Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Tempo de Amar
ROBIN
JONES
GUNN
E à minha editora e verdadeira amiga, Beverly Rykerd, que abriu seu coração e
seu lar para mim e está sempre pronta a ouvir-me.
Sem Garantias
1
Cris Miller acordou de repente. Remexeu as pernas suadas para sair do saco de
Lembrou-se então. Estava num barco. A idéia fora da tia Marta – fazer uma festa
________________
*Nos Estados Unidos, o Dia do Trabalho (labor Day) é observado na primeira segunda-feira de
Setembro, e o ano letivo começa na terça-feira após esse feriado. As férias de verão são de junho a agosto.
(N.da T.)
Dava para escutar Katie, sua melhor amiga, ressonando no outro lado da cabine.
Cris vestiu o moletom e colocou os pés descalços no chão frio. Caminhando até a proa
saiu e fechou a porta de vidro às suas costas. Respirou fundo o ar fresco da manhã.
O céu ainda não despertara de todo, mas parecia erguer-se lentamente, esfregando
os olhos para dissipar a fina camada de nuvens cor-de-rosa que lhe obscureciam a vista,
O dia prometia ser perfeito. Dava para sentir no cheiro da brisa suave que vinha
da lagoa. Naquele instante, algo caiu na água. Ela imaginou que fosse o Ted, ou o
Cris o observava e continuou a nadar, dando fortes braçadas de peito. Virando para
- Ó Senhor, Senhor nosso! Quão admirável é o teu nome em toda a Terra! Pois
Deus. No último passo, seu pé enroscou-se no canto de uma cadeira de praia dobrada,
fazendo com que caísse e fizesse um barulho enorme. Ted girou na água e começou a
Lembrou-se então que era esse mesmo o jeito do Ted, e que ele nunca fora do tipo
que julga as pessoas pelas aparências. Esperava que ele se lembrasse disso ao vê-la do
Ted sorriu e pegou uma toalha de praia na sacada. Seus olhos azul-prateados
- De jeito nenhum!
- Nem um chuveirinho frio? perguntou, sacudindo o cabelo à frente dela, como faz
- Está bem, exclamou com uma risada, erguendo as mãos para se proteger. Você
me convenceu; está fria mesmo!
- A viagem ontem foi longa. É provável que todos durmam até mais tarde. Por que
- Estava muito quente no saco de dormir. Deve ter sido fei to para temperaturas
abaixo de zero.
Numa questão de segundos, passou pela cabeça de Cris toda a resistência que ela
poderia opor. Será que entrariam em alguma enrascada por saírem assim sem falar com
ninguém? Não. Bob e Marta confiavam no Ted. E se ela molhasse o moletom? E daí?
Poderia trocar por uma roupa seca quando voltassem. Não conseguindo pensar num bom
motivo para não ir, Cris desceu para o bote, que bordejava.
Ted agarrou dois remos, puxou o capuz de seu moletom, amarrou a toalha de
praia à cintura, sobre o calção molhado, e desceu para o bote. Remaram em silêncio,
Bastou uma olhada no rosto de Ted, e Cris compreendeu que ele considerava esse
passeio uma grande aventura. Ele vibrava com aventuras. A ambição de sua vida era
C ris tamb ém gostava de aventuras, pelo menos gostara das poucas que
experimentara em seus dezessete anos de vida. Mas não tinha certeza de que iria querer
Apontou numa trilha de nuvens brancas como algodão desfilando pelo azul infinito.
Cris sorriu, achando graça da veia poética do Ted. Ele parecia um monge com o
- Não fui eu que inventei essa. Foi um profeta do Antigo Testamento. Naum, para ser
exato. Sempre penso nesse versículo quando vejo nuvens sugerindo que Deus saiu a
Cris já conhecia aquele olhar do Ted. Tinha-o visto muitas vezes durante os dois
anos em que se conheciam, dois anos mais cheios de altos e baixos do que um elevador.
Mas uma coisa nunca mudara: o amor do Ted por Deus. Várias vezes Cris desejou que Ted
Não é que ela não amasse a Deus. Amava. Havia consagrado o coração ao Senhor
havia mais de dois anos e desde então havia crescido muito espiritualmente. Mas a única
coisa que o Ted lhe prometera era que seriam amigos para sempre. O que isso significava?
Na semana seguinte ela iniciaria seu último ano do segundo grau, e o Ted estava no
segundo ano de faculdade. Que idade um rapaz precisava ter para manter com uma garota
- Você está falando daquela manha de Natal dois anos atrás quando fizemos o café
Ted sorriu.
- Já tinha quase me esquecido dessa. Não, estou falando daquela manhã no ano
Cris sentiu um aperto no estômago. Não gostava muito de se lembrar dessa outra
manhã.
- E aqui estamos, disse ela, tentando esquecer o aperto, saindo juntos de novo, de
madrugada. Só que desta vez você não me está dizendo que vai embora para o Havaí para
- Não, disse Ted, abaixando o remo e deixando o barco vagar. Colocou as mãos atrás
- E você também não está tentando devolver-me sua pulseira de chapinha, concluiu.
Cris olhou a pulseira de ouro no braço direito. A expressão "Para Sempre" brilhava
- Eu queria que você tivesse liberdade de ir ao Havaí sem sentir obrigação pra
comigo.
- E eu queria que você tivesse liberdade de sair com o Rick sem sentir que eu a
impedia.
Cris suspirou.
- Agora eu queria que você tivesse impedido. Não tenho recordações muito
- Mas tinha que tomar sua própria decisão, disse Ted. Eu nunca tomaria uma decisão
dessas por você. Na verdade, estaria roubando de você o que você é. Há grande valor em
Cris recostou-se, sentindo no lado esquerdo do rosto o calor do sol. Pensou muito
sobre o Rick e seu jeito dominador, imaginando que valor poderia ter surgido daquele
relacionamento. No namoro com o Rick ela talvez tivesse aprendido a definir melhor o
tipo de rapaz com quem ela queria estar. E agora, mais que nunca, reconhecia que esse
- O que você espera de mim, Cris? perguntou ele de repente, como se tivesse lido
seus pensamentos.
- Sua tia teve uma conversa comigo ontem, na vinda para cá. Você viajava na
logo meu território, você acabaria se envolvendo com outro rapaz. Ela acha que já é
firme.
Cris estava realmente envergonhada. Tia Marta sempre dizia o que queria, mas o Ted
nunca parecia prestar muita atenção. Por que será que estava levantando esse assunto
agora?
- Ted, você conhece minha tia. Isso foi idéia dela, não minha.
- Não precisa. Eu teria deixado passar, mas o Douglas anda me perguntando sobre
o nosso relacionamento. Acho que você sabe que faz tempo que ele quer sair com você.
- O Douglas?
- E então? indagou Ted, aproximando-se e olhando-a nos olhos. Sinto que temos
Cris sempre se derretia quando o Ted a chamava por seu nome havaiano. Durante
dois anos ela desejara que ele lhe fizesse essa pergunta. Mas não estava esperando. Não
ali. Não nessa manhã. Se não fossem seus pés descalços, formigando por causa da
poça d'água no fundo do bote, ela teria pensado que ainda estava dormindo, e tendo
um sonho romântico.
- Não sei, disse ela, surpresa com sua resposta tão indecisa.
- De você?
- Bem, sinto-me ótima quando estou com você. Confortável. Sinto sua falta
quando você não está por perto. Penso em você o tempo todo e oro por você todos os
dias. Você faz com que eu me sinta mais próxima de Deus e, perto de você, nunca
me vejo forçada a ser diferente do que sou. Gosto de você mais do que de qualquer
Lentamente, um sorriso foi tomando conta do rosto do Ted. Parecia que as palavras
de Cris o esquentavam de dentro para fora. Antes ela nunca conseguira dizer tão
claramente o que sentia a respeito dele. Era bom abrir o coração assim. Ela tentara fazer
não era o momento certo. Ted não lhe dera ouvidos. Nessa manhã, no entanto, ele
vibrava só de ouvi-la.
- Sinto o mesmo por você, disse ele. Tem sido importante para mim esse tempo
todo a gente levar a coisa devagar. Nunca desejei que nosso relacionamento
- Dois anos não é depressa demais, retrucou Cris com um sorriso maroto.
- Mais ou menos o tempo certo, eu diria. É assim com Deus, sabe. Ele sempre nos
Cris mal podia acreditar no rumo bom que essa conversa estava tomando. Ela e
- Não sei como dizer. Agora estamos namorando a sério mesmo ou o quê?
- É o que quero, disse Ted com firmeza. Quero ser seu namorado, ainda que
deteste usar esse termo. Você sabe que não gosto de rótulos. Acho que todos os atos e
atitudes de uma pessoa revelam o que está no coração dela. Uma coisa não vem de
dentro simplesmente porque a gente falou. Se algo realmente estiver em nosso coração,
Cris concordou. Sabia exatamente o que o Ted queria dizer com isso. O
relacionamento dos dois sempre estivera acima de rótulos. Ted fora sempre sincero
largos e dando um sorriso que mostrava a covinha na bochecha direita. Você se sente
diferente?
- Nem eu. Talvez isso seja bom. Talvez tudo ainda esteja no mesmo nível conosco, só que
Cris ouviu com enorme felicidade a voz profunda do Ted quando disse: "Estamos
- Eu também, disse Ted, e completou com carinho: Você é uma pessoa incrível, Kilikina.
Eu a tenho no meu coração. Você é a única garota que beijei. Não sou o mesmo desde aquela
noite logo depois que nos conhecemos, e eu a segui nas pedras quando você saiu da festa do
Sam.
- Eu me senti tão infantil naquela noite! Todo mundo estava bebendo e eu era muito
ingênua.
- Você era inocente, Cris. Você não faz idéia de como isso a tornava linda.
- Ted, eu... principiou ela, não sabendo expressar direito o que sentia. Estou realmente
contente, quero dizer, isso é tão...sei lá. É tão certo. Estou realmente contente por estarmos
- Eu sei. Eu também.
Naquele instante, o ronco do motor de uma lancha rompeu o momento mágico. Ted
- É o Douglas e a Katie. Aposto que ele está pronto para esquiar pra valer!
- Olá, marujos!
Ele trazia um lenço amarrado nos cabelos loiros e curtos, à maneira dos piratas. Havia
um triângulo verde de protetor solar sobre o nariz. O sorriso largo que se espalhara pelo seu
Ted não respondeu e por um instante os dois se entreolharam, os olhos revelando mil
segredos do coração.
- Acho que estamos interrompendo alguma coisa, disse Katie, agitando os cabelos
Levantou uma bandeira alaranjada, usada para indicar que o esquiador caiu na água.
- Me digam, vocês dois: perdemos alguma coisa hoje de manhã? Vocês têm alguma
Cris sentiu-se ruborizar e ficou se perguntando até quando ela teria esse tipo de reação.
- Andamos olhando a poeira dos pés de Deus, respondeu Ted. E fizemos algumas
- E então, que tal nós fazermos um pouco de poeira de ondas? perguntou Douglas.
- Esperem! Queremos que vocês nos reboquem primeiro! gritou Katie. Eu vou no bote
Douglas jogou uma corda comprida para o Ted amarrar o bote atrás da lancha,
enquanto Katie se transferia para a embarcação menor. Ted subiu a escadinha perto do leme e
"cortando" o pescoço quer dizer pare, e o polegar para baixo quer dizer mais devagar.
- É melhor achar alguma coisa em que segurar, gritou Ted da lancha. Jogou dois coletes
Cris colocou o colete por cima da malha e agarrou um cabo preto do lado do bote.
- Eu acertei! Havia alguma coisa acontecendo entre vocês dois agora há pouco. Você
Cris não respondeu com palavras, mas o sorriso que lhe escapava dos olhos revelava
tudo.
- Eu sabia! exclamou Katie, alto o bastante para acordar os peixes que ainda
estivessem dormindo. Não me diga - deixe-me adivinhar. Você e o Ted estão finalmente
namorando! É isso?
Cris olhou para a lancha, esperando ver o sorriso confiante do Ted. Em vez disso,
bote parecia voar sobre as ondas. As duas se agarraram nele, gritando e tentando fazer os
gestos de "devagar" e "pare". Douglas deu uma guinada à direita e o bote saltou sobre uma
onda. Antes que conseguissem equilibrar, outra onda, maior, pegou o bote por baixo,
- O Douglas fez isso de propósito! falou Katie, vendo-os virar a lancha para vir
pegá-las. E tenho umas idéias boas para nos vingarmos dele este final de semana.
Mesmo através da água cristalina do lago, Cris reconhecia o olhar de moleca da sua
amiga ruivinha.
- Deixo para vocês os jogos de vingança, disse Cris, sentindo o peso do moletom
encharcado. Não quero entrar em nenhuma brincadeira, a não ser que me garantam que
- É tarde demais!
- Só porque fomos derrubadas na lagoa uma vez pelo Douglas, não quer dizer que é
aconteceu entre vocês dois. Dá para notar. E seja lá o que for, acho que é tarde demais pra
- Os rapazes querem voltar a esquiar, enquanto o dia ainda está calmo, disse Katie ao
Bob.
desconhecia?
- O único concurso de ratos afogados por aqui só vai envolver uns certos jovens
Para um homem na casa dos cinquenta anos, que nunca tivera filhos, ele parecia
gostar da presença de Cris e seus amigos. Seu jeito tranquilo e bonachão fazia dele uma
espécie de tio adotivo amado por todos. A única pessoa que discutia com Bob era tia
- Vamos lá, Katie! gritou Douglas da lancha. Precisamos que você venha conosco
- Meu público me chama, disse Katie, colocando as costas da mão na testa de modo
- Vá! Atenda o chamado dele, Katie! Eu fico atrás e ponho roupas secas, e vou
Logo que a lancha partiu, com Katie agitando vigorosamente a bandeira num adeus
emaranhada, foi para a cozinha onde estava Bob, e começou a escovar o cabelo molhado.
O excesso de água gotejava no chão, ao sacudir a cabeça, com os movimentos que fazia
com a escova.
- Lindo dia, comentou o tio, colocando mais uma panqueca com frutinhas sobre a
- Bom dia a todos! disse Marta, abrindo a porta do seu quarto nos fundos.
Naquele instante, Cris jogou o longo cabelo para trás. A água voou pela pequena
borrifado de água. Até mesmo seu cabelo escuro, perfeitamente arrumado, estava coberto
de “orvalho”.
- Está tudo bem, disse Bob, entregando uma toalha felpuda para sua irritada mulher.
Um pequeno despertar matinal, só para você. Mais eficaz que uma xícara de café forte.
- Eu já estava acordada. Obrigada! Retrucou sem jeito, tomando a toalha das mãos
de Bob.
A expressão de Marta mudou. Assim que viu seu “auditório” reduzido ao Bob e à
Cris, pareceu menos aborrecida do que fizera supor. Com a toalha, deu mais uma acertada
Marta aceitou a oferenda de paz e sentou-se à mesa; Cris sentou-se do outro lado e
Cris esperava que o azedume da tia acabasse logo, de preferência antes que seus
amigos voltassem. Conhecia de sobra o gênio delicado de Marta, seus altos e baixos, e
sabia que em boa parte seus modos eram espontâneos; seu jeito, natural. Ainda assim,
- O nascer do sol foi maravilhoso hoje, disse, esperando despertar a conversa. Você
Já tinha passado por essa situação muitas vezes, já que seus tios não eram do tipo
que oram antes das refeições. Cris resolveu que não deixaria de orar só porque eles não
Cris orou em voz alta, agradecendo a Deus pela viagem com segurança, pelo dia
maravilhoso, pelo alimento, por Katie, os rapazes, Bob e Marta. Quando ergueu os olhos,
- A comida pode esfriar enquanto você distribui bênçãos pelo mundo todo!
Era óbvio que ainda estava de mau humor. Cris achou melhor não dizer nada e
- Não entendo como você consegue comer desse jeito e continuar esbelta, disse
Marta, enquanto tomava apenas o café. Espero que esteja malhando as coxas, como eu lhe
disse. Sempre foi um problema para as mulheres na nossa família. Dá para você ver que as
coxas da sua mãe sucumbiram à herança genética. Você não pode deixar que o mesmo
- Na verdade, tia Marta, acho que minha mãe está muito bem do jeito que ela é, e
acho que estou bem do jeito que sou. Enquanto tivermos saúde, acho que não devemos
- Talvez você não se importe, mas os homens certamente notam. Guarde isso na
cabeça, se você acha que vai atrair um jovem simplesmente porque “tem saúde”.
Sabia que não devia jogar indiretas à tia, principalmente quando se tratava do Ted.
Sobretudo se queria manter segredo. Entretanto a notícia de que ela e Ted estavam
- Acho que vocês dois gostariam de saber que eu e o Ted conversamos sobre o nosso
- Eu sabia! Sabia que ele seguiria meu...quer dizer, que o Ted tomaria a iniciativa de
as coisas.
Empurrou a xícara de café para o lado e encostou-se na mesa para dar à sobrinha
alguns dos seus conselhos.
- Ter um namorado firme no seu último ano do colegial, continuou, torna as coisas
muito mais fáceis para você. Jogos de futebol, o banquete de Natal, o baile de formatura –
nunca terá de se preocupar em ter com quem ir. Quando você se formar, o Ted terá mais
dois anos de faculdade pela frente e aí vocês deverão freqüentar a mesma universidade.
Prefiro uma mais ou menos perto de casa. Talvez Irvine ou UCLA. Você pode se casar no
verão, após seu segundo ano, porque aí o Ted já estará formado. Então, enquanto você
- Você planejou tudo, não é mesmo? E se não for isso que Deus quer pra nós?
- Por que não seria? Deus não quer o melhor para você? Acho que até Deus teria de
- Acho que Deus dá o melhor àqueles que deixam a decisão com ele.
- Aproveite o momento presente, Cris. Ninguém sabe que futuro a espera. Viva o
- Certamente não há nada de errado em planejar o futuro, disse Marta. Se a Cris não
pensar nisso agora, pode acabar cometendo um erro de que se arrependa pelo resto da
vida.
- Mas não precisa fazer todas essas decisões hoje, disse Bob baixinho.
certeza.
- E você, prometa que será sempre digna dele, aconselhou Marta. Não existem
No fundo da mente, ainda lhe ressoavam as palavras de Katie, como uma pequena
nuvem de tempestade vinda em sua direção. Cris afastou a idéia. Afinal, que sabia a Katie
sobre relacionamentos? Nunca tivera um namorado. Talvez isso tudo mudasse durante o
- Pra mim não, disse Cris. Estavam deliciosas. Imagino que, quando os rapazes
A previsão de Cris estava certa. Ted e Douglas comeram tantas panquecas que ela
- São as melhores panquecas que já provei, disse a jovem, limpando a boca. Devem
estar saturadas de açúcar, para eu gostar tanto assim. O açúcar é um dos meus quatro
Estou querendo dar mais uns giros de lancha. Vem alguém comigo?
primeiro lugar que achou, por acaso ao lado do Douglas. No momento em que sentou, ele
- Acho que você vai preferir sentar-se ao lado do Ted. Eu mudo de lugar.
0 que é que há de errado com ele? Nem olhou para mim no café da manhã. Um
estamos namorando, não significa que ele não pode mais ser meu amigo.
- Vocês rapazes vão primeiro. Antes quero sentir a lagoa. Quem vai? Douglas?
Ele abotoou o colete salva-vidas, e quando Bob parou a lancha nas águas mais
fundas, mergulhou. Poucos minutos depois firmava os pés num único esqui e se colocava
em posição.
- Tem certeza que ele nunca andou num esqui só? Olhem para ele - parece um
Douglas parecia cada vez mais ousado, ao deslizar de um lado para outro, saltitando
o rasto de pequenas ondas que a lancha ia largando atrás de si. Percebendo que ele se
equilibrava tão bem, Bob passou a acelerar em cada curva. Uma virada brusca à direita os
impacto da água fez com que a lancha se erguesse e, ao descer, produzisse um baque
surdo, forte. Para o Douglas, as ondas causadas pelo barco foram desastrosas, e ele caiu
feio.
- Isso merecia ter sido filmado, exclamou Katie, erguendo alto a bandeira, enquanto
Bob desacelerava e voltava para pegar o rapaz. Ele não estava fantástico?
Então, mais alto para que Douglas pudesse ouvi-la da água, acrescentou:
- Você foi fabuloso, Douglas! Queria ter tirado uma foto. Douglas acenou para Katie,
e pareceu a Cris que sua alegre disposição estava de volta. Novamente a bordo, sua risada
convenceu-a de que o que fosse que o estivesse incomodando, ficara para trás, na largada.
- Pronto. Agora você já pode se molhar toda e nos mostrar como é hábil no esqui,
disse Douglas.
- Sua lontra! exclamou Katie, sacudindo os braços para se livrar do molhado. Você
vai ver! Vou fazer sua exibição no esqui parecer um rascunho de desenho animado.
- Jogue-me esse esqui, Sr. Importante! gritou para ele, Vou deixá-lo envergonhado.
Sem medo de enfrentar qualquer façanha que exigisse habilidade de atleta, Katie
tentou equilibrar-se três vezes. Todas as vezes caiu e aflorou na água sob a zombaria do
Ela vai se dar mal, comentou Douglas, os olhos grudados na figura exageradamente
confiante de Katie, que saltou sobre as águas e desceu equilibrando-se sobre um só esqui,
Cris teve de admirar a amiga. Era realmente ótima. Tudo que ela tentava nos
esportes, conseguia. Para Cris as coisas eram diferentes. Pior era saber que também teria
de experimentar o esqui aquático. Ninguém ali aceitaria a desculpa que pensava dar:
demais e caiu na água. Cris achou que sua vez chegara muito depressa. As primeiras
- Eu vou com ela, ofereceu-se Ted. Na primeira vez, é mais fácil saber a melhor
Cris sabia que não conseguiria evitar o inevitável. Ainda mais agora, que o Ted se
mostrava disposto a fazer de tudo para ajudá-la. Colocou o colete salva-vidas e, segurando
- Brrr! gritou ao chegar à tona. O que você queria dizer quando disse que a água está
- 'Tá não, retrucou Katie. Você se acostuma. Acredite, na hora em que a adrenalina
- Aqui está, disse Ted, segurando os dois esquis no lugar. Ponha o braço no meu
os esquis nos pés. Com paciência, Ted ajudou-a a calçar os esquis e "sentar" na água com
- Mantenha os esquis apontados para cima, disse ele. Tente ficar meio sentada na
parte traseira deles. Quando a lancha começar a puxar, incline-se para trás. Segure firme e
fique com a ponta dos pés bem na direção do barco, e continue inclinada para trás.
- É mesmo?
Ted deu uma risada e começou a nadar de volta para a lancha. Cris esperou na água,
formando um ângulo esquisito sobre os esquis. Ted entrou na lancha e acenou para ela.
- Está pronta?
Cris não se sentia muito pronta. Mas queria esquiar. Adoraria saltar sobre as ondas
do jeito que a Katie tinha feito. Lembrando rapidamente de tudo que tinha de fazer, gritou:
esticada deu o arranco, Cris soltou-se, Bob virou a lancha para trás e Ted jogou a corda
para ela.
- Lembre-se: você tem de segurar a corda, firmar bem a ponta dos pés na direção do
- Está bem. Desta vez eu acerto, disse Cris, prendendo a corda entre os esquis.
- Vá em frente!
Segurou então a corda com toda a força e manteve os esquis apontados de maneira
correta. Sem perceber o que fazia, já estava firme sobre ambos os esquis, que deslizavam
sobre a água. Só havia um problema: ainda se mantinha na posição sentada, inclinada para
A corda puxava forte demais. Cris não conseguia ficar totalmente de pé, e menos
ainda inclinar-se para trás. Continuou seu giro pela lagoa, de joelhos dobrados, braços
estendidos e cabeça para baixo, com a sensação de que estava voando com as pernas
Os esquis voaram longe. Soltou a corda e, numa tentativa de gritar, engoliu tanta água,
que daria para encher um aquário doméstico. Pior de tudo, metade da água entrara pelo
nariz. Tinha a impressão de que durante o episódio seus cílios tinham sido arrancados.
Bob era o único que não ria quando o barco se aproximou dela.
- Quer tentar outra vez? perguntou ele com calma, como se ela não tivesse acabado
Cris tossia, e muita água saía de sua boca. Estava fazendo força para não chorar.
- Agarre a corda, disse Ted. Suba na escada, mas tenha cuidado para que a corda não
fique presa.
Foi difícil entrar no barco, de tanto que seus braços tremiam. Os tornozelos ainda
preparando-se para sua vez, como se nada de estranho tivesse acontecido com Cris. Katie
deu-lhe a mão e ajudou-a a subir a bordo. Ainda ria, seus olhos verdes de gata estavam
- Sempre notei que você era sem jeito para esportes, Cris, mas essa aí foi a coisa
Teve vontade de mandar a Katie calar a boca, mas engoliu a raiva e pegou uma
toalha para cobrir o rosto. Não bastava ter passado por uma experiência humilhante com
pessoas conhecidas olhando para ela, tinha ainda de aturar a gozação da amiga.
Ted fez sinal para que dessem partida, e Bob ligou a lancha. Com a maior facilidade,
ele se pôs de pé logo na primeira tentativa e fez o seu passeio pela lagoa. Coisa de criança.
Katie tinha razão. Cris era sem jeito para esportes. A única atividade ligada ao
esporte em que ela conseguiu sair-se bem foi no teste para líder de torcida. Tinha se
esforçado durante semanas para acertar os passos. Quem sabe conseguiria esquiar
Enrolada na toalha, resolveu que aprender ou não a esquiar não tinha lá muita
importância. O que importava era que se esforçasse ao máximo, reconhecendo que aquilo
Cris observava o Ted deslizando atrás do barco com a maior tranquilidade. Será que
para ela tudo seria mais difícil do que para seus amigos? Será que ela sempre teria
Um sorriso se formou em seus lábios ao imaginar como devia ter estado engraçada,
neve e ela perdera o controle, trombando com o instrutor de esqui. As duas amigas haviam
rido do incidente o dia todo. Era melhor ela se animar. Rir-se de si mesma. Aceitar o
estavam famintos. Marta deu uma bronca neles por terem demorado tanto sem avisá-la.
voltássemos nunca.
Ted pegou uma batatinha frita no saquinho que Katie lhe estendia e, mastigando-a de
- Está certo, Marta. Só para deixá-la feliz vamos marcar a hora. Ou melhor, por que
Marta pensou um pouco mais sobre o assunto, enquanto Ted chegava-se para perto
da mesa e começava a fazer um sanduíche com as coisas que Bob preparara. Então disse:
- É, acho que devo sair pelo menos uma vez neste fim de semana.
- Desde que seja com você e a Cris. Então, com o olhar orgulhoso, acrescentou: o
afastou a cadeira com o calcanhar e desapareceu pela porta. Parecia que ninguém, a não
ser Cris, notara. O resto da turma estava ocupado, fazendo os sanduíches, mas Cris sentiu
Sentia-se responsável pelas reações do Douglas. O rapaz sempre fora como uma
espécie de irmão mais velho para ela. Cris não suportava vê-lo agir assim, e sabia que, se
Cris deu a volta pelo convés e aproximou-se de Douglas, que estava sentado à
- Tem certeza?
- Toda certeza do mundo. Saí para procurar uma toalha para não molhar o assento
Cris não sabia mais o que dizer. Pensou no passeio à lagoa na véspera, nas
brincadeiras do Douglas, em seus abraços. Hoje ele não se aproximara dela mais que uns
três metros. Não era sua imaginação. Havia alguma coisa o perturbando.
- Sei lá. Não me entenda mal. Estou contente com vocês dois. Só não quero que as
- Talvez sim, talvez não. Tenho amigos que de repente se tornam invisíveis quando
começam a namorar uma menina. E tenho dificuldade em manter a amizade com uma
- Não vai ser assim conosco, prometeu Cris. Eu e o Ted continuaremos sendo
- Jura?
- Claro.
- Confesso que duvido, mas por hora aceito o que você disse. Não vamos mais falar
sobre isso. Vamos ver que rumo as coisas vão levar. Estou morrendo de fome! E você?
Douglas foi à frente e abriu a porta de correr, fazendo sinal para Cris entrar primeiro.
Depois do almoço, Katie queria esquiar, e Cris queria deitar-se na proa do barco e
tomar sol. Douglas disse que topava navegar mais um pouco, e o Ted não tinha nada
planejado. Parecia a oportunidade perfeita para deixar Douglas e Katie saírem de barco
- Mas o Ted e a Cris ainda não me levaram para passear de lancha. Acho que devo ir
enquanto o tempo está bom. Dizendo isso, pegou um chapéu de palha, de abas
gigantescas, e acrescentou:
Ted ajudou Marta a subir a bordo. No momento que seus pés tocaram o convés, uma
nuvem escondeu o sol. Mas com a mesma rapidez com que surgiu, desapareceu, expondo
as costas de Cris à luz da tarde assim que ela saltou para o convés.
- Vou levar o barco naquela direção, disse Bob ao Ted, apontando à direita. Achei
que seria bom encontrarmos um novo ancoradouro para esta noite. Será fácil você nos
Ted fez que sim, e deu um "até mais". Ligou a lancha e a conduziu para o lado
aberto da lagoa.
- Não vamos precisar, disse Marta. Só vamos dar uma voltinha, e não pretendo me
molhar.
tivesse outra serventia, pelo menos o colete neutralizaria um pouco a força do vento,
ditava ao Ted o rumo a tomar. Ele seguiu suas ordens e entrou numa área que parecia um
longo braço da lagoa Shasta, estreito demais para deixar passar um barco um pouco maior.
Outra nuvem cobriu o sol, e Cris estremeceu. Devia ter colocado alguma coisa por
Ted conduziu a lancha pelo canal cada vez mais estreito, mostrando algumas
de amanhã.
Ted ancorou a lancha na primeira enseada que encontraram. Saltou para fora e, com
água pela cintura, amarrou a lancha. Em seguida chamou Marta e Cris para que o
acompanhassem na exploração.
- Como é que vou chegar até a praia sem me molhar? perguntou Marta, vendo a
- Tem de se molhar, disse Ted. Não é tão fundo assim. Desce pela escada de cordas
do outro lado.
Cris ficou a observar a indecisão da tia, que afinal resolveu fazer o sacrifício de
- Está tudo bem, disse Ted, caminhando na direção de Marta e oferecendo-lhe a mão
Uma enorme nuvem cobriu de novo o sol. Tudo ao redor parecia estranhamente
silencioso e imóvel.
olhando em volta.
A pequena praia só se estendia por mais uns dez a doze passos além do ponto em
que se achavam. Logo adiante dobrava-se numa curva e ia dar bruscamente ao pé de uma
encosta. No começo dela a vegetação era escassa; mais alguns passos, porém, e se viam os
troncos de árvores altas e finas, apontando para o céu como soldados fardados de verde e
enfileirados.
- É perigoso demais, disse Marta. Devemos voltar para a lancha antes que a chuva
caia. Ouvi dizer que o tempo é muito imprevisível na lagoa - pode mudar de repente.
Vamos embora.
- Daquele lado - um cervo! Está vendo? Lá do lado esquerdo, atrás daquelas duas
árvores.
- Está olhando para nós. Não é uma gracinha? Pena que a gente não tem mais maçãs
Marta foi até onde estavam Cris e Ted, mas seus movimentos bruscos assustaram o
Foi embora, disse Ted. Se voltarmos amanhã para um piquenique, vamos trazer
algumas maças.
- Ótimo! disse Marta, num tom irritado. Amanhã vocês podem trazer maçãs para ele.
Cris percebeu como era desconfortável para sua tia afastar-se do seu ambiente
doméstico e como isso a deixava irritada. Na sua casa, em Newport Beach, Marta nunca
se mostrava autoritária, nem irritada, como vinha parecendo. Cris sabia que a idéia de
alugar o barco fora sugestão do Bob, e não dela, mas ele a convencera, mostrando-lhe o
folheto que dizia ter o barco todos os confortos de uma casa moderna. Aparentemente,
vindo até a praia, Marta já experimentara o suficiente da vida ao ar livre. Agora já estava
isolados na caverna silenciosa - um isolamento quase de dar medo, pois o sol se escondera
atrás das nuvens. Ted esperou que Cris e Marta se sentassem e ligou o motor. Nada
aconteceu. Tentou de novo: apenas um barulho lento, rascante se fez ouvir. Ted apertou
nervosa.
Ted bateu de leve um dedo sobre um dos marcadores ovais e respondeu com calma:
- Não.
- Como foi que você deixou isso acontecer? Depois de tanto esquiar hoje cedo, não
Cris sentia-se um pouco preocupada, mas nada comparável com o estado emocional
da tia. Na verdade, Marta teria um excelente papel no velho filme de televisão, "Ilha de
Gilligan.
- O que é que você vai fazer? perguntou Marta. Aqui nunca vão nos encontrar!
convés. Os dois oraram com fervor simples e sincero, para que Deus enviasse socorro.
temperatura começou a cair e ela desejou que tivesse trazido pelo menos uma toalha de
praia para cobrir as pernas. Só Ted e Cris conversavam. Marta se cobrira com um colete
salva-vidas e ficou encolhida num canto do assento de vinil, com cara de sofredora e sem
dizer palavra - o que a sobrinha achou ótimo. Ouvir o que Marta estaria pensando naquele
esconder com as nuvens, e agora ninguém mais falava nada. Cris se lembrou do que Ted
lhe sussurrara no ouvido pela manhã - naufragar a sós com ela até que não seria nada mal.
Só não imaginou que tia Marta estaria entre os "náufragos”. Que ironia!
Então, como se Marta não conseguisse mais conter as lavas do seu vulcão, abriu a
boca e vomitou acusações por todos os lados. Cris nunca vira a tia tão zangada assim.
- Agora chega! Você tem de procurar ajuda, Ted. Não interessa como. Suba esse
morro e vá até o outro lado ou nade até a Parte principal da lagoa. Já, já, vai escurecer, e
eu me recuso a ficar aqui parada, esperando ser comida por animais selvagens!
Cris sabia que tinham pelo menos mais umas três horas de sol, e o único animal que
viram fora o tímido cervo. Ainda assim. Era melhor não desafiar os temores da tia. Será
que deveria sentar-se com o Ted ou continuar ao lado de Marta? Sabia bem o que preferia.
- Vamos esperar aqui, disse Ted com serenidade e firmeza, como se já tivesse
Marta estava furiosa. Não havia muita gente com coragem para se opor às suas
- Suponho que você esteja esperando que Deus mande um anjo para nos salvar.
- Agora você foi longe demais com esse negócio de fé, Ted. Isso é ótimo quando é
para ter discussões teológicas com o Bob, mas quando a vida da gente está em jogo...
Ted estendeu a mão pedindo silêncio. Parecia atento a alguma coisa. Cris virou a
coisa que você faça em vida, antes de morrermos nesta lancha estúpida.
Ted pôs-se de pé, sem desviar a atenção de Marta, passou por ela e se encaminhou
na direção da popa.
- Podia ter ao menos a delicadeza de olhar para mim enquanto eu estiver falando
com você? Não pode ficar achando que Deus vai fazer por você o que você mesmo devia
estar fazendo! Ele tem coisas demais para resolver, como a paz mundial, por exemplo, e
tenho certeza de que Deus não tem tempo de responder às orações tolas de...
Ted colocou dois dedos na boca e, virando-se para o lado aberto da enseada, soltou
- Não se pode ter certeza de que estão vindo em nossa direção, murmurou Marta,
Agora todos ouviam o rugido estridente do jet ski, que realmente vinha na direção
deles. Cris reforçava o assovio de Ted gritando na mesma direção. No momento que o
Wave Rider surgiu, ela abanou o colete e Ted agitou os braços, mas ele passou pela
caverna e desapareceu.
- Eu não lhe disse? alfinetou Marta. Por que você nunca me escuta?
- Acho que está voltando, disse Cris, esforçando-se para ouvir qualquer mudança no
- Você está certa, disse Ted. Fique atenta. Se for preciso, acene outra vez.
Antes que terminasse de falar, o Wave Rider apareceu de novo, tomando de repente a
direção da entrada que dava para a caverna secreta. Era uma garota de longos cabelos
escuros, colete rosa-shocking e maiô florido. Ela desligou o motor do jet ski e flutuou até
o barco. Estava bem queimada de sol, a pele tinha um tom de canela, e um sorriso claro,
- Precisam de ajuda?
- Estamos sem combustível, respondeu Ted. Você pode me dar uma carona até a
marina?
- Não deixe sua tia sair daqui, não, disse Ted a Cris. Volto já.
- Eu escutei, viu? falou Marta. Claro que vou ficar aqui. Aonde você acha que eu
- Somos - eu e Cris.
- Que legal! disse a garota, toda empolgada. Meu nome é Natalie. Também sou
crente. E você não vai acreditar, mas vim até este lado da lagoa porque senti algo me
Cris sentiu vontade de rir-se da recusa de sua tia em acreditar que Deus atende nossa
oração, apesar de acabar de ver isso de maneira tão clara. Sabia que não era engraçado,
mas por que a tia não queria enxergar que Deus atendera ao pedido de socorro?
Ted se posicionou na garupa do Wave Rider e ele e Natalie zarparam, deixando Cris
sozinha com Marta. Ela ficou alguns minutos em silêncio, depois indagou:
- Por que é tão difícil pra você acreditar em Deus, tia Marta?
- Eu acredito em Deus.
- Estou falando de entregar sua vida a Jesus e convidá-lo para ser seu Salvador.
- Eu me recuso a entrar numa discussão religiosa com você, Cristina. Você é nova
Cris se calou. Só podia pensar: Ainda bem que Jesus não me considerou nova
Ted e Natalie voltaram em menos de uma hora. Assim que puseram o combustível
- Muito obrigado! gritou Ted acenando para Natalie, quando a viu partir.
Em seguida, lentamente, ele conduziu a lancha para fora da estreita baía e, uma vez
- Devagar! ralhou Marta. Está muito frio! Se for depressa demais, vai acabar não
encontrando o barco.
- Ajude a procurar o barco. Ele deve estar em algum ponto deste lado da praia.
Com o vento gelado que soprava na lagoa, e o sol do fim tarde já se pondo, a
temperatura caía vertiginosamente. Era um sol bem diferente do que Cris e Ted tinham
saudado ao alvorecer. A imensa esfera alaranjada que se punha parecia cansada, ansiosa
finalmente o barco. Katie estava pescando sentada na proa. Bob e Douglas, sentados no
Cris notou outro barco ancorado ao lado do deles. Katie gritara tão alto, que o
pessoal do outro barco a qualquer momento poria a cara para fora, intrigado com o que
estava acontecendo. Ted encostou a lancha, mas antes que ele ou Cris pudessem dar
para descer da lancha. Ficamos perdidos durante várias horas. Estou congelada até os
ossos.
- Acabou a gasolina, explicou Ted, sob olhares curiosos. Oramos, e Deus nos
- Então entrem logo e vão tomar um banho quente de chuveiro, sugeriu Bob. Está
tudo pronto, menos a carne. Mas como o braseiro já está no ponto, é só colocá-la na
Cris aceitou contente a sugestão do tio, e foi tomar banho. Estava surpresa por ver
como era amplo o chuveiro do barco. Havia bastante água quente, e até uma tomada para
ligar o secador. Demorou-se secando e penteando o cabelo. Melhor fazer tudo ali mesmo
no banheiro, do que sair com o cabelo molhado e dar outro banho na tia.
Na verdade, Cris não precisava se preocupar. Marta não saiu do quarto o resto da
noite. Bob, marido amoroso e sempre paciente, preparou um prato para ela e o levou ao
quarto.
tarde diminuíra. Vestiu um jeans, uma malha cor de creme e um velho tênis branco. Seu
cabelo estava macio, nem um pouco frisado, como ficava em Escondido, depois que o
lavava com a água de lá. Sentia no rosto o ardume do sol e via como isso dava às suas
Colocando um pouco de rímel e passando uma segunda camada de brilho nos lábios,
Cris olhou-se de novo no espelho. Sentia-se bonita, de forma natural e saudável. Será que
o Ted notaria?
- O que você quer dizer com esse "como foi?" Como era pra ser?
- Pensei que vocês dois iam começar a... sabe... ficar mais juntos se ficassem a sós.
Cris, que idéia é essa de achar que o Douglas está interessado em mim? indagou ela
- Acho que vocês dois seriam perfeitos um para o outro. Ele é muito legal. Se você
lhe desse mais atenção já ajudaria um pouco. Demonstre que você gosta dele.
- Por que não? Ele é alto, bonito, atleta, um crente superespiritual, e muito alegre.
- E que primeiro, hein! exclamou Cris, procurando animá-la. Vamos lá, Katie! Você
chamava mesmo aquele missionário do Equador? Glen? Está na hora de partir pra outra!
Katie deu uma olhada no espelho e notou que seu nariz sardento estava queimado de
sol.
Cris também se pôs diante do espelho. O contraste entre a duas era evidente. A pele
clara de Katie, seus olhos verdes e cabelo cor-de-cobre faziam com que ela parecesse
jovem demais, quase uma criança. O bronzeado de Cris dava destaque a seus olhos azul-
sua amiga.
- Como vou competir com você? perguntou Katie, mostrando a imagem no espelho e
- Não estamos competindo, Katie. Não se trata de esporte. Além do mais, se fosse,
você ganharia de dez a zero. Estamos falando de rapazes, e eu estou com o Ted. Por que
Cris surpreendia-se a si mesma falando desse jeito. Nunca antes tentara empurrar
Katie na direção de qualquer rapaz. Sabia que seu interesse em ver os dois juntos, era não
- Senhoritas, disse Bob junto à porta fechada do banheiro, o jantar está pronto, e
- Já vamos, respondeu Cris. Como posso reanimá-la? disse, voltando-se para Katie.
Acreditaria se eu dissesse que seu jeito é o de uma pessoa maravilhosa, estimada por
todos, uma garota legal mesmo, e que só um idiota não veria isso?
- Acha mesmo?
- Acho sim. E acho também que o Douglas a veria com outros olhos, se você
- Tem certeza?
- Tudo bem!
Katie deu um "toque aqui" na mão de Cris e ajeitou o cabelo antes de abrir a porta.
Caminharam lado a lado pelo corredor até a cozinha. O que viram fez com que se
Ted se encontrava perto da mesa, junto a uma linda jovem. Ela parecia não ter mais
que quatorze anos, mas pelo corpo dava a impressão de ter vinte. O cabelo escuro estava
para trás, e ela usava um arco florido. Tinha um lindo sorriso em formato de lua crescente
- Katie, essa é a Natalie. Foi ela que nos socorreu hoje à tarde.
Ted, que pusera o braço no ombro de Natalie, estava prestes a dizer algo quando
Douglas apareceu vindo da lateral, com uma travessa de bifes grelhados. Aparentemente
- Olá, disse com um sorriso maroto, olhando pra o Ted, como quem pede explicação.
Natalie riu. Era uma risada infantil, pura. Certa vez Ted dissera que as pessoas puras,
- Já jantei, obrigada. Quando descobri que o barco ao lado do nosso era o de vocês,
- Que legal! disse Douglas. Depois do jantar, vamos fazer uma fogueira na praia.
Então, foi como se alguém tivesse dito à Katie “Comece o jogo!” Ela entrou na
- Essa carne parece que está uma delícia, Douglas. Você é o churrasqueiro de hoje?
Aposto que vocês estão com fome. Eu estou. Não acham que devemos sentar para o
jantar?
Bob, que observava tudo da pia da cozinha, onde despejava ervilhas numa tigela de
- Então eu já vou indo, disse Natalie, baixinho. A gente se vê mais tarde, na praia.
Katie aceitou o desafio e correu para a mesa, onde se sentou junto ao Douglas, do
outro lado.
- Está com tanta fome quanto eu? perguntou, puxando o braço do rapaz.
Cris puxou uma cadeira para junto da mesa e sentou-se. Não estava muito certa do
que sentia com relação ao que estava acontecendo. De certo modo, sentia-se contente por
ver Katie flertando um pouco com o Douglas. Talvez ela precisasse de um incentivo,
como a presença de Natalie ali. Mesmo assim, Natalie devia ser alguns anos mais nova do
que ela e Katie. Se tivesse quatorze anos, por exemplo, seria oito anos mais nova do que o
Douglas. Ele certamente sabia disso. Portanto não estava flertando com ela de verdade,
estava?
Após o jantar, ela ajudou Bob a lavar e enxugar a louça. Ted e Douglas, seguidos de
que a louça fora lavada. Tem uns cabides de arame no armário do corredor. Pode pegá-los
Cris foi procurar os cabides e olhou a praia. O fogo já estava alto. Na escuridão,
dava para ver a forma do Douglas com as duas garotas, uma de cada lado, nas posições
Natalie parecia uma boa garota, e tinha sido muito bom conhecer outra crente e
saber que haviam sido socorridos por ela. Cris esperava que, sendo Natalie tão nova e
vulnerável, não interpretasse mal a atenção do Douglas. Mais que isso, esperava que Katie
Será que o que fiz foi certo, empurrando a Katie em direção ao Douglas?
praia e foi em direção à fogueira. Estendeu a toalha sobre umas pedras lisas do Ted, e
perguntou:
Douglas não escutou. Ele e Katie estavam no meio de uma queda-de-braço, só que
com os polegares.
- Eu aceito, disse Natalie, saído de seu lugar ao lado de Douglas e se aproximando
de Cris, sem tirar os olhos do Ted. Quase não acredito que vocês são crentes! É maravilha,
massa!
Douglas e Katie continuavam sua disputa. Quando, por fim, já pareciam satisfeitos,
aproximaram-se dos outros três e começaram nova disputa. Desta vez era para saber quem
Depois de comer três, Cris sentiu-se enfastiada de doce. Encostou então o espeto-
cabide numa pedra ao lado da fogueira. Quando ela o soltou, Ted estendeu a mão.
Ela pensou que ele fosse pegar o espeto, mas ele pegou foi na mão dela,
envolvendo-a com seus dedos grossos e quentes. Ela virou-se para ele e sorriu. Ele
mãos dadas. Cris sempre sonhara com isso. Namoro para ela era assim. Aproximou-se
mais um pouco do Ted para que pudessem apoiar melhor as mãos no chão.
Foi quando notou Natalie olhando para eles. Ela se deu conta, então, que a garota
devia estar meio sem graça, vendo que os dois rapazes se desmanchavam em atenção para
Lembrou-se de que ela também, lá pelo quatorze anos, tinha suas crises. Procurou
então atrair a garota para a roda, ciente de que o fato de estarem, ela e o Ted, de mãos
Enquanto o disputavam, Cris e Natalie conversavam sobre sua escola, sua família e a
igreja. Quando surgiu o assunto de jet ski, Douglas sentou-se ao lado de Natalie e lhe fez
Foi a vez de Katie sentir-se deixada de fora. Quanto mais Douglas e Natalie
conversavam, mais Katie parecia se retrair. Afinal Natalie perguntou ao Douglas se ele
queria experimentar seu Wave Rider na manhã seguinte. O rapaz, todo contente, abraçou a
menina.
de afeto. Parecia animada à luz da fogueira enquanto faziam os planos para o dia seguinte.
E não foi difícil adivinhar como Katie interpretou o gesto de Douglas para com Natalie.
Cris teve ímpetos de correr para o lado da amiga e consolá-la. Mas não queria sair
de perto do Ted, nem perder o calor da mão que segurava a sua. Mesmo sabendo que
- Acho que não. Foi um dia muito cansativo para todos nós.
Afinal de contas, pensou Cris, a Katie tem idade para enfrentar essas decepções
sozinha, sem que eu precise reanimá-la toda vez. Um dia ela vai encontrar um cara legal
Cris tentou se convencer de que não tinha culpa de o Douglas não estar tão
interessado na Katie como ela desejava. Douglas e Katie já se conheciam havia muito
tempo, e se viam sempre em reuniões. Mas Cris imaginara que nesse passeio os dois se
Ah, deixa pra lá, pensou Cris, com um suspiro. Parece que não era pra acontecer
isso. Certamente dá pra Katie entender. Até amanhã cedo, ela se recupera.
A previsão de Cris estava errada. Katie não estava se recuperando. Assim que
acordou, ela permaneceu algum tempo na cama, esperando poder falar com a amiga
- Não sei o que fazer, confidenciou ao tio Bob à mesa do café, onde só estavam os
dois. Acho que a Katie não está sentia só porque o Douglas não lhe deu atenção ontem à
noite. Acho também que está com raiva de mim por eu ter sugerido que ela tentasse ficar
com ele.
Era fácil para Cris abrir o coração ao tio. Dessa vez ela o fazia na esperança de que a
confissão lhe tirasse da consciência o peso que sentia por haver insistido com Katie em
- Você não pode fazer mais nada, falou Bob. Tentou fazer uma coisa ontem, dando
um empurrãozinho nela na direção do Douglas, e não deu certo. Nessa altura dos
acontecimentos, não há nada que possa fazer ou dizer. Só esperar que ela se refaça da
decepção. No fim, vai dar tudo certo. Só que leva tempo. Enquanto isso, não faça mais
nada.
- Confie em mim. Quando o assunto é o que fazer para que uma mulher zangada
conselho, dando tempo à mulher para que, a sós, se recuperasse do trauma da véspera.
- Bom dia para vocês dois. Bela manhã, não é mesmo? Acho que hoje a gente podia
relaxar um pouco. Espairecer, tomar sol. O que acham? Todo mundo disposto a se
divertir?
Cris achou a tia animada demais, mas preferia vê-la animada a vê-la emburrada.
Além do mais, concordava com Marta que era preciso descansar, relaxar. Talvez fosse
Durante duas horas, Cris ficou sentada ao sol, ao lado do Ted na proa do barco,
lendo enquanto ele pescava. Era maravilhoso estarem juntos sem prensar que tinham de
fazer ou dizer alguma coisa só para encher o tempo. Ted pegou duas trutas de bom
Enquanto isso, Katie nadava sozinha; depois, deitou-se no convés. Bob e Douglas
mexiam com o leme. Bob achou que precisava dispensar alguma atenção ao barco.
Douglas desceu e enfiou-se na água, enquanto Bob lhe passava instruções de cima.
- Que tal fritar os peixes para o almoço? Sugeriu Marta, assim que Ted acabou de
limpá-los.
- Não tem importância. Tudo faz parte da nossa experiência neste rio, não acham?
Na verdade, estavam numa grande lagoa, não num rio, mas ninguém corrigiu Marta.
Você consegue ser um doce quando quer, não é mesmo, tia Marta? Agora, se a
- Quem topa esquiar? Perguntou Bob, depois do almoço. O leme está como novo.
- É melhor aceitar seu convite. Talvez você seja o único que me convide pra sair...
- Quero ver você andar num esqui só de novo. Você é excelente, sabe?
querendo dizer que abriria mão de sua perícia esportiva num segundo, se um rapaz se
- Quer ir também, Cris? E vocês, rapazes? Ted, desta vez terei de encher o tanque.
Bob parecia um treinador tentando fazer com que os bons jogadores optassem por
seu time.
- Na verdade, falei com Natalie que eu iria andar de Wave Rider com ela às duas
horas, replicou ele, parecendo um pouco sem graça. Vou ficar por aqui. Vão vocês e se
Quando Cris, Bob, Ted e Katie saíram à procura de um bom lugar para esquiar, Cris
voltou a experimentar o mal-estar que sentira com Douglas na véspera. Só que dessa vez
era com a Katie. A frieza de sua melhor amiga era como um vento gelado, soprando em
seu rosto.
Por que será que tudo começou a andar pra trás com meus amigos no momento em
que eu e o Ted começamos a namorar? Será que existe uma regra não escrita
determinando que, todos os outros têm de ficar contra a gente, quando namoramos
firme?
O que deixava Cris mais chateada era saber que tinha ficado tão ansiosa para falar
com Katie sobre o Ted, sobretudo depois que firmara o compromisso de levar o namoro a
Era a última corrida do dia, e Cris havia passado a tarde toda pensando, enquanto
segurava a bandeira de esqui sempre que Ted, Bob ou Katie iam para a água.
- Quer vir depois da Katie? perguntou-lhe Bob. Parece que vamos embora amanhã
Cris pensou na conversa que tivera consigo mesma depois da última tentativa de
esquiar, sobre não se deixar abater pelo desânimo, e resolveu que deveria tentar mais uma
vez.
Depois de um giro perfeito no esqui, Katie soltou a corda e deixou-a cair. Parecia
- Acho que devo tentar mais uma vez antes de desistir totalmente.
Sua intenção era ter um tom confiante. Katie deu de ombros, voltou à lancha e jogou
- Não que esses esquis? perguntou, erguendo o par enquanto Cris lutava para colocar
- A maioria das pessoas aprende a esquiar em dois antes de tentar um só, argumentou
Katie.
- Bem, acho que não sou como a maioria das pessoas, respondeu Cris, sentindo-se
- Vá!
puxada, Cris inclinou-se para trás, deixando a lancha levá-la. O esqui parecia saltitar e
virar-se para um lado e outro, tornando difícil o equilíbrio. Mas aí, aconteceu! Milagre dos
milagres, ela conseguiu ficar de pé! Estava esquiando. E num esqui só!
A lancha virou devagar à direita. Foi o suficiente para ela perder o equilíbrio. Cris
Sabia que ficara em pé no esqui apenas uns quarenta segundos, mas ao ouvir o Ted
contar o fato para o Douglas, de volta ao barco, foi como se Cris tivesse marcado um
recorde mundial. E talvez, para ela, o fosse. Talvez, como dizia a Katie, ela fosse “sem
jeito para esporte”, mas pelo menos tentara. E nessa tentativa, tinha experimentado
sucesso suficiente para se sentir como se houvesse ganhado uma medalha olímpica.
Cris foi a primeira a entrar no banho enquanto os rapazes amarravam a lancha. Bob
decidiu que eles deveriam ficar mais próximos da marina, para que pudessem iniciar bem
- Ouvi dizer que hoje à tarde você se saiu muito bem, disse Marta a Cris, quando a
- Para mim foi superlegal, mas você precisava ver a Katie. Ela é incrível no esqui!
Cris sorriu para a amiga, que ajudava Marta a preparar o jantar. Esperava que isso
Katie aceitou o elogio e, olhando por cima do ombro, fitou a amiga. Era a primeira
- É. E você, Cris, me inspirou a continuar tentando as coisas que não são fáceis para
mim.
- Não consigo imaginar muita coisa que você não faça com facilidade, querida, disse
Marta.
- Para mim não é fácil relacionar com rapazes, explicou Katie. Principalmente, com
- Ah, por que você não falou antes? Que tolice a minha, não ter notado! Bem, se
você está falando sério que quer seguir o exemplo da Cris e continuar tentando, então eu
tenho um plano.
Marta fez sinal para as duas se aproximarem mais e expôs sua déia. Cochichou,
apontou para fora, olhou o relógio e aconselhou Katie a tomar banho e não aparecer,
enquanto não estivesse se sentindo linda como uma foto de modelo profissional.
A analogia pareceu a Katie um tanto irônica. Ela trabalhava para um fotografo e
muitas vezes contava a Cris sobre os retoques secretos a que eram submetidas no estúdio
as melhores fotografias. Cris achou que talvez Marta fosse essa artista ideal dos retoques,
capaz de fazer com que alguma coisa acontecesse entre Katie e Douglas.
experimentar. Cris sentiu que a amizade estava voltando a ser o que era antes, enquanto
Cris notou que a água que Katie colocara no fogo estava fervendo, e então colocou o
- O frango já está no forno. Parece que está na hora de prepararmos a salada. Vou
Douglas e Ted, que ela avistava da janela. Os dois estavam bem bronzeados, apos um
verão inteiro surfando sem parar, e pareciam dois marinheiros de camiseta e calção,
ajudando o Bob a amarrar o barco. Marta foi até lá e disse-lhes a que hora seria servido o
jantar, e os instruiu sobre como deveriam se apresentar à mesa, citando inclusive que
usassem perfume.
Cris tirou de armário a última cadeira de dobrar e levou-a junto à mesa. Não era uma
mesa de armar qualquer: Marta a transformara num elegante ponto de encontro, onde Ted,
Cris, Douglas e Katie jantariam juntos com toalha posta, à luz de velas e o nome de cada
um no lugar designado, escrito em cartões confeccionados por Marta. Esse jantar
romântico e flutuante, ao pôr-do-sol, era parte do plano de Marta (que ela supunha
- Pronto, disse ao colocar a última cadeira no lugar. Já, já, os rapazes estarão de
banho tomado. Onde está a Katie? Ó minhas lindas jovens, vocês devem ficar aqui perto
Cris fez que “sim” às instruções tipo “escola de elegância” da tia. Tinha de admitir
- Como estou? perguntou Katie, surgindo som uma camiseta branca, enorme, e short
jeans.
- Céus! exclamou Marta com expressão preocupada. É o melhor que você pode
fazer?
- Bem, o convite que recebi foi para acampar, e não para o baile de formatura, disse
e Katie com sarcasmo. Se tivessem me avisado eu teria trazido meu vestido preto de strass
Cris reparou em seu próprio short jeans e a camiseta de brim de manga arregaçada e
bolso rasgado. Por que será que tia Marta não criticou minha roupa? Será que ela acha
que uma pessoa só tem que estar elegante quando quer “fisgar” um namorado?
nó na barra, do lado direito. Muito mais bonito. Destaca sua barriga magra.
- Obrigada pela dica, mas não sou muito do tipo que dá nó na barra da camiseta.
para examinar a pintura. Era difícil notar, mas os olhos verdes de Katie pareciam
- Ainda resta a sua personalidade, disse Marta, afastando-se e novamente dando uma
olhada em Katie dos pés à cabeça. Você tem uma personalidade maravilhosa. Tire proveito
disso, querida.
Então, pedindo licença, foi à procura dos rapazes, passando por Cris e Katie, rumo à
falar. Acho que acabei de ser diminuída à beça. Que é que você acha, Cris?
- Acho que eu e você precisamos relaxar e nos divertir, entrando no jogo da “noite
- Eu acho... principiou Katie e fez uma pausa. Não importa o que eu acho. Você tem
razão. Podemos nos divertir bastante com isso. Só os quatro. Nenhum “anjo” inesperado
- Acho que não. O barco da Natalie partiu quando você estava no banho.
concluiu Katie.
- Meu tio quer ficar mais perto da marina pra gente sair bem cedo. Tia Marta vai
servir o jantar e, enquanto isso, o Bob conduz nosso restaurante sob as estrelas. Divertido,
não acha?
- Você está ótima. Olhe só para mim: ganho o premio de relaxamento do ano!
brincou Cris.
- Nada disso. Você sempre está bonita. Até numa roupa velha e horrorosa você é
- É o que eu estou dizendo. Você é uma dessas pessoas que fica linda de qualquer
jeito.
Antes que Cris pudesse retribuir o elogio de sua amiga insegura, os rapazes
entraram, enchendo a pequena cozinha com sua presença. Imediatamente, fizeram Marta
rir.
- O que há de tão engraçado aí? perguntou Katie, tentando olhar pela tela da porta.
- Venham conhecer as garotas com quem farão par, disse Marta ainda rindo. Por
aqui!
Marta os conduziu até onde Katie e Cris estavam. Os rapazes sorriram e Cris notou
Boa noite, gentis senhoritas. Quero agradecer a quem deixou o rímel na pia do
banheiro, disse Douglas, retorcendo um pouco a boca onde havia um bigode pintado. Foi
muito útil.
Todos riram. Ted puxou a cadeira e sentou-se. Douglas fez o mesmo. Sob o olhar
firme de Marta, Katie e Cris permaneceram de pé, esperando que eles puxassem a cadeira
para elas.
- Permita-me?
- Sou eu, disse Douglas, fazendo de conta que alisava as pontas do bigode. O
- Por favor, sintam-se à vontade. Eis aí a salada que preparamos para vocês. Dentro
O barco deslizava devagar sobre a lagoa enquanto o sol se punha nas montanhas.
- Olhem para aquele lado! falou Ted apontando para as montanhas à esquerda.
Naquele instante, a lua cheia surgiu no horizonte, com sua imensa face, iluminando
- Não é linda? Que noite perfeita! Uma bella nocha, como dizem, comentou Katie.
Só falta uma macarronada à bolonhesa e uns dois garçons italianos cantando para nós.
- Porque parece a noite daquele filme em que o casal de cachorrinhos está comendo
cachorrinha.
- Por que você não falou isso antes? disse Douglas.
Katie. O tomate chegou na metade do caminho, rolou pela mesa e espatifou-se no chão.
Todos riram. Cris sentia-se feliz. Muito feliz. Será que Ted estava gostando tanto
desse jantar quanto ela? Ele estava engraçadíssimo com o cabelo repartido ao meio e
Douglas, mas não dele. Era uma agradável surpresa ver o Ted agindo assim, meio
bagunceiro.
Mais uma razão para eu gostar tanto dele, pensou Cris. Será que o Ted gosta tanto
da minha companhia quanto eu gosto da dele? Do jeito como o Douglas está mexendo
com a Katie, será que ele vai se interessar mais por ela?
Marta apareceu na hora certa com pratos fumegantes de arroz, brócolis e frango assado
num molho de limão e manteiga, salpicado de amêndoas. Serviu primeiro às duas garotas,
Cris achou tudo ótimo, exceto as amêndoas. Não gostava de nenhum tipo de
do prato.
Cris notou que Marta estava um pouco irritada, por brincarem tanto e não agirem
- Pois eu gosto, disse Ted, estendendo a mão para dar um aperto carinhoso no braço
de Cris. É uma música que toca o coração, concluiu e sorriu para Cris que lhe retribuiu o
sorriso.
- Já lhe ocorreu que esses dois talvez queiram ficar a sós? perguntou Katie ao
Parecia que agora, depois de haverem rido tanto, o Douglas queria ficar sério. Em
- Excelente jantar.
- Eu fiz o arroz, disse Katie. Bem, na verdade, eu só pus a água pra ferver.
olhar vigilante de Marta, que parecia contente por ver que a musica os acalmara. Veio pé
Aquela serenidade certamente estava sendo demais para Katie, porque, quando foi
servido o brownie, com uma generosa camada de creme chantilly para o Douglas, Cris
- Opa! exclamou Katie, olhando a sobremesa do Douglas e depois a dela. Você está
sentindo o cheiro?
- Acho que não devemos comer isso. Não está sentindo o cheiro?
- Cheiro de quê? perguntou Douglas, cheirando sua sobremesa. Não sinto cheiro de
nada.
Ela ergueu o prato de sobremesa com uma das mãos por baixo e o colocou perto de
Douglas para que ele o cheirasse. Ele chegou mais perto. Então Katie vingou-se
- Te peguei! gritava Katie, satisfeita, enquanto Douglas limpava o rosto. Isso é por
você ter derrubado a mim e a Cris do bote no primeiro dia. Agora estamos quites!
Metade do seu bigode pintado saiu quando o limpou com a “gravata” do Ted. Num
indagou ele.
Durante o ataque a Douglas, Katie deixara cair o garfo. Quando se inclinou para
pegá-lo no chão, Douglas entregou seu prato vazio a Marta. Assim que Katie levantou de
novo a cabeça, o comprido braço de Douglas acertou-lhe o roto. A mão e o prato bateram
em cheio no nariz dela, caindo depois no chão. Katie deu um grito e levou a mão ao nariz.
- Foi sem querer, Katie. Eu não queria fazer isso, foi um acidente. Verdade. Você se
Katie parecia esforçar-se para não chorar, mas as lágrimas rolaram e seu nariz
começou a sangrar.
- Não ponha a cabeça para trás, disse Ted, saltando e pegando um canto da toalha de
mesa para colocar sobre o nariz de Katie. Aqui, pegue isso e pressione bem. Assim.
camiseta branca de Katie fez com que Cris sentisse tonteira. Tudo acontecera tão
depressa! A musica clássica de fundo ainda tocava, num cruel contraste com a atividade
- Não prenda a respiração, disse Ted com voz calma e firme. Tente respirar
normalmente pela boca. Cris, quer pegar gelo e pôr num saquinho plástico?
- Claro.
Cris entrou em ação, passando pela tia, que estava parada no lugar ao lado da porta
de tela. Pegou um saco plástico e encheu de cubos de gelo. Ainda bm que Ted sabia o que
- Todo mundo bem aí atrás? perguntou Bob, do seu posto de capitão à frente do
barco.
- Nada sério, gritou Cris do corredor. Katie está com o nariz sangrando, mas acho
- Não, obrigado. Isso deve resolver. Segure o gelo bem aqui, Katie. Muito bem.
Ele acertou. Dentro de poucos minutos a crise passara. Douglas limpou a cara,
- Olha, foi tudo um acidente. Sem querer, juro. Não vi que você estava ali.
Todos riram, exceto Marta. Ela parecia totalmente descontrolada. Haviam estragado
- Quer um pouco da minha sobremesa? perguntou Cris, sem saber bem o que dizer.
- Não estou mais com fome, disse Katie, limpando a bochecha. Acho que vou me
trocar.
Embora ninguém lhes tivesse pedido que retirassem a mesa, os três começaram a
juntar a louça e a desfazer o jantar romântico para quatro. À luz do luar que se derramava
- Não. O problema está em mim, sussurrou Katie para Cris no escuro. Sei que sou eu
o problema.
noite no barco nos sacos de dormir, em cima do teto. Nada havia acima delas, a não ser o
céu escuro, borrifado de milhares de diamantes. A lua sumira de vista, escondida atrás do
monte Shasta.
- Sei que você diz isso para ser boazinha comigo, Cris, mas não quero que em nossa
- Não estou mentindo. Você não tem namorado, mas não é por algum defeito seu,
algo que você esteja fazendo ou deixando de fazer. Simplesmente o cara certo ainda não
apareceu.
- Tenho quase dezoito anos e nem um “cara certo” sequer apareceu, e você diz que
O silêncio reinou alguns minutos, exceto pelo ruído da água batendo nas laterais do
barco e alguns grilos e sapos dizendo “boa noite” uns aos outros.
debaixo da sua cama, cheia de cartas para ele? Acho que não, Cris. O que eu deveria
pedir? “Deus, dá-me um namorado – agora!”? Sempre pensei que os crentes de verdade
- Mas Katie, se Deus sabe tudo sobre a gente e se interessa por tudo que nos
acontece, é claro que não é errado pedir um namorado. Ela já sabe o que você quer antes
- É fácil pra você dizer isso, replicou Katie depressa. Tem um namorado
maravilhoso, o melhor do universo. É claro que acredita que Deus está lhe dando o
melhor. Mas, quando se é como eu, e não tem nenhuma resposta de oração sentada do
- Como você sabe? Quero dizer, você nunca ficou se perguntando quanto daquilo
que cremos acerca de Deus é verdade, e quanto dessas coisas a gente diz que crê só
- O que você está querendo dizer? Está parecendo que não confia em Deus.
- Claro que confio em Deus! Mas tenho a impressão de que quando o assunto é
namorado, ele se esquece de mim. Só isso. Não estou com raiva dele por isso, nem nada.
Afinal de contas, Deus deve estar bastante ocupado hoje em dia, com terremotos, pestes,
fome, guerras. Que importância tem eu pedir um namorado, quando ele tem tantas coisas
os seus sentimentos. Por favor, não pense que ele se esqueceu de você.
- Não sei. Acho que bem cedo. Tenho certeza de que os outros nos acordarão quando
se levantarem.
Katie rolou para o lado, dando as costas para Cris. Logo depois, o único som que se
ouvia era o da respiração profunda, rítmica, de uma jovem imersa no mundo dos sonhos.
Mas Cris não conseguia entrar no mundo dos sonhos. Ficou deitada, em silêncio,
procurando estrelas cadentes e pensando em Katie. Era inquietante o fato de que a amiga
tinha dúvidas quanto à fé em Deus. O que mais perturbava Cris era saber que não
Não é que eu precise defendê-lo, Senhor. O Senhor é Deus e pode fazer o que quiser.
Mas às vezes eu queria que a gente pudesse entender melhor o Senhor e seus caminhos.
Às vezes só sei que o Senhor está aí, maia nada. Mas talvez eu só precise saber disso
mesmo.
Cris notou uma fileira de nuvens finas, iridescentes, caminhando devagarinho, pelo
noturno. O pó dos pés de Deus, pensou. O Senhor está aqui, e realmente se interessa, não
é mesmo, Deus? Por favor, ajude a Katie a enxergar isso e a entender o Senhor.
Quando acordou, a primeira coisa que viu foi o rosto de Katie, e levou um tremendo
susto. Ela estava com olheiras bem escuras em volta dos lhos, resultado do nariz
- Está na hora de acordar, Katie. Estamos no barco. Temos de aprontar. E você tem
de se olhar no espelho.
Essa última frase, Cris disse-a bem baixinho, mordendo o lábio, temerosa da reação
Cris sabia que, se isso tivesse acontecido com ela, ficaria arrasada e tentaria arranjar
um jeito de não ir à escola no dia seguinte. Como alguém poderia iniciar o último ano
alguns segundos. Ela se olhou no espelho, soltou uma exclamação e depois caiu na
E ela ainda respirava ameaças quando chegaram de volta em casa tarde da noite.
Cris achava que até a manhã seguinte a atitude brincalhona dela já teria
desaparecido. Mas quando passou em sua casa para dar-lhe carona, a caminho da escola, a
Cris olhou-a sem entender. Katie nem tentara disfarçar o arroxeado dos olhos com
- Você sabe que o Douglas come de tudo, não é? Por que não lhe fazemos uns
biscoitos e enchemos a massa de laxante? Ele jamais saberá o que lhe fez mal!
- Nem acredito que você esteja sugerindo uma coisa dessas! Que maldade! Você não
teria coragem de fazer isso, teria? Sabe muito bem que ele lhe bateu no rosto por acidente.
Ele ficou muito chateado com isso. Na viagem de volta, acho que ele ficou pedindo
desculpas de cinco em cinco minutos.
- Muito bem. Acho que um pouco de sentimento de culpa não faz mal a ninguém.
- Será que todo mundo resolveu chegar cedo hoje? Parece que tem muito mais carro
- Sabe como é no primeiro dia. Todo mundo quer causar boa impressão. Além do
mais, tem muito mais terceiranista este ano do que tinha ano passado. Sabe o que eu acho?
Cris encontrou uma vaga num canto distante e estacionou com cuidado dentro das
- Eu acho, continuou Katie, que já que você faz parte da equipe do anuário, deveria
colocar uma foto do estacionamento no álbum. Ninguém nunca fez isso. Acho que o
Cris trancou o carro e juntou seus objetos. Apesar de já estar estudando nesse
colégio havia três anos e de gostar muito da escola, Cris sentia um aperto no estômago.
Embora fosse seu último ano, ainda sentia o mesmo que sentira no primeiro dia de aula de
corrente de pessoas que iam e vinham, conversando, rindo e se esbarrando umas nas
- Olá, Danny, como vão as coisas? falou Katie, cumprimentando um rapaz que
- Você viu só com quem ele estava? perguntou Katie, puxando o braço de Cris.
As duas olharam para trás, reparando no Danny e na garota alta e magra que ele
abraçava.
que formam um casal legal. Conheço o Danny desde o segundo primário. Entrávamos em
cada enrascada quando estávamos no primeiro grau na Escola Myers! Não dá pra
Cris conhecia esses jovens só de vista. Sentia-se aliviada por ter a Katie do seu lado,
ousada. Aparentemente, o fato de esse ser o primeiro dia não deixava Katie perturbada –
Naquele momento, queria ter palavras para dizer a Katie o quanto sua amizade lhe
era valiosa. Como era bom ter ao seu lado alguém que lhe aliviava o aperto no estômago!
- É aqui que eu entro, disse Katie, parando em frente duma sala de aula, e dando um
- Tudo bem, replicou Cris, retribuindo o sorriso, como que tentando “absorver” um
pouco mais de autoconfiança da antiga, antes de descer o corredor para sua primeira aula.
Às 11:42 tocou o sinal para o almoço e Cris foi para o lugar combinado, embaixo de
uma árvore. No ano passado, elas haviam combinado não merendar nas mesas de
piquenique, nem sair de carro à procura de alguma lanchonete como muitos outros alunos
faziam. Em vez disso, Cris e Katie sentavam num canto mais remoto. Mas hoje a rotina
teria de ser modificada. Sentado embaixo de “sua” árvore, estava um rapaz que Cris não
conhecia. Usava sandálias e esticara as pernas à frente. Parecia bem à vontade, com jeito
de quem estava ali para ficar. Cris parou e ficou a observá-lo. O cara tirou uma maçã da
- Olá! disse Katie, pondo-se ao lado de Cris e encarando o intruso. Quem é esse aí?
- Não sei, cochichou a amiga, franzindo o nariz para Katie. Vamos procurar outro
lugar?
- Pra quê? Podemos nos sentar aí. Tem espaço debaixo da árvore, não sabe? Além
disso, assim que ouvir nosso tipo de conversa, provavelmente ele vai sair depressinha.
Com seu jeito naturalmente ousado, Katie caminhou até a árvore, sob a vista do
rapaz e se “plantou” ali como uma bandeira de vitória. Cris seguiu seu exemplo, cônscia
Era mais difícil para Cris entrar direto na rotina do almoço e agir como se o estranho
- Já experimentou vitamina C?
- Para os olhos, disse ele, apontando para os olhos roxos de Katie. Vitamina C com
Katie fitou-o um instante e depois olhou para Cris, e parecia prestes a romper numa
gargalhada.
- O repolho é uma boa fonte. A batata e o tomate também são. Ele dizia “batata” e
- De onde você é?
- Belfast.
- Do Norte, emendou o rapaz com presteza. Irlanda do Norte. Existe uma grande
diferença, sabia?
atraídas por esse estranho de pele clara, cabelo escuro e olhos verdes.
quem são?
- Sou Cris.
- E eu sou Katie.
- Ah, nada! Só que parece coisa de maluco eu ter saído de uma escola lotada de
“Katies” em Belfast e a primeira pessoa que fico conhecendo nesta aqui dos Estados
No ano passado, ela pegara a mania de dizer “coisa de Deus” – era coisa de Deus
daqui, coisa de Deus dali. Aí via alguma coisa que levava o jeito do Ted e dizia. “isso ta
parecendo ‘coisa do Ted’”, e atrás de uma vinha outra. Mas “coisa de maluco” nunca
ouvira.
E então, Mike...
desconhecidas e ainda nos acha malucas? Talvez eu devesse lhe dizer que você está
vier de uma fonte natural de bolinhos açucarados, é pouco provável que ela caia na minha
corrente sanguínea.
Michael sorriu. Cris notou que todo o seu rosto pareceu iluminar-se de repente.
Afável, inofensivo. Gente nova no pedaço, desejosa de conhecer outras caras. Talvez fosse
do intercâmbio estudantil. Ainda assim, Cris não tinha facilidade para esse flerte amigável
Pelo resto do período de almoço Cris ficou sentada, comendo seu sanduíche,
baixo ou nenhum valor nutritivo encontrado no mercado, por oposição aos alimentos
saudáveis. Parecia que Katie, pela primeira vez, ia perdendo uma discussão. Raramente
Cris via algum rapaz vencer um debate com sua amiga, qualquer que fosse o nível da
discussão.
- Salvo pelo gongo, disse Katie quando a campainha ecoou pelo imenso pátio da
escola. Mas eu não desisti. Ainda vou lhe provar que meu jeito de comer é tão bom quanto
o seu.
- Veremos, disse Michael, com uma expressão divertida. Tirando uma folha de papel
Está brincando! disse Katie. É minha próxima aula. Organização Política com o
Suponho que devo agradecer a minha "boa estrela". Precisarei de um pouco da sua
Michael jogou a mochila no braço e ofereceu a mão a Katie para que ela se pusesse
de pé.
- Não seria o seu "talismã da sorte"? Sabe? Aquele cereal de leprechaun* com
marshmallows coloridos?
___________________
* Leprechaun: um duende lendário, da Irlanda, e existe um cereal matutino vendido nos Estados Unidos,
com bonecos de aparência e sotaque irlandês, que dizem "graças aos meus encantos da sorte". (N. da T.)
- Deixa pra lá, continuou ela. Acho que não é só em Política Norte-Americana que
você precisará de ajuda. Espero que saiba que os cereais americanos usados no café da
- É mesmo?
- Vejo você mais tarde, Cris, gritou Katie sobre o ombro ao encaminhar-se, ao lado
de Michael, para a sala de aula, andando bem juntinho dele e conversando sem parar.
Cris ficou uns instantes olhando para eles e depois seguiu para a sala onde se reunia
a equipe do anuário.** Michael era mais ou menos da mesma altura que Katie e, visto de
trás, Cris notava que seu cabelo escuro tinha reflexos avermelhados ao sol. Sua camiseta
exibia a estampa de uma baleia com legenda apregoando a necessidade de salvá-la. Ele
____________________
** Nos Estados Unidos, os poucos alunos selecionados para redigir e produzir o anuário do colégio têm
aulas especiais de redação, editoração, fotografia e layout (como matéria para crédito de currículo). (N. da T.)
O que será que estou pensando? Ele é uma pessoa totalmente estranha, que está
sendo cativada pela Katie. Tudo aconteceu depressa demais. Ela está ansiosa para
Entrou na sala do anuário e sentiu-se ainda mais inquieta. Agora não só por causa da
Katie, mas por causa desse grupo de alunos, onde não estava enturmada. Ela não havia
trabalhado tanto quanto eles no anuário no ano anterior. Sentou-se numa carteira, ao fundo
- Olá, Cris! disse um rapaz que entrava no instante em que tocava o sinal.
Era Fred, o fotógrafo da escola, que no ano passado fizera várias poses indiscretas
dela, e as colocara no anuário. Uma das razões por que se inscrevera nesse curso era o
desejo de evitar que outras fotos embaraçosas saíssem este ano, embora jamais houvesse
confessado isso.
- Dê um lindo sorriso para seu amigão Fred! Cris não sorriu, mas replicou
calmamente:
- Não quero que tire minha fotografia, Fred. Nem agora nem amanhã, nem nunca.
Está certo?
- Acho que não me escutou, Fred. Eu disse, não quero fotos. O rapaz baixou a
máquina e fitou-a. Dois dos seus incisivos eram desalinhados, e sua pele não era das
tirando fotografias numa ilha grega e eu era o fotógrafo. Você acredita que os sonhos se
- Já pedi ao Prof. Wallace que este ano ele escolhesse você como minha assistente,
para que a gente possa passar bastante tempo juntos. Teremos um punhado de coisas pra
Cris jamais imaginara como se sentiria aliviada por dizer essas palavras em voz
audível.
- Não. O nome dele é Ted. Ted Spencer. Ele está na faculdade e tenho certeza de que
vou passar todos os finais de semana com ele. Portanto não poderei sair com você para
fazer fotos.
- Não tem problema. Eu estarei com você todos os dias da semana, e esse tal de Ted
só terá sua companhia nos finais de semana. Vamos ver o que acontece até o final do ano.
- E isso não foi o pior! exclamou Cris, encostada no balcão da cozinha, aquela noite,
vendo sua mãe lavar um pé de alface. Ele tirou pelo menos umas cinco fotos minhas
Wallace disse que eu havia sido escolhida para fotografar com ele o jogo de futebol na
sexta-feira à noite.
- E então, o que você disse ao Fred? perguntou a mãe, o rosto redondo transmitindo
ternura e interesse.
- Disse que tinha namorado e que, se ele não largasse meu pé o Ted iria lhe dar uma
surra.
- Verdade?!
- Não, é claro que eu não diria isso, mas falei que tinha namorado e que trabalhava
às sextas à noite, e que o Ted e eu tínhamos planos de nos encontrar aos sábados.
- E têm mesmo?
- Bem, ainda não, mas tenho certeza que faremos alguma coisa. O Ted é um cara
A mãe picou um pepino e acrescentou à salada numa grande tigela de madeira. Cris
- Sabia que tomate tem muita vitamina C e alguma coisa terminada em "-nóides"?
- E depois da aula, continuou ela, esperei a Katie no carro no mínimo uns dez
minutos. Por fim, ela apareceu com o Michael num carrinho esporte caindo aos pedaços
que ele tem, e disse que ia levá-lo à sorveteria "31 Sabores", pra que ele conhecesse todas
- Essa poderá vir a ser uma situação muito interessante para a Katie. Será que ela
está tão interessada nesse Michael quanto ele parece estar por ela?
- Acho que o resto do mundo deixa de existir quando ele está perto dela. Mas eu
estou um pouco temerosa, mãe. Ela não sabe nada sobre esse cara. Ele é diferente. Não no
mau sentido, mas meio incomum. E parece muito interessado nela - olho roxo e tudo o
- Bem, agora não é hora de abandoná-la. Mantenha a amizade com ela apesar desse
- Seu pai estava na garagem, e seu irmão deve estar andando de bicicleta na frente.
Cris foi até a varanda da frente da pequena casa em que moravam e chamou David.
Um minuto depois, o ruivo de onze anos surgiu pedalando sua bicicleta pela rua ladeada
de árvores, e foi em direção à rampa de saltos que o pai fizera para ele. A roda dianteira
gramado.
- Está bem, depois de mais um salto mortal, respondeu o garoto, ajustando os óculos.
- Não sou mandona. É que você nunca vem jantar na hora. E não se esqueça de lavar
- David! falou a voz grave do pai. Era só o que o pai precisava dizer para endireitar
qualquer dos dois. Com sua voz firme, severa, e que mais parecia um grunhido, bastava
chamá-los pelo nome. E tanto Cris quanto David sabiam perfeitamente o que tinham de
fazer.
Era um homem grande, que trabalhara a vida toda numa fazenda de gado leiteiro. A
transferência para o sul da Califórnia não tinha sido uma mudança simples, e Cris sabia
que ele levara algum tempo para se adaptar. Agora que já residiam em Escondido havia
alguns anos, e ele estava se dando bem na firma onde trabalhava - "Laticínios Hollandale"
- Cris tinha a impressão de que ele ficara mais acomodado. Ainda não tinham muito
dinheiro, e o pai ainda usava as roupas da roça, deixando-a meio constrangida. Mas Cris
Fariam uma redação descrevendo alguém que conhecessem bem, usando os cinco sentidos
na descrição. A primeira pessoa em que pensou foi seu pai. Cris anotou algumas palavras
de cunho descritivo, conforme o professor havia instruído. Escreveu que as mãos do pai
eram grossas e grandes, e que muitas vezes ele cheirava a curral. Mas aos domingos de
manhã, quando iam para a igreja, ele tinha cheiro de um bosque verde e cheio de musgo.
Às vezes, na segunda-feira de manhã, quando Cris se dirigia à escola, o carro ainda tinha
esse cheiro.
O pai mascava chiclete Dentyne, que ela colocou na lista de sabores, já que ao longo
dos anos sempre preferira o mesmo tipo de goma, e o forte sabor de canela sempre
lembrava seu pai. Suas sobrancelhas e seu cabelo castanho avermelhado davam-lhe o
parecia sair do peito dele como que em “cascatas", e explicou que sua gargalhada fazia
A linha final da redação dizia: "Mesmo parecendo um pouco rude, meu pai tem o
coração de um ursinho de pelúcia. Nunca duvidei do amor dele, embora creia que jamais
Contente com sua conclusão e aliviada por ter terminado antes do fim da aula, Cris
entregou a folha ao professor e usou o resto do tempo para fazer um pouco do dever de
Espanhol. Era sexta-feira, e ela queria levar o mínimo possível de tarefa para casa.
No momento que a aula terminasse ela teria de ir para o trabalho, na loja de animais.
Aos sábados trabalhava o dia inteiro e aos domingos ia à igreja. Não lhe sobrava muito
tempo para passar com o Ted, e menos ainda para fazer os trabalhos de casa.
Ao tocar o último sinal, Cris correu para seu armário e deu de cara com o Fred ali,
esperando-a.
- Fred, eu já lhe disse que trabalho à noite, falou enquanto remexia a combinação do
cadeado de seu armário. Não posso ir ao jogo com você e não posso ajudá-lo a tirar fotos
para o anuário.
- Claro que pode, depois do jogo. Podemos nos encontrar nalguma pizzaria aonde
- Vamos lá, Srta. Cris, estamos juntos nessa. Além do mais, a sua câmara é melhor
que a minha.
Cris tirou do fundo do armário e ofereceu-a ao Fred. Tinha sido presente de Natal do
seu tio Bob. Sabia que a marca tinha prestígio, mas só ficou sabendo que a câmara era boa
- Tem certeza?
Cris hesitou. Talvez não fosse acertado deixar um presente tão caro nas mãos desse
rapaz. Mas assim era provável que ficasse livre dele por algum tempo.
- Que você prometa parar de me fotografar, e que não tire mais nenhuma foto minha
- Não posso prometer, disse Fred, devolvendo a máquina com a cara triste.
Parecia arrasado.
- Ah! está bem, falou Cris mudando de idéia. Você pode levá-la emprestada, e não
- Sem problema. Juro cuidar bem dela, Cris, disse ele dando um enorme sorriso.
Ao dirigir-se para o trabalho, Cris ficou pensando se não iria se arrepender de ter
emprestado a câmara para o Fred. Resolveu perguntar ao Jon, seu patrão, o que ele
Era estranho ir para o trabalho sem a Katie. No Natal passado, Katie arrumara
revezavam dando carona para a outra na ida para o trabalho. Após o Natal, continuara a
trabalhar com o fotógrafo do shopping. Seu horário de trabalho coincidia mais ou menos
com o de Cris. Mas agora havia o Michael para levá-la a toda parte, e não parecia mais
Cris se sentia muito chateada com isso, mais do que desejava admitir.
Principalmente porque a Katie estava mudando. Não de maneira drástica, é claro. Mas
Cris notara nela pequenas mudanças. Ela passara, por exemplo, a usar sandálias esquisitas,
mineral.
Jon estava no telefone quando Cris chegou, e então ela foi direto para o trabalho. Foi
dar uma olhada nos peixes do aquário grande, ao fundo da loja. O som calmante do
borbulhar dos tanques e o movimento lento dos peixes faziam desse cantinho o lugar
predileto de Cris quando ela chegava ao trabalho e fazia a transição entre escola e loja de
animais.
- Cris, a voz de Jon veio da frente. Você poderia vir até a caixa registradora, por
favor?
Cris colocou a tampa sobre o tanque de peixes onde estava colocando alimento e
correu para a frente. Tinha o pressentimento de que nessa noite o trabalho seria incessante.
O que não esperava era tornar-se freguesa. No final, ganhara um bicho de estimação
Tentou abrir a porta em silêncio, às 21:15, quando chegou em casa. A porta de tela
não cooperava, e rangeu alto anunciando sua chegada. Os olhos de seus pais caíram
- Adivinhem o que aconteceu? Ganhei um prêmio. Do Jon. Ele achou que eu deveria
ter um bicho de estimação, já que trabalho numa loja de animais e não tinha nenhum. Ele
me deu tudo de graça. Até um saco grande de ração que está no carro.
animalzinho.
disse que queria comprar o bichinho que eu tivesse. Como eu não tinha nenhum, Jon
mandou que eu escolhesse qualquer um, que ele me daria. Então, eu e a menina – o nome
- E que nome vai dar para ele? perguntou a mãe, com voz calma.
- Chocolate", porque ele é escurinho que nem chocolate. Posso ficar com ele?
Os pais se entreolharam. Ao ver o leve aceno do pai, Cris percebeu que Chocolate
fora aceito.
- Mas não no seu quarto. Guarde-o na garagem até que a gente faça uma casinha no
quintal.
- Olá, Chocolate! disse a mãe, olhando dentro da gaiola. Que gracinha! Boa escolha,
Cris!
- Ainda bem que você concorda, disse Cris, deixando transparecer um sentimento de
alívio. Minha sensação era que tinha de escolher entre mil bichos. Foi difícil decidir.
- Eu sei. Espero poder convencê-lo a me ajudar a dar comida pra ele quando eu
estiver fora.
Cris notou a risada do pai ante a idéia pouco realista. Sabia que havia pouca chance,
- Mas eu tenho de trabalhar, disse Cris, com um gemido de desânimo. A que horas
ele chega?
- Sim. Gostaria de poder sair mais cedo. Diga a ele que vá se encontrar comigo no
trabalho.
No fundo, sabia que não devia ter ciúme do David por ficar tantas horas com o Ted.
Parecia bom para ambos, porque o Ted era filho único e David o considerava como o
irmão mais velho que não tinha. Qualquer garota teria prazer de ter um namorado que se
desse tão bem com a família dela. E Cris estava contente. Só que queria poder passar mais
Ted e David só apareceram na loja de animais quando já passava das cinco. David
deu um sorriso largo quando contou sobre o parque de esqueitismo e como o Ted lhe havia
- Esperem um segundo, pediu Cris, deixando Ted e David na seção de ração para
- Mais alguma coisa? perguntou à mulher que lhe entregou uma coleira de cachorro.
- Sim, a não ser que você não tenha a revista Cão de Caça.
exemplares de setembro, mas os de outubro só chegarão lá pelo meio da semana que vem.
- Então é só isso.
Cris pegou a correia para olhar o preço. Notou que a mulher prestava bastante
- Que linda jóia, disse a mulher, olhando a pulseira de chapinha com a inscrição
Cris estava prestes a dizer não, que o namorado lhe tinha dado. Mas lembrou que
sim, que tivera de comprá-la, numa das joalherias, para recuperá-la. Pois o Rick a roubara
dela, trocando-a por uma de prata com o seu nome gravado. Mas não era isso que a
- Na verdade, disse ela, baixando a voz, foi um presente muito especial do meu
namorado.
Com os olhos mostrou o Ted, que estava longe demais para ouvir a conversa. A
passado, quando fazia pagamentos semanais na joalheria para pegar a pulseira de volta, o
Ted ainda estava no Havaí. No entanto, alguém fora à loja e liquidara o débito para ela.
Ainda não sabia quem havia feito esse pagamento. Era um mistério.
Durante algum tempo, pensou que fosse seu patrão, Jon, mas ele o negara mais de
uma vez. Chegou a pensar também que fosse o Rick, porque teve a impressão de tê-lo
visto no shopping no dia em que pegou a pulseira. Podia ser, mas o Rick não se encaixava
Instantes depois, quando registrava outra venda, ocorreu-lhe que nunca contara nada
disso ao Ted. Será que ele sabia que a pulseira estivera fora do braço dela durante algumas
Depois do jantar, quando ela e Ted foram ao cinema na velha kombi, a "Kombi
Nada", pensou de novo no mistério da pulseira. Não sabia o que dizer, como levantar o
assunto. Ted ainda falava sobre o passeio com o David naquela tarde. Uma conversa mais
séria sobre a pulseira de chapinha, símbolo do seu relacionamento, não parecia própria
Resolveu esperar até depois do filme. Quem sabe, se o filme fosse bem romântico,
na entrada. É legal quando não são todos "proibidos". Você acha que esse pessoal lá de
Hollywood está começando a perceber que as pessoas querem algo mais, e não apenas
sangue e violência?
Entraram numa longa fila, mesmo sem ter decidido ainda a que filme assistir.
- Aquele segundo da lista começa dentro de cinco minutos. Não sei muito sobre o
Ted e Cris viraram para trás e viram Katie e Michael correndo na direção deles, de
mãos dadas.
Estão de mãos dadas! Por que estão de mãos dadas? Katie e Michael estão
namorando. Katie, será que você sabe o que está fazendo? Conheceu esse rapaz há cinco
Seu rosto estava vermelho, mas feliz. Ela trajava jeans e uma camiseta com a
inscrição "Salve as baleias." Cris notou que o arroxeado dos olhos de sua amiga tinha
- Na escola, disse Katie, olhando assustada para Cris. Ela não lhe falou? Foi um
encontro do destino.
Encontro do destino? Katie, uma semana atrás, você teria dito que era uma “coisa
de Deus". O que lhe aconteceu? O que significa esse negocio de “ encontro do destino"?
Ted, a essa altura, já havia alcançado o guichê, e Michael tirou depressa um dinheiro
do bolso, dizendo-lhe:
procuravam quatro lugares juntos, próximo à fileira da frente, exatamente na hora que
começavam os trailers.
- Ousada e chocante?
- Ah! O Michael diz isso toda hora, explicou Katie rindo. Ele não é um cara
fabuloso? Você não adora isso? Percebeu que eu e você finalmente estamos fazendo o que
- É, legal.
Michael colocou o braço nas costas de Katie e ela se aproximou mais dele quando o
filme começou. Cris colocou a mão direita no braço do Ted e ele segurou os seus dedos,
acomodou no lugar. Era o que ela sempre sonhara, ir ao cinema de mãos dadas com o Ted,
saindo em dupla com a Katie e... era ali que os sonhos não combinavam. Cris jamais
Agora que ele se fazia presente, ela estava inquieta. Por que não podia ser o Douglas
ou aquele filho de missionários, o Glen? Ou qualquer outro cara normal da igreja? Por que
a Kaite tinha de se envolver logo com esse estranho que, provavelmente, nem crente era?
Vamos lá, Cris, relaxe! "Curta" este momento com seus amigos. Acomode-se bem na
poltrona. Coma o chocolate e tente agir como se fosse tudo do jeito que deveria ser.
- Claro. O que foi que vocês trouxeram? Chocolate? Menta? Balas de jujuba?
Cris procurou pensar em mais algum lanche gostoso que a Katie pudesse ter trazido.
- Passas, disse Katie, oferecendo uma caixinha a Cris. Trouxemos passas e sementes
- Não, simplesmente passas comuns, saudáveis. Michael disse que elas têm muito
Ela trouxe passas! Katie está comendo passas "saudáveis". Ó Katie, está pior do
Callender, algumas horas mais tarde,quando os quatro saíram para lanchar após o cinema
- E você?
Cris ficou um pouco sem jeito de pedir torta depois que o Michael só pedira água.
A torta acompanhada de sorvete lhe parecia excelente, mas Cris resolveu recusar.
- Não, obrigada.
- Nem esquentada?
- Não, obrigada.
Não deve ser bom para o ser humano, certamente. Melhor evitar sempre que possível.
- Tudo bem, disse Cris, com um sorriso que não convencia ninguém.
Depois das passas no cinema, nada mais deveria surpreender Cris, mas Katie pedir
salada era chocante.
- Sem a alface repolhuda, disse Michael, completando o pedido de Katie. Ela retém
"naturalista".
- Claro, disse Katie. Virando-se para Cris, cochichou: Não faz mal experimentar
espinafre cru pela primeira vez na vida, não é mesmo? O que acha?
Cris sabia que não era hora nem local para dizer a que achava. Apenas deu um
A garçonete virou-se depressa, e Cris achou que ela se irritara com eles. Cris não
gostava de que se irritassem com ela. Gostava de saber que estava de bem com todo
mundo.
política de sua cidade amada. Contou que, quando menino, fora com a mãe a um armazém
e minutos depois que saíram uma bomba explodiu nele. A bomba arrasou a frente da loja,
Cris estava gostando de ouvir o Michael falar tão apaixonadamente de sua terra
natal. Tinha de admitir que seu sotaque que era encantador e ele falava animado. Katie
parecia toda orgulhosa de estar com ele. Ele era atraente, mas de um encanto simples,
natural. Seu espesso cabelo escuro combinava bem com a pele clara e os olhos verdes.
Cris tinha de admiti que a personalidade e aparência dele eram realmente encantadoras. Se
ao menos dissesse que era cristão, tudo ficaria perfeito.
próprio bolso é que pagará por ela. O que Deus fez para lhe dar um pedaço de torta de
abóbora?
- Obrigado Pai, por teres feito a abóbora. Obrigado também por teres criado o
- Acho que nunca ouvi uma oração dessas antes. Tem certeza de que Deus ouviu?
Ted fez que sim e sorriu confiante. Antes de levar aos lábios a primeira garfada de
- Seus amigos são um pouco malucos, Katie. Alguém já lhe disse isso?
- São os melhores amigos que a gente poderia desejar, Michael, falou Katie
Katie enrubesceu, mas não desviou o olhar. Pelo contrário, seus olhos se
silencioso.
Cris olhou sua torta. Era muito difícil agir com naturalidade ao ver Katie se
apaixonando bem diante dos seus olhos. Será que ela agira assim quando conhecera o
Ted? Parecia que fora há muito tempo. Estava tão acostumada com ele agora! Sentia-se
muito bem ao lado dele. Não podia se imaginar abraçada assim, com um jeito tão íntimo,
à vista de todos. Assim mesmo, era surpreendente ver Katie tão apaixonada!
vou falar francamente com ela. Se esse cara não for cristão - e ele não aparenta ser -
então ela precisa terminar com ele imediatamente, antes que se envolva demais.
Mas na manhã seguinte Katie não apareceu para cumprir o compromisso que
assumira de ajudar na classe. Cris se viu sozinha, para cuidar de quinze crianças de três
- Acabo de saber que a professora da classe de três anos foi para casa, passando mal,
disse a coordenadora do berçário da igreja. Só conto com você e a outra jovem. Vocês vão
- Sem dúvida alguma! disse Cris, tomando o caminhão de um menino que estava
prestes a jogá-lo sobre duas meninas que estavam quietinhas, deitadas no tapete, olhando
livros.
- A outra moça é a minha amiga Katie. Ela não apareceu. Portanto eu preciso de
importa, poderia dar uma olhada? Parece que você vai ter de contar a história bíblica hoje.
A merenda será no horário normal e eu estou na sala ao lado, se você precisar de alguma
coisa.
Cris sentiu um misto de pânico e raiva. Era Katie que tinha jeito com as crianças.
Ela seria capaz de reter-lhes a atenção num piscar de olhos. Katie seria excelente para dar
a lição, mesmo à última hora. Provavelmente, havia saído com o Michael e nem se
Felizmente, as três garotas que tinham vindo ajudar se davam bem com crianças
dessa idade. Fizeram sentar a gurizada e distribuíram lápis de cor para todos, enquanto
Parecia fácil. Era uma história sobre as estações do ano, mostrando como Deus
comanda todas as mudanças que ocorrem neste mundo. No final da lição, havia alguns
versículos de Eclesiastes, que diziam que há uma hora para tudo. Ela lembrou que já havia
Estou tão zangada porque a Katie não veio! Ela provavelmente conhece o corinho.
Podia cantar pra criançada. Ela é que devia estar fazendo isso, não eu!
ausência da Katie. As folhas das árvores, que estavam mudando de cor, caíam levemente
das copas e pousavam sobre os carros como imensos confetes amarelos e alaranjados.
Aquele estacionamento estava cheio de recordações para ela. Fora ali que seu pai lhe
havia dado a primeira aula de motorista. Nas férias do ano passado, eles tinham lotado o
passeio fora da Katie, mas na última hora ela desistiu, deixando Cris sozinha, para ser
antes, ela dera um presente de Natal ao Rick Doyle junto ao carro dele, e ele lhe dera um
beijo inesperado. Pensando bem, fora Katie também quem sugerira o presente do Rick e
Cris percebeu que tinha uma recordação para cada estação do ano, relacionada com
coraçõezinhos lá no mesmo estacionamento. Podiam sair para dar uma caminhada nele e
cada um pegar uma folha de árvore. Depois entrariam para ela contar a história bíblica.
Cris colocaria as folhas todas no quadro e contaria que foi Deus quem fez a mudança das
- Olha gente! Todo mundo de mãos dadas! Vamos sair e ficar bem quietinhos –
Cris colocou o dedo nos lábios e fez um gesto para que as crianças viessem atrás
A não ser por uns dois engraçadinhos que tentaram imitar um ratinho guinchando,
conseguiram chegar ao estacionamento sem nenhum incidente. Cris levou-os até a árvore
Dois meninos perto da cerca avistaram as folhas que queriam, uma distante da outra,
e tentaram pegá-las ainda de mãos dadas. Um puxava forte o braço do outro. Antes que
começassem uma briga maior, Cris interveio e levou Tyler para pegar a folha dele
enquanto uma das garotas ajudantes tomava a mão do Benjainim e o ajudava a pegar a
dele.
- Está bem, crianças! Todos de mãos dadas? Mostrem as folhas! Ah, mas são lindas!
Vocês fizeram muito bem. Agora, vamos ser ratinhos bem quietinhos de novo e voltar para
a sala.
Na volta, a fila parecia bem mais barulhenta do que na ida. Cris teve de fazê-los
- Só quero ver ratinhos bem quietinhos, andando pé ante pé pelo corredor, sem um
- Eu! gritaram todos bem alto. Cris fez de novo sinal de silêncio.
- Sh! Não quero ouvir nenhum som. Um ratinho bem quietinho não faz barulho.
mostrou como ela queria que andassem sem fazer barulho. Estava dando certo. De mãos
dadas, e ao mesmo tempo segurando cada um a sua folha, entraram na sala pé ante pé.
A coordenadora do berçário estava à porta e pareceu ficar encantada com o que viu.
- Eu vim ver por que aqui ficou tão silencioso de repente. Parece que tiveram uma
aventura especial.
- Agora todos os meus ratinhos precisam sentar no chão e colocar a folha no colo.
Elas são tesouros especiais. Foi Deus quem fez essas folhas.
As crianças se sentaram olhando para suas folhas com reverência, aguardando que
Cris. Você está fazendo um milagre! Não sabia que tinha tanto talento para trabalhar com
crianças. Você devia se tornar uma de nossas professoras regulares. Converso com você
Cris sentiu grande satisfação. Era gostoso fazer esse trabalho, desde que as crianças
cooperassem. Mas ficava meio desatinada quando brigavam ou gritavam.
- Está bem, meus ratinhos, vocês fizeram um excelente trabalho! Uma das tias vai
passar e pôr um pedaço de fita adesiva na sua folha com o seu nome para todo mundo
levar sua própria folha para casa. Vou colocar todas aqui no quadro e depois contar uma
Cris mal podia acreditar na expressão de doçura que via naqueles rostinhos. Fizeram
Está certo. Não devo fazer perguntas, a não ser que eu queira uma revolução.
Isso mesmo, a Bíblia. Agora escutem todos. Os ratinhos vão ficar bem quietinhos
- A Bíblia fala de Deus. A Bíblia diz (abriu depressa em Eclesiastes 3.1 e começou a
ler): "Tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu:
plantou."
Cris notou que o versículo seguinte dizia '"tempo de matar e tempo de curar". Não
achou que uma turma de meninos de três anos fosse entender isso, então saltou alguns
versículos e leu "tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de saltar de
alegria". Pensando que perderia a atenção deles se fosse ler tudo, resumiu depressa:
Falou mais um pouco para a turma - que agora já não estava mais tão quieta - que
Deus está no controle de tudo e que sabe quando é hora de as coisas mudarem.
- Agora, por exemplo, é o tempo das folhas mudarem de cor. Tudo acontece de
Naquele momento, entrou uma ajudante com a bandeja de suco e biscoitos, e toda a
concentração se foi. Mas ainda assim, Cris sentiu-se bem, tendo dado sua primeira aula
para crianças do maternal. Juntamente com aquelas folhas coloridas, elas iriam levar
algumas lições eternas, lições sobre o plano de Deus e sobre o fato de que Ele tem uma
Mesmo que as crianças não tivessem aprendido muito, Cris entendeu que ela própria
tinha encontrado uma pepita de ouro da verdade de Deus para sua vida e a escondera no
coração. Hoje, por exemplo, fora a hora de ter uma experiência nova: dar aula para o
brigas romperam pela pressa de pegar o lanche. Essa era a parte de que Cris não gostava -
ter de acalmar os maluquinhos. Já tinha visto Katie fazer isso com enorme facilidade e
Lembrando os versículos que diziam haver tempo para tudo, cerrou os dentes e
Talvez exista mesmo um "tempo de matar", e vai ser hoje à tarde, pegar a Katie por
- Bem, sabe dizer quando ela estará de volta? Perguntou Cris ao irmão de Katie pelo
A tarde inteira tentara falar com ela, mas ninguém atendera ao telefone.
- Não sei.
- Se ela chegar antes das dez, podia pedir para ela me ligar? Obrigada.
Cris estava prestes a ir para a cozinha procurar algo par comer, quando o telefone
tocou.
- Alô!
- Katie não apareceu na igreja hoje. Liguei pra ela a tarde toda, mas não está em
casa. Acabei de falar com o irmão dela, mas ele não sabe que horas ela volta. Saiu com o
- O que foi? Achou engraçado? O negócio com esse rapaz é sério. Não há nada
engraçado nisso.
- Não; você é que é engraçada. Parece mais uma mãe preocupada do que uma boa
amiga.
relacionamento entre Michael e Katie como se não fosse nada! Ele não é crente e ela está
se apaixonando por ele. Está na cara. Ela ainda vai sofrer com isso, Ted. E me desculpe,
- É meio difícil ficar ao lado dela quando ela está saindo com ele!
Cris só percebeu que estava falando alto quando sua mãe apareceu no corredor e a
encarou.
- Ted, você está interessado nesta conversa? Estou achando que estou falando
sozinha.
Embora tivesse abaixado a voz, Cris sabia que a intensidade de tom continuava
forte.
- Bem, eu queria que você me dissesse o que devo fazer. Não é assunto para
provocar risada, nem para ser ignorado. Katie vai ter sérios problemas se não fizermos
- Não sei o que lhe dizer, a não ser que fique ao lado dela. Continue amando-a. Ore
por ela.
Agora Cris estava mesmo zangada. Ted orava sempre acerca de tudo, e Cris
procurava fazer o mesmo. Mas, no momento, sua melhor amiga estava prestes a fazer a
- Não estou! replicou ela, a voz tremendo de emoção. Como você pode ser tão
E sem parar para pensar no que estava fazendo, bateu o telefone, desligando.
O que foi que eu fiz? Nunca discuti antes com o Ted assim. Nunca desliguei na cara
dele. Ele deve estar pensando horrores de mim. Como é que fui fazer uma coisa dessas?
Imediatamente ela discou o número do Ted, mas caiu na secretária eletrônica, com a
"Não podemos atender no momento, mas se quiser deixar uma mensagem, aguarde o
sinal!"
- Eu, eu sinto muito, Ted. Se você estiver aí, por favor, ligue de novo. Quero
conversar mais com você sobre isso. Obrigada. Tchau.
Foi a mensagem mais boboca do mundo! E se o pai dele escutar? Será que o Ted
Cris se lembrou de que, às vezes, Ted vinha até sua cidade para vê-la e só avisava
quando já estava perto. Ligava para saber se era uma boa hora de visitá-la. E se ele
estivesse na cidade? A viagem da casa dele à dela durava uma hora e meia. Portanto não
Cris passou uma hora esperando o telefone tocar. Tentou assistir à televisão, tomou
sorvete, fez as unhas. Foi até a garagem e deu uma cenoura para o Chocolate. Acariciou
Às 21:15 o telefone tocou e Cris correu para o aparelho. Era engano e ainda por
cima a pessoa era estrangeira. Finalmente, às dez, Cris, sem muita vontade, foi deitar, mas
ficou acordada, em silêncio, culpando-se por ter desligado o telefone na cara do Ted, e
Tentou ligar novamente para o Ted às 7:45 da manhã seguinte, mas de novo caiu na
secretária eletrônica. Sabia que o pai dele saía cedo para o trabalho, e Ted tinha aula na
segunda de manhã, mas esperava alcançá-lo antes que ele saísse. A idéia de passar o dia na
escola sem ter-lhe pedido desculpas a deprimia. Quase diminuía sua preocupação com a
Michael ainda não tinha chegado ao lugar em que almoçavam. Katie estava sentada
sozinha perto da árvore, e Cris correu para falar com ela antes que ele chegasse. Sem
fôlego, perguntou:
- Katie, por que você não foi à igreja ontem? Me deixou sozinha com uma turma de
- Você tem que acabar esse negócio com o Michael. Ele nem é cristão, é?
- Não sei. Na Irlanda do Norte, isso é diferente. Com a guerra entres católicos e
protestantes, a religião é mais uma questão política. Mas ele acredita em Deus.
- Maravilha, ele acredita em Deus! É maravilhoso! Você não percebe o que está
fazendo, Katie? Está botando a perder tudo que você já conquistou, moral e
espiritualmente. Não se lembra, na escola dominical, quando você foi a "Katie Cristã"
sentada na cadeira, e o "Pedro Incrédulo" a puxava para baixo? E o que está acontecendo
- Você me faz morrer de rir, Cris. Devia ver sua cara neste momento.
Katie imitou-a arregalando os olhos e sacudindo o dedo na cara dela. Riu de novo.
- Você está namorando um rapaz que não é crente. Acha que está certo?
- Quando você foi à Disneylândia com o Ted, há dois anos, era crente na época?
- Como era diferente? Se o Ted não tivesse lhe dado tanta atenção, você ainda acha
- Bem, eu... não é a mesma coisa, Katie. Isso foi muito tempo. Eu e Ted não
estávamos namorando de verdade, e eu não estava me apaixonando por ele do jeito que
Ted estavam saindo juntos e você estava apaixonada por ele. Só que ele era cristão, e você
não.
frente.
Aí Cris ficou realmente furiosa. Já era ruim não ter um conseguido nada com a
Katie, mas a piadinha dela dizendo que ela brigara com o Ted fora pior ainda,
Achou uma mesa desocupada e tentou se convencer que tava com fome para fazer
seu lanche.
- Olá, Srt.ª Cris! Ouviu uma voz conhecida e irritante atrás dela.
- Consegui umas fotos fabulosas no jogo de sexta-feira. Você devia ter ido. Adoro
sua máquina. Vai precisar dela no resto da semana? Se você não se importa, quero
- Cris, você está mentindo. Não está com nenhum livro. É uma péssima mentirosa. É
- Problemas em casa?
Cris olhou para o Fred pela primeira vez. Ele falava sério,
- Bem, batia, antes que minha mãe se divorciasse dele. Eu não o vejo desde que
tinha nove anos. Nem sei onde ele mora agora. A razão pela qual eu levantei a questão é
que eu costumava sentar-me sozinho no almoço todos os dias quando era menino,
principalmente depois que ele me batia. Eu não queria que perguntassem por que eu
Fred levantou o braço direito de Cris e verificou-lhe os olhos. Não tem nenhum
- Claro. Isso não é algo que a gente sai contando aos quatro ventos, certo? Além do
- É. Bem, a vida continua. Nada é perfeito, sabe. Nem sei por que eu lhe disse isso.
Não comenta pra mais ninguém, não, ta bem? Eu ia ficar muito chateado.
- Acho que eu sabia que ficaria. Então, você não me disse qual é o seu problema.
Com as revelações do Fred, Cris quase se esquecera dos seus problemas com Katie,
Michael e Ted.
- Ah, na verdade, não é nada demais. Mas estou contente por você ter aparecido. Eu
- Aí o sorriso que eu esperava! disse Fred. E antes que Cris pudesse impedir, ele
- Ei! protestou o rapaz. Teria sido uma fotografia excelente. Por que fez isso?
passamos juntos.
- Fred, nós não temos um "relacionamento". Estar juntos para nós é só o fato de que
Mas o Fred parecia ver no seu gesto de comiseração um sinal de que o relacionamento
Resolveu tentar ignorá-lo. No primeiro grau, isso dava certo com os garotos iguais
ao Fred. Se ela se limitasse a comer seu sanduíche sem falar com ele, talvez ele ligasse o
"desconfiômetro".
Infelizmente, parecia que o Fred se contentava com o silêncio. Abriu o lanche dele
também e se pôs a comer. De vez em quando olhava para as pessoas que por acaso
passavam e dava um sorriso, como se os dois tivessem combinado lanchar juntos ali.
- Preciso ir até o meu armário, disse Cris de repente, enfiando de volta no saquinho o
- Não precisa. Vou dar uma parada no banheiro também. Você não pode me
acompanhar lá.
- Obrigado por ter almoçado comigo. Nove anos é muito tempo para se almoçar
sozinho.
Cris continuou andando, mas começou a pensar na situação do Fred ao longo desses
anos. Teria realmente alguma coisa mudado na vida dele? Em parte, ela sentia pena dele e
queria forçar-se para ser mais amável com ele. Ele não era assim tão mau. Tinha uma boa
Quanto mais pensava no assunto, mais Cris percebia que o problema do Fred era a
aparência. Mas ela também já tinha problemas bastantes. Começou a planejar como ligaria
para o Ted no momento em que chegasse em casa. Jurou a si mesma que não dormiria
enquanto não acertasse tudo com ele.
Conseguiu finalmente falar com o Ted às 21:45. Ele parecia estar de ótimo humor,
- Estou muito arrependida, Ted. Nem acredito que desliguei o telefone na sua cara.
- Sabe o que CS. Lewis disse? perguntou Ted. Ele disse: A ira é o fluido que sai do
amor quando o cortamos."* Li isso um dia desses. Você gosta da Katie. O Michael está
__________________
* Letters to Malcolm: Chiefly on Prayer (Cartas a Malcolm: principalmente sobre mação). Nova Iorque: Harcourt,
- Eu não disse que está certa, disse que é natural. O jeito certo quase nunca é o
- Ore, replicou.
- Sim. Eu achava que quanto mais eu crescesse na vida cristã, mais fácil seria.
Todo relacionamento envolvendo o amor verdadeiro parece tornar-se mais difícil, mas
Cris se perguntou se ele estava se referindo ao relacionamento com Deus, com ela
- Bem, mesmo assim quero pedir perdão pelo jeito como desliguei o telefone, Ted. E
continuo preocupada com a Katie. Vou procurar orar mais. De qualquer jeito, aprendi que
não quero mais esperar muito tempo para pedir desculpas a você. Foi horrível passar um
liguei para você ontem à noite. Senti que não ficava bem tornar a ligar principalmente
com o Douglas ao lado. Ele me disse para deixar pra lá. Disse ainda que isso talvez fosse
bom para o nosso relacionamento. Por um momento quase pensei que ele estivesse
contente de vê-la zangada comigo. Por acaso, ele não ligou para você ontem, ligou?
- Não. Tentei ligar pra sua casa, mas só caía na secretara eletrônica.
- Quer vir para cá neste fim de semana? Você não poderia ficar na cada de Bob e
de mais um domingo na classe do maternal na igreja. Queria não ter tantos compromissos.
Realmente, queria poder passar mais tempo com você, e não apenas um cinema rápido no
sábado à noite.
- Eu sei bem o que você quer dizer. Que tal então no outro fim de semana, se você
não tiver mais compromisso com a classe? Será que o Jon deixa você sair mais cedo no
sábado?
- Vou ver o que consigo. Estou precisando passar mais tempo com você, Ted. Parece
- Então no outro fim de semana. Vamos passar juntos. Eu ligo para você neste fim de
- Então, quer dizer que você não vem este fim de semana? Podíamos fazer alguma
- Tenho de ficar por aqui e estudar. Este semestre está superpuxado; já estou atrasado
com os trabalhos. Depois eu ligo para você e passaremos juntos o outro fim de semana.
Duas longas e horríveis semanas sozinha! pensou Cris. Já fora ruim passar vinte e
quatro horas sem acertar as coisas entre ela e Ted. Agora teria de esperar duas semanas
Nos anos anteriores, quando eles ainda não estavam namorando, não fora muito
difícil estar longe dele. E toda vez que o via, era uma festa. Agora tinha a sensação de que
Resolveu que sairia cedo do trabalho no outro sábado e terminaria logo o dever de
casa para passar o tempo todo junto dele. Tudo parecia ótimo até a noite seguinte, quando
- Mas é o aniversário de seu pai. Pensei em fazermos algo juntos, toda a família,
- Bem, não sei. É o aniversário do seu pai. E ele quem deve decidir.
Isso não preocupou Cris. Seu pai gostava do Ted. Embora o Ted já tivesse viajado
várias vezes com Bob e Marta, ainda não gozara muito da companhia dos pais de Cris.
tarde aquela noite. Não sou muito de fazer turismo pelas montanhas.
Pela cara do pai, Cris notou imediatamente que a idéia de incluir o Ted na
coisa só em família. O próximo fim de semana você passa junto com o Ted.
Três semanas! Para Cris parecia uma vida inteira. Como ela poderia calmamente
esperar três semanas para se encontrar com o namorado? Alguma coisa tinha de mudar.
A primeira em que pensou foi o emprego. Mudaria o horário para ficar com o sábado
livre. Talvez trabalhasse uma ou duas noites da semana além da sexta-feira. O Ted estava
estudando mesmo e não viria à noite durante a semana. Desse jeito eles teriam os sábados
Naquela sexta, quando chegou à loja, Cris se aproximou de Jon com o pedido. Ele
ficou pensando.
- Pode ser. Se eu arranjar alguém para cobrir o horário de sábado, talvez possa lhe
dar folga nesse dia. O problema é que não tenho vaga em outras noites da semana. Se
quiser abri mão dos sábados, provavelmente só terá as cinco horas de sexta-feira. Será que
________________
*Nos Estados Unidos, os jovens tiram carteira aos dezesseis anos, mas nesse caso, muitos pais, como os
pais da Cris por exemplo, insistem com os filhos para que trabalhem e paguem o combustível e despesas
Jon tinha razão. Cinco horas não lhe dariam muito dinheiro para seus encargos
Jon produziu um ruído típico - "clique" - que fazia quando tratava das aves e dos
- O tempo é uma coisa esquisita, não é mesmo? Nunca parece ser suficiente quando
temos coisas a fazer. E quando não se tem o que fazer, parece que ele sobra.
- Mas não se preocupe. Vamos encontrar uma saída. É bom você aproveitar bem o
tempo neste seu último ano de colégio, aconselhou ele dando uma piscada e um sorriso.
Que foi que o Ted dissera? Mais difícil, mas melhor. Talvez ele estivesse certo
coisas em ordem na sua vida. A primeira coisa era fazer as pazes com Katie.
poderia almoçar em companhia dela, como antes. Quando telefonou, obviamente Katie
- É, mas não faz mal. Cheguei em casa quase às duas da manhã, explicou Katie,
dando um enorme bocejo. Estou exausta, mas foi bom você me ligar. Estava pensando se
No momento em que Cris falou, percebeu que parecia uma velha apoquentando a
abalado.
- Desculpe; eu não queria dar uma de chata, disse Cris. Depois, se esforçando para
- Ótimo, Katie!
Cris sabia que não conseguiria mentir. Como resolver isso? Parou, pois não tinha
- Não faz mal, continuou Katie. Não precisa responder. Sei o que você pensa do
Michael. Não precisa mentir pra mim. Jamais. Eu também não vou mentir pra você, e sabe
disso. Queria que você ficasse contente comigo. Nunca me senti tão feliz em toda a minha
vida, Cris. Sinto que posso ser eu mesma. O Michael gosta de mim. Dá pra acreditar?
- Claro que acredito. Tem mais é que gostar. Você é um tesouro, Katie.
- Entendeu o que eu disse? O Michael gosta de mim, Cris. É primeiro cara que
realmente se interessa por mim, e estou morrendo de tristeza por você não se alegrar
comigo.
- Por que isso é tão importante pra você? Não vou casar com ele! Estamos apenas
namorando. Só isso. Ele é muito aberto para Deus e para as coisas espirituais.
- Mas, Katie, você e Michael estão ficando íntimos tão depressa, que me preocupo
- Tem sim, respondeu Katie imediatamente, na defensiva. Você é que não o conhece,
Cris. Não sabe como ele é. Você é tão cheia de auto-justificação, que nem sequer procura
conhecê-lo, pois acha que ele não se enquadra no seu padrão de perfeição cristã. Deixe eu
lhe dizer uma coisa: o Michael é mais cavalheiro comigo do que o Rick Doyle foi, e o
Rick, ao que se sabe, é um grande cristão. O Rick me beijou sem ter amor por mim. Eu
era apenas mais uma conquista, um joguete. Quando o Michael me beija, sei que ele o faz
do fundo do coração. Ele leva nosso relacionamento muito a sério, como eu levo.
- Vocês já se beijaram?!
- Claro que sim! Você e o Ted não se beijam? Por que esse tom moralizante? Não fiz
nada que você não tenha feito. Não estou fazendo nada de errado!
Cris sabia que Katie estava totalmente acordada e na defensiva. Não seria muito
fácil reatar naquele momento a comunicação dos dois lados. Em vista disso resolveu
mudar de assunto.
hora, no shopping? Queria levar um papo com você e gostaria que fosse só entre nós duas.
- Hoje não posso. Tenho outra coisa pra fazer, disse Katie parecendo um pouco mais
calma.
- Fui despedida.
- Katie, quando foi que isso aconteceu? Por que não me contou?
- Bem, este ano você não me pareceu muito disposta a jogar conversa fora.
- E o que aconteceu?
- Tirei muita folga, meu patrão não gostou, e por isso me "liberou". Foi melhor
assim. Com meu horário de trabalho arrochado como era, não me sobrava tempo para os
amigos.
Cris sabia exatamente o que Katie queria dizer; mesmo assim, era horrível saber que
fora despedida.
- Acho que não. Pelo menos por hora. Mas isso não tem tanta importância.
- Não tem tanta importância?! Cris tentava achar as palavras certas. Você está
- Sabe, Cris, estou lembrando de todas as mudanças pelas quais você passou desde
que nos conhecemos, todos os rapazes, as situações difíceis. Durante esse tempo eu tentei
estar ali, dando-lhe uma força e tentei entender você. Seria muito bom se você pudesse me
dar um pouquinho de apoio agora. Se tentasse compreender e até mesmo ficar um pouco
- Katie, quero mesmo lhe dar meu apoio. Tenho feito isso em muitas situações esses
anos todos. Talvez mais do que você possa imaginar. O problema é que, conforme venho
observando, você está se apaixonando por um rapaz que não é cristão, e eu não consigo
- Então talvez eu tenha me enganado com relação a você e à nossa amizade. Pensei
que você se interessasse mais por mim do que por todas essas leis religiosas. É exatamente
como disse o Michael: a religião e a política têm a mesma base. É tudo uma questão de
- Acho que é. Preciso desligar, Cris. Tem uma chamada na outra linha. Pense no que
eu lhe disse e a gente conversa depois, quando você estiver disposta a abrir um pouco a
cabeça.
No trabalho foi difícil para Cris se concentrar e agir como se nada tivesse
acontecido. Tudo que ela pensava sobre a amizade, namoro e o cristianismo ficou abalado
naquela conversa de telefone. Como as coisas podiam ter mudado tanto e tão depressa?
Durante a semana seguinte, ela ficou atrás de Katie, tentando voltar à amizade de
antes. O Michael, por sua vez, interpretava a interferência dela como um meio de separá-
lo de Katie.
Após quatro dias de tensão na hora do almoço, debaixo daquela árvore, na sexta-
feira, Cris achou melhor deixar Katie e Michael sozinhos e continuar na segunda. Achou
que estava agindo certo, ficando ao lado de Katie. Fora o que Ted a aconselhara a fazer,
"Lembra-se do que acontece ao amor quando a gente o corta? O fluido que sai dele
E parecia que era exatamente isso - ira - que Katie dirigia a Cris, com seus
Cris ouviu a voz do Fred atrás dela minutos depois, enquanto se dirigia a uma das
mesas do pátio.
- A última vez que você veio aqui era uma segunda-feira, lembra? Não desta semana,
da outra. Estou tentando descobrir o que está fazendo. Você só lancha sozinha nos dias em
- Não, só lancho sozinha quando não tem outra pessoa para almoçar comigo.
Ao ouvir suas próprias palavras, Cris percebeu como parecia amargurada. A triste
verdade era que passara tanto tempo com a Katie nos últimos anos, que não desenvolvera
amizade com outras pessoas na escola. Pelo menos ninguém que a convidasse para dar
- Não tem problema, falou ele. Acontece que hoje estou livre, e não me importo nem
Cris esperava que ninguém a visse com ele. A constante atenção do rapaz a
perturbava. Ele parecia sempre estar ao seu lado, não apenas na aula de anuário mas
também na hora do almoço. Comeu seu sanduíche em silêncio, escutando o barulho
- Sabe, Fred, você seria muito mais... atraente se, bem, não fizesse tanto barulho
- Bela observação, disse ele sem parecer ofendido. Não percebi que eu estava
- O que mais?
- Como assim?
O que mais me tornaria mais atraente? Quero dizer, não sou burro. Sei que não sou o
tipo de rapaz pelo qual uma garota como você se interessaria, por mais que eu sonhasse
namorá-la.
- Fred!
- Não se preocupe. Não estou tentando competir com o seu namorado, como lhe
disse no início das aulas. Ando pensando muito. Não sou o seu tipo, e sei disso. Mas o que
tenho pensado é: Como posso melhorar pra um dia vir a atrair uma garota como você?
- Sabe sim. Você sabe o que as garotas gostam num rapaz. Faz de conta que você é
minha irmã. O que diria? Quer dizer, tem dó de mim, estou no último ano e nunca saí com
uma garota e toda as vezes que telefonei para uma ela desligou o telefone na minha cara.
Cris não sabia o que responder. Ninguém jamais tinha lhe feito tal pedido. Mas o
Fred era sincero e tinha bastante potencial. Ela sabia que, por ter se afastado do pai desde
- Como? Cortar?
- Claro. Poderia ir a um desses salões onde eles sugerem o corte que melhor
- Excelente idéia. A minha mãe é quem corta meu cabelo desde que eu era menino.
- Claro, disse Cris com entusiasmo. Dê uma folga a sua mãe. Peça no salão que
mostrem como deve arrumar o cabelo. Sabe, não precisa muito fixador, nada disso.
- Talvez você devesse comprar alguns produtos próprios para seu cabelo. Eles
devem ter uma linha masculina, que seria bom, já que você não precisa do mesmo tipo de
produto que uma pessoa que usa permanente. Isso é apenas um exemplo.
- Isso é ótimo, Cris! Você não sabe o quanto aprecio seu conselho. Quer ir comigo ao
salão? Podia ser hoje mesmo, logo depois da aula. Você diz ao cabeleireiro o que acha que
- Não tem problema. Peço a outra pessoa da equipe ir esta semana. Certamente o
futuro de minha imagem é mais importante do que algumas fotos de futebol. Tenho me
Ela teve vontade de rir do Fred, tal era o ânimo demonstrado por ele. Mas, na
verdade, Cris apenas lhe sugerira um tratamento capilar sem grandes novidades, algo
absolutamente normal. No entanto, percebia-se que para ele isso era muito importante. E
Na verdade, Cris ficou contente quando Fred apareceu na loja, embora não tivesse
coragem de confessar isso nem ao Jon nem a qualquer pessoa no trabalho. Só que parecia
- Dê uma última olhada no velho Fred, disse ele, ao aproximar-se de Cris, junto à
- Divirta-se! disse Cris com entusiasmo, ao mesmo tempo que lhe acenava com a
Pouco mais de uma hora depois voltava o Fred, justo no momento em que ela tiraria
seu intervalo de café. Estava a fim de um iogurte geladinho, e o Jon lhe dissera que na
lanchonete da esquina tinham framboesa com chocolate da Bavária, o seu predileto. Mas
Virou-se e mostrou o elegante corte de cabelo. Era a primeira vez que Cris o via sem
brilhantina na cabeça. A cor mudara. Em vez de margarina oleosa era loiro claro. Com o
- Pareço outra pessoa. E tenho de agradecer a você pela sugestão. Agora, preciso de
seu conselho sobre uma camisa que estão guardando pra mim lá na loja. Quando é seu
- Tenho alguns minutos agora mesmo, se você promete que a gente não demora.
a dar explicações.
convença-o a comprar pelo menos duas. Parece que o guarda-roupa dele tá precisando ser
renovado.
Cris apressou-se a acompanhar Fred. Nos seus quinze minutos de café, eles andaram
por toda a seção de roupa jovem e ele foi lhe mostrando um monte de camisas, camisetas,
- Está na hora de voltar pra o trabalho, disse Cris. Tenho certeza de que você
- Tudo bem. Acho que vou me lembrar do que você mais gostou. Você me ajudou
- Às ordens. Ah! se tiver alguma coisa em oferta, talvez você devesse comprar duas
- Bom conselho. Depois passo lá para lhe mostrar as que escolhi. Mais uma vez,
obrigado!
Cris até poderia ter previsto a reação brincalhona do Jon quando ela voltou.
- Quem sabe você acaba se tornando uma consultora de modas, disse ele, sem erguer
a cabeça, atento a uma soma na caixa registradora. Pode ser que assim ganhe mais do que
- Pode guardar suas piadinhas. Eu só estava querendo ajudar o rapaz. Ele me pediu
uma opinião.
- Pense nisso, Cris. Se você tiver talento natural para consultoria de moda, talvez
devêssemos abrir uma seção para donos de poodles. Nós lhe damos lãs coloridas, e você
não tinha a menor consideração por poodles. Jon os achava uma aberração da natureza,
animal.
- Sabe, pode ser que a promoção aumente os negócios, Jon! Seria muito agradável
ver longas filas de fregueses na loja, cada um com seu poodle na mão. Um monte de
poodles. Sim, é isso que essa loja precisa. Podemos colocar um cartaz na vitrine: "Poodles
têm preferência."
Cris esperava que Fred aparecesse durante o tempo que Jon estivesse fora, mas ele
não apareceu. Jon ainda tinha aquele sorriso engraçado na cara quando voltou, as mãos
- Agora quero que você leve isso para os fundos e comece a marcar os vidros de
Deixando aparecer as mãos que estava escondendo, mostrou uma grande taça da
- Ah! já que você insiste, disse Cris com um suspiro, aceitando o presente. Você é
por demais severo comigo, sabe? Fica me tratando deste jeito - e Cris ergueu a taça para
dar com esse gesto mais firmeza às palavras - e vou acabar achando que você está com
- É exatamente disso que tenho medo, disse Jon. E voltando ao tom brincalhão,
acrescentou:
Cris tinha acabado de provar a primeira colherada do iogurte, quando ouviu Jon
dizer:
sala dos fundos. Cris engoliu depressa iogurte, quase engasgando, e exclamou:
- Gostou? Esta é a camisa azul que você escolheu. Comprei outra verde também.
Ele realmente tinha passado por uma transformação. Estava bonito, na moda. Cris
sabia que isso era uma grande vitória para ele, e de certa forma ficou contente consigo
- Pode ir lá na sala dos fundos. A Cris está recebendo suas visitas lá.
Antes que ela pudesse virar a cabeça, Fred, em sua exuberância, passou o braço em
Assustada com o abraço, Cris se afastou e virou-se. Era o Douglas que estava ali
- Oh não! disse Fred, dando um passo para trás. Esse muro de tijolos é o seu
namorado?
sou o Fred.
- Douglas. Devo mencionar, porém, com toda justiça, que o namorado de Cris é o
meu melhor amigo. Ele é o muro de tijolos com o qual você devia se preocupar.
Não dava para acreditar que tudo isso estivesse acontecendo. Será que o Douglas
achava que estava rolando alguma coisa entre ela e o Fred? Ele não diria nada ao Ted,
diria?
- O Fred faz parte da equipe do anuário da escola comigo, disse Cris, esperando que
Douglas se esquecesse de que vira o rapaz lhe dando um abraço. Ele fez umas compras e
Naquele momento, Cris diria que a transformação do Fred não era muito evidente.
Ele ainda tinha a mesma personalidade e o mesmo jeito de rir, aproximando-se da cara das
- Com um novo corte de cabelo e roupa nova, disse Fred, abrindo os braços para que
Uma etiqueta com preço ainda estava pendurada do lado de dentro de sua manga
direita.
- Parece que você ainda tem um desconto de trinta por cento, meu chapa, disse Jon.
Cris não tinha certeza se ele se referia à etiqueta de preço ou se isso era uma dica
sutil indicando que ainda faltava muito para ele se tornar uma nova pessoa.
Pegando uma faca de abrir caixas, Jon cortou o fio plástico da etiqueta de preço e
entregou-o ao Fred.
coordenadora de modas, tão popular. Ma a verdade é que eu lhe pago para fazer esse tipo
de trabalho,
O comentário foi feito num tom brando, o que deixou Cris aliviada. Mesmo assim,
ela sabia que, embora seu chefe fosse uma pessoa tranqüila, ele podia ficar nervoso se
tivesse muito trabalho ou pouca gente para cuidar do serviço. Sabia também que o fato de
ela ter pedido folga no sábado seguinte complicava ainda mais. Jon lhe dera a folga
- Não tem problema, disse Fred. Tenho que ir andando. Vi um cartaz de liquidação
em uma sapataria. É melhor eu comprar um par agora, antes que veja quanto já gastei.
Pode ser que eu precise de um outro emprego e acabe colocando etiquetas em ração de
Cris e Jon se entreolharam. Passou então pela cabeça de Cris a idéia de que, se Jon
contratasse o Fred, ela poderia, sem problema algum, ficar livre de uma vez para sempre
do trabalho aos sábados. Mas o olhar do Jon dizia claramente: "Nem pense numa coisa
dessas!"
Pegando uma folha de etiquetas já marcadas, Cris começou a afixá-las nos vidros
redondos de ração para peixes. Jon voltou para a frente da loja. Fred saiu com seus
- Quer ajuda?
Sabia que era uma pergunta já respondida. Douglas adorava comer, de tudo, a toda
hora, em qualquer lugar, qualquer tipo de comida. Claro que ele aceitaria um pouco do seu
iogurte.
Ainda bem que tomei uma colherada antes que ele aparecesse!
Cris estava prestes a perguntar ao Douglas o que ele viera fazer ali quando da porta
veio uma voz com um sotaque que ela conhecia muito bem.
Cris reconheceu Michael imediatamente. Ela sabia que ele e Douglas não se
- E é verdade que você esteve num barco na lagoa Shasta, no final da semana do Dia
- Estive.
Douglas olhou para Cris como se lhe pedisse alguma explicação. Como esse
desconhecido sabia que eles tinham passado o final de semana num barco? Antes que Cris
- Foi você que andou de jet ski com minha irmã, Natalie?
Michael fazia o papel de irlandês furioso de modo tão convincente, que por um
momento Cris esqueceu que isso tudo deveria ser uma piada. Então viu Katie escondida
atrás de uma gaiola, tampando a boca com a mão. Katie parecia estar gostando
imensamente da brincadeira. Cris sabia que esta era a doce vingança de Katie do soco na
cara.
- Sério, cara, eu não fiz nada. Eu e Natalie andamos de jet ski. Só isso! Estou
dizendo a verdade.
- Não foi o que ouvi da Natalie. Ela era uma garotinha doce e inocente até que
conheceu você! Gente como você precisa aprender uma lição, e sou eu quem lhe vai dar
essa lição.
Michael estava com os punhos em posição para uma luta de boxe. Com uma guinada
do braço direito cortando o ar entre os dois, Michael mostrou ao Douglas que falava sério.
- Estou lhe dizendo, não aconteceu nada entre nós! repetiu ele, a testa já molhada de
suor.
Cris queria acabar com a cena toda antes que as coisas fossem longe demais. O que
ela tomava por piada era bem outra coisa para Katie.
- Esperem, disse Cris, dando um passo à frente, preparada para explicar tudo ao
Douglas.
Naquele instante, Michael deu outro golpe fingido em direção ao Douglas. Este,
numa reação involuntária ao soco que vinha de Michael, levantou o braço para se
- Cris, você está bem? Douglas abaixou-se e tocou seu queixo de leve.
- Aaaai!
Era só o que ela conseguia dizer. Era mais um gemido que uma palavra, porque a
boca estava anestesiada demais para articular sons compreensíveis. As pálpebras pareciam
pesar cem quilos cada. Embora ouvisse tudo que se passava ao seu redor, por mais que
- Ela está inconsciente! gritou Katie. Douglas, o que foi que você fez?
- Ela está comigo, disse Michael. Vimos você entrando na loja de animais e
pensamos em lhe dar um susto. Não contávamos com isto. Você consegue ouvir minha
voz, Cris? Consegue abrir os olhos?
- Ôoooo.
- O que aconteceu?
Agora era a voz do Jon. Ela sabia que ele ficaria bravo com aquela brincadeira na
loja. Não poderia reclamar se ele fiasse chateado e resolvesse despedi-la. Tinha certeza de
que era tudo culpa sua. A idéia a fez chorar. Lágrimas rolaram de suas pálpebras fechadas,
- Olha, ela está chorando! exclamou Katie parecendo apavorada. Gente, é melhor
- Cris!
Douglas e Jon chamaram o nome dela ao mesmo tempo. Sentiu uma mão forte
levantando sua cabeça e outra pessoa limpando-lhe o rosto, enxugando suas lágrimas com
- Estou bem. É verdade, estou bem. A frase soou meio confusa por causa do queixo
latejando.
- Sinto muito, Cris, disse Douglas baixinho, o rosto quase pegado ao dela. Vou
ajudá-la a levantar-se.
Ele tomou um braço, e Jon segurou o outro. Cris ficou de pé, envergonhada por ser o
- Sabe, Douglas, disse Katie, não é de surpreender que você não tenha uma
namorada, com esse seu jeito de conquistador, sempre deixando sua marca em qualquer
- Eu sou o Michael, namorado da Katie. Suponho que devo agradecer-lhe por ter
causado o olho roxo nela. Foi a primeira coisa que notei. Se não fosse por aquilo, talvez
- É melhor você se sentar, Cris, falou ele segurando seu braço e conduzindo-a até à
mesa, providenciando uma cadeira para ela. É bom a gente arranjar um pouco de gelo para
pôr aqui. Tome, disse ele, entregando-lhe a taça de iogurte, agora derretido. Encoste isso
- Já trouxe, disse Jon, voltando com um pacote de gelo. Ponha uma toalha de papel
Com cuidado, Cris firmou o gelo contra o queixo ferido. Sabia que iria sentir dor
- Podemos declarar uma trégua? perguntou Douglas a Katie quando viu Cris botando
gelo no queixo. Tenho de lhe dizer, o Michael foi bastante realista. Eu diria que você
ganhou, Katie. Acho que eu não conseguiria ganhar de você nessa, e nem gostaria de
tentar. Além do mais, não tem graça nenhuma quando alguém acaba se ferindo,
principalmente quando é uma espectadora inocente, e olhou com pena para Cris.
- O mais engraçado, disse Katie, foi acusar o Douglas de se envolver com aquela
Todos ficaram em silêncio, só quebrado pela risada de Katie. Cris sentiu todos os
olhos sobre Douglas. Sabia que ele devia estar morrendo de vergonha na frente de
Michael e Jon. Ele havia jurado que a primeira garota que beijaria seria sua esposa, no
altar, no dia do casamento. Cris via nisso um propósito nobre e honrado. Admirava-o por
manter esse padrão - um rapaz de vinte e dois anos que jamais beijara uma garota. O jeito
como a Katie falou fez com que ele parecesse um sujeito esquisito com algum problema
sério.
- Acho que devemos dar uma trégua geral, disse Cris, esforçando-se para pronunciar
- Na verdade, paramos aqui para ver se você queria sair conosco depois do trabalho.
- Mas obrigada por ter vindo me convidar. Parecia que a boca estava cheia de
bolinhas de gude.
- Você vai fazer alguma coisa, Douglas? Quer sair conosco? convidou Michael.
- Não vai dar. Tenho de ir. Pretendia dar uma parada ultra-rápida para cumprimentar
- Vá devagar. Se quiser sair mais cedo, não há problema, Conto com você no
trabalho amanhã.
- Eu virei.
- Por que não vai para casa, Cris? sugeriu Douglas. Você precisa tomar aspirina e se
deitar. Seu queixo vai estar ainda mais dolorido amanhã de manhã.
- Eu faço isso para você. Tenho certeza de que o Jon não vai achar ruim. Você
- Não. Tenho certeza de que estou bem. Não é longe e estou muito bem. Verdade. Só
um pouco dolorida.
- Tá certo! Você quer dizer "Obrigada" por quase ter que brado o seu queixo...
- Não foi culpa sua. Por favor, não fique se culpando, está bem?
Douglas estava cabisbaixo, fitando os pés; depois, com timidez, olhou-a direto nos
olhos.
- Não fique assim. Eu não o culpo nem um pouco. Não fique chateado.
- Obrigado, Cris, você é um amor! disse ele e, carinhosamente, passou o braço sobre
colocar um cartaz na vitrine? Disse Jon, enfiando a cara na porta da sala dos fundos. Ei!
Chamei a Beverly e ela vai ficar no seu lugar pelo resto da noite. Pode ir para casa.
- Está certo. Obrigada, Jon, disse Cris, apanhando sua bolsa e encaminhando-se para
- Você se importa se eu terminar de colocar esses rótulos aqui para a Cris? perguntou
Douglas.
No momento que a porta se fechava atrás dela, Cris ouviu Jon perguntar ao Douglas:
- Por acaso você estaria procurando um emprego para trabalhar aos sábados?
Cris sabia que isso estava fora de cogitação, ainda mais que o Douglas nem morava
na área. Ele estava só de passagem, vindo da faculdade para sua cidade onde iria passar o
final de semana. Lembrou-se de que nem lhe havia perguntado por que passara por lá.
Talvez o Douglas conversasse com o Ted antes da Cri. Como será que ele
interpretaria o incidente para o Ted? No dia seguinte, ao telefone, Ted lhe dizia:
- O Douglas ainda está muito chateado. Ele acha que foi culpa dele.
- Eu lhe disse que não. Foi sem querer, disse Cris, apoiando os pés numa cadeira da
- Vou falar com ele de novo amanhã, quando ele voltar da casa dele.
- Sim. Depois do culto vamos fazer um almoço especial para ele. Era pra o Bob e
Marta virem, mas eles têm um torneio de golfe em Palm Springs. Ele vai todo ano. Vai ser
só nossa família. Eu queria que você pudesse vir.
- Uma lanterna de mão. Parece um presente meio bobo, mas é o que ele queria. E um
tipo especial com sinal de emergência e rádio embutido. Minha mãe acha que ele vai
- Então por que você não faz um cartão bem pessoal? Você não disse que escreveu
uma redação para a aula de Inglês descrevendo seu pai? Ponha-a dentro do cartão. É bem
- Você acha?
Cris gostou da idéia do Ted e copiou a redação num papel de carta florido. E nela
acrescentou no final: "Pai, eu o amo embora não saiba expressar o quanto o amo."
Na tarde seguinte, quando o pai abriu os presentes, Cris começou a sentir um aperto
na boca do estômago. E se ele não gostar da carta? E se ele ficar ofendido com aquela
parte sobre "tem cheiro de curral". O final é meio meloso. O que será que ele vai dizer?
O pai abriu o cartão e leu a página em silêncio, enquanto ela mordia o lábio inferior
e tentava ignorar o olhar inquiridor de sua mãe. Para surpresa sua, ele não disse palavra
alguma. Dobrou o papel, colocou-o com cuidado de volta no cartão, e meteu o cartão no
envelope.
O pai não respondeu. Olhou para Cris, e ela viu duas lágrimas rolarem no seu rosto.
- Você gostou, pai? indagou quase num sussurro, sentindo o queixo ainda dolorido.
- Cristina, disse ele, colocando as mãos grossas sob o queixo da filha e levantando
carinhosamente seu rosto. Você me deu o melhor prêmio que um homem poderia esperar
Agora a Cris chorava e sua mãe também. David ficou olhando de uma para a outra,
perguntando:
- O que foi? O que é que está acontecendo? Por que todo mundo tá chorando?
Cris jamais esperava essa reação. Ted dissera que todos os pais gostam de saber que
estão acertando em alguma coisa, mais aquilo acabou sendo mais que um mero elogio ao
pai dela. De alguma maneira, ele estava enxergando suas simples palavras como um
que iria narrá-la no seu diário aquela noite. Descreveu a cena do almoço, e a reação de seu
"Isso me fez pensar no meu Pai celestial. Não costumo dizer muito a ele o quanto o
amo. Sei que ele me ama, embora eu nunca seja capaz de saber a extensão do amor dele.
Acho que nunca serei capaz de dizer plenamente a Deus o quanto o amo."
Cris teve então uma idéia. Se o coração de seu pai ficou tão locado pelo fato de ela
ter descrito seus sentimentos, quanto mais tocado não ficaria o coração do Pai celeste,
E durante uma hora, Cris se pôs a escrever e encheu duas folhas, procurando falar a
Deus do seu amor. Da mesma maneira que o almoço de aniversário de seu pai tinha se
tornado um momento de grande emoção para Cris e seu pai, essa hora em que derramou o
coração no papel perante Deus foi uma bênção para ela. Cris sentiu aí, mais que nunca, o
calor e a proteção de Deus. Teve a sensação de que ele estava bem ali, ao seu lado, o
coração dele escutando o dela, os olhos cheios de lágrimas, do mesmo jeito que o pai
Mais tarde, no telefone, Cris tentou explicar ao Ted o que sentia. Ele ouviu com
atenção, e depois disse:
- Sabe, se a ira é o "sangue" que sai do amor quando o cortamos, deve haver algo
contrário, que venha do amor quando ele é nutrido. Deve ser uma espécie de doce
verdade, não. Sempre soube que é assim que você pensa e sente, apesar de não falar muito
sobre isso,
Houve uma pausa e Cris ficou se perguntando o que ele queria dizer. Ele estaria
guardando suas expressões de romantismo para ela ou para o futuro, ou para... (não
- Há tempo para tudo, continuou Ted. Tempo para guardar os sentimentos mais
íntimos e tempo de expressá-los a outrem. Ainda não chegou a hora de eu falar dos meus
sentimentos mais profundos. Mas tenho certeza de que você sabe que eu os tenho.
- Não sei. Como é que as folhas sabem que chegou a hora de mudar de cor? É algo
sobrenatural, que elas fazem de modo natural, quando Deus coloca todos os elementos
certos no lugar. No momento, é hora de nós dois... ele parecia não encontrar a palavra
certa.
lá no barco.
- É, creio que sim. Mas mais que isso. Vou ter de pensar um pouco mais no assunto.
da manhã. Lembrou-se da pergunta do Ted: "Como é que as folhas sabem que chegou a
hora de mudar de cor?" e de que havia uma hora certa para tudo.
E a hora de ver o Ted finalmente vai ser hoje à noite! Não vejo a hora de sair do
trabalho e ir a Newport com ele. Vai ser bom Bob e Marta terem voltado do torneio de
O pensamento parece que tornou mais leves e alegres os seus passos. Cris enfrentou
as aulas da manhã resolvida a passar uma boa parte do horário do almoço com Michael e
Katie. Os últimos dias tinham sido bastante difíceis. Parecia que sempre que Katie dava
um passo para melhorar a amizade delas, Cris estava numa disposição crítica. Quando
Cris tentava ser paciente e compreensiva, Katie ou Michael dizia alguma coisa que a
deixava chateada e ela se afastava deles, com receio de dizer alguma coisa de que se
- Adivinhe o que vamos fazer este final de semana? perguntou Katie no momento
- Vamos a San Diego hoje à noite, e amanhã cedo vamos passear de barco para ver
- Lembra daquela garota, Stephanie, onde ficamos há uns meses, quando fomos ao
estudo bíblico dos “Amigos de Deus"? Peguei o número dela com o Douglas. Ela está no
- Cris, eu não acredito! Por que você não aceita a minha palavra? O Michael é
supercavalheiro. Não estamos fazendo nada errado. A moral dele é tão forte como a
minha.
Dava para notar que Katie estava começando a ficar esquentada. Seu rosto sardento
- Você está começando a me irritar, Cris! Eu dou um jeito de arranjar as coisas com
um monte de cristãos para o Michael poder estar perto deles e talvez até assistir à reunião
do grupo "Amigos de Deus" no domingo à noite, e você me faz sentir culpada, como se eu
- Me desculpe.
- Mas você não está arrependida! Você tem o seu padrão, que eu considero uma
- Vou ficar na casa dos meus tios, e você sabe bem disso.
- E eu vou ficar na Stephanie. É a mesma coisa. Você e o Ted vão ficar juntos o final
de semana todo. Por que seria errado eu apresentar o Michael a alguns amigos cristãos?
prestes a lhe subirem aos olhos. Logo estaria com os olhos rasos d'água.
- Preciso ir, disse ela, levantando-se e pedindo licença assim que viu o Michael se
aproximar. Realmente espero que vocês tenham um ótimo final de semana e que o
Michael se torne crente. Sinto muito por ser do jeito que sou, Katie. É que gosto demais
Cris pegou seu lanche (que não comera) e estava prestes a ir embora quando Katie
disse:
- Eu sei disso. Não se lembra do que eu lhe disse quando estávamos no bote? Não
existem garantias. Eu sei disso. Sei que é tarde demais para ter garantias de que não vou
me machucar. O mesmo se aplica a você e ao Ted, Cris. Ou você não está disposta a
enxergar isso?
Cris não podia encarar Katie. Não conseguia conversar com ela quando as coisas
Continuou andando em direção àquele lugar solitário à mesa do pátio que tantas vezes nos
Só que naquele momento Fred havia tomado o seu lugar e com ele havia duas
garotas primeiranistas, uma de cada lado. Ele trajava uma de suas roupas novas e, ao se
aproximar, Cris ouviu uma das meninas perguntar como elas fariam para que suas fotos
saíssem no anuário.
- Eu diria que como primeiranista sua melhor chance seria fazer algo extraordinário
na aula de culinária. Se sabem quando vão fazer um bolo ou coisa parecida, vocês duas
Ele dava um tom tão... oficial. Cris sentia-se confusa. Não queria se aproximar
deles, principalmente agora que o Fred tinha essa nova imagem e parecia estar atraindo as
garotas, ainda que do primeiro ano. Mas agora o lado triste era o fato de que ela não tinha
escola. Teri tinha se formado ano passado. Britany e Jane, duas garotas com quem
costumava andar pó lá no primeiro ano, tinham se mudado. Katie era a única pessoa com
quem ela vinha almoçando nos últimos dois anos e meio. A não ser o Fred. E agora até
- Srt.ª Cris! gritou ele, ao vê-la, embora ela tentasse passar despercebida. Venha
aqui!
Devo ser a pessoa que menos sabe fingir neste mundo. Não consigo esconder
Era verdade. Enquanto conversava com Katie, ela estivera cerrando os dentes sem
- Por que não pega pudim ou gelatina numa das máquinas de venda?
Cris fez que sim indicando que gostava da sugestão e notou sua câmara na mesa.
Ocorreu-lhe que seria bom pegá-la de volta para usar no final de semana.
tampa da objetiva para ver pela ocular. Você não bagunçou nada não?
Fred parecia ofendido com semelhante insinuação. Dava para vê-lo claramente pelo
visor e Cris teve a inspiração repentina de tirar foto dele para que ele visse como era ser
pego em flagrante.
- Meninas, vocês sabiam que o Fred passou por uma espécie de transformação no
Fred parecia contente que a Cris ainda estivesse notando e comentando sua melhora.
duas meninas.
para ver a orelha cada uma do seu lado. A expressão delas era de curiosidade e espanto.
Fred abriu a boca e esbugalhou os olhos. Nesse exato instante, Cris bateu a foto.
As duas primeiranistas pareciam encantadas. Seu desejo iria ser satisfeito. Fred deu
um salto e tentou arrancar a máquina das mãos de Cris. Ela a ergueu acima da cabeça, fora
- Ora, Fred, é a única foto que tenho de você agora, e você tem pelo menos uma
dúzia de fotos minhas. Não acha justo que eu fique com esta?
- Está certo, eu entendi, Cris. Ha-ha-ha! Uma piadinha ai. Vamos negociar. Você me
- Acho que não, Fred. Acho que esta foto anula a do ano passado na pizzaria que o
Rick o convenceu a tirar. Isso quer dizer que tenho pelo menos mais uma dúzia para tirar
- Aquilo foi idéia do Rick, não minha. Vamos lá, Cris, seja camarada!
Cris ia dar uma de durona para acertar as contas quando se lembrou de como as
coisas estavam caminhando entre Katie e Douglas quando os dois faziam o doce jogo da
vingança. Embora no início parecesse uma brincadeira sem maldade, com a continuação
- Está certo, Fred. Vamos fazer uma trégua. Eu preciso de minha máquina de volta.
Quando eu revelar o filme, você resolve o que fazer com sua fotografia.
Cris foi embora sem comer seu lanche, levando sua máquina fotográfica, resolvida a
tirar as últimas fotos do estacionamento como Katie havia sugerido no início das aulas.
Algo dentro de si dizia-lhe que ela acertara por não ter levado avante sua disputa com
Fred. Talvez fosse aquele perfume de que Ted falara, a fragrância que vem quando se
relacionamento que estou cultivando e logo com o Fred, ao passo que entre mim e minha
melhor amiga só surge raiva. Está na hora de uma trégua, Cris. Mas como é que vamos
arranjar isso?
Um Punhado de Pesares
12
- Jon, já estou de saída! disse Cris a seu chefe, um minuto depois das nove, na sexta-
- Um ótimo fim de semana para você! gritou ele. Diga ao Ted que mandei um
abraço.
O Ted deveria estar esperando-a em casa. Ela estava com a mala pronta para a
Estava tão agitada sobre o encontro com o Ted, que as chaves tremiam em sua mão.
- Precisa de ajuda? perguntou atrás dela uma voz grave Cris virou-se e quase soltou
um grito:
Ele abriu os braços e os dois se abraçaram. Ela escutava aa batidas do coração dele.
Ted ficou a segurá-la por alguns minutos, apertando o rosto contra seu cabelo.
Cris sentiu vontade de chorar, estava tão contente e tão animada por estar finalmente
junto dele e sentir seus braços fortes na sua cintura.
- Pensei que você estaria esperando lá em casa, disse ela quando ele a soltou e se pôs
a olhar o rosto dela a um braço de distância. Será que ele notaria a marca roxa do queixo,
uma recordação agora quase sumida de sua colisão com o braço do Douglas na semana
passada?
- Cheguei à cidade há poucos instantes. Sabia que você estava saindo do trabalho e
- Ali, naquele lado, replicou ele indicando com o queixo por cima do ombro. Eu vou
- Está certo! concordou Cris rindo-se de sua mão trêmula ao tentar mais uma vez
armadura.
Colocou a mão em cima da dela. Era quente, forte e confiante. Juntos, abriram a
Cris queria que partissem para Newport imediatamente. Mas Ted não parecia muito
ansioso. Trouxera um presente para o pai de Cris, e ela teve de reconhecer que foi um
gesto muito simpático. O pai demorou-se para abri-lo, pois a mãe serviu pão de abóbora,
que acabara de fazer, ao Ted e ficou fazendo perguntas a ele sobre os estudos.
David, naturalmente, ficara acordado para ver Ted e tentava convencê-lo a levá-lo de
- Está certo, cara. Que tal no próximo final de semana, se eu vier no sábado? propôs
Ted.
- Legal! Você vai ver só quantos truques novos aprendi.
uma luta livre no chão da sala. A mãe tirou depressa a mesinha de centro e se pôs a
Já passara das dez quando, finalmente, Ted colocou a bagagem de Cris em seu carro.
terminando com o pedido mais importante de sua mãe, isto é, que ela ligasse para eles
Cris sentou-se no banco rasgado da "Kombi Nada". Ted costumava colocar sobre ele
uma toalha de praia, para evitar que o estofado saísse para fora, mas hoje não havia
nenhuma. Cris teve de procurar a posição certa para que o vinil rasgado não a
incomodasse.
animadamente.
- Acho que meu pai gostou bastante do livro que você deu. Foi tão legal da sua parte,
Ted, comentou ela elevando bem a voz por causa do barulho do veículo.
Durante a primeira hora de viagem, conversaram sem parar. Cris percebeu que sua
garganta doía de tanto falar. Então aquietou-se e deixou que Ted falasse mais. Era tão bom
estar na companhia dele, e passar com ele, finalmente, esse fim de semana.
Assim que chegaram à casa de Bob e Marta, Ted foi direto à geladeira servir-se de
Ele se sentia bem à vontade na casa deles, que freqüentava mesmo quando Cris não
estava por perto.
- É claro.
- Gelo?
Avisou-os de que chegara bem. Quando estava prestes a desligar, sua mãe disse:
- Divirta-se, filha. Para nós é um conforto saber que podemos permitir nossa filha de
dezessete anos passar o final de semana fora, sabendo que está tomando decisões
ajuizadas.
Quando desligou, Cris pensou em como seus pais estavam diferentes em relação a
alguns anos atrás. Era agradável saber que, apesar dos altos e baixos, ela conquistara a
confiança deles. Com essa confiança, as restrições eram menos e ela gozava de maior
liberdade.
- Ótima idéia, interveio Marta. Sei de um lugar ótimo para nós quatro.
Cris queria dizer só ela e o Ted. Como poderia "livrar-se" da tia? Mas talvez isso não
- Ele não lhe deu um beijo de despedida, disse Marta enquanto Cris terminava sua
- Não sei.
- E o que mais?
- Isso não me parece muito natural, querida. A esta altura dos acontecimentos, eu
achava que vocês dois estavam bem mais adiantados no relacionamento físico. Pensei até
em ter uma conversa de mulher para mulher com você sobre o lado físico do namoro, mas
- Eu acho que tudo está exatamente como deveria estar. Não tenho do que me
- Muito nobre, disse Bob. Eu e sua tia respeitamos e apoiamos você pelos padrões
Cris observou a tia mudar de expressão - deixou de ser crítica para ser compassiva.
Ela sinceramente desejava o que fosse melhor para a sobrinha. Cris sabia disso, embora
- É, Cristina, tenho de concordar. Tem uma moral exemplar. A maioria dos jovens de
sua idade não age assim. Vocês dois são inteligentes. Acho que devíamos estar contentes
de saber que os programas de educação sexual de sua escola estão dando resultado.
Cris teve até vontade de rir. As discussões abertas na sua escola tinham lhe ensinado
as complicações e conseqüências de "ir longe demais", mas era seu relacionamento com o
Senhor que fazia com que ela decidisse agir de forma correta.
- Na verdade, o que faz a diferença para mim e o Ted é que somos cristãos e
- Sabe, disse Bob, mudando de assunto, acho que eu quero dormir até tarde amanhã.
Por que você e o Ted não saem sozinhos para o café da manhã e à noite jantamos juntos os
quatro?
- Para mim está ótimo, disse Cris. Tudo bem com você, tia Marta?
- É claro, querida. Certamente vocês dois vão se divertir mais passando o tempo a
sós. De qualquer maneira, conhecendo as preferências do Ted, é provável que seja um café
da manhã mais simples. Podemos planejar algo mais elegante para o jantar.
Na manhã seguinte, o Ted apareceu logo depois das oito. Marta estava certa: vestia
Cris levantara às seis para tomar banho, arrumar o cabelo e se vestir. Embora
estivesse de jeans cortados e camisão de chambray com camiseta branca por baixo, ela
levara muito tempo se produzindo; o mesmo que levaria se estivesse se aprontando para
um baile de formatura. A maquiagem era leve e perfeita, com rímel certinho nos olhos. O
cabelo, limpo e leve, estava solto, sem nenhuma das fivelas ou clipes que a tia Maria
queria que usasse. Cris estava bonita e bem-arrumada, pronta para o que desse e viesse.
Ted conduziu-a até à kombi e abriu a porta para ela. Cris notou que a toalha de praia
estava no lugar, cobrindo o assento. Sentiu certa satisfação interior ao perceber que Ted
havia notado seu desconforto na véspera, e providenciara para que ela tivesse mais
- Puxa, desculpe! Fui surfar hoje cedo e deixei minha toalha aí para secar, e assim
quando ele foi picado por uma abelha e ela teve de dirigir na esburacada estrada de Hana.
Ted desceu, deu a volta correndo e, antes que ela desistisse, trocou de lugar com ela.
- Não sei onde sua tia pretendia que a gente fosse tomar café, mas já que agora sou
Cris foi dirigindo devagar e olhou Ted pelo canto do olho. Ele havia dito "o nosso
cruzamento". Era onde ele lhe havia dado o primeiro beijo e onde lhe dera também a
pulseira de chapinha. Ela também já pensava naquele lugar como "nosso cruzamento",
Um leve sorriso lhe aflorou aos lábios. É; agora ela e Ted estavam namorando de
verdade. Ele também já considerava sagradas as coisas que tinham acontecido entre eles.
restaurante. Estacionou, desligou o motor orgulhosa de ter chegado até ali sem problemas.
- Parece que a kombi está reconhecendo uma velha amiga, comentou Ted. Ela não
atende bem assim para qualquer um, espero que você saiba disso.
Pouco depois, a refeição era trazida à mesa e Ted estendeu a mão para segurar na de
- Não é que eu não queira beijá-la mais. Você sabe disso, não sabe?
Cris sentiu o rosto avermelhar. Esperava que mais ninguém tivesse escutado.
- Há tempo para tudo, disse Ted, ainda com a voz baixa. Tenho um compromisso
com Deus de manter equilíbrio em tudo e fazer o que devo só quando ele disser que está
Cris tomava sua laranjada, o olhar fixo no do Ted, cujos olhos azul-prateados se
- Tem algo que quero lhe falar, Cris. Espero que entenda o sentido certo do que vou
dizer. Uma coisa que realmente aprecio em você é que você não fica dando em cima, se
- Não tenho certeza, respondeu Cris, mantendo os olhos fixos nos de Ted.
Cris fez que sim com a cabeça, incerta sobre o que ele dizia, mas certa de que
- As garotas não imaginam o que fazem com um cara quando "dão em cima". Não só
pelo toque, mas pelo modo de se vestir. Adoro o jeito como você se veste. Está sempre
bonita. Linda mesmo. Mas não procura se exibir, nem provocar a gente.
Cris sentiu que estava recebendo um curso sobre o que os rapazes pensam e, embora
já tivesse ouvido algumas dessas coisas antes, era bom ouvi-las do Ted. Assim essas
- Deixando que eu tome a iniciativa, você tem me ajudado a dar a direção certa ao
nosso relacionamento. Isso é porque você tem muita... dignidade é a única palavra que me
vem à mente. Você se vê como um dom, um tesouro. E a gente percebe isso e é o que a
torna absolutamente linda, Cris. Você não tem idéia do quanto é linda...
É verdade! Eu não tenho uma idéia precisa de tudo que você está dizendo. Só estou
sendo eu mesma. É maravilhoso estar aqui sentada, ouvindo você me dizer que sou linda!
Naquele instante, Cris sentia com Ted o mesmo que sentia ao telefonar para os pais
na noite anterior. Muitas vezes, antes, ela desejara correr à frente do Ted e apressar o
relacionamento. Agora estava contente por ter deixado que se desenvolvesse no ritmo
próprio e no tempo certo. Se ela não tivesse sido paciente, o Ted jamais estaria lhe
Comeram em silêncio por alguns minutos numa atmosfera agradável. Para Cris, era
como se a brisa que soprava em torno dela de repente passasse a carregar todos os
do Ted.
- Tem mais uma coisa que faz tempo que queria lhe perguntar, disse ele quando
Cris tocou o assento antes de sentar. O sol havia secado o banco enquanto comiam.
- Pode perguntar.
- Cris, sei que talvez eu não devesse me preocupar com isso, mas queria lhe
perguntar sobre o Rick. Quando vocês estavam namorando, o que foi exatamente que
aconteceu entre vocês dois? Venho fazendo tudo para não me envolver com isso, mas o
Rick disse certas coisas de você, quando éramos colegas de apartamento ano passado, que
simplesmente não "batem" com a Cris que eu conheço. Quero ouvir de você. Se você não
se sentir bem de falar sobre isso, tudo bem, eu entendo. Vai ver que eu nem deveria estar
lhe perguntando.
- Claro que deve. Não há muito que dizer. Saímos algumas vezes. E depois eu
terminei com ele. Não foi um relacionamento muito bom. Depois que acabei com ele, até
me aproximei mais de Deus. Por quê? O que foi que Rick disse?
- O Rick disse que você era fácil. Que fazia tudo que ele queria.
- É mentira! protestou Cris elevando a voz. Ele disse isso de mim? Ele é um
canalha! Como você podia acreditar nele? Ted, não acredito que você pensasse que...
- Eh! relaxe! Eu não disse que acreditei nele. Conheço você. Como estava lhe
- Ted, disse ela, desta vez num tom mais sereno. O Rick é o tipo de cara que parece
conseguir tudo que quer. Por alguma razão, ele resolveu que me queria. Agora que sei que
tipo de rapaz ele é, fica tudo muito mais claro, mas tenho que admitir que na época me
senti um pouco confusa. Achava que ele realmente gostava de mim por eu ser eu mesma.
Ele tinha uma lábia! Agora sei que alguns caras conseguem manipular as garotas com o
que dizem. Na época eu não sabia. Acho que estava querendo mesmo um namorado.
Achava que precisava ter um namorado. Você estava de partida para o Havaí e o Rick era
- Eh! não precisa pedir desculpas por nada, Cris. Não estou lhe pedindo um relatório
do seu relacionamento. Isso é entre Deus e você. Acho que eu apenas queria ouvir da sua
boca que ele não se aproveitou de você.
- Ele tentou mais de uma vez. Beijou-me algumas vezes, mas eu sempre me
afastava. Sei que ele ficava zangado por isso. Mas eu não achava certo ter intimidade.
- E alguns abraços. Nada mais. É incrível que ele tenha dado a entender que
- Tenho certeza de que com algumas garotas foi mais. Talvez ele tenha ficado com o
orgulho meio ferido por não ter sido assim com você.
Chegaram à rampa da balsa que fazia a travessia para a ilha Balboa. A kombi fez um
barulhão ao subir pelo piso de metal. Ted desligou o motor e sugeriu que saíssem do carro
Cris ficou perto da amurada da balsa contemplando as águas azuis da baía. A brisa
da manhã estava fria e ela cruzou os braços para se aquecer. Ted veio por trás e abraçou-a,
enterrando o rosto em seu cabelo. De repente, ela se lembrou de uma vez em que o Rick
fizera a mesma coisa, sussurrando palavras doces no seu ouvido. Isso a deixou zangada.
Sentia raiva de si mesma por ter namorado o Rick. Se ao menos tivesse esperado, teria
- Estou zangada. Estou com raiva de ter namorado o Rick. Com raiva de não ter
esperado você. E antes que você diga que essa ira é o sangue que sai do amor quando é
ferido, afirmo que não é! O amor não fazia parte do meu relacionamento com o Rick. Não
- Cris, não seja tão dura com você mesma! Lembre-se de quando você estava com
parque, empinando papagaio na praia, a primeira vez que foram a um restaurante chique,
o Villa Nova.
- Sim, houve alguns momentos bons. Não foi tudo ruim, e ele não fez nada para
- Olhe aqui, disse Ted, soltando-a e colocando-se diante dela para fitar-lhe o rosto.
- Como?
- Nas minhas mãos. Ponha todos esses pesares e sentimentos negativos aqui dentro.
mão sobre as dele, fazendo de conta que deixava cair nelas as coisas ruins.
- Pronto. Agora o que você vai fazer com meu monte de cinzas?
- O mesmo que Deus faz com os nossos pecados, disse ele, fingindo atirar o
punhado de pesares ao vento e no mar. Ele os afasta de nós assim como o Oriente está
- Deus não cobra isso de você. Portanto você também não deve cobrá-lo de si
mesma. Foi tudo embora, Cris. Agora procure lembrar-se apenas do que foi bom.
Cris respirou fundo o ar gelado da manhã. Ted sorriu, formando a covinha em sua
bochecha.
A balsa entrou na baía e os dois carros que estavam atrás do deles ligaram os
motores.
Saíram da balsa e desceram a rua estreita. Na segunda esquina, numa das casas, à
______________________
* "Bazar de quintal" (no original yard sale): um comércio caseiro muito comum nos Estados Unidos. As
pessoas expõem para venda os objetos pessoais que não lhes interessam mais, como roupas, móveis, livros,
brinquedos, etc, a preços bem baixos. Esse "bazar”geralmente é montado no quintal ou na garagem da
- Parece meio apertado. Faz o seguinte, você desce, e eu dou a volta no quarteirão.
Foi o que Cris fez e a primeira coisa que avistou foi uma velha estante. Na etiqueta
de preço estava marcando cinco dólares. Antes que pudesse mudar de idéia, enfiou a mão
na bolsa, tirou uma nota e pagou. Quando Ted virou a esquina, ela fez sinal para ele
indicando o objeto. Ele parou em fila dupla, abriu a porta e colocou a estante no veículo.
- Não é uma graça? Eu precisava de algo assim no meu quarto para guardar minhas
bugigangas. Esta vai ser perfeita. Claro que precisa de uma pintura. Você me ajuda a
pintá-la?
Ted sorriu.
- Essa foi a compra mais veloz de que se tem notícia! comentou ele. Claro que
ajudo. Podemos passar na loja de tintas, pintar hoje mesmo, para que fique seca, e você
- Perfeito! exclamou Cris. Não é uma gracinha? Você não achou uma graça?
- Como está indo? perguntou Ted vindo até à frente da casa, onde Cris colocara sua
Tio Bob havia lixado o móvel com a lixadeira elétrica, e ele estava pronto para
receber a base. Cris estivera misturando a tinta enquanto Ted, na cozinha, preparava os
- Você deve estar pensando que vou ficar com um apetite de leão!
- O que pensei foi que eu acabo comendo o que você não quer comer, replicou o
rapaz, atacando seu sanduíche igualmente enorme. Marta disse que fez reserva para o
jantar. Vamos os quatro. Mas isso vai demorar algumas horas.
- Bem, estou pronta para começar a pintura. Se quiser um pedaço do meu sanduíche,
supervisiono.
- Boa idéia, começar por dentro. Não esqueça a parte de baixo das prateleiras.
- Ted, você acha que o branco é a melhor cor? Estou pensando se não deveria ter
- Não, sério, você não acha que devíamos ter escolhido uma cor mais interessante?
- Eu acho que branco está bom, falou, e deu uma dentada no sanduíche. Combina
com tudo. E fácil de combinar com qualquer coisa. Branco está bom.
- Eu gostei mesmo desta estante. Ela vai ser a "casa nova" de um monte de velhas
- De mim? A única coisa que já lhe dei foi a pulseira. Ah! e o coco que mandei de
Oahu.
- Cravos, Ted. Eram cravos brancos. Eu os sequei e guardei numa lata decorada. Foi
o único lugar que encontrei para guardá-los, quando nos mudamos aqui para a Califórnia.
- Incrível! Já faz quase três anos, disse Ted, dando a última mordida no seu
sanduíche.
Lembra?
os braços sobre o peito. Eu queria causar uma boa impressão em você e deixei que você
pensasse que era eu quem estava pagando tudo. Depois, quando devolvi o que sobrou do
dinheiro da sua tia, no final da noite, achei que você fosse me matar! Você não jogou um
Ela riu-se.
- É! Não dá pra acreditar! Eu achando que você fosse me dar um beijo de despedida,
e você me entrega um maço de dinheiro dizendo que me levou lá porque minha tia o
convenceu eu a ir.
- Claro.
- De jeito nenhum! Eu era covarde! Nunca havia beijado uma garota. Tenho que
confessar que pensei nisso o dia todo, mas quando chegou a hora, não tive coragem.
- Claro, jamais me esquecerei. Foi dois dias mais tarde, mas aí tudo havia mudado. A
Trícia me contou que você tinha entregado o coração para Jesus e ia voltar para o
Wisconsin. Quando cheguei lá naquele nosso cruzamento, pensei: "Está certo, Ted, é
agora ou nunca!" E foi "agora". Jamais me esquecerei, explicou ele parecendo muito
- Que tal se a gente pintar juntos o mesmo lado? Eu vou corrigindo o que você fizer
de errado.
errar?
Cris adorava sentir-se assim, próxima dele, com os ombros largos do Ted logo acima
clique de uma máquina fotográfica. Só que dessa vez era o Bob, e não o Fred, quem
segurava a câmera.
- Resolvi ver se sua máquina estava mesmo funcionando, disse Bob com um olhar
- Cris acabou de me perguntar o que eu achava dela com uma mancha de tinta no
nariz e eu estava prestes a lhe mostrar, disse Ted, levantando o pincel e preparando o
ataque.
- Ótimo, ótimo. Não vou atrapalhar! disse Bob posicionando a câmera bem perto
dela.
- Espere! gritou Cris ao ouvir de novo aquele clique. A tinta é para a estante, não pra
mim!
- Isso aqui não é estante! Isto aqui que é! replicou ela, dando uma pincelada no rosto
do Ted. Ah, errei: aquilo não era estante, era uma covinha. Agora, onde é que está a
estante?
- Tem sim. Notei isso na primeira vez que fomos à ilha Balboa, quando andamos de
- Isso mesmo, e você ficou com uma mancha de chocolate bem aí no rosto!
- Foi você que pediu, cara! disse Cris em tom de brincadeira. Esta pincelada é por
você nunca ter escrito uma carta para mim! falou e fez uma lista no braço dele.
- E esta aqui é pelas vezes que você me deu caldo no mar! disse ela correndo o
- Êpa! Acabou o filme, disse Bob. Acho que vocês têm de dar uma trégua.
Cris e Ted olharam um para o outro. Os dois empunhavam os pincéis, prontos para
atacar.
Depois que pararam de rir e limparam a tinta dos cílios, voltaram ao trabalho. Uma
hora depois a estante havia se transformado num branco depósito de todas as lembranças
- O branco está bom, afirmou Ted. Depois de seco, você vai ver.
Ele foi para casa, que ficava a alguns quarteirões dali, tomar banho e se aprontar,
enquanto Cris subiu para o banheiro de hóspedes da suíte onde se acomodara. Pequenos
pingos de tinta estavam grudados em seus braços e no rosto. Voltar ao normal foi um
processo lento, e ela precisou de uma dose extra de loção depois que terminou. Vestiu um
Ted já havia chegado e estava na sala embaixo, vendo televisão com o tio dela.
- Ela só vai estar completamente seca amanhã, disse Bob. A Marta lhe disse que
vamos sair para jantar dentro de uma hora? Ela fez reserva num restaurante novo em
Huntington.
Cris sorriu para o belo jovem que se aproximava dela. Seu cabelo curto, cor de areia,
ainda estava molhado. Os olhos azuis iam ao encontro dos seus, e ele estendeu a mão,
convidando-a a caminhar. Ela pôs a mão na dele e saíram juntos pela porta corrediça.
Tiraram os sapatos e deixaram que os pés se afundassem na areia fresca.
- Parece que o pôr-do-sol vai ser magnífico hoje. Olhe só como o horizonte está
ficando carregado de nuvens. Quando o sol bater no mar, elas vão ficar rosadas e
alaranjadas.
- Ah, se lembrou, hem! falou Ted, apertando-lhe a mão. Sim, essas nuvens vão se
transformar em montes de pó hoje. Parece que Deus tem andado muito por estas bandas.
Caminharam em silêncio, de mãos dadas, até chegarem à beira d'água, onde a areia
era firme e molhada. Mecanicamente, Ted passou seu polegar sobre a corrente da pulseira
"Para Sempre". Cris se lembrou então de que nunca perguntara a ele se sabia quem pagara
- Ted, quero lhe perguntar uma coisa. Você havia reservado umas perguntas para
mim hoje cedo. Agora sou eu que faço perguntas. Primeiro, quero perguntar se você sabia
Cris explicou que havia tirado a pulseira do braço e guardado na bolsa. Como
deixara a bolsa no carro do Rick, pensou que a tivesse perdido. Mais tarde soube que ele
havia trocado a pulseira por outra - uma de prata, maior, mais pesada com o nome dele,
"Rick", gravado. Cris calculou que ele a tivesse roubado. Então depois que desmanchou
com ele, foi comprá-la de volta no joalheiro onde ele a havia trocado pela de prata.
- Eu não sabia nada disso, disse Ted, parado no lugar, sentindo a maré subir e
banhar-lhes os pés.
- Queria saber também se foi você quem liquidou o débito para que eu a pegasse de
- Não fui eu, pois eu nem sabia. Será que não foi o Rick?
- Por algum tempo pensei que fosse, mas quanto mais penso no assunto, menos
acredito nisso.
- Talvez. Mas acho que nenhum dos dois soube do que aconteceu. Acho que vai
Ted remexeu os dedos dos pés para desenterrá-los da areia e, segurando com firmeza
- Não tem importância continuar sendo mistério. O que importa é que você está com
a pulseira.
- É, eu também "agüento" um pouco de mistério. Mas isso me deixa ainda com mais
raiva do Rick.
- Espere um pouco! Essa não foi uma das coisas que jogamos no mar hoje cedo?
indagou o rapaz, fazendo o gesto de jogar algo ao mar. Você quer sair por aí nadando,
tentando catar as cinzas de novo? Não vale a pena, Cris. Deixe para lá.
Cris encostou a cabeça no ombro do Ted. Após uma breve pausa, acrescentou:
- Eu queria poder abrir mão desse problema com a Katie e o Michael também.
- Mas aí é diferente. Esse você não pode soltar, não. Nesse caso, você tem é que
- Mas quando digo a ela que ele não é cristão e ela deveria terminar o
relacionamento, ela fica contra mim. Detesto causar toda essa confusão.
- Então, você vai mudar de opinião sobre namoro de crente com não-crente?
Cris pensou um pouco. Não tinha certeza. Quando o Ted dissera "mudar", ela se
lembrara de quando ele perguntara! "Como é que as folhas sabem que é hora de mudar?"
A resposta era que se tratava de algo sobrenatural que Deus faz acontecer de modo
natural.
- É, parece que não conseguirei mudar nada. Só Deus. Posso é pedir que ele faça
- É, concordou Ted.
- Pra mim é impossível mudar a minha maneira de pensar sobre o namoro dela com
o Michael.
- Entendo.
- Queria que fosse mais fácil e que Deus não demorasse tanto para atender às
orações da gente.
- Não levo numa boa. Tenho orado pela Katie e o Michael desde aquela noite que
nos encontramos com eles no cinema. A única coisa que me dá esperança é que Deus disse
que há tempo para tudo. Katie está passando por um momento em que tem de tomar
algumas decisões importantes, e você precisa ficar do lado dela. Aí, dependendo das
decisões que ela tomar, chegará a hora de vocês duas chorarem juntas ou de dançarem.
Ted a conduziu à parte mais seca da areia, um pouco adiante, e os dois ficaram
sentados juntinhos, de mãos dadas, orando por Katie e Michael. Quando ergueram o rosto,
o sol já mergulhava no mar. Como Ted havia previsto, as nuvens tipo "pó dos pés de
Embora não pudesse explicar, Cris sentiu que tudo iria acabar bem com a Katie.
Talvez porque ela, Cris, simplesmente entregara a situação nas mãos de Deus no momento
em que oraram. Talvez fosse esse maravilhoso pôr-do-sol. Tudo mais parecia pequeno
ante a grandeza magnífica que Deus exibia. Se Deus podia dizer ao sol a hora certa de se
pôr, certamente poderia dizer a Katie a hora de terminar com o Michael, com ou sem a
intervenção de Cris. Cris resolveu que iria orar pelos dois todos os dias, e queria continuar
Ted colocou seu braço nos ombros de Cris e puxou-a para mais perto dele.
- Sabe, Kilikina? Há muito tempo que eu estava orando para que nós dois
- Eu também tenho pedido isso a Deus, Ted. Lembra quando você, um dia desses,
- É? Qual?
palavras.
- Olhe só a cor daquelas nuvens, sussurrou Cris ao ver diluir-se no céu as últimas
- Branco também é uma boa cor para uma nuvem, não acha?
- Mas você não acha que rosa-pérola é uma cor que combina com algo que se quer
- Sabe de uma coisa? indagou Ted agarrando a mão de Cris e conduzindo-a de volta
para casa. Acho que temos tempo de ir até a loja de tintas antes do jantar e comprar uma
lata de tinta cor-de-rosa. Afinal de contas, que outra cor seria melhor para uma estante
- Bem, o branco é muito bom! Disse Cris, entrando na brincadeira. Mas não para
aquela estante. Ela tem de ser rosa-pérola. A mesma cor do “pó dos pés de Deus”.