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UM NÓ NA GARGANTA
DESDE O PRINCÍPIO DO MUNDO
(POESIA)
Rio Pomba/MG
2023
“Quando eu nasci
o silêncio foi aumentado.”
Manoel de Barros
Sinopse
A obra possui um estilo introspectivo e enigmático que consegue unir o lírico com o
filosófico de uma forma natural, como se cada poema fosse um caminho espiritual que
persigo, um caminho de alegria, dor, resistência na busca de um significado para
a complexa condição humana.
Sumário
1. Paisagens
2. Loucura
3. Amor
4. Indignação
5. Mensagens
PAISAGENS
Fernando Pessoa
imagens de hoje
resoluto
a força do tempo busco reverter
recordar é viver
fazer e refazer pontes
mergulho
na garganta do tempo
adormecido
em qualquer regaço
meus sentimentos
ultra
passados.
quando anoitece
quando anoitece
o que mais quero
é ouvir uma luz acesa me dizendo
que o amanhã fica depois
de quando a vida aqui se apagar
e o sol que vier a seguir
for completamente outro.
eu e o longe
celebro distâncias
secando lágrimas
sem pranto
no mistério
de minha enfermidade
sonhando sem sono
levo a vida
em canção
reparo lonjuras
nas curvas do haver
amadureço tudo
espiando o céu
sem ansiedade
nas manhãs
de alegres lavadeiras
às margens do rio
aprumo longitudes
sem remédios
descobrindo belezas
é que superamos as impurezas
do real
não podemos
viver apenas de espanto
feito um triste navegante
que em suas voltas pelo mundo
vaga sem nada descobrir
que quando regressa nunca tem
nada novo pra contar
alguém assim
ou é alguém sem ninguém
ou é alguém
que desistiu do mar.
parecia tristeza
era outono,
minhas folhas caíam amareladas
meu silêncio era profundo, disperso
parecia tristeza
era apenas
mudança de estação.
inverno melancólico
versos dispersos
num dia de inverno
são incertezas
quais flores brancas
transmitindo saudades
surgem sempre
num fim de tarde
quando andamentos
de solidão
discretamente anunciados
sugerem
triste melodia
nesse caso
meu desassossego
só é curado assim
enquanto escrevo
em minhas confusões
há muita imprudência
porém, pequenos ventos
de liberdade
me transcendem
nas delícias
de um delírio cúmplice
recebo carícias lúdicas
metáforas lentamente
pousam nostálgicas
no poema
são pacientes comigo
(empáticas)
enquanto escrevo
húmidos desamparos
se convertem
em compassivos versos
mesmo quando
sem querer estou
nas maravilhas
do mundo
meu coração sabe
em minha própria companhia
que fico sem fim
com simplicidade
volto para casa brincando
na morte da tarde sempre
tão instável
quanto o vento.
centelhas
em si mesma contida
a palavra germina o pensamento
sem aparências aflora
o absoluto evoca e das vis heresias
protege o tema
a fúria do vento
sepulta o choro
aqui só me vejo
de raízes nuas
como vil
dissonância.
minúcias pacientes
pequenos arbustos
continuamente produzem
imagens nas coisas
harmonias
alastrando-se
numa música
que perfuma o ar
espelhos surgem
e por toda parte
me enxergo
como nunca
uma aura
perambula suavemente
pássaros livres
tornam tudo
mais intenso
meus horrores
são desfeitos
sinto o infinito
dentro de mim
ao som
de águas calmas
afago meus olhos
sobre o lago
tudo isso
num dia de primavera
tudo isso
num silêncio que quero
sempre comigo
em harmonias
que calam
os ruídos do mundo
por todo lugar
dentro
e fora de mim.
afetos do mar
imenso ao longe
superfície azul
sobre um monte por perto
observo o oceano
é meu deleite
afetos
que nenhum ser humano
poderia me ofertar.
em frente de casa
em frente de casa
cada homem faz seu caminho
ouço todos os sons
dia e noite
em frente de casa
gota a gota o sol ao nascer
semeia vida e faz amanhecer o tempo
também com isso a gente se torna aquilo que é
mesmo que pela rua um vento circule frio
espalhando a notícia triste
da morte de alguém.
pessoas no vazio
meus abismos
à luz de velas
fazem das ausências
estrépito
esta sensação
esculpe diante de mim
homens sem rusgas
nem zangas
uma música
bem ao fundo
também me importa
é tempo de enxergar
que nunca estou
tão só.
luzes na água
ao meio-dia quedamos
quase sem perceber à amargura e ao sono
no pensamento
dançam angústias, as essências
da consciência na sombra
Castro Alves
depredação
um crime de verdade
homens brancos
vendendo e comprando
homens pretos
num leilão
desvario, absurdo
cujo ritual violento
estuprou a sanidade
com ódio e sangue
navalha e depois sal
urina com sumo de limão
para doer mais,
só para doer mais
uma aberração
a escravidão
chaga podre
— incurável
na epiderme do mundo.
petição
rei Leopoldo II
filho do demônio
peço a Deus
sete dias no inferno
com vossa majestade
Nsala,
deceparam Boali
mão e pé
por causa do látex
Nsala,
porque não fala?
porque não chora?
porque??
Clarice Lispector
ternuras no silêncio
toda alma
sedenta pela janela escapa
sem medo da noite
pisando madrugadas com olhos
que brilham
feito primeira alvorada
em rara
primavera
ternuras que
em permanente ocaso no silêncio
dormiam
agora se despertam
tecendo flores num sorriso
eufórico
e livre.
meu pássaro
um só riso teu
reverbera e no espaço
indica passagens
o nosso amor...
a nossa nudez
essa rua dentro de nós
necessidade que sorve
mas impede o sono
ao perturbar os sentidos
nos informando que se quisermos
ele até pode durar...
para sempre.
águas frágeis
um instante permanente
é o que resta na memória
inscritos na parede
certos momentos
são fragmentos
de uma vida inteira
pulsações
nos recantos da retina
são movimentos da própria sombra
que encantam os sentidos
estranhamente ileso
um espelho na voz revela ternamente
o pacto entre nós — aliança
há certezas nas frestas dos lábios
tais águas frágeis que sempre transportamos
à flor da pele durante nosso trajeto
pela alma de alguém.
amor tem limite
há mais de mim
em você
que em qualquer
outro lugar
inversos no mundo
velhas longitudes
habitações
do adverso em mim
cotidiano
de duas cabeças
dor e amor
no mesmo lugar
opostos que se atraem
numa dança
desencontrada
sob um luar
que nunca diz nada
de tão minguante que é.
nostalgias sem saber
escancarados de amor
homens são iguais no silêncio
ninguém sabe
das tardes quentes
que tive
das aves perdidas
no fundo dos olhos
ninguém sabe
do que só eu sei
do clarão que me falta
mesmo em dias
de luminosa paz
ninguém sabe
de onde venho
se do vento, da terra
ou do mar
nudez e solidão
apocalipse nos gestos
silêncio, tortura — negação
ter nascido é a resposta?
é a pior sensação...
o abandono
é coisa muito difícil
de superar.
a dor de existir
ao fim do dia
bolhas nas mãos
a alegria
é a sensação
do dever cumprido
servir a mesa
de gente ingrata
é como beber
sol quente no gargalo
sensação escaldante
queima tudo por dentro
“não te deixes
vencer pelo mal
mas vence o mal
com o bem.”
retrocesso
é você!
contrassenso.
eu vi um pássaro surtando
o que farei
para superar o desgosto?
penso
tenso é como me movo
contudo, não afoito
prossigo.
MENSAGENS
Amílcar Cabral
o caminho para dentro
em olhos viciados
por utópicas terras
um fogo que dói
e nunca se apaga
faz o andarilho
se esquecer
do caminho de volta
de tantas estradas
percorridas em vão
com efeito...
ventania no caminho...
sabedoria!
muito sabido.
libertação
pouco me importa
os maus tratos, as ofensas
num pedestal estendi minha indiferença
sob um sol poente
acendo meus versos
apregoo enigmas impossíveis aos que
com dissimulada intolerância, desprezam
o meu direito de não abdicar
das coisas absolutas.
incompreensões
diante de mim
outra montanha
por dentro
crenças remotas
civilizações
antigas
trago no
hipocampo
confusão e loucura
diariamente
me assediam
me tornar poeta
foi a melhor saída
ainda mais que agora
tudo o que é
incógnito
cresce dentro de mim.
apreensões profundas
mudanças súbitas
e excêntricas no mundo
propagam nos olhos
agitações
perturbadoras
um encontro de vidas
acontece
o tempo todo
contudo,
no silêncio da noite
enquanto ao redor o mundo morre
muitas coisas ainda
sobrevivem dentro de mim
contrição
é uma ave minguando
fugir da terra
para conhecer um sorriso
é o mesmo
que acolher profundezas
a mágoa
nos destitui da luz
nasce da morte
meu respirar sementes
de um sono profundo
meu sentir foi curado
o sonho
liberta e cativa
cheirando vinganças
é que o vento chama chuva
foi despertando paixões
que perdi a reverência.
o valor das feridas
ilesas na pedra
estão minhas convicções
olhar calado
sem acreditar
olhar para ver, encontrar
olhar simplesmente
com calma
o mais distante que puder
olhar acreditando
olhar sem fé
olhar para dentro
se olhar...
olhar novamente
...
até enxergar.
o tempo
luzes deixadas
nas encostas das eras
sinalizam perigos
não devemos ignorar
são mensagens da história
sabedoria
as clandestinidades
dos últimos dias
não nos fizeram bem
parece que
os frívolos momentos
em abraços
com o que é pérfido
de irreverência e estupidez
nos embriagaram
os sentidos
o sol nasce
um brilho na face me transpõe
inaugura a realidade como sempre
num cotidiano universal
suspiro calmarias
num entardecer como qualquer outro
muitos silêncios
ando desconfiado
me parece que a vida possui
tantos mistérios no ordinário
que depender de milagres
para superar tristezas
se torna algo completamente
desnecessário.
terra fértil
minha garganta
terra fértil
a palavra
antes de nascer
é fome
anseio, esperança
sobretudo
luz
para isso
é que nascem os poetas