTION FOR CARDIAC PATIENTS


UNDER β-BLOCKADE
ANDRÉA SOMOLANJI VANZELLI, JAN BARBOSA BARTHOLOMEU,
LUCIANA NAGEM JANOT DE MATTOS, PATRICIA CHAKUR BRUM
Exercise training has been used as coadjuvant for treatment of cardiac diseases
and has been associated with decreased morbidity and mortality. However, exercise
prescription for cardiac patients need special care and attention, since they are more
susceptible to cardiac events under effort. Before performing exercise prescription, it
is need to evaluate a preparticipation health screening and risk stratification, and
physical fitness testing.
In patients on β-adrenergic blockers, the heart rate response to exercise is varia-
bly attenuated. Thus, for a safe and accurate exercise prescription, β-blocker users
should perform exercise testing under medication.
The present review will have two parts. In the first one, we will discuss about the
general principles for exercise testing and prescription. And, in the second part, we
will review the cardiovascular effects of different generations of β-adrenergic blo-
ckers, and provide information of how to perform a safe exercise prescription for
patients on β-adrenergic blockers.

Key words: β-adrenergic blockers, cardiovascular disease, exercise prescription.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2 Supl A:10-6)


RSCESP (72594)-1517

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 (supl A) — Março/Abril de 2005 15
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16 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 2 (supl A) — Março/Abril de 2005

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