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ECOS FONÉTICO-FONOLÓGICOS
NO FALAR CUIABANO
Manoel Mourivaldo Santiago Almeida 1
máticas, manuais, livros, teses e ensaios, que de certa forma descrevem dia-
cronicamente a língua portuguesa como o todo ou uma de suas característi-
cas, em uma fase histórica ou mais.
nino. Esse fato, como dissemos, também está registrado em Silva Neto (1963,
p. 172) e em Teyssier (1997, p. 61).
fado ão e am. Esse ditongo apresenta-se no falar cuiabano com seis formas
distintas: [)w], [o)w], [õ], [)], [u)], [u].
Dentre muitos exemplos:
a) conservação do ditongo [) w]: [i) t ) w] então, [l) p i) w ] lampião,
[pRegas)w] pregação, [divEÓSÎ)w] diversão, [dividis)w] dividição, [novelÎ)w]
novelão, [ki)tuRÎ)w] quenturão;
b) conservação do ditongo, mas realizado como [o)w]: [vale)to)w] va-
lentão, [iSto)w] estão, [vilo)w] violão, [katSo)w] caixão, [tSo)w] chão, [xdo)w]
rodão, [gudo)w] algodão, [vale)to)w] valentão, [fogo)w] fogão, [i)to)w] então;
c) redução do ditongo a [o)]: [Segavo)] chegavam, [i)to)] então, [kRiaso)]
criação, [fazeso)] fazeção, [kiRio)] queriam, [gRavaso)] gravação, [riunio)]
reunião, [tSapado)] chapadão, [dZo)] joão, [bRigo)] brigam, [mo)] mão;
d) redução do ditongo a [) ]: [fal) ] falam, [sebaSti) ] sebastião,
[tRaba´)] trabalham, [i)t)] então, [n)] não, [gRavas)] gravação, [tav)]
(es)tavam, [t)] (es)tão, [kaÓt)] cartão;
e) redução do ditongo a [u)]: [nu)] não, [iStudaRu)] estudaram, [viERu)]
vieram, [laÓgaRu)] largaram;
f) redução do ditongo a [o]/[u]: [notaRu] notaram, [deSaRu] deixa-
ram, [laÓgaRu] largaram, [bRigaRu] brigaram, [lEvaRu] levaram.
LEEB: Nos manuscritos do século XVIII registramos apenas ocorrências
da forma am ao lado de aõ: capitam/cappitam e capitaõ; petiçam e petiçaõ; ocaziam
e occaziaõ; provizam e provizaõ; correiçam e correiçaõ; execuçam e execuçaõ.
Da coexistência das formas am e aõ, podemos deduzir que o mais pro-
vável é que o grupo am, no século XVIII, já era realizado como fazemos hoje.
Assim, apesar de a escrita apresentar as formas capitam, petiçam, ocaziam, provizam,
correiçam e execuçam, induzindo-nos a pronunciar o grupo am como vogal
nasalada [)], a variação no registro de também: taõbem e tambem e nos pró-
prios vocábulos que servem de exemplo, ora am, ora aõ, leva-nos a concluir
que, mesmo havendo outras variações difíceis de serem atestadas em teste-
munhos escritos, a pronúncia [)w] já se configurava naquela época.
LitHL: Conforme os manuais de história da língua, são das alterações
das terminações latinas anu, ane e one que surgem o ditongo nasal decres-
cente português /ãw/ e suas formas no plural, respectivamente, neste pro-
cesso: I) síncope do n e nasalação da vogal precedente: anu>ão (manu>mão),
plural: anus>ãos; II) síncope do n, nasalação da vogal precedente e apócope
do e: ane>ã, que se neutraliza em ão (pane>pã>pão), plural: anes>ães; one>om/
on/õ, que também se neutraliza em ão (notione>noçon>noção), plural: ones>ões,
tendo as formas intermediárias e arcaicas, bastante recorrentes nos manus-
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2 Sobre as razões que facilitaram essa analogia, Maia recomenda Gunnar Tilander: Por que am, om se tornaram
ão em português. em: Revista de Portugal. Série A Língua Portuguesa, vol. XXIV, 1959, págs. 131-136.
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No caso dos verbos, também ocorre a oscilação [õw], [õ] e [o]/[u], este
bastante produtivo no corpus transcrito. Essa forma oral não foi encontra-
da nos textos antigos analisados, donde se infere que seja uma variação des-
nasalada de [õ]. Cuesta e Luz (1971, p. 220), ao tratarem de traços arcaicos
do português do Brasil, levantam os plebeísmos andaro, fizero e quisero, como
sendo senão o produto da evolução de formas arcaicas, dizendo que enquanto
a metrópole adotava as terminações em am, [ãw], a colônia conservou as
antigas em om, [õ]3, que logo se desnasalaram.
A opinião de Cunha (1986, p. 211) vai nesse mesmo caminho, dizendo
que formas populares do pretérito perfeito do indicativo, como fizero, den-
tre outras, é evidente caso de desnasalação da forma fizerõ, pertencentes à
norma culta da língua arcaica.
Para percebermos a produtividade dessa forma verbal no período ar-
caico português, basta recorrermos a obras como: A Demanda do Santo Graal
BNV, Ms. 2594: sairom (25v), meterom (45r), decerom (75v), forom (180r),
Cancioneiro da ajuda, edição Carolina Michaëlis de Vasconcelos: poderon,
souberon, viron (I, pág. 55), Cancioneiro da Bilioteca Nacional, cod. 10991:
disserõ (136, pág. 70), son (377, pág.198), Crónicas dos sete primeiros reis de
Portugal, edição Carlos da Silva Tarouca: derom, forom (cap. XVII), acor-
dauom, souberom, entrarom (cap. XXXII), e Textos arcaicos, de José Leite de
Vasconcelos: entregarom, matarom, vierom (XVIII, págs. 69-70), dentre ou-
tras tantas.
/b/
3 Em Estruturas trecentistas, Mattos e Silva (1984, p. 334-335) trata da variação na representação gráfica da
terceira pessoa do plural, ora rõ, ora rã.
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/m/
/ø/
/tS/ e /dZ/
4 Reativação porque, ao contrário do século XIX, os estudos lingüísticos do século XX até os anos oitenta
tinham como foco principal de interesse a teoria e descrição, enquanto a comparação e história encontravam-
se em segundo plano. (COSERIU, 1980, p. 3-4).
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/l/
/r/
Conclusão
Aqui vale retomar o texto de Cunha (1986, p. 200) que trata da conser-
vação e inovação no português do Brasil. Partindo da tese a respeito da unidade
e arcaicidade do português brasileiro de Silva Neto (1963), em Introdução ao
estudo da língua portuguesa no Brasil, e retomando fatos que têm sido consi-
derados como prova de seu caráter conservador e anticlássico apresentados
por Melo (1946), em A língua do Brasil, o autor procura mostrar que, se o
mito da unidade tem sido desmentido pela publicação de atlas lingüísticos,
o mito da arcaicidade parece mais resistente.
Temos consciência de que o português da Baixada Cuiabana não chega a
ser um retrato falado da variante portuguesa que por lá chegou no início do
século XVIII ou, muito menos ainda, de qualquer outro estágio da língua, como
o arcaico. Todavia, pelo que temos colhido até então em pesquisas de campo e
pelos resultados apresentados neste texto, a resistência do mito da conser-
vação de traços presentes em períodos passados, de fato, se confirma.
Levando em conta a situação lingüística no Brasil, conforme Cunha
(1986, p. 202-204), o português, precariamente, começou a ser difundido
no Brasil em 1532, com a instituição de capitanias hereditárias. Desde a
chegada dos portugueses no século XVI, avançando pelos séculos XVII e XVIII,
é certo que vieram indivíduos das distintas regiões de Portugal, que natu-
ralmente falavam a língua do seu tempo, com matizes mais conservadores
ou mais inovadores conforme as áreas de procedência. De um modo geral é
passado como verdade que o norte português é conservador e se contrapõe
a um sul inovador. A norma sulista, que representava um modelo seletivo,
tinha maior poder de expansão, não precisando, portanto, de ser a do maior
número de falantes nele radicados para se impor no Brasil.
Repisando essa afirmação, Cunha (1986, p. 202) diz ainda que não apenas
a língua culta, mas também a língua comum dos brasileiros, funda-se nessa
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cientes de que, provavelmente, haverá neste texto pontos que não encon-
tram eco na opinião de pesquisadores e estudiosos da língua portuguesa, o
que é muito salutar.
Por isso, cabe esclarecer que nem de longe tivemos a pretensão de en-
cerrar com este trabalho a discussão sobre o caráter conservador contra-
pondo ao inovador do português brasileiro.
Por fim: embora todos nós saibamos que não é de hoje que estudos so-
bre a evolução histórica do português vêm apontando traços antigos no por-
tuguês corrente no Brasil, lembremo-nos das palavras do filósofo Alfred
Whiteheard (apud BURKE, 1995, p. 13) quando observa que todas as coi-
sas que são importantes já foram ditas antes por alguém que não as desco-
briu. Quer dizer: existe uma enorme diferença entre a consciência impre-
cisa a respeito de um problema, tirando daí conclusões apressadas e impres-
sionistas, e a sua pesquisa sistemática. Pelo menos é essa pesquisa sistema-
tizada que o Projeto Filologia Bandeirante vem perseguindo desde sua gê-
nese em 1996.
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