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A REFORMA

HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA

DA ASSISTÊNCIA
PSIQUIÁTRICA
PROPOSTA
POR GRIESINGER

THE PSYCHIATRIC CARE REFORM


PROPOSED BY GRIESINGER Maurício Viotti Daker

RESUMO: Em seguida a Pinel, Griesinger foi o grande expoente da psiquiatria, sendo seu Tratado
amplamente difundido. Na segunda edição, em 1861, acrescentou no capítulo sobre tratamento, tema de
que cada vez mais se ocupou: os hospitais psiquiátricos e a assistência ao doente mental. Publicou, em
revistas especializadas, “Sobre Hospitais Psiquiátricos e seus Desenvolvimentos Futuros na Alemanha”,
“O Tratamento Livre” (non-restraint) e outros artigos. Considerava em sua proposta assistencial vasta
gama de serviços, ciente da grande variabilidade de necessidades dos pacientes. Considerava as condições
populacionais de cada região. Sempre tinha em mente as atividades vinculadas às universidades. Propunha
hospitais de fácil acesso para atendimento aos casos novos, descentralizados e próximos ao ambiente dos
pacientes, com benefícios tanto para a pronta atenção ou internação como para a programação de alta
gradativa. Propunha asilos para crônicos desprovidos de recursos, assim como auxílio estatal para familiares
e para outras estruturas de apoio. Uma possibilidade era o trabalho de pacientes, com condições para
tanto, junto a famílias de trabalhadores que os abrigassem. Suas idéias baseavam-se nos mais recentes
conhecimentos da psiquiatria de então. Sua própria concepção psiquiátrica era, a um tempo, somática e
psíquica, equilíbrio que se reflete no pragmatismo técnico e humanitário de suas propostas.

ABSTRACT: After Pinel, Griesinger was a great exponent of psychiatry, with a widely spread work. In the
second edition, in 1861, he added to the chapter about treatment a subject in which he was each time more
interested: psychiatric hospitals and assistance to the mental patient. He published in specialized journals:
“On Psychiatric Hospitals and their Future Developments in Germany”, “The Free Treatment” (non-restraint),
and other articles. He considered in his assistance purpose a vast range of services and was aware of the
great variability of the patients’ needs. He considered the population conditions of each area. He always had
in mind activities associated to the universities. He proposed, for the new cases, easy access hospitals that
would be decentralized and close to the patients’ setting, with benefits for aiding inpatients and encouraging
their gradual discharge. He proposed asylums for needy chronic patients, as well as state aid for relatives
and other support structures. He suggested that capable patients could work together with workers’ families
that sheltered them. His ideas were based on the most recent knowledge of psychiatry. His own psychiatric
conception was, at the same time, somatic and psychic, a balance that is reflected in the technical and
Maurício Viotti Daker – Professor Adjunto
humanitarian pragmatism of his proposals. do Departamento de Saúde Mental
da Faculdade de Medicina da UFMG.
PALAVRAS-CHAVE: Psiquiatria social/história; Saúde mental/história; Griesinger. Coordenador do Serviço de Psiquiatria do
HC-UFMG. Doutor pela Universidade de
KEYWORDS: Community psychiatry/history; Mental health/history; Griesinger. Heidelberg, Alemanha, CAPS/DAAD.

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INTRODUÇÃO e a psiquiatria administrativa e insti- avanço no entendimento das doenças
Griesinger se insere, de forma modelar, tucional tenha prejudicado ambos os mentais. E é bom lembrar que, mesmo
no período em que predominava uma lados por longo tempo.7 muito antes de Griesinger, em várias
visão unitária dos transtornos mentais. É admirável como Griesinger, épocas da história da medicina – vide
Concebia os transtornos mentais em em seu período relativamente curto Hipócrates –, o cérebro foi considerado
um contínuo, desde a normalidade até de vida (1817 a 1868), além da exuberân- o sítio da mente e das alterações men-
os estados mentais mais graves. Difun- cia de sua contribuição científica, ainda tais. No entanto, o aforismo paradig-
diu amplamente essa visão em sua ex- tenha se dedicado à psiquiatria social mático de Griesinger encontra campo
pressiva obra, especialmente em seus de forma tão promissora. Faremos, a fértil no processo científico conjuntu-
tratados.1,2 Apoiava-se em observações seguir, um apanhado do que consistia ral de sua época, o método científico
clínicas suas e de vários autores, em sua proposta de reforma da assistência natural, com seqüência histórica direta
uma hipótese fisiológica e na psicolo- psiquiátrica. Basear-nos-emos em tex- até nossos dias.
gia associacionista de Herbart.3,4,5 Sua tos já citados e em outros específicos Numa primeira vista, o autor susci-
concepção fisiológica era simultanea- sobre esse tema.9,10,11 ta interpretação enganosa: parece tra-
mente psicológica, pois a fisiologia do tar-se de autor extremamente “bioló-
cérebro seria a própria psicologia.3,4 A A PROPOSTA REFORMADORA gico” ou organicista. Porém, vejamos
partir de uma analogia com as funções DE GRIESINGER este outro citado seu: “Consideramos
aferentes, centrais e eferentes da me- “Já que a alienação mental é uma as causas psíquicas as mais freqüentes
dula espinhal, estipulou um processo doença, e na verdade uma doença do e produtivas fontes de alienação”. De
fisiológico cerebral – as ações reflexas cérebro, logo não pode haver para ela fato, como é nosso consenso atual, todos
psíquicas – cuja disfunção explicava os nenhum outro estudo mais apropriado os múltiplos fatores causais de doença
transtornos mentais.6 Estes poderiam que o médico. A anatomia, fisiologia mental, também os psíquicos, atuam de
ser primários e predominantemente e patologia do sistema nervoso e o alguma forma no cérebro. Griesinger
afetivos ou secundários com compro- conjunto das patologias e terapias fala da “história interior da individua-
metimento maior da inteligência e ir- especiais constituem os mais indis- lidade psíquica”, de “cisão do eu” e de
reversíveis. Reconhecia que a maioria pensáveis embasamentos para o mé- “violenta luta interior” no sentido de
das doenças mentais era funcional, sem dico alienista.”12 conflitos. Reconhecia, inclusive, pro-
achado anatomopatológico. A melan- Esse citado de Griesinger espelha blemas familiares que poderiam in-
colia seria a expressão de um alenteci- sua firme postura “medicocêntrica”. fluir na primeira infância e resultar
mento dos processos fisiológicos (até Para ele, doença mental é doença do em futuro transtorno mental. Não se
certo ponto normal na reflexão), em cérebro. Como, então, associá-lo à re- pode dizer, portanto, que Griesinger
que os sentimentos fluem com muita forma psiquiátrica, pressupondo esta era puramente organista, como de
dificuldade da ideação para a ação. Já uma abordagem moderna direcionada resto a psiquiatria não o é. Correto é
na mania ocorreria o contrário, uma a questões psicossociais familiares e co- considerá-lo em posição de equilíbrio
espécie de convulsão. Nos estados de munitárias? Como avaliar a proposta entre o orgânico e o psíquico.
enfraquecimento haveria perda do tô- desse longínquo autor? Griesinger era monista, defendia
nus psíquico e conseqüentemente uma Fato é que Griesinger se dedicou, a unidade organo-psíquica, ou entre
frouxidão dos nexos associativos: des- com afinco, a uma proposta de desen- corpo e alma, considerando as funções
troços após a tormenta afetiva.1,2,6,7,8 volvimento da assistência psiquiátrica psíquicas funções fisiológicas – igual-
Muitos dos grandes médicos nota- com muitas semelhanças com as re- mente psicológicas – do cérebro. Já se
bilizaram-se não apenas por suas con- formas atuais. empregava o termo “funcional” para
cepções ou contribuições científicas, Antes de adentrarmos em sua re- aqueles quadros em que não havia evi-
mas pelo intuito de implementá-las forma assistencial, algo mais deve ser dência de alteração organo-cerebral ou
na prática assistencial. Na psiquia- esclarecido sobre a concepção psiquiá- sintomática, com comprometimento
tria, a começar pela notável reforma trica do autor. Devemos enxergar seu mais propriamente fisiológico.
de Pinel. Pouco difundida, no entanto, aforismo “doenças mentais são doenças Nessa ótica, preservados os aspec-
é a reforma da assistência psiquiátrica do cérebro” inserido no contexto de sua tos psicológicos e existenciais envolvi-
proposta por Griesinger, talvez por ela época na Alemanha. Ali, a psiquiatria dos na doença mental, intrinsecamen-
ter sido muito avançada para sua épo- vinha de uma concepção teológica, mo- te ligados à psiquiatria enquanto via
ca, de modo que não foi possível sua ral e filosófica. Reinava, entre outras, a entre ciências naturais e humanas, já
implementação (também, no clímax da discussão sobre se a alma poderia adoe- não é tão surpreendente que ele pos-
disputa por sua implementação, Grie- cer. Em meio a isso, alguns propunham sa ter formulado proposta que pudes-
singer adoeceu e logo veio a falecer). a origem das doenças mentais nos mais se contemplar aspectos essenciais da
No entanto, muito do que preconizava diversos acometimentos corpóreos, por atual psiquiatria social.
tem sido efetivado mais recentemente. exemplo, a melancolia como acometi- Vale menção à assistência psiquiá-
É possível que o confronto gerado en- mento dos gânglios abdominais. Por- trica prestada à época. Embora haja
tre a psiquiatria médica universitária, tanto, não há como negar que a afir- relatos de uma assistência hospitalar
a qual Griesinger bem representava, mação de Griesinger representou um especializada para doentes mentais

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desde a antigüidade, ao menos sim- De forma impressionante, ergue-se seguro para dar a alta. Para Griesin-
bolicamente considera-se a época de Griesinger, com base em seus avan- ger, essa possibilidade de contato mais
Pinel após a revolução francesa, em çados conhecimentos psiquiátricos, próximo do paciente agudo com seu
torno de 1800, marco da instituição contra esse estado de coisas. Preocu- meio, com amigos e familiares, pro-
da especialidade médica psiquiátri- pou-se com a inserção dos pacientes na porcionada pelos hospitais urbanos,
ca. Griesinger enaltecia o aspecto te- sociedade, questionou vários aspectos era relevante para o tratamento. Isso
rapêutico dessa nova abordagem e o da hospitalização e considerou as in- se contrapunha a uma noção arraiga-
interesse médico mais próximo pelas fluências institucionais e sociais nos da de que o paciente com transtorno
doenças mentais. Segundo Griesinger, transtornos mentais: é o que sustenta mental se beneficiaria de um longo
os pacientes vivenciam nos hospitais a psiquiatria social surgida recente- isolamento. Griesinger era absoluta-
psiquiátricos uma primeira noção de mente após a segunda guerra! mente contrário a uma massificação
liberdade, igualdade e fraternidade. Suas exposições iniciais a respeito do tratamento, a um mesmo remédio
Tentativas de aplicação desses dita- de uma reforma assistencial se referem para todos os casos. Argumentava que
mes também existiam de forma mais à questão dos hospitais para pacientes os tratamentos deveriam ser tão varia-
aberta, extramuros, como no princí- curáveis versus os para os incuráveis, dos quanto a variedade dos diversos
pio do non-restraint e do open door na que existiam na época. Argumentava quadros clínicos.
Inglaterra, em torno de 1840. Na Ale- que esses conceitos de curável e incu- Esses hospitais deveriam ser pe-
manha, havia nessa época um hospital rável eram difíceis de aplicar e que, quenos, para acompanhamento mais
psiquiátrico em que os funcionários, por freqüente falta de vaga nos hos- intensivo e individual, de 60-80 a, no
inclusive os médicos, participavam pitais para assistência aos incuráveis, máximo, um pouco mais de 100 pa-
conjuntamente em várias atividades acabavam os hospitais para curáveis cientes, conforme o tamanho da cidade.
com os pacientes, como em jogos e às superlotados e inacessíveis à popula- Seu aspecto deveria ser o de uma casa
refeições. Funcionários e pacientes re- ção deles necessitada. Propôs hospitais usual, ou de várias casas, sem luxo ou
sidiam juntos. Familiares de ambos os “descentralizados” (Griesinger), em ci- fachadas especiais. Por motivos econô-
lados participavam das atividades. Im- dades, próximos ao meio dos pacien- micos e de tranqüilidade ambiental,
pressionante era a experiência extra- tes, para os quadros clínicos que ele seriam mais apropriados na perife-
hospitalar em Gheel, Bélgica, onde preferiu denominar de transitórios, ria. Prescindiriam do grande arma-
cerca de mil pacientes residiam com reservando aqueles hospitais maio- mentário arquitetônico e funcional
famílias. Griesinger era muito bem res e mais distantes para tratamentos dos hospitais tradicionais, como área
informado e chegou a visitar várias prolongados, para os pacientes crônicos de trabalho, igreja, grande refeitório,
dessas instituições, mencionando-as necessitados desse tratamento. pátios enormes, salas de jogos e de tea-
em seus artigos. “Minhas palavras não Propôs uma série de melhoramen- tro, residência do diretor etc. Apenas
resultam de lucubrações teóricas, mas tos técnicos e inovadores, tanto para médicos com boa formação psiquiá-
de experiência”, dizia. o hospital de agudos como para o de trica poderiam ser responsáveis por
Em que pesem os avanços huma- crônicos. Suas propostas se baseavam tais hospitais.
nitários e libertadores, a medicina en- em dados concretos, inclusive quanto No âmbito dos hospitais urbanos
contrava dificuldades para propiciar a custos. Digno de nota, o número de para agudos, incentivava a criação de
uma igualdade dos pacientes psiqui- internados na Europa àquela época era clínicas psiquiátricas vinculadas às
átricos com os demais doentes, graças da ordem de 300.000 pacientes! universidades, adaptadas ao ensino e
ao arraigado medo ante o inusitado das Para que hospitais descentralizados relevantes para a boa formação do mé-
doenças mentais e à vinculação destas, nas cidades? Os ganhos seriam muitos, dico, tanto do generalista na graduação
àquela época, a uma noção de degene- segundo Griesinger: quanto a do especialista. Enfatizava a
ração. A sociedade, assim, incentivava – Os pacientes teriam acesso ime- importância das doenças psiquiátricas
o isolamento dos pacientes. Em com- diato ao hospital e a uma assistência na medicina. Num de seus textos, es-
pensação, erigiam-se construções lu- psiquiátrica quando necessária. creve que a construção de uma clínica
xuosas, “palacianas” (Griesinger), em – O psiquiatra do paciente teria psiquiátrica universitária era tarefa re-
muitos casos consideradas monumen- muito mais condições de obter infor- lativamente fácil, que talvez custasse
tos da humanidade, para servirem de mações sobre o meio familiar e social apenas a metade do que um hospital
hospitais psiquiátricos. Basta lembrar- do paciente. Griesinger advogava que de obstetrícia e ginecologia, e indaga:
nos de alguns de nossos primeiros hos- toda demanda de internação deveria “esta deveria ser uma especialidade tão
pitais psiquiátricos, como o hospital ser acompanhada da visita de médico mais importante que a psiquiatria?”
colônia de Barbacena, Minas Gerais, assistente à residência do paciente, o Ressaltava que essas clínicas psiquiá-
com sua bela fachada e, na época de sua que enriqueceria a anamnese e respal- tricas deveriam se localizar nas imedia-
construção, certamente monumental daria ou não a decisão da internação. ções das demais clínicas universitárias,
para a cidade. Também o Instituto Raul – De modo inverso, a alta poderia e não isoladas, para fins assistenciais
Soares, em Belo Horizonte, possui bela ser testada gradualmente, ou seja, – vide os quadros orgânicos agudos – e
arquitetura, assim como outras insti- com períodos anteriores de saídas do de ensino. Em sua gestão em Zurique
tuições do gênero no Brasil. hospital, até que o médico se sentisse e no planejamento do Burghölzli, mas

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especialmente em Berlim, Griesinger liberdade ou livre. Em qualquer even- como ardentes centelhas sob as cinzas.
procurou implementar os princípios tualidade, em caso de crise, haveria o São preciosas centelhas!”
do hospital para agudos com vistas respaldo do hospital psiquiátrico. Este, – “(...) já que um certo número [de
ao ensino. por meio da assistência em liberdade, pacientes] não pode gozar mais de ne-
Quanto ao hospital geral, admitia já não permaneceria superlotado. Em nhuma liberdade, torna-se a privação
que certos quadros clínicos psiquiá- parte, Griesinger se apoiava no exemplo da liberdade regra geral. Eu não penso
tricos poderiam ser adequadamente de Gheel. Mas em Gheel os pacientes que as pessoas doentes mentais devam
tratados neles. Criticava a internação eram pré-selecionados, pois havia um ter sempre a mesma liberdade que as
em hospital geral daqueles pacientes regulamento que impedia pacientes sadias, mas eu penso que deveria ser-
fisicamente íntegros necessitados realmente incontroláveis ou agres- lhes concedida aquela liberdade que é
de trabalho ou atividade ao ar livre: sivos de pertencerem à comunidade, suportada com segurança e bem-estar
“(...) suas forças físicas inutilizadas se donde a necessidade de apenas uma pela sociedade civil e pelo próprio es-
exercitam em gritos e destruição! Eles enfermaria para dar cobertura às cri- tado do paciente, donde penso que a
mesmos estão no inferno, e perturbam ses (ainda assim, alguns pacientes re- muitos dentre eles possa ser dada mui-
profundamente a ordem e harmonia corriam à enfermaria por mais tempo to mais de uma forma de liberdade or-
de tais casas”. Griesinger era adepto que o desejável). Por isso, Griesinger denada; tem, pois, que ser dada, mais
do non-restraint, inaugurado por Co- sustentava que o hospital era necessá- do que se tende a aceitar atualmente na
nolly na Inglaterra, sustentando que rio como retaguarda para os casos gra- Alemanha e do que hoje possuem. A
a liberdade de movimentos – ausên- ves em crise ou para alguns pacientes razão disso está não apenas em que é de
cia de celas, camisas de força ou outras impossibilitados de compartilhar uma todo uma injustiça limitar a liberdade
contenções físicas – era benéfica para assistência em liberdade. de um ser doente além do estritamente
o comportamento do paciente. Já existiam os hospitais privados necessário, senão que, essencialmente,
As internações transitórias leva- para as classes mais abastadas. O siste- pelo fato das faculdades mentais sa-
vam de poucos meses a um ano, ex- ma de Griesinger referia-se à assistên- dias, cujas preservação e atividade são
cepcionalmente pouco mais de um cia pública. Considerava procedimento prioridades para uma verdadeira vida
ano, período suficiente para defini- incorreto a possibilidade de financia- humana nesses casos crônicos, atrofia-
ção entre a alta e o encaminhamento mento pelo estado do tratamento em rem e submergirem em anos de disci-
a tratamento prolongado. hospital privado, no intuito de suprir plina de caserna, num modo de vida
Várias foram as propostas para os eventual carência de leitos, pois os hos- mecanizado e num sempre estar junto
hospitais de crônicos, conforme o grau pitais privados deveriam ser indepen- do doente com tantos outros doentes,
de acometimento desses pacientes. A dentes e competir entre si pela oferta como vemos nas centenas de pacientes
mais tradicional seria a da colônia agrí- de um melhor tratamento. dos hospitais de crônicos. Porque essas
cola. Como a maioria da população tra- Se ainda resta alguma dúvida sobre faculdades acontecem apenas, preci-
balhava na terra, essa era uma atividade o avançado da proposta e do pensamen- samente, ante uma certa quantidade
a que os pacientes se dedicavam com in- to de Griesinger, vejamos alguns cita- de liberdade.”
teresse. Havia relatos de que as pessoas dos de seus textos sobre a assistência – “(...) muitos pacientes suportam
da cidade também logo se interessavam psiquiátrica: mais liberdade do que se supõe (...) Mas
por essa atividade e se beneficiavam. – “Quando a ciência traz novos se eles podem suportá-la, então tam-
A idéia não era a de alojar todos esses pontos de vista, quando se eviden- bém têm que tê-la.”
pacientes crônicos numa só edificação ciam urgentes necessidades que não – “Existem também influências
ou em enfermarias, mas muitos deles podem ser satisfeitas com os recursos ainda mais benéficas que as das colô-
residiriam no campo em pequenos lares da atual assistência pública, então não nias e tais são (...) encontrar assistência
próximos à edificação central, próximos se permite – e este é o caso – ignorar na família, a qual é a apropriada e a
ao hospital propriamente dito. Parte dos ou negar as necessidades, senão que única correta para uma certa parte dos
custos com o tratamento estaria cober- os recursos devem ajustar-se às ne- alienados. Ela garante o que o hospital
ta com a produção. Mas Griesinger foi cessidades.” mais esplendoroso e melhor adminis-
muito além. Em síntese, propunha que – “O homem, também o assim trado do mundo nunca pode oferecer:
o hospital psiquiátrico para crônicos se chamado doente mental, não é uma a plena existência entre saudáveis, o
transformasse gradualmente numa máquina viva, cujas funções estariam retorno de um meio artificial e mo-
vila, onde as famílias de funcionários consumadas com a satisfação de ali- nótono para um meio social natural,
e, nas imediações de alguma cidade, mento ou bebida e escalvado traba- o benefício da vida familiar. Doentes
famílias de trabalhadores passassem lho mecânico; ele tem inclinações, tranqüilos, totalmente inofensivos,
a abrigar os pacientes aptos a exercer tem interesses, tem coração. Bem ainda receptivos para o que aqui se
alguma atividade laborativa, que auxi- que em muitos transtornados psíqui- trata, ainda não totalmente alheios
liassem na renda familiar (além disso, cos a mente sucumbiu à noite, o afeto à vida, ainda capazes de conservar
as famílias poderiam ter compensações se apagou, a vontade fraquejou, mas a maioria das formas saudáveis de
financeiras do município ou do estado). noutros ainda permanecem existen- existência, no geral mais mulheres
Era o que denominava assistência em tes essas condições, mesmo que apenas do que homens, são especialmente

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indicados para este tipo de assistên- caso: assistência prontamente disponí- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
cia livre e dela urgentemente neces- vel para crises, assistência para crôni- 1. Griesinger W. Die Pathologie und
sitados”. Lembramos que, aqui, não cos, assistência para crônicos em crise, Therapie der psychischen Krankheiten. 1. ed.
se trata necessariamente da própria para meio crônicos e para meio em cri- Wieden: Braunschweig; 1845.
família do paciente, mas daquelas em se, para pobres e ricos, para abandona- 2. Griesinger W. Die Pathologie und
comunidades adjacentes a um hospital dos etc. Assistência precoce e preven- Therapie der psychischen Krankheiten. 2. ed.
psiquiátrico para tratamento prolon- tiva, assim como assistência reabilita- Wieden: Braunschweig; 1861.
gado em assistência livre. dora em vários aspectos. Pensar, como 3. Kuhn R. Griesingers Auffasung der psy-
Mas Griesinger não era contrário, Griesinger, em distâncias geográficas chischen Krankheiten und seine Bedeutung
de modo algum, ao hospital psiquiá- e conseqüentemente em densidade de- für die weitere Entwicklung der Psychiatrie.
trico. Antes um hospital psiquiátrico mográfica, assim como acrescentaría- Bibl Psychiatr Neurol 1957;(100):41-67.
qualquer que nenhum, dizia. Mais al- mos as peculiaridades culturais. Pen- 4. Bodamer J. Zur Phänomenologie des
guns citados nesse sentido: sar, como Griesinger, na viabilidade geschichtlichen Geistes in der Psychiatrie.
– “Vê-se que não faltam doentes econômica da proposta. Pensar, como Nervenarzt 1948;19(7):299-310.
para os quais uma internação num Griesinger, na liberdade do paciente. 5. Watson RI. The great psychologists. 4. ed.
hospital ‘fechado’ é reconhecida como Para alguns, mesmo hoje e por muito New York: J.B. Lippincott Co; 1978. Available
benéfica e inteiramente necessária, que tempo ainda, não é ou será viável um from: URL: http://educ.southern.edu/tour/
pessoas sensatas não devem falar de tratamento em plena liberdade, pois who/pioneers/herbart.html
‘destruição’ (!) dos hospitais, que tais requerem cuidados intensivos diutur- 6. Griesinger W. Ueber psychischen
hospitais fechados devem ser pronta- nos. Mas é claro que cada qual deve ter Reflexactionen. (Mit einem Blick auf das
mente demandados onde não existem, toda a liberdade possível para si. Wesen der psychichen Krankheiten). In:
como a mais urgente necessidade.” E qual a razão, que se observa atual- Wunderlich CA. Wilhelm Griesinger’s
– “(...) não há hospital realmente mente, para tanta objeção ao hospital Gesammelte Abhandlungen. Berlin:
ruim – onde o médico é bom.” psiquiátrico? É indicado especialmente Hirschwald; 1872. p. 3-45.
para as crises, tanto crises de agudos 7. Marx O. Wilhelm Griesinger and the his-
DISCUSSÃO como de crônicos, além de sempre ter tory of psychiatry: a reassessment. Bull Hist

A
história da psiquiatria é antes sido útil ao ensino da medicina e da Med 1972;46(6):519-44.
uma história de idéias que de especialização em psiquiatria. Diria 8. Janzarik W. Themen und Tendenzen
descobertas. Pouca coisa tor- que são até econômicos, por lidarem der deutschprachigen Psychiatrie. Berlin:
nou-se de tudo obsoleta e em prati- com clientela em estado extremamen- Heidelberg; New York: Springer-Verlag; 1974.
camente todas as idéias há fundo de te delicado, com equipe especializada 9. Griesinger W. Die Pathologie und
verdade. Os conhecimentos parecem e habituada a isso. Nada obsta que al- Therapie der psychischen Krankheiten. 2. ed.
avançar em espiral, com certas idéias guns pacientes crônicos mais se bene- Wieden: Braunschweig; 1861. p. 520-38.
mais em evidência em dada época, ten- ficiem de asilos bem cuidados, assim 10. Griesinger W. Über Behandlung der
dendo a ser cada vez mais elaboradas. como outros de lares abrigados ou, de Geisteskranken und über Irrenanstalten.
Mas Griesinger adiantou-se muito no preferência, do convívio com a pró- a) Bemerkungen über das Irrenwesen in
tempo! Ante tais leituras da história, pria família, associados a atividades Würtemberg. b) Über Irrenanstalten und
prevalecem os sentimentos de admira- em centros de atenção psicossocial, a deren Weiterentwickelung in Deutschland.
ção, respeito e humildade. Há pontos programa de saúde da família, a parti- c) Weiteres über psychiatrische Kliniken.
mais sensatos e exeqüíveis nas propos- cipação em organizações não-governa- d) Die freie Behandlung. In: Wunderlich
tas de Griesinger do que em muitas das mentais etc., priorizando-se a melhor CA. Wilhelm Griesinger’s Gesammelte
alvoroçadas propostas atuais. É certo relação custo-benefício e a gravidade Abhandlungen. Berlin: Hirschwald; 1872. p.
que muito do que defendia tinha fun- dos transtornos. Em vez da proposta de 254-331.
damento. Note-se que ainda não tinha convívio com famílias operárias, como 11. Schrenk M. Griesingers neuropsychia-
surgido uma série de concepções ou propunha Griesinger, isso equivaleria trische Thesen und ihre sozialpsychiatrisch-
de conhecimentos considerados, por hoje a condições de trabalho facilitado en Konsequenzen (zu Wilhelm Griesingers
muitos, básicos para uma tal reforma, para muitos dos portadores de trans- 100. Todestag). Nervenarzt 1968;39(10):441-50.
como o existencialismo e a psicanálise, torno mental. 12. Griesinger W. Die Pathologie und
assim como a realidade social de então Muitos já lidaram e lidam com a Therapie der psychischen Krankheiten. 2. ed.
era muito diversa. Ou devemos negar assistência ao portador de transtorno Wieden: Braunschweig; 1861. p. 10.
a profundidade de seus princípios e mental, tarefa das mais relevantes ao
propostas? Havia, sim, a psiquiatria. É considerarmos a elevada prevalência
relevante constatar que a psiquiatria, e morbidade desses transtornos, e suas Endereço para correspondência
por si, chegou a essas propostas. conseqüências familiares, sociais e eco-
Não há como negar que deva ser nômicas. Que o exemplo de Griesin- Maurício Viotti Daker
oferecida ao doente mental toda uma ger nos seja útil nesse caminho difícil Av. Prof. Alfredo Balena, 190, sl. 4060
gama de recursos, conforme a notória e tortuoso. 30130-100 Belo Horizonte, MG, Brasil
variabilidade e complexidade de cada E-mail: daker@medicina.ufmg.br

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