Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
INTRODUÇÃO
1 TEORIAS DA AÇÃO
direito material, ou seja, uma qualidade que todo direito (material ou substancial) possui,
quando numa reação à sua violação.
O Código Civil brasileiro de 1916, ainda adotando tal teoria, trazia no seu art. 75 en-
tendimento que lhe era consagrador: “a todo direito corresponde uma ação, que o assegura”.
Essa teoria sofreu duras crítica, porquanto não conseguiu explicar a ação meramente
declaratória e, muito menos, a ação declaratória negativa, porquanto o próprio autor pede seja
declarada a inexistência de uma relação jurídica com o réu e, portanto, a princípio, afirma não
ter qualquer direito material a ampare o seu direito de ação.
O próprio Adolph Wach, jurista alemão, além de traçar elementos de que o direito de
ação era autônomo e público, também o definia como um direito concreto. Para ela, somente
haveria ação se fosse reconhecido o direito (material), ao termo do processo, ou seja, caso a
ação tenha sido julgado procedente.
Assim, o direito de ação só competeria a quem é titular de um interesse real e não
imaginário.
As críticas abundaram e os defensores dessa teoria, desde o princípio, ficaram
atônitos:
para refutá-la, basta pensar nas ações julgadas improcedentes, onde, pela teoria concreta,
não seria possível explicar satisfatoriamente os atos processuais praticados até à sentença.
1
SLAIBI FILHO, Nagib. Sentença Cível : fundamentos e técnica. 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense,
2001. p. 36.
3
A mesma situação ocorre quando uma decisão injusta acolhe a pretensão infundada do
autor2.
Note-se que sob o ângulo finalístico, a teoria da ação como direito potestativo do
italiano Giuseppe Chiovenda (1903) e o relativismo de Calamandrei (1939) também abraçam
a teoria concreta. Aquela teoria diz que a ação deve ser entendida como uma potestad jurídica
para obter, contra o adversário, um resultado favorável no processo.
Sendo a ação um direito potestativo, é menos contra do que frente ao adversário, pois dela
não resulta nenhuma obrigação para o réu; seu único efeito em relação ao adversário é
sujeitá-lo aos efeitos jurídicos por ela visados, os quais se reduzem à pura atuação da
vontade da lei3.
Não menos impiedosas foram as críticas a essa faceta de Chiovenda: Alfredo Rocco
disse que a ausência de qualquer obrigação por parte do réu, em decorrência do exercício de
um direito potestativo por parte do autor geraria uma relação jurídica deformada, já que teria
um único termo; aduziu o mesmo mestre que o que a doutrina de Chiovenda emancipou à
qualidade de direito autônomo, chamando-o de potestativo, nada mais seria do que a
faculdade, compreendida no direito de ação, do titular respectivo iniciar o exercício do mesmo
por meio de expressa declaração de vontade; Liebman considerou que a diferença entre essa
concepção e a civilista estaria mais nas palavras que na substância.
A segunda teoria, o relativismo, traz que o conceito de ação dependeria do
ordenamento jurídico que se tivesse em vista, e de sua posição histórica, mas ao final, seu
idealizador, Calamandrei, abraça as posições de Chiovenda, sujeitando-se às mesmas críticas.
É sem dúvida o extremo oposto da teoria concreta, pois prega o desligamento total da
direito material, ou seja, distinto dele, posto que exercitável contra o Estado, na sua condição
de público subjetivo, e, diante disso, pode obrigar o réu a comparecer em juízo. Dessa
qualidade de abstrato, decorre que preexiste à própria demanda, que se constitui tão-somente
em seu meio de exercício.
Quase simultaneamente, o húngaro Plósz (1876) e o alemão Degenkolb (1877)
elaboraram teses que lançariam as bases da teoria abstrata da ação.
Nove anos mais tarde, Oscar Von Büllow publicou obra que traz conceitos válidos até
a modernidade e sistematiza o direito processual como ciência. Outros importantes
doutrinadores como Alfredo Rocco, Rosemberg, Pontes de Miranda e Eduardo J. Couture.
Para o desenrolar desse trabalho, a seguinte anotação de COUTURE apud
TESHEINER:
Muitos anos depois de ter publicado seu primeiro livro, Degenkolb modificou seu critério,
exigindo que o demandante, para que tivesse o poder de acionar, se julgasse, sinceramente,
armado de direitos. Tais vacilações, porém, não eram necessárias e seu pensamento, com
elas, perdeu a clareza4.
2
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria
geral do processo. 3. ed. ampl. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984. p. 218.
3
SILVA, Ovídio A. Baptista da Silva; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e
atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 106.
4
TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. Disponível em
<http://cursos.ead.pucrs.br/Biblioteca/direito/Hipertextos/livro_tesheiner/Principal.htm>. Acesso em
23 jun. 2003. apud COUTURE, Eduardo J. Introdução ao estudo do processo civil. Rio de Janeiro.
S.d., p. 22-3.
4
Essa ligeira discrepância também foi verificada por OVÍDIO BATISTA5, quando
informa que para Degenkolb seria necessária a boa-fé e, mais, que a necessidade de tal
requisito foi criticada por Alfredo Rocco.
Devemos lembrar, em especial para os colegas magistrados, que, em decorrência dessa
teoria, o juiz deve pronunciar no dispositivo da sentença a “procedência da demanda” ou a
“procedência do pedido” e, nunca, “julgo procedente a ação”.
Pinçando um pouco das teorias concreta e abstrata, nasceu a teoria eclética, de obra do
jurista italiano Enrico Tullio Liebman e exposta por este, pela primeira vez, na aula inaugural
da Universidade de Turim, a 24 de novembro de 1949.
Liebman afirma que a ação é um direito abstrato - mas não genérico - determinado e
referido a uma espécie fática concreta (fattispecie), isto é, vinculado a uma concreta razão
deduzida em juízo. Tal “concretude” é verificada através da presença das condições da ação –
possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade ad causam.
Inexistindo qualquer dessas condições da ação, o autor é julgado carecedor de ação e o
magistrado deve se abster de decidir sobre o meritum causae. Neste caso, não há um
verdadeiro exercício da prestação jurisdicional, mas, apenas, o uso das formas para fazer
aquela avaliação preliminar, pois entre a ação e a jurisdição existe uma exata correlação, não
pode haver uma sem a outra. Não seria um verdadeiro exercício da prestação jurisdicional,
mas, apenas, o uso das formas para fazer aquela avaliação preliminar, pois entre a ação e a
jurisdição existe uma exata correlação, não pode haver uma sem a outra. Portanto, só haverá
jurisdição quando, ultrapassada essa fase de averiguação prévia, constatar o juiz que a causa
posta em julgamento está constituída, no processo, de forma regular e capaz de ensejar uma
decisão de mérito sobre a demanda, mesmo que esta decisão seja contrária ao autor.
Por ser a mais (se não a única, na atualidade) aceita, não está esta teoria livre de
críticas, desde as mais pueris até as mais sérias: a) tentar uma harmonia impossível entre
pólos antagônicos; elaboração de uma quarta função estatal (diferente da executiva, legislativa
e judicial), com essa atividade de análise prévia das condições da ação, antes do exercício da
jurisdição; inexistência dessa pretendida distinção entre condições da ação e mérito, vez que
não se deixa de “dizer o direito” quando se diz que aquele direito é impossível juridicamente
(impossibilidade jurídica), que a pessoa que não tem sequer o direito de pedir o direito
(legitimidade ad causam) ou que não há qualquer utilidade ou necessidade do autor em pedir
a intervenção estatal (interesse); haveria confusão de ação com pretensão e, como
conseqüência, esta também seria conferida ao réu.
Até 1933 a doutrina brasileira, possivelmente por ser arraigada à francesa, adepta da
teoria clássica, não tomou conhecimento da certa autonomia do direito processual, tanto que
constou no Código Civil de 1916 a já dita, mas que não custa repetir, referência do art. 75: “a
todo direito corresponde uma ação, que o assegura”.
Liebman passou cinco anos no Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial, chegando a
lecionar em São Paulo e influenciando a “escola processual de São Paulo”.
Alfredo Buzaid, inspirador do atual Código de Processo Civil incluiu a análise das
5
SILVA, Ovídio A. Baptista da Silva; GOMES, Fábio. cit. p. 109-10.
5
condições e a possibilidade da carência de ação no art. 267, inciso VI, daquele diploma:
“Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito: (...)Vl - quando não concorrer
qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o
interesse processual”.
Importante salientar que, além dessas condições da ação genéricas, existiriam também,
eventualmente, as específicas de cada ação, como o prazo de separação de fato superior a dois
anos, no caso do “divórcio direto” ou a inscrição do contrato ou compromisso no registro de
imóveis, para a adjudicação compulsória do art. 16 do Dec-Lei n 58/37.
Ainda, o titubeante Código de Processo Civil, algumas passagens adota inequivo-
camente a teoria concreta, pois concede somente àqueles que sejam realmente detentores do
direito material concede o direito de ação. A título de exemplos, temos o art. 914 (prestação
de contas), onde somente as pessoas ali definidas podem propô-la, e os arts. 926 usque 932
(ações possessórias). Nesses casos a ação somente é conferida a quem realmente tem o direito
e não a quem se afirma titular dele.
A teoria abstrata da ação, por desvincular o direito de ação do direito material, ou seja,
permitir o direito de ajuizamento em defesa de um direito (material) a qualquer um, mesmo
que não seja detentor desse direito, cria um estado propício de desenvolvimento do abuso
desse direito de ação, de aparecimento das lides temerárias e a contaminação definitiva com
do direito processual com a famigerada má-fé.
Vários estudiosos do tema verificaram tal problemática:
O grande mal desta teoria é permitir demandas temerárias e infundadas que acabaria por
atravancar o judiciário e desprestigiar a função jurisdicional6.
Também, o autor malicioso o improbus litigator, aquele que bem sabe não ter razão, pode,
mesmo assim, recorrer aos tribunais, submetendo-se às responsabilidades que lhe imponha
o uso abusivo do direito de acionar 7.
Contra a doutrina do direito abstrato de agir sempre se objetou, dizendo-se absurdo
reconhecer direito a quem não tem razão. Não obstante, a tese vingou.
Que a objeção tinha sua razão de ser, mostram-no recentes estudos sobre o abuso de
demandar (Rosane Gay Cunha, A tutela jurisdicional contra o abuso do direito de
demandar, Dissertação de Mestrado, PUCRS, fev/2002; José Carlos Barbosa Moreira (org).
Abuso dos direitos processuais, Rio de Janeiro, Forense, 2000; Francesco Cordopatri,
L´abuso del processo, Padova, Cedam, 2000)8.
O abuso do direito de ação é sensível desde o ajuizamento de ações em busca de
indenizações infundadas e de lides temerárias. Ainda, o entendimento do direito à jurisdição
como algo abstrato, não concreta ou de alguma forma ligada à detenção do direito permite
uma enxurrada de ações.
6
MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Jurisdição, ação e processo à luz da processualística moderna:
para onde caminha o processo?. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3902>. Acesso em: 22 jun. 2003.
7
COUTURE, Eduardo J. Introdução ao estudo do processo civil. Rio de Janeiro. S.d., p. 22-3 apud
TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. Disponível em
<http://cursos.ead.pucrs.br/Biblioteca/direito/Hipertextos/livro_tesheiner/Principal.htm>. Acesso em
23 jun. 2003.
8
TESHEINER, José Maria Rosa. A ação como ato ilícito.. Disponível em < http://www.tex.pro.br/
wwwroot/37de020702/aacaocomoatoilicito.htm>. Acesso em 23 jun. 2003.
6
Todos os anos, centenas de turmas, cada uma contando com dezenas de pessoas,
formam-se em Direito e, inexoravelmente, a grande maioria destina-se à advocacia, seja por
afinidade, seja em caráter temporário, enquanto estuda para os concursos de ingresso em
atividades públicas ou privadas.
Nunca se viu nas escolas jurídicas tamanha busca por cursos, concursos, pós-
graduações lato e strictu sensu. Isso mostra grande acirramento desses profissionais em busca
de melhores condições para iniciar seus trabalhos.
Outro fato que contribuiu para a gama de juristas que invade o nosso país são as novas
instituições jurídicas e a tendência à especialização. Raridade se torna agora o advogado
“clínico geral”. Há alguns anos, existiam quatro mundos: o penal, o cível, o trabalhista e o do
direito público. Atualmente, novas ramificações surgem, desde especialistas em direito penal-
constitucional, direito bancário, sucessório, de família, em responsabilidade civil e
tributaristas especializados em um único tributo. Já vislumbramos escritórios especializados
em multas de trânsito.
Tal especialização é inegavelmente boa para a Ciência Jurídica, entretanto, é de se
indagar se é necessariamente boa para o mundo. Afinal, tais especialistas tem que ter ações
para seus escritórios de advocacia e, por isso, surgem as lides que apresentam direito-núcleo,
cada vez mais estranhos – não necessariamente bons ou ruis, apenas “estranhos” - e, dentre os
casos registrados pela jurisprudência, temos:
DANOS MORAIS - SALA DE AULA - PERMISSÃO PARA IR AO BANHEIRO -
RECUSA DO PROFESSOR - Configura-se o dano moral diante do constrangimento
sofrido por aluna, adolescente, que tem recusado pelo professor seu pedido para ir ao
banheiro, permanecendo molhada de urina durante o período da aula9.
Note-se que não são só advogados ávidos pela sua chance na tirar a grande sorte
nessas “loterias jurídicas” que geral tais abusos. Os próprios constituintes ou os autores das
ações de pequeno valor no juizado já sabem que podem conseguir auxílio para os problemas
financeiros através de uma indenização por danos morais.
Já manuseamos autos de casos “estranhos”, dentre os quais ressalto um que ocorreu na
cidade de Sousa – PB, no ano de 1999, onde se buscava indenização do dano de uma cabra do
réu que comeu o dinheiro do autor.
Em artigo publicado no Jornal Zero Hora de 10.10.1998, sob o título “A Indústria do
Dano Moral”, o Desembargador Décio Antônio Erpen, do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul, assim arremata:
(...) De outro lado, a seara jurídica fomenta, hoje, um instituto que, igualmente, instabiliza o
próprio direito. Refiro-me à indústria do dano moral.
Sem uma definição científica do que seja, realmente, o dano moral, sem uma norma
estabelecendo as áreas de abrangência e, sem parâmetros legais para a sua quantificação,
permite-se o perigoso e imprevisível subjetivismo do pleito, colocando o juiz numa posição
de desconforto. Ele que deve ser o executivo da norma, passou a personalizá-la.
A prevalecer o instituto sem critérios legais definidos, os profissionais, em especial os
prestadores de serviço, exercerão seu mister com sobressalto; os produtores não resistirão
às indenizações de valores imprevisíveis. Sequer as seguradoras assumirão a cobertura ante
a ausência de um referencial para a elaboração dos cálculos. Enfim, toda a sociedade estará
9
STJ - REsp 189736, Rel. Min. Waldemar Zveiter, julg. em 16.02.2001.
7
Não se confunda com lide temerária o caso anterior, de dano moral infundado. Este é
bem mais danoso, pois conforme definição, deriva da do dolo, da má-fé, maldade e
desonestidade, enquanto que naquele há uma boa-fé ilusória, uma falsa concepção a respeito
do próprio direito, um erro, culpa ou, na pior das hipóteses, deriva de uma culpa consciente,
porquanto de alguma necessidade financeira ou mesmo, pelo “dinheiro fácil”.
3 REPERCUSSÕES DO ABUSO
Tal banalização pode ser enfrentada sob suas óticas: a banalização do direito e a da
reparação.
A indústria do dano, em decorrência de seu subjetivismo, levou a sociedade a
conspirar contra o mais supremo dos valores buscados pela Justiça, qual seja, a segurança
jurídica. Essa indústria acabará por encaminhar a sociedade ao triste quadro de total
instabilidade e intolerância.
Enxergamos, em um futuro não distante, indenizações fundamentadas em casos em que um
sujeito vai pedir indenização porque alguém o olhou “feio” na rua e se dirá abalado, ou
ainda porque, em determinado dia, seu chefe deixou de cumprimentá-lo no início da
jornada de trabalho!10.
Ainda, adentrando no segundo tipo, lembramos que o : termo Com imensa quantidade
de casos de dano moral, muitos deles de menor valia, como um corte no dedo ao abrir uma
lata (exemplo de TESHEINER11), o magistrado tende a menosprezar a instituto do dano moral
e, com isso, diminuir o seu “condenômetro”, tornar mais leve a sua “mão”, nos valores de
condenação em geral. Tal ato, de baixar os valores da condenação, é extremamente
espontâneo, em especial porque, num único dia o magistrado chega a condenar duas ou três
vezes o seu subsídio mensal, pois são tantos os casos que, se o juiz não tiver cuidado pensará
que está distribuindo dinheiro, o que provoca a tendência de diminuição dos valores da
condenação. Não, nós sabemos que ele está exercendo a função estatal de distribuir justiça.
Muitas vezes há a criação de “falsas expectativas”, por advogados, apenas para serem
contratados para a causa. Elas são danosas, pois, quando, por exemplo, existe o direito a uma
reparação de dano, o autor confia na palavra de seu advogado, que lhe informa “poder”
10
CONSUL, Ana Cristina Gularte. A Indústria do Dano Moral - Banalização. Informativo. a. 14, n. 136,
dez. 2002. Disponível em: <http://www.obinoadvogados.com.br/info1202.htm>. Acesso em: 22 jun.
2003.
11
TESHEINER, José Maria Rosa.A era das ações. Disponível em <http://www.tex.pro.br/wwwroot/pro
cessocivil/aeradasacoes.htm>. Acesso em 23 jun. 2003.
9
4 REPRESSÃO AO ABUSO
O Código de Processo Civil impõe, nos seus arts. 14 a 18, uma série de deveres às
partes e seus procuradores, podendo-se destacar a verdade, lealdade, boa-fé e o zelo pelo bem
caminhar do processo.
Quem descumprir tais deveres pode responder por perdas e danos pode ser condenado
em litigância de má-fé a valores percentuais sobre o valor da causa, valores expressos em
salários-mínimos ou, como tem admitido a jurisprudência, em correção monetária sobre a
condenação durante certo tempo do processo.
O processo, instrumento de realização do direito, não é meio para se prejudicar alguém
(teoria subjetivista) ou para atingir objetivos anti-sociais. (...) Não pode a parte ou seu
procurador invocar a tutela jurisdicional para prejudicar outrem ou desvirtuar a finalidade
do seu direito. O abuso existe, mesmo não tendo havido dano à parte contrária. (...) A teoria
do abuso de direito, que tem suas raízes fincadas na moral, encontra no princípio da
lealdade processual o seu grande aliado. É dever não só das partes, mas também dos
advogados, exercer o seu direito com moralidade e probidade, não só nas suas relações
recíprocas, como também perante órgão jurisdicional. O desrespeito do dever de lealdade
processual se traduz em ilícito processual, com as sanções decorrentes12.
Interessante frisar que, como dissemos o ordenamento está atento ao abuso, pois esses
poucos artigos e incisos sofreram várias alterações (Lei nº 6.771, de 27.3.1980; Lei nº 8.952,
de 13.12.1994; Lei nº 9.668, de 23.6.1998; e, Lei nº 10.358, de 27.12.2001) e sempre para
melhor punir ou para aumentar as caracterizações da litigância de má-fé.
12 LEÃO, Adroaldo. O Litigante de Má-Fé. 2. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 6-12.
10
Não estamos, claramente, falando do direito de demandar como ilícito penal. Afinal,
sabe-se que o jus puniendi é do Estado e não do particular. Ademais, mesmo quando possui
legitimidade para propor a ação (ação penal privada) ou para pedir o seu início (ação pública
condicionada à representação) não há transferência dele e , em qualquer desses casos e até
numa simples notitia criminis, pode-se incorrer nas penas do crime de denunciação caluniosa
(art. 339 do Código Penal).
O novo Código Civil, Lei 10.406/02, previu expressamente a qualificação, como ato
ilícito o abuso de direito:
Art. 187 do Código Civil. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-
lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-
fé ou pelos bons costumes.
A doutrina está apresentando uma repressão, por enquanto murmurante, a tal abuso no
exercício do direito de ação e, por conseguinte, ao abstracionismo do direito de ação.
nota-se na atual doutrina processual, um refluxo da idéia de ação como direito abstrato de
agir. Tende-se a ressuscitar a ação concreta ou, até mesmo, a teoria civilista da ação13.
Ronaldo Bretas de Carvalho Dias comenta sobre a teoria do abuso de direito e, em
seguida, conclui:
essa teoria assenta-se na idéia inicial da necessidade de se equilibrar os interesses em luta,
mediante apreciação dos motivos que legitimam o exercício dos direitos. Condena, como
anti-sociais, todos os autos que, mesmo praticados em aparente adequação com o
ordenamento jurídico, não se harmonizam, na essência, com o espírito e a finalidade da lei.
(...) Essas noções vieram para o direito processual, ao se considerar que o exercício da
demanda não é um direito absoluto, pois que se acha, também, condicionado a um motivo
13
Idem. Idem.
11
5 CONCLUSÃO
É inegável que a teoria abstrata do direito de ação cria um estado propício para o
exercício abusivo desse direito e, se imaginada às últimas conseqüências, tornaria impossível
a litigância de má-fé ou a lide temerária, porquanto consistir em direito o ajuizamento de
qualquer uma delas.
Também não se pode extremar a teoria do abuso de direito a ponto de entender
qualquer ação improcedente como ato ilícito, mesmo que não eivada de qualquer má-fé e a
negativa tenha derivado de uma inversão de corrente jurisprudencial, por exemplo, pois ainda
assim restaria a culpa. O abuso somente pode existir na presença da má-fé.
Não há incompatibilidade da margem dada pela teoria abstrata da ação e a teoria do
abuso de direito, mas esta deve, sem dúvida restringir aquela, por conta, inclusive, da velha
máxima “o direito de cada um termina onde começam os dos outros”.
Vê-se, então, que as lições de nossas mães, que diziam “tudo demais é veneno” ou
“nem tanto nem tão pouco” são regras de bom senso, do bem proceder.
As falhas da teoria abstrata já tinham sido vistas logo após o seu nascedouro, afinal
Degenkolb inseriu, para a satisfação do direito de ação, na teoria abstrata, o elemento boa fé e,
ausente este, passa-se à incidência do abuso do direito de ação, que deve ser reprimido pela
sociedade e, em especial, pelos que bem usam ou cuidam da prestação jurisdicional.
Antes ser adepto da teoria abstrata, que pode ser pervertida pelos maliciosos que negar
a autonomia do direito de ação, do quer não ver sentido numa ação, mesmo quando resulte
improcedente ou se enganar, tentando criar do nada uma diferenciação entre as condições da
ação e o próprio mérito.
Importa que os meios para a repressão do abuso estão se fazendo cada vez mais
presentes na nossa e só resta termos esperança, como temos a milênios, na evolução da nossa
raça humana.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. v. 1 : parte geral – 8. ed. rev. atual. e
ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
BRASIL. Constituição federal, código civil, código de processo civil / organizador Yussef
Said Cahali – 5. ed. rev. atual. e ampl. Coleção RT-mini-códigos – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais , 2003.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v. 1 – 7. ed. rev. e atual. –
Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2002.
DIAS, Ronaldo Bretãs Carvalho Dias- Fraude no Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey,
1998.
GRECO, Leonardo. A teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003.
MARINI, Celso. Abuso de direito . Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 44, ago. 2000.
Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=674>. Acesso em: 24 jun.
2003 .
PLÁCIDO E SILVA, De. Vocabulário Jurídico. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. v. 1 : – 15. ed.
Atual nos termos da Constituição Federal de 1988 – São Paulo: Saraiva, 1992.
SILVA, Ovídio A. Baptista da Silva; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed.
rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
SLAIBI FILHO, Nagib. Sentença Cível : fundamentos e técnica. 5. ed. – Rio de Janeiro:
Forense, 2001.
TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. Disponível em
.<http://cursos.ead.pucrs.br/Biblioteca/direito/Hipertextos/livro_ tesheiner/Principal.htm>.
Acesso em 23 jun. 2003.
13
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo;
coordenação Luiz Rodrigues Wambier. Curso Avançado de direito processual civil. v. 1 :
Teoria geral do processo e processo de conhecimento – 3. ed. re Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000.