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Série Iniciação
Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez
Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez
PUBLICAÇÕES
FFLCH/USP
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
Chefe: Profª Drª Maria Lígia Coelho Prado
Vice-Chefe: Profª Drª Ilana Blaj
L 994 Luzes e sombras sobre a colônia: educação e casamento na São Paulo do século XVIII/
Rosana Andréa Gonçalves, Ivani Maia, Marco Antonio Cabral dos Santos, Fabiana
Schleumer. - São Paulo: Humanitas Publicações / Departamento de História/ FFLCH/
USP, 1998.
© Copyright 1998 dos autores. Os direitos de publicação desta edição são da Universidade de São Paulo
Humanitas Publicações – FFLCH/USP – março 1998
iv
Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez
Sumário
Apresentação .......................................................................vii
Prefácio ................................................................................ ix
Introdução ........................................................................... 01
PRIMEIRA PARTE
SEGUNDA PARTE
vi
Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez
Apresentação
Prefácio
x
ou já formados, engajarem-se com o fazer pesquisa histórica,
conscientes do sentido político que a habita.
À FAPESP cabem os melhores elogios e mais sinceros
agradecimentos. Graças a seu apoio, todos os historiadores têm
um incentivo permanente à sua vocação.
xi
Introdução
A cidade de São Paulo que hoje habitamos perdeu seu aspecto colonial há
pouco mais de 100 anos. Daquela rústica vila pouco ou quase nada se conservou,
salvo algumas escassas edificações que obstinadamente resistiram por entre arranha-
céus e avenidas. Apesar da variedade de trabalhos surgidos nos últimos anos, a pro-
dução historiográfica sobre São Paulo colonial se mostra ínfima quando comparada
aos estudos sobre o Nordeste ou Minas Gerais.
Este trabalho objetiva discutir dois aspectos da vida social daquela Capitania
no século XVIII: Educação e Família. Para tanto, delimitou-se, dentro destes campos,
temas decorrentes de pesquisas realizadas pelos autores entre 1995 e 1996, sob a
forma de Iniciação Científica, tendo a orientação da Profª. Dr.ª Mary Del Priore e o
financiamento da FAPESP. Trata-se portanto do resultado de quatro pesquisas indivi-
duais de alunos de graduação em História da Universidade de São Paulo, que versa-
ram sobre a expulsão dos jesuítas de 1759 (Rosana Gonçalves), a reforma educacio-
nal estabelecida no governo do Marquês de Pombal (Marco Santos), os casamentos
entre escravos (Fabiana Schleumer) e os conflitos no interior da família (Ivani Maia).
Da união destes trabalhos temos o estudo das conseqüências da expulsão dos
jesuítas no sistema educacional da Capitania (Parte I) e os casamentos entre escravos
no contexto da política demográfica do século XVIII (Parte II). Um fato decisivo no
cenário político-social de Portugal e de suas colônias marcou profundamente o desen-
volvimento da educação na segunda metade do século XVII: a expulsão da Compa-
nhia de Jesus em 1759, por iniciativa e conseqüência da política implementada pelo
Marquês de Pombal. Dessa forma, a educação que até aquele momento era quase que
exclusivamente monopólio dos jesuítas passou por profundas transformações, cujos
ecos prolongaram-se até meados do século XIX. Pretendemos, na primeira parte do
texto, dar conta de algumas das variadas causas e efeitos da “expulsão” e da conse-
qüente reforma do ensino que se fez necessária não só na metrópole, como também
nas colônias, tendo em São Paulo nosso foco central, onde a reforma foi levada a cabo
por Morgado de Mateus. Dentre as inúmeras medidas implementadas para reestruturar
a Capitania (que se achava dependente do Rio de Janeiro), Morgado de Mateus pôs
Série Iniciação
2
Luzes e sombras sobre a colônia
PRIMEIRA PARTE
3
I - ASPECTOS DA AÇÃO JESUÍTICA NA COLÔNIA
1
SEBE, José Carlos. Os Jesuítas. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 45.
2
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. 25ª ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1987, p. 109.
3
AZEVEDO, Fernando de. “A transmissão da cultura”, parte 3ª da 5ª ed. da obra A cultura brasileira. São
Paulo, Melhoramentos; Brasília, INL, 1976, p. 11.
4
FREYRE, Gilberto. op. cit., p.110.
5
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Cobra de vidro. 2ª ed. São Paulo, Perspectiva, 1978, p. 97.
Série Iniciação
6
FREYRE, Gilberto. op. cit., p. 28.
7
Id., ibid., p. 412.
8
CARVALHO, Laerte Ramos de. “O ensino em São Paulo”, in Ensaios paulistas. São Paulo, Anhembi,
1958, p. 606.
9
RENOU, René. “A cultura explícita” in MAURO, Fredéric (org.). Nova História da Expansão Portugue-
sa, vol VII (dir. Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques), Lisboa, Estampa, 1991, p. 384.
10
CARVALHO, Laerte Ramos de. “A Educação e seus métodos” in HOLANDA, Sérgio Buarque de, (dir.)
História da Civilização Brasileira. São Paulo, Difel, 1960, v.2, t.I, p. 76.
6
Luzes e sombras sobre a colônia
sido barrados das primeiras escolas jesuíticas.”11 É evidente que este caráter “demo-
crático” do ensino estava intimamente ligado à catequese, uma vez que uma das
principais características da pedagogia jesuítica na Europa era justamente o elitismo,
promovendo uma diferenciação de conteúdos para as diferentes classes sociais (as-
sim, o ensino dispensado às classes subalternas era muito mais técnico)12.
A Ratio Studiorum foi o instrumento fundamental do sucesso jesuítico no campo
pedagógico europeu. Promulgada em 1586 e reformada em 1599, a Ratio estabelecia
para os estudos a cargo dos jesuítas três cursos ou períodos: de artes, compreenden-
do filosofia e ciências; de teologia e ciências e de teologia e ciências sagradas; duravam
os de artes três anos: no primeiro lendo-se Aristóteles e São Tomáz, no segundo física
e ciências naturais, no terceiro física especial.13 No entanto, há divergências entre os
autores sobre a utilização da Ratio na colônia pelos missionários: “a própria Ratio
Studiorum (...) não foi aplicada no Brasil. O arcaico programa medieval antes que
humanista do Colégio de Évora, continuou a ser aplicado no Brasil até as reformas
Pombalinas.”14
Porém, a maior parte dos autores concordam que a Ratio teve grande influên-
cia nas escolas loiolanas coloniais: “Para os estudos, era aplicada com modificações a
‘Ratio Studiorum’, imposta pelo Padre Aquaviva em 1599”15. O método decompu-
nha-se da maneira seguinte:
Estudos Inferiores;
– Infima Classis Gramatice: estudo das declinações e dos gêneros
– Media Classis Gramatice: estudo das conjugações
– Suprema Classis Gramatice ou aula de sintaxe
– Aulas de humanidades
– Aulas de Retórica em dois anos.
11
FREYRE, Gilberto. op. cit., p. 413.
12
CURTO, Diogo Ramada. O discurso político em Portugal (1600-1650). Lisboa, Centro de Estudos de
História e Cultura Portuguesa, 1988, p. 81 e seguintes.
13
VIANNA, Hélio. “A educação no Brasil colonial”. Revista brasileira de estudos pedagógicos, v. 06, n. 18,
1945, p. 378.
14
FRAGOSO, Myriam Xavier. O ensino régio na capitania de São Paulo. tese dout., S. Paulo, FEUSP,
1978, p. 29.
15
RENOU, René. op. cit., p. 181
7
Série Iniciação
16
Id., ibid., p. 182.
17
NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação no século XVII. São Paulo, EPU-EDUSP, 1981, p.
77 e seguintes.
18
DEL PRIORE, Mary. “O papel branco, a infância e os jesuítas na colônia” in História da criança no
Brasil. São Paulo, Contexto, 1991, p. 13.
19
Id., ibid., p. 13.
8
Luzes e sombras sobre a colônia
Deste modo, o mestre ficava isento dos castigos mais severos contando para
isso com a figura do Corretor:
É evidente que os jesuítas na colônia não contavam com todo o aparato buro-
crático disponível aos colégios europeus. É certo que algumas funções (como as de
Prefeito e Corretor) eram adaptadas pelos missionários à realidade colonial. “Na le-
20
VERNEI, Luís António. Verdadeiro método de estudar. Porto, Domingos Barreira editor, s.d., p. 78.
21
DEL PRIORE, Mary. op. cit., p. 21.
22
RATIO STUDIORUM - FRANCA, S.J. Leonel (org. e notas). O método pedagógico dos jesuítas. R. de
Janeiro, Agir, 1952, p. 175.
23
Id., Ibid., p. 190.
9
Série Iniciação
gislação da Companhia, diz o padre Serafim Leite, não achamos nada determinado
expressamente para as escolas do Brasil, no século XVIII, a não ser que não recebes-
sem açoutes os estudantes de 16 anos, para cima, e não se castigassem por ninguém
da Companhia mas pelo corretor, como ordenavam as constituições.”24 Fica clara a
proibição aos loyolanos de executarem os castigos, até mesmo por uma questão de
dominação; o possível ódio despertado pelas surras é transferido para o executante,
isentando a figura do missionário. Quem então, na colônia, ocuparia o papel de “Cor-
retor”? Nos relatos do padre Antônio Sepp, no início do século XVIII, temos exem-
plos esclarecedores:
10
Luzes e sombras sobre a colônia
colomins que, ensinados pelos padres, saíam pelas aldeias a ensinar os pais na própria
língua dos índios”27. Para Gilberto Freyre esta prática representava um importante
instrumento de dominação e de penetração, tanto no universo indígena, como no uni-
verso dos colonos: “Daí a tática terrível, porém sutil, dos educadores jesuítas, de con-
seguirem dos índios que lhes dessem seus columins, dos colonos brancos que lhes
confiassem seus filhos, para educarem a todos nos seus internatos, no temor do Se-
nhor e da Madre Igreja, lançando depois os meninos, assim educados, contra os pró-
prios pais. Tornando-os filhos mais deles, padres, e dela, Igreja, do que dos caciques
e das mães caboclas, dos senhores e das senhoras de engenho ou de sobrado”.28
Neste sentido, os colégios jesuíticos desempenhavam papel fundamental para
o sucesso da empreitada da colonização e constituíam-se num dos únicos pontos de
“irradiação da cultura”. Instituições quase que autônomas no mundo colonial, os colé-
gios jesuíticos invocavam uma autoridade cheia de peculiaridades em relação às outras
instituições de poder na colônia. “No primeiro século de colonização, o colégio dos
Jesuítas já chegara a fazer sombra, em cidades como Salvador, às casas-grandes e aos
sobrados patriarcais, na sua autoridade sobre o menino, a mulher, o escravo.(...) Pelo
colégio, como pelo confessionário e até pelo teatro, o Jesuíta procurou subordinar à
Igreja os elementos passivos da casa-grande: a mulher, o menino, o escravo. Procurou
tirar da casa-grande duas de suas funções mais prestigiosas: a de escola e a de Igreja,
procurou enfraquecer a autoridade do pater familias em duas de suas raízes mais
poderosas: a de senhor Pai e a de Senhor Marido”.29
Marcando com caracteres indeléveis a cultura nacional, a educação jesuítica
foi responsável pelo caráter marcadamente humanista da vida intelectual na colônia.
“O gosto pelo diploma de bacharel, pelo título de mestre, criaram-no bem cedo os
Jesuítas no rapaz brasileiro, (...) deram no século XVI valor exagerado ao menino
inteligente , com queda para as letras, tornando-o mesmo criatura um tanto sagrada
aos olhos dos adultos, que se admiravam de ver os filhos tão brilhantes, tão retóricos,
tão adiantados a eles em conhecimentos.”30 Talvez aí se encontre a origem do
bacharelismo excessivo com que Sérgio Buarque de Holanda caracterizou a socieda-
de brasileira em Raízes do Brasil.31
27
AZEVEDO, Fernando de. op. cit., p. 16.
28
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. 7ª ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1985, p. 72.
29
Id. Ibid., p. 71.
30
Id. Ibid., p. 74.
31
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. op. cit., p. 156-157.
11
II - O ENSINO JESUÍTICO NA CAPITANIA DE SÃO PAULO
32
CARVALHO, Laerte Ramos de. “O ensino em São Paulo”, op. cit., p. 605.
33
Id. ibid., p. 605.
Série Iniciação
Desta forma vivemos até agora nesta capitania, onde estávamos seis Pa-
dres de missa e quinze ou dezesseis Irmãos por todos; e aos mais sustentava aque-
la casa de São Paulo de Piratininga com alguns meninos do Gentio, sem se deter-
minar se era colégio da Companhia, se casa de meninos, porque nunca me res-
ponderam a carta que escrevesse sobre isto, e nestes termos nos tomaram as Cons-
tituições que este ano de 56 nos fez Nosso Senhor mercê de no-las mandar, pelas
quais entendemos não devermos ter cargo nem de gente para doutrinar na Fé; (...)
a esmola d’El-Rei é inverta; para não ser colégio, senão casa que viva de esmolas,
é impossivel poderem se sustentar os Irmãos daquela casa em toda esta capita-
nia(...) 34
(...) alguns dizimos de arroz e miuças, já que ali hão de estar Padres e
Irmãos, aplicando àquela casa para sempre, e tirar de nós toda a esmola que cá
nos dão, que era muito bem fazer-se colégio e se serviria muito Nosso Senhor dele,
e a Sua Alteza custaria menos do que lhe custa o que agora nos dá, (...) e a nós
escusar-nos-ia de mandarmos fazer mantimentos, nem termos necessidade de ter
escravos, e com isto e com o mais que a casa tem, seria colégio fixo, porque já tem
casas e egrejas e cerca em muito bom sitio(...) 36
34
NÓBREGA, Manoel da. Cartas do Brasil (1549-1560). Rio de Janeiro, Oficina Industrial, 1931, p. 153-154.
35
FRAGOSO, Myriam Xavier. op. cit., p. 19.
36
NÓBREGA, Manoel da. op. cit., p. 154.
37
CARVALHO, Laerte R. “O ensino em São Paulo”, op. cit., p. 607.
14
Luzes e sombras sobre a colônia
38
Id., ibid., p. 607.
39
ALDEN, Dauril. “Aspectos econômicos da expulsão dos jesuítas do Brasil” in KEITH, Henry e
EDWARDS, S. F.(orgs.) Conflito e continuidade na sociedade brasileira, R. de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1970, p. 38.
40
FRAGOSO, Myriam Xavier, op. cit., p. 22.
41
CARVALHO, L. R. “O ensino em São Paulo”, op. cit., p. 607 e RENOU, René. op. cit., p. 385.
15
Série Iniciação
42
FRAGOSO, Myriam X. op. cit., pp. 22 e 23.
43
Id. Ibid., p. 23.
44
Id. Ibid., p. 23.
45
CARVALHO, L. R., “O ensino em São Paulo”, op. cit., p. 607.
46
FRAGOSO, Myriam X. op. cit., p. 24.
16
Luzes e sombras sobre a colônia
los anteriores. Cabe ainda indagar se esta animosidade característica do convívio entre
paulistas e jesuítas não perdurou e se fez presente na ocasião da “expulsão pombalina”.
O fato é que, se a ação jesuítica nos dois primeiros séculos de colonização representou
a existência e a garantia de um ensino público e popular, o mesmo não se pode afirmar
para São Paulo, onde a atuação dos missionários foi permeada pelas constantes crises
de continuidade. Esta especificidade não deve ser esquecida na análise que se preten-
de fazer da implementação das “Reformas Pombalinas” na capitania, na medida em
que esta mesma implantação se deu de forma muito específica, como veremos mais
adiante.
17
III - OS ESTRANGEIRADOS E A CULTURA PORTUGUESA
47
MIRANDA, Tiago C. P. Reis. “Estrangeirados: A questão do isolacionismo português nos séculos XVII
e XVIII”, Revista de História, S. Paulo, n. 123-124, 1990-1991, p. 69.
48
CURTO, Diogo Ramada. op. cit., p. 81 e seguintes.
49
SÉRGIO, António. “O reino cadaveroso ou problema da cultura em Portugal”, in Ensaios II. 2ª ed.
Lisboa, Sá da Costa , 1977, p. 42.
50
CURTO. op. cit., p. 78.
Série Iniciação
cultural. Não se pode ignorar a forte ligação que existia entre o campo intelectual e o
campo político, onde a Inquisição e os letrados a ela relacionados promoviam o blo-
queio necessário à manutenção do poder.
É este legado cultural, portanto, que caracterizará o século XVIII em Portugal
e neste contexto é que surge a figura do “estrangeirado” como catalisador das críticas
e do combate a este atraso. Era identificado como “estrangeirado” aquele homem que,
tendo vivido longo tempo no exterior, pôde tomar contato com as “luzes da razão” e
olhar para sua terra natal sob o impacto do progresso científico europeu, longe dos
olhos da Inquisição. É preciso entender que o conceito de “estrangeirado” abarca uma
gama de pessoas e opiniões nem sempre homogênea e uniforme. Este conceito deve
ser relativizado51 na medida em que não representa um grupo hermeticamente fechado
e definido, tendo na sua origem um tom muito mais pejorativo que elogioso52, sentido
este explicado pela censura portuguesa às idéias advindas do exterior.
O primeiro grupo de “estrangeirados” surgido na primeira metade do século
53
XVIII foi caracterizado principalmente pela preocupação com os aspectos econô-
micos que seus textos apresentavam. A proeminência inglesa sobre os negócios portu-
gueses, a preocupação fiscalista e o estado da agricultura foram temas freqüentes nes-
tes escritos. Três autores se destacaram: Cardeal da Mota (1685-1747), Alexandre
de Gusmão (1695-1753) e D. Luís da Cunha (1662-1749).
51
Conforme MACEDO, Jorge Borges. Estrangeirados, um conceito a rever. 2ª ed. Lisboa, s.d. e MIRANDA,
Tiago. op. cit.
52
NOVINSKY, Anita. “Estudantes brasileiros ‘afrancesados’ da Universidade de Coimbra” in
COGGIOLA, Osvaldo. A Revolução Francesa e seu impacto na América Latina. S. Paulo, Edusp-Nova
Stella, 1990, p. 357.
53
Seguindo a divisão sugerida por FALCON, Francisco J. C. A época pombalina. São Paulo, Ática, 1982,
cap.V.
20
Luzes e sombras sobre a colônia
(...) achará que a têrça parte de Portugal está possuída pela Igreja, que
não contribue para a despesa e segurança do Estado, quero dizer, pelos cabidos
das dioceses, pelas colegiadas, pelos priorados, pelas abadias, pelas capelas,
pelos conventos de frades e freiras: e, enfim, achará que o seu reino não é povoado
como pudera ser, para prover de gente as suas largas e ricas conquistas, de que
separadamente tratarei.55
54
CUNHA, D. Luís da. Testamento Político. São Paulo, Alfa-ômega, 1976, p. 23.
55
Id., ibid., p. 42.
21
Série Iniciação
Luís António Verney (1713-1792) foi, sem dúvida alguma, a mais importante
figura intelectual portuguesa do século XVIII. Filho de lojistas lisboetas de ascendên-
cia francesa, estudou inicialmente com os jesuítas e em seguida com os oratorianos.
Em Évora obteve grau de mestre em Artes e em 1736 partiu para Roma onde per-
maneceu até o fim de sua vida, caracterizando-se como um “estrangeirado” por exce-
lência.
Foi de Roma que, sob o pseudônimo de frei “Barbadinho”, Verney escreveu a
maior parte de sua obra, da qual destacamos o “Verdadeiro método de estudar, para
ser útil à República, e à Igreja: proporcionado ao estilo, e necessidade de Portu-
gal”. Composto de dezesseis cartas enviadas a um correspondente em Lisboa, o
56
FALCON, Francisco J. C. op. cit., p. 347.
57
Eis então surgindo a alcunha de “Reino Cadaveroso” com a qual António Sérgio intitulou seu texto. Já “O
Reino da Estupidez” foi expressão emprestada do título do livro do poeta Francisco de Melo Franco.
Estas expressões referem-se de forma singular ao estado cultural de Portugal no século XVIII.
58
RIBEIRO SANCHES, A. N. Dificuldades que tem um velho reino para emendar-se, Porto, Inova, s.d.,
p. 78.
22
Luzes e sombras sobre a colônia
59
FALCON. op. cit., p. 332.
60
CAEIRO, Francisco da Gama. “Para uma história do Iluminismo no Brasil: notas acerca da presença de
Verney na cultura brasileira”, Revista da Faculdade de Educação, S. Paulo, v. 5, no. 1 e 2, 1979, p. 111.
61
NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). 6.ª ed. São
Paulo, Hucitec, 1996, p. 106.
23
Série Iniciação
executam as regras que se acham nos livros, e isto sem género algum de preceitos,
mas pelo ouvirem e exercitarem; seguro a V. P. que abririam os olhos por uma vez,
e entenderiam as coisas bem, e se facilitaria a percepção das línguas tôdas.62 (...)
A gramática é a porta pela qual se entra na latinidade; e quem pára no vestíbulo
não pode ver as singularidades do palácio63
Desta forma, Verney nos atesta o fracasso dos métodos pedagógicos até então
empregados e, valendo-se de seu implacável sarcasmo, desfere suas críticas aos resul-
tados dessa pedagogia:
Quantos homens acha V. P. que, com terem sido mestres de gramática mui-
tos anos, saibam pegar na pena e escrever uma página em bom latim? responder
a uma carta com facilidade? e fazer qualquer outra cousa, em que seja necessário
usar da língua latina? Eu conheço infinitos sujeitos que passaram a sua vida
neste exercício, e quando hão-de escrever latim servem-se de expressões em tudo
bárbaras e indignas do seu exercício.64
62
VERNEY, Luís Antonio. Verdadeiro Método de Estudar, Porto, Domingos Barreira Ed., s.d., p. 69.
63
Id., ibid., p. 72.
64
Id., Ibid., p. 72 e 73.
65
Id., ibid., p. 77.
24
Luzes e sombras sobre a colônia
consideração o interior das escolas; examine se o mestre lhes ensina o que deve
ensinar: se lhes facilita o caminho para entendê-la; se não lhe carrega a memória
com coisas desnecessaríssimas.66 (...)É necessário ter muita paciência com os
rapazes, e ensiná-los bem(...)67; não devem molestar os rapazes com pancadas,
mas animá-los com prémios a que decorem bem algumas coisas (remunerando ou
louvando os que o fazem melhor) – sempre coisas úteis e que possam servir com o
tempo.68 (...) Desta sorte pode ajudar muito os estudantes, principalmente se sou-
ber excitar entre eles a emulação, louvando muito os que o fazem bem e remune-
rando-os.69
66
Id., ibid., p. 78.
67
Id., ibid., p. 79.
68
Id., ibid., p. 84.
69
Id., ibid., p. 87.
70
CRIPPA, Adolpho. “O conceito de filosofia na época pombalina” in PAIM, Antônio (org.) Pombal e a
cultura brasileira. Rio de Janeiro, Fundação cultural Brasil-Portugal, 1982, p. 21.
71
VERNEY. op. cit., p. 193.
25
Série Iniciação
diferentes entre si, mas diferentes do útero da mulher.72 (...) Ora, é certo que sem
perfeito conhecimento das partes não posso saber o uso delas; e conseguintemente,
da anatomia depende tudo.73
A julgar pelo que nos aponta o anônimo autor da “Arte de Furtar”, a crise na
Universidade não era tão somente cultural ou curricular, mas também institucional:
Como pode ser médico quem nunca estudou medicina? Como pode ser
advogado quem nunca leu a Ordenação?(...) Como há-de haver no mundo que se
tolere e permita provarem cursos em Coimbra mais de um cento de estudantes,
todos os anos, sem porem pés na Universidade? Andam na sua terra matando cães
e escrevem, a seu tempo, ao amigo, que os aprovem lá na matrícula, representan-
do suas figuras e nomes; e daqui vêm as sentenças lastimosas que cada dia vemos
dar a julgadores, que não sabem qual é a sua mão direita, mais que para
embolsarem com ela espórtulas e ordenados, como se foram Bártolos e Covas-
Rubias.(...)76
Seria demasiada ambição querer dar conta, num estudo como este, de toda a
complexidade das críticas e das propostas tecidas por Verney no “Verdadeiro Método
de Estudar”. Contudo, cremos estar em evidência a importância das cartas escritas
pelo “Barbadinho”. “Tal como um jorro de luz intensa, entrando de súbito numa casa
lôbrega, revelavam elas aos Portugueses o estado das doutrinas e o anseio de busca na
Europa culta daquela época, opondo-se à miséria da mentalidade do nosso país.”77
Exagero ou não, estas palavras de António Sérgio ilustram perfeitamente a importância
72
Id., ibid., p. 194.
73
Id., ibid., p. 195.
74
Id., ibid., p. 196.
75
Id., ibid., p. 198.
76
Arte de furtar (anônimo do séc. XVII). 3ª ed. Lisboa, Estampa, 1978, p. 169.
77
SÉRGIO, António. op. cit., p. 45.
26
Luzes e sombras sobre a colônia
78
CARVALHO, Laerte Ramos de. As reformas pombalinas da instrução Pública. S. Paulo, Saraiva, 1978, p. 69.
79
Expressão emprestada de FALCON, F. “As reformas pombalinas e a Educação no Brasil”, Revista de
Estudos Ibero-Americanos, PUCRS, v. XVIII, n.2, p. 27.
80
CARVALHO, As reformas ..., op. cit., p. 70.
81
FALCON, “As reformas...”, op. cit., p. 15.
27
IV - PRÁTICA POMBALINA: ALGUNS ASPECTOS
82
RIBEIRO JUNIOR, José. Colonização e Monopólio no Nordeste Brasileiro – A Companhia Geral de
Pernambuco e Paraíba (1759-1780). São Paulo, Hucitec, 1976, p. 33.
83
Id., ibid., p. 33.
84
Id., ibid., p. 34.
Série Iniciação
85
Id., ibid., p. 26.
86
MACEDO, Jorge Borges de. “Portugal e a Economia Pombalina – Temas e hipóteses”, Revista de Histó-
ria, São Paulo, n.º 19, 1954, vol. IX, p. 85.
87
Id., ibid., p. 27.
88
Id., ibid., p. 26.
89
Conforme RIBEIRO JUNIOR, José, op. cit., p. 29 e MACEDO, Jorge Borges de. A situação econômica
no tempo de Pombal. 3ª ed, Lisboa, Gradiva, 1989, p. 122.
90
Conforme MACEDO, Jorge Borges de. A situação econômica no tempo de Pombal, op. cit., p. 119-122.
30
Luzes e sombras sobre a colônia
Há, por outro lado, quem questione, como José Ribeiro Júnior, afirmando “ser
precipitado concordar com crise de produção de produtos brasileiros. Faltam estudos
sobre o problema. As rendas provenientes de gêneros coloniais do Brasil diminuíram,
talvez por força da concorrência internacional e não pela escassez produtiva da colô-
nia, principalmente entre 1760 e 1780, que parece recuperar-se nesse período.”91 De
qualquer forma, se reconhece um período de oscilação portuguesa onde a situação
econômica, indubitavelmente, não esteve bem, o que seguramente houve foi o esgota-
mento progressivo das Minas, acarretando numa redução das remessas auríferas mas,
por outro lado, estimulando o maior rigor fiscal e melhoramento na arrecadação em
que a Coroa se empenhou, a partir de 1750.92
De qualquer maneira, podemos observar que essas oscilações demonstram o
quanto as contingências da produção, superprodução e concorrência na colônia tive-
ram um reflexo direto sobre a metrópole onde a produção não chega para compensar
a importação.93 Assim, a prosperidade de Portugal metropolitano dependia das
flutuações da economia colonial. Podemos dizer que, economicamente, Portugal era
inseparável do Brasil principalmente e de outras zonas coloniais que lhe forneciam
alguns bens fundamentais para o movimento internacional do seu comércio.94
É nesse sentido que, ao iniciar o governo de D. José I, o Marquês de Pombal
implementará uma política econômica voltada principalmente ao Brasil, primeiramente
com a reforma no sistema de fiscalização aurífera e posteriormente com a implementa-
ção das chamadas Companhias de Comércio. Tais medidas eram realizadas com base
numa política monopolista objetivando principalmente o reforço do Estado: “quanto
mais firme, fechado e bem defendido fosse o monopólio mais prometedoras seriam as
vantagens da sua exploração.”95
As dificuldades que embaraçavam os interesses estabelecidos na Metrópole e
na Colônia ligavam-se, diretamente, “à prosperidade dos ingleses e de outros negoci-
antes estrangeiros que, proporcionando crédito e produtos a seus colaboradores por-
tugueses (...) davam base ao comércio itinerante e à conexão do contrabando transa-
tlântico com o interior do Brasil.”96 Assim, além de Portugal ser um grande importador
91
RIBEIRO JUNIOR, José, op. cit., p. 32.
92
Id., ibid., p. 29-30.
93
MACEDO, Jorge Borges de. A situação econômica no tempo de Pombal. op. cit., p. 122.
94
Id., ibid., “Portugal e a Economia Pombalina – Temas e hipóteses”, op. cit., p. 83.
95
Id., ibid., p. 86.
96
MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa; a Inconfidência mineira: Brasil e Portugal 1750-1808.
3ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995, p. 29.
31
Série Iniciação
97
MAXWELL, Kenneth. “Condicionalismos da Independência do Brasil” in NIZZA DA SILVA, Maria
Beatriz (coord). O Império Luso-brasileiro 1750-1822. Lisboa, Estampa, 1986 (“Nova História da Ex-
pansão Portuguesa” dir. Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques), vol. VIII, p. 336
98
RIBEIRO JUNIOR, José, op. cit., p. 41.
99
Id., ibid., p. 41.
100
Conforme MACEDO, Jorge Borges de, A situação econômica no tempo de Pombal., op. cit., p. 123 e
RIBEIRO JUNIOR, José, op. cit., p. 44-49.
101
RIBEIRO JUNIOR, José, op. cit., p. 50.
32
Luzes e sombras sobre a colônia
102
MACEDO, Jorge Borges de. “Portugal e a Economia Pombalina – Temas e hipóteses”, op. cit., p. 91.
103
Id., ibid., p. 91.
104
MAXWELL, Kenneth. “Condicionalismos da Independência do Brasil”, op. cit., p. 337.
105
RIBEIRO JUNIOR, José, op. cit., p. 52.
106
Id., ibid., p. 42.
33
Série Iniciação
nicas: Mercantilismo e Ilustração. “Um Mercantilismo de tipo clássico, tardio mas ajus-
tado à defasagem da sociedade lusa, adequado ao instrumento reformador que dele se
serve como instrumento de aceleração das mudanças. (...) Ilustração numa sociedade
periférica, longamente fechada sobre si mesma, na qual o movimento ilustrado foi fatal-
mente alguma coisa vinda de fora, do ‘estrangeiro’ ”107. A marca da governação
pombalina, que ficou para a história como “despotismo esclarecido”, teve no reforço
do poder do Estado, imposto de cima para baixo, sua característica primeira. Inevitá-
vel seria, portanto, o embate com as forças que impediam essa centralização extrema:
a nobreza e a Igreja (representada naquele momento pelos jesuítas). “Firmado no
poder absolutista da realeza, o governo pombalino procedeu à remoção dos óbices
institucionais à modernização do país: a inquisição passou a subordinar-se diretamente
ao poder régio, suprimiu-se a distinção entre cristãos-velhos e novos, empreendeu-se
a modernização do ensino. (...) Na esfera econômica, a linha de ação pautou-se pelo
mercantilismo: monopólio, companhias, exclusivo, estatismo.”108
A articulação deste encontro teoricamente inexplicável de dois fenômenos su-
postamente antagônicos deve ser entendida na esfera do Estado. “É ao nível do Esta-
do que se processa tal articulação, daí advindo a imagem ‘moderna’, ilustrada, que
caracteriza a prática da governação pombalina.”109 E é neste quadro mais amplo que,
tanto a expulsão da Companhia de Jesus, como a conseqüente reforma dos estudos,
devem ser entendidas e estudadas.
Dessa forma, há de se levar em conta, na análise da política pombalina de
reformas, o importante papel econômico que a Igreja e sobretudo a Companhia de
Jesus desempenhavam desde há muito tempo. Caio Prado Jr. nos alerta sobre o fenô-
meno da “mercantilização das funções sacerdotais” que na colônia se verificara desde
muito cedo, citando exemplos interessantes de clérigos que obtinham rendimentos vá-
rios com atividades e negócios privados: “(...) ocupar-se-ão em afazeres bem distan-
ciados de suas obrigações: muitos são fazendeiros: era eclesiástico o melhor farmacêu-
tico de São João del-Rei, e preparava e vendia ele próprio suas drogas; um outro
sacerdote vendia tecidos no balcão de sua loja(...)”110 No caso dos jesuítas a amplitu-
107
FALCON, Francisco J. C. A época pombalina. op. cit., p. 483.
108
NOVAIS, Fernando A., op. cit., p. 223
109
FALCON, A época pombalina. op. cit., p. 483.
110
PRADO Jr, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 14ª ed. São Paulo, Brasiliense, 1976, p. 339.
34
Luzes e sombras sobre a colônia
de das atividades econômicas era muito maior e o seu poder fazia inveja e equiparava-
os a muitos grupos mercantis. Possuíam várias propriedades produtoras de açúcar,
fazendas com mais de 100 mil cabeças de gado (Ilha de Marajó) e ainda beneficia-
vam-se do resultado das expedições indígenas de coleta de produtos nativos. Condu-
ziam os inacianos “uma operação mercantil de grande escala, resultante de anos de
acumulação de capital, de cuidadoso reinvestimento e desenvolvimento.”111 Verifica-
se assim, o empecilho que representava a Companhia de Jesus à política econômica
do Marquês de Pombal. A tônica do mercantilismo pombalino baseado principalmen-
te no fomento à produção metropolitana, na determinação de uma política econômica
que promovesse o monopólio de exportação, o equilíbrio da balança comercial e o
reforço do pacto colonial, chocava-se de frente com a grande empresa representada
pelos inacianos. O amplo projeto de nacionalização da economia portuguesa promo-
vido por Pombal tinha obrigatoriamente que defrontar-se com os jesuítas.
Por sua vez, a nobreza figurava como um outro empecilho a ser superado, para
o sucesso do intento centralizador de Pombal. Igreja e nobreza, por força do poder
que espelhavam na sociedade portuguesa e pelo obstáculo que impunham à política de
secularização, monopólio do comércio e reforço do pacto colonial, teriam obrigatoria-
mente que ficar sob às rédeas do Estado absolutista.
111
MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa... op. cit., p. 28.
35
V – PERSEGUIÇÃO E EXPULSÃO DOS JESUÍTAS
112
MAXWELL, Kenneth. “Condicionalismos da Independência do Brasil”, op. cit., p. 339.
113
PRADO JUNIOR, Caio, op. cit. p. 329-330.
Série Iniciação
de que gozou por muito tempo na corte portuguesa a Companhia de Jesus, que teve o
Reino, até a época de Pombal, enfeudado a si e ao Papa.”114
O próprio D. José I reconheceu os privilégios de que gozavam os jesuítas
antes de sua expulsão:
114
Id., ibid., p. 332.
115
CORRESPONDÊNCIA do Cardeal Patriarca de Lisboa em 5 de Outubro de 1759 in MORAES, Mello.
História dos Jesuítas e suas missões na América do Sul. Rio de Janeiro, E. Dupont, 1872, p. 591.
116
ALDEN, Dauril, op. cit., p. 32.
117
Id., ibid., p. 33.
118
Id., ibid., p. 34.
38
Luzes e sombras sobre a colônia
(...) sempre conviria promulgar uma lei, para que daqui por diante nem os
frades, nem as freiras, nem os seus conventos pudessem herdar bens de raiz, antes
fôssem alienáveis os já adquiridos, sem embargo de que conforme a comum opi-
nião, extremamente prejudicial ao Estado, seja de que são inalienáveis os bens
que por qualquer título entram na igreja.120
De que se segue que pelo decurso do tempo virá a possuir não só a terça
parte do reino, como acima digo, mas a metade, porque os ofensores abrem as
portas do céu aos que na hora da morte deixam às suas Ordens, ou às suas igrejas,
o que teem, privando assim os seus sucessores do que naturalmente deviam her-
dar.121
119
Id., ibid., p. 34-35.
120
CUNHA, D. Luís da. op. cit., p. 70.
121
Id., ibid., p. 70-71.
122
RIBEIRO JUNIOR, José. op. cit., p. 57.
39
Série Iniciação
123
Id., ibid., p. 57.
124
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 35-36.
125
Id., ibid., p. 32.
126
PRADO JUNIOR, Caio. op. cit., p. 338.
127
Id., ibid., p. 338.
128
Id., ibid., p. 340.
40
Luzes e sombras sobre a colônia
Informa-se por exemplo que “quando uma frota de 10 ou 11 navios estava para chegar
de Lisboa e Porto, suas mercadorias eram levadas para a costa atlântica por comboios
de canoas. Reunidas no armazém do Colégio dos Jesuítas, isentos de tributos e de
direitos alfandegários, eram comercializadas em uma feira organizada enquanto os na-
vios estavam no porto. Os produtos eram vendidos aos capitães dos navios e a comis-
sários portugueses, sendo menor proporção consignada à metrópole em nome da
Companhia de Jesus e com sua marca.”129
Daí agravarem-se os vários conflitos entre jesuítas e os colonos, pois estes se
sentiam numa concorrência desleal. Entretanto, antes de surgirem as questões relacio-
nadas com suas atividades econômicas, os jesuítas opuseram-se aos leigos no tocante
ao controle dos índios. Os missionários, desde a chegada no Brasil, objetaram-se à
escravização indígena, pois essa prática dificultaria a cristianização, isolando-os o má-
ximo possível dos colonos e insistindo em servir de intermediários entre os indígenas e
os fazendeiros em questões de trabalho e comércio.130
Os conflitos eram constantes e agravavam-se de acordo com cada região.
Quanto mais a região se tornava promissora, mais acirravam-se os ânimos dos colo-
nos. Na região do Amazonas, na capitania de São Paulo e no Rio de Janeiro as ten-
sões animaram-se já no século XVII. No Maranhão houve expulsão dos inacianos em
duas ocasiões (1661-1662 e 1684), no entanto os padres contaram sempre com o
apoio da Coroa portuguesa sendo que da segunda ocasião resultou um conjunto de
normas (regimento de 1686). “O regimento conferiu aos missionários poderes espiri-
tuais, políticos e temporais dentro das aldeias por eles administradas, vedando a entra-
da a todos os colonos.”131
Após isso ainda no Maranhão, em 1722 e durante 15 anos, a oposição esteve
representada por um personagem marcante: Paulo da Silva Nunes, que intermediava
os interesses dos colonos maranhenses em Lisboa, manifestando o desalento e a indig-
nação dos mesmos através de uma propaganda persistente contra a Companhia.132
Na prática, durante esse período, ele não conseguiu nada que modificasse tal situação
de privilégios dos jesuítas, acabou indo parar na cadeia (onde morreu em 1746) mas
“os memoriais que Silva Nunes escreveu ajudaram a preparar o caminho para os gol-
129
MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa... op. cit., p. 28
130
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 37-38.
131
Id., ibid., p. 38.
132
MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa... op. cit., p. 28-29.
41
Série Iniciação
pes decisivos que desabaram sobre a Companhia de Jesus no decurso do fatal decê-
nio de 1750.”133
Na maioria das vezes portanto, os motivos dos conflitos entre os padres e os
colonos eram por conta da mão-de-obra indígena que as duas partes queriam contro-
lar. Além disso, os jesuítas contavam com isenção alfandegária e se negavam a pagar
os dízimos de suas propriedades. Havia uma lei de controle dos bens do clero ressal-
tada por vezes por D. João IV, nas ordenações manuelinas de 1521 e nas filipinas de
1603, 1690 e 1711134 e da qual lembrou também D. Luís da Cunha:
133
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 48-49.
134
Id., ibid., p. 40-42.
135
CUNHA, D. Luís da. op. cit., p. 70.
136
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 49-50.
137
Id. ibid., p. 56.
138
RIBEIRO JUNIOR, José. op. cit., p. 57-58.
42
Luzes e sombras sobre a colônia
139
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 50.
140
LEI pela qual S.M. é servido exterminar, proscrever e mandar expulsar dos seus reinos e domínios os
regulares da companhia denominada de Jesus, etc. (3 de setembro de 1759) in CARVALHO E MELO,
Sebastião José de. Memórias secretíssimas do Marquês de Pombal e outros escritos, Lisboa, Europa-
América, s/d, p. 124.
141
MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa... op. cit., p. 31.
142
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 50, 53.
43
Série Iniciação
143
Id., ibid., p. 50.
144
RIBEIRO JUNIOR, José. op. cit., 57.
145
MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa... op. cit., p. 33.
146
Id., ibid., p. 34.
147
SÉRGIO, António. Breve Interpretação da História de Portugal. 12ª ed. Lisboa, Sá da Costa, 1985,
p. 123-124.
148
CARTA REGIA expedida em 19 de Janeiro de 1759, aos dous chancelleres das relações de Lisboa, e Porto
para a reclusão das pessoas, e sequestro dos bens dos regulares da Companhia denominada de Jesus, que
44
Luzes e sombras sobre a colônia
havião machinado, persuadido e incitado a conjuração que abortou aquelle execrando delicto. in MORAES,
Mello. op. cit., p. 577.
149
Id. ibid., p. 577.
150
SÉRGIO, António. Breve Interpretação... op. cit., p. 123-124.
151
Conforme ALDEN, Dauril, op. cit., p. 60 e MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa... op. cit.,
p. 38.
152
RIBEIRO JUNIOR, José. op. cit., p. 58.
153
SARAIVA, José Hermano. História Concisa de Portugal. Lisboa, Publicações Europa-América, 1983.
p. 245.
45
Série Iniciação
(...) dentro do meu mesmo reino suscitaram contra mim as sedições intesti-
nas com que armaram para a última ruína da minha real pessoa os meus vassallos,
em quem acharam disposições para os corromperem até precipitarem no horroro-
so insulto perpetrado na noite de 3 de Setembro do ano próximo precedente, com
abominação nunca imaginada entre os portugueses; e o com que depois que
errarem o fim daquele execrando golpe contra a minha real vida, que a Divina
Providência preservou com tantos e tão decisivos milagres, passaram a atentar
contra a minha fama, à cara descoberta, maquinando e difundindo por toda a
154
CARNAXIDE, Visconde de. O Brasil na administração pombalina: economia e política externa. São
Paulo, Nacional, 1940, p. 22.
155
SARAIVA, José Hermano, op. cit., p. 245.
156
SÉRGIO, António. Breve interpretação...,op. cit., p. 124.
157
Id. ibid., p. 246.
158
Conforme FALCON, A época pombalina. op. cit., p. 377 e seguintes.
46
Luzes e sombras sobre a colônia
Europa em causa comum com os seus sócios das outras regiões os infames agrega-
dos de disformes e manifestas imposturas.159
“A paixão maior de Pombal foi o ódio aos Jesuítas”, sentenciou António Sér-
160
gio ao analisar a expulsão dos inacianos. Porém, diante do quadro até aqui traçado,
fica evidente que a expulsão da Companhia de Jesus não deve ser entendida unica-
mente como fruto de “amores” ou “ódios”, mas deve sim ser enquadrada dentro de um
plano político determinado e sistemático e, ainda, deve ser vista como um ajuste às
idéias de secularização da sociedade portuguesa. Os jesuítas, como principais repre-
sentantes do poder eclesiástico, eram o alvo por excelência daquela empreitada. Não
há como negar um sentimento de “anti-jesuitismo” dominante naquele momento, fruto
até da influência secularizadora do Iluminismo, porém, tomá-lo como único agente no
processo de liquidação da Companhia de Jesus resultaria numa análise no mínimo
equivocada.
Alden afirma que “embora fossem os jesuítas o alvo primeiro do anticlericalismo
daquele governo, convém não esquecer que este era hostil também a outras ordens
missionárias no Brasil e que várias delas foram expulsas da colônia nos anos seguin-
tes.”161 Entretanto, a partir da análise desses aspectos da prática pombalina até aqui
efetuada, demasiado simples seria localizar a expulsão da Companhia de Jesus como
anticlericalismo apenas, apesar do sentimento hostil aos padres jesuítas. Serafim Leite
aponta: “todos os sucessos da época serviam para consumar e generalizar a persegui-
ção religiosa: os Padres da Companhia de Jesus foram declarados participantes do
Motim do Porto (do povo do Porto contra o monopólio dos vinhos).”162 Principal-
mente após o atentado ao rei, essa hostilidade avoluma-se pois compreende-se, como
afirma D. José I,
159
LEI pela qual S.M. é servido exterminar, proscrever e mandar expulsar dos seus reinos e domínios os
regulares da companhia denominada de Jesus, etc. (3 de setembro de 1759) in CARVALHO E MELO,
Sebastião José de. op. cit., p. 124-125.
160
SÉRGIO, António. Breve interpretação..., op. cit., p. 123.
161
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 64.
162
LEITE, S.J. Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do
Livro, 1949, vol. VII., p. 343.
163
CARTA REGIA expedida em 19 de Janeiro de 1759, aos dous chancelleres das relações de Lisboa, e Porto
para a reclusão das pessoas, e sequestro dos bens dos regulares da Companhia denominada de Jesus, que
47
Série Iniciação
havião machinado, persuadido e incitado a conjuração que abortou aquelle execrando delicto. in MORAES,
Mello, op. cit., p. 577-578.
164
CARTA REGIA do dia 6 do referido mez de Setembro ao Revm. Cardeal Patriarcha, para encarregar a
administração tanto das igrejas como dos edificios, das casas professas, collegios, e noviciado dos sobreditos
regulares expulsos, que se achavão no territorio do mesmo patriarchado ás pessoas ecclesiasticas que lhes
parecesse nomear para os ditos effeitos in MORAES, Mello, op. cit., p. 587
165
CARTA REGIA expedida em 19 de Janeiro de 1759, aos dous chancelleres das relações de Lisboa, e Porto
para a reclusão das pessoas, e sequestro dos bens dos regulares da Companhia denominada de Jesus, que
havião machinado, persuadido e incitado a conjuração que abortou aquelle execrando delicto in MORAES,
Mello, op. cit., p. 579.
48
Luzes e sombras sobre a colônia
O texto acima nos dá pista sobre de que maneira agiria ou pelo menos deveria
agir o restante do clero, ou seja, apoiando a ação da Coroa e isolando-se dos jesuítas.
A certeza dos malefícios que os jesuítas eram capazes de causar era latente, tanto que
após a expulsão da Companhia de Jesus na França (1764) e Espanha (1767), há uma
curiosa correspondência, na qual alerta-se do perigo que os padres agrupados pode-
riam representar:
166
CORRESPONDÊNCIA do Cardeal Patriarcha de Lisboa, Francisco I sobre a expulsão de 3 de setembro
de 1759 para que esta venha a noticia de todos, manda que seja publicada nas igrejas de todo o nosso
patriarchado, e fixada nos lugares costumados. (5 de Outubro de 1759) in MORAES, Mello. op. cit., p.
594-595.
167
CORRESPONDÊNCIA do Capitão-General Dom Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão dirigida à
Secretaria de Estado (1 de novembro de 1767) in Documentos Interessantes. São Paulo, Tip. Aurora, v. 23,
1896, p. 369-370.
49
Série Iniciação
168
NOVAIS, Fernando A. op. cit., p. 222.
169
LACOMBE, Américo Jacobina. “A Igreja no Brasil Colonial” in HOLANDA, Sérgio Buarque de (dir).
História Geral da Civilização Brasileira. 4ª ed. Rio de Janeiro, Difel, 1977, v. II, tomo I, p.74.
170
Id., ibid., p. 74.
171
A afirmação é de Teófilo Braga citada in CURTO, Diogo Ramada. op. cit., p. 75.
172
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 36.
50
Luzes e sombras sobre a colônia
com a expulsão dos jesuítas, “desfalcara-se a colônia do quase único elemento que
promovera em larga escala uma atividade social apreciável. Mas os efeitos nocivos da
medida de Pombal, neste terreno de que nos ocupamos, não devem ser exagerados.
Já passara, fazia muito, o tempo dos Nóbregas e Anchietas, e a Companhia decaíra
consideravelmente. O que seria no futuro, é difícil se não impossível assentar com
segurança. Mas avaliar a perda pela bitola daqueles primeiros missionários, seria anacro-
nismo lamentável.”173
Por fim, é de se notar que tratar de um assunto tão delicado quanto dos jesuítas
é tarefa por vezes difícil, como ressalta Sérgio Buarque de Holanda: “Da Companhia
de Jesus, de sua ação considerável e em muitos pontos decisiva sobre nossa formação
nacional, não é fácil falar serenamente. Seus inimigos foram sempre rancorosos, – mais
rancorosos e enérgicos do que seus partidários desinteressados. E o mesmo cuidado
que põem ainda hoje os primeiros em desacreditar a obra dos jesuítas, aplicam os
segundos no aplaudi-la irrestritamente. O resultado é que uma atitude intermediária
corre o risco de parecer suspeita ou indecisa a uns e outros.”174
173
PRADO JUNIOR, Caio. op. cit., p. 340.
174
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Cobra de Vidro. op. cit., p. 91.
51
VI - O INÍCIO DA REFORMA
175
ANDRADE, Antonio A. B. de. “A reforma pombalina dos estudos menores em Portugal e no Brasil”,
Revista de História, n. 112, 1977, p. 464.
176
ALVARÁ RÉGIO de 28 de junho de 1759, em que se extinguem todas as Escolas reguladas pelo método
dos Jesuítas e se estabelece um novo regime. Diretor dos Estudos, Professores de Gramática Latina, de
Grego e Retórica in ANDRADE, Antonio Alberto B. A reforma dos estudos secundários no Brasil. S.
Paulo, Saraiva, 1978.
177
ALVARÁ RÉGIO de 28 de junho de 1759.
Série Iniciação
178
ALVARÁ RÉGIO de 28 de junho de 1759.
179
Id., Ibid.
180
Id., Ibid.
54
Luzes e sombras sobre a colônia
(...) E para que os mesmos Vassalos pelo proporcionado meio de hum bem
regulado Methodo possão com a mesma facilidade, que hoje tem as outras Naçoens
civilizadas, colhêr das suas applicaçoens aquelles uteis, e abundantes frutos, que
a falta de direcção lhes fazia até-agora ou impossiveis, ou tão difficultozos, que
vinha a ser quasi o mesmo: Sou servido da mesma sorte ordenar, como por este
ordeno, que no ensino das Classes, e no estudo das Letras Humanas haja huma
geral refórma, mediante a qual se restitua o Methodo antigo, reduzido aos termos
simplices, claros, e de maior facilidade, que se pratíca actualmente pelas Naçoens
polidas da Europa;(...)182
181
Id., Ibid.
182
Id., Ibid.
55
Série Iniciação
56
Luzes e sombras sobre a colônia
183
CORRESPONDÊNCIA do Capitão General Dom Luiz Antonio de Souza (1767-1770) in Documentos
Interessantes para a Historia e Costumes de São Paulo. São Paulo, Archivo do Estado de São Paulo, v. 19,
p. 20-22.
57
Série Iniciação
Esta questão terá uma abordagem mais específica quando tratarmos da rela-
ção entre o ensino da Geometria e o corpo militar na Capitania. O “Estatuto” elabora-
do por Morgado de Mateus era composto de oito parágrafos que versavam sobre a
regulamentação dessas escolas que estavam por ser abertas. O primeiro deles dizia
respeito à quantidade de mestres e sua distribuição pelas vilas, vinculando-os direta-
mente à Câmara em relação à “Provisão ou Licença”:
1 - Que haverão dous Mestres nesta Cidade, e hum em cada huma das
Villas adjacentes, os quaes serão propostos pelas Camaras respectivas, e aprova-
dos pelo General, e não poderão exercitar o seu ministerio sem ser com esta
approvação e della tirarem Provizão ou Licença.185
184
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 87,
p. 247.
185
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.
58
Luzes e sombras sobre a colônia
186
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.
59
Série Iniciação
bons costumes, para que não suceda passarem a outros Estudos mayores sem estes
primeiros, e mais necessarios fundamentos da Religião Christãa, e obrigações
civis.187
187
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.
188
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.
189
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.
60
Luzes e sombras sobre a colônia
190
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.
191
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.
61
Série Iniciação
da virtude, para que deste modo, ao mesmo tempo que crescem nos annos, se
adiantem também nos bons costumes. (...) Devem também os Mestres não serem
tíbios em reprehenderem e castigarem aos discipulos (...) e o castigo se he dema-
siado, parece tyrania; se proporcionado, he remedio(...)192
No último parágrafo fica demonstrado mais uma vez o rígido controle que o
“General” exerceria sobre aquele sistema escolar. Deveriam os Mestres, uma vez por
ano, fazer uma demonstração pública do grau de desenvolvimento de seus discípulos,
para que o General pudesse tomar decisões e determinar diretrizes de acordo com as
necessidades evidenciadas.
8 - Que huma vez cada anno em hum dia de N. Sr.a que se elleger por
Patrona, apparecerá o Mestre com todos os seus meninos na salla do General,
aonde fará hum acto publico, em que mostre o adiantamento que tem feito em os
meninos com o methodo da sua escolla, não só para ser louvado o seu merecimen-
to, se o tiver, como para se lhe darem as providencias que forem necessarias.193
192
FIGUEIREDO, Manuel Andrade. Nova Escola para aprender a ler, escrever e contar. Lisboa, s/d, edição
fac-similada Livraria Sam Carlos, Lisboa, 1973.
193
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.
62
Luzes e sombras sobre a colônia
utilidade que estas ciências têm para a milícia e para a defesa da capitania, interessan-
do sobretudo aos militares. Em 1770 sai o “Edital sobre o Estudo da Geometria”
assinado por Thomaz Pinto da Silva, lembrando a importância e a necessidade daque-
la cadeira e elegendo o convento de S. Francisco para sediá-la:
O Ill.mo e Ex.mo Snr General manda fazer publico por este Edital que
attendendo a grande falta que ha de pessoas habeis na Geometria e ser conveni-
ente ao Real Serviço formar pessoas capazes nesta utilissima Arte, em que interes-
sa o bem publico e defença destes Estados, tem conseguido estabelecer hûa Ca-
deira de Geometria em o convento de S. Francisco desta Cidade e faz publico a
todos que se hão de abrir estes estudos para o mez de Agosto do anno proximo
futuro de 1771 e que todas as pessoas que se quizerem aplicar podem concorrer
para esse tempo a esta Cidade, porque aquelles que mais se distinguirem nesta
faculdade serão premiados e atendidos para tudo quanto se oferecer e se lhes
farão todas as mercês q. se puderem conciderar e couberem no possivel e as mais
que S. Mag. a quem faz presente esta determinação, for servido de lhes conceder.
S. Paulo, a 26 de Novembro de 1770. - Thomaz Pinto da Silva.194
194
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 34,
p. 294.
195
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 34,
p. 293.
63
Série Iniciação
196
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 33,
p. 35.
197
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 65,
p. 342 e 343.
64
Luzes e sombras sobre a colônia
A política pombalina de reforma dos estudos tem seu marco final com o con-
junto de leis promulgadas em 1772 que complementam as primeiras iniciativas, corri-
gindo falhas, sanando lacunas e dando-lhes sentido e corpo únicos. Destas medidas
destaca-se a “Lei Abolindo as antigas consignações para instrução dos Estudos e
estabelecendo o Subsídio Literário” que promovia um planejamento minucioso da ad-
ministração, arrecadação e aplicação de um novo fundo destinado às escolas meno-
res. Estabelece-se a Junta do Subsídio Literário, ficando a última sob a responsabilida-
de da Real Mesa Censória e não do Erário Real como poderia-se pensar. Portanto, ao
menos nessa formulação inicial, o Subsídio não era renda da coroa, destinando-se
privativa e exclusivamente ao ensino. Posteriormente, no governo de D. Maria I, esta
independência deixará de existir, passando o tributo a vincular-se ao Erário Régio,
dando margens a desvios na sua aplicação.
A Real Mesa Censória, criada em 1768, tinha como função inicial o exame e
inspeção de livros e papéis introduzidos no reino. Após alguns anos tem suas atribui-
ções ampliadas, ficando incumbida de toda a administração e direção dos estudos
menores. Inicia-se então um amplo programa de reformas com uma consulta detalha-
da sobre o estado da educação no reino e nas colônias. A partir desta consulta, elabo-
ra-se um Mapa contendo o número de mestres de que cada localidade necessitaria:
65
Série Iniciação
198
No Mapa de 1772 não consta a cadeira de Primeiras Letras de Sabará. Laerte Ramos de Carvalho cita-a de
acordo com o documento original do ante-projeto da real Mesa Censória. Em 1775 a escola já consta dos
relatórios de arrecadação do Subsídio Literário.
199
Lei de 5 de agosto de 1772, publicada em 12 de novembro de 1772.
66
Luzes e sombras sobre a colônia
contando-se para isso, com o precioso e fundamental apoio daquele novo tributo que
arcaria com o ordenado nos novos mestres.
Dom Luiz Antonio De Souza Botelho Mourão, etc. - Faço saber q.’ S. Mag.e
q.’ D.s g.de, attendendo ao bem comum de seus fieis Vassalos e desejando-os fazer
felizes com os beneficios de seo Real Favor e protecção, hé servido mandar crear
Escollas publicas de ler, escrever e contar, e Estudos da Grammatica, Grego,
Rethorica e Filosofia, p.a cuja subsistencia ordena q,’ se estabeleça nesta Capita-
nia a collecta das carnes e agoas ardentes p.a satisfação dos Mestres dos referi-
dos Estudos, cujo Plano e Instrucçoens contem a Ley de s. Mag.e de 6 de Novbr.o
de 1772, e outro Alvará de 15 de Fevr.o de 1773, e as Instrucçoens de 4 de
Semtembro de 1773, q.’ junto com este se vão publicar, como tambem a carta
Regia q.’ o mesmo Senhor me fez enviar, ordenando-me sobre esta materia varias
providencias p.a a infalivel e segura arrecadaçam da dita collecta dirigida a tam
importante e proveitoso estabelecimento. E p.a que chegue a noticia de todos esta
grata e Paternal Determinação de s. Mag.e mandei lançar este Bando pelas ruas
publicas desta Cidade, o qual depois de publicado se afixará na porta da caza da
minha Rezidencia e se registrará nos livros da Secretaria e mais partes a q.’ tocar.
Dado nesta Cidade de S. Paulo a 29 de Julho de 1774. Thomaz Pinto da Sylva,
Secretario do Governo, o fez escrever. - D. Luiz Antonio de Souza.200
200
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 33,
p. 163-164.
67
Série Iniciação
(...) D’esta sorte se pode tirar huma vantagem e lucro muito concideravel
para a Real Fazenda, alem de se apurar pela venda dos mesmos remedios a somma
dos quatro contos de reis que tiro daquelle dinheiro, os q.es depois de constituirem
hum fundo que ha de manter a perene conservação da referida botica, devem
tornar a repor-se no cofre daquella contribuição Literaria, donde agora sahem
por imprestimo, e a que não fazem falta actualmente pelas razoens expressadas
n’este, e no citado Officio.202
Para justificar o uso que se fazia de tal tributo, clamava-se uma relação entre
“Sciencia” e a finalidade inicial do Subsídio, classificando profissionais importantes à
administração pública ( topógrafos, contadores, engenheiros, etc.) como pertencentes
a “estabelecimentos Scientificos”. Esta relação seria formalizada posteriormente por
Castro e Mendonça que, sob este conceito de “estabelecimentos scientificos”, financi-
aria não só a saúde pública como também setores do exército, mudando o caráter do
Subsídio para dele lançar mão. Dessa forma, obras que a princípio nada tinham em
comum com o ensino régio, como a construção de uma “fábrica de Ferro”, eram
viabilizadas às custas daquele tributo:
201
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 93,
p. 114.
202
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 93,
p. 114.
68
Luzes e sombras sobre a colônia
203
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 93,
p. 111.
69
Série Iniciação
204
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 93,
p. 40
205
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 93,
p. 41.
70
Luzes e sombras sobre a colônia
Mais adiante fica patente a deficiência financeira nos cofres do Subsídio, não
justificando-se de forma alguma gastos excessivos em outras áreas que não a educaci-
onal. Comprova-se também que para levar a cabo suas novas idéias de reforma, Cas-
tro e Mendonça deveria primeiramente dispor de meios materiais para viabilizá-la.
No que diz respeito aos honorários dos mestres, Castro e Mendonça expõe-nos
a situação em 1799, cuja origem de tais valores residem na governação de Morgado de
Mateus. Presume-se que desde 1768, quando inicia-se a reforma na capitania, a média
dessas cifras se mantiveram. Partindo desses dados, elaboramos a tabela abaixo:
206
MENDONÇA, Antonio M. M. de Castro. Memória econômico política da capitania de São Paulo. Anais
do Museu Paulista. v. 15, 1961, Cap. IV, parágrafo 04, p. 160.
207
Id., ibid., parágrafo 15, p. 164.
71
Série Iniciação
Note-se que aos professores da vila de São Paulo cabia um ordenado maior
que aos professores de outras localidades justificando-se para isso, o maior afluxo de
alunos ali verificado. A exceção só se dá no caso do mestre de “Primeiras Letras” que
em São Paulo recebia 30$000rs a menos que os de Santos e Paranagoa, o que com
certeza não pode ser explicado pela quantidade de discípulos. O que nos causa estra-
nheza ainda maior é o fato de que as localidades de S. Sebastião e Mogy possuíam
mestres de “Gramatica Latina” sem possuirem o mestre de “Primeiras Letras”, o que é
um contracenso na medida em que o último é pré-requisito para a existência do primei-
ro. Não localizamos nenhum documento que pudesse nos elucidar estas questões. O
certo é que Castro e Mendonça, constatando tal disparate, toma as providências ne-
cessárias, como podemos comprovar no trecho abaixo:
208
Id., ibid., parágrafo 05, p. 160.
72
Luzes e sombras sobre a colônia
FUNÇÕES ORDENADOS
Prof. de Primeiras Letras 120$000
Prof. de Primeiras Letras (S. Paulo) 150$000
Prof. Gramática Latina 300$000
Prof. Gramática Latina (S. Paulo) 400$000
Prof. Rhetorica e Grego 440$000
Philosofia Racional e Moral 480$000
Substitutos 240$000
1.º Sargento 50$000
2.º Sargento 40$000
Como podemos observar, não são grandes as alterações propostas por Cas-
tro e Mendonça em relação aos pagamentos. É mantida a diferença entre os mestres
de São Paulo e os de outras localidades, efetuando-se porém, a correção dos honorá-
rios dos mestres de “Primeiras Letras” que passam de 90$000rs para 150$000rs. Os
outros valores se mantêm com destaque para o ordenado do professor de “Philosophia
Racional e Moral” que seria de 480$000rs, ou seja, o dobro do que ganhava o subs-
tituto em exercício.
Note-se ainda a introdução de dois sargentos no elenco de professores. Estes
teriam função de mestres de “Primeiras Letras” na “Legião de Voluntários Reaes” e no
“Regimento d’Artilharia”, recebendo respectivamente 50$000rs e 40$000rs além dos
soldos que lhes eram de direito. Seus ordenados seriam portanto complementados
devido às funções que assumiriam junto às milícias.
No que concerne às ciências exatas, apesar de todo o esforço de Morgado de
Mateus em abrir e manter aulas de Matemática e Geometria em São Paulo, na passa-
gem de século XVIII para o XIX, observa-se a total ausência das ditas ciências na
209
Tabela formulada a partir do exposto por Antonio Manoel de Mello Castro e Mendonça em sua “Memória
Econômico-Política da Capitania de S. Paulo” no capítulo VI.
73
Série Iniciação
É possível que fora do círculo militar não houvesse quem se interessasse pelas
ciências exatas para além do que se aprendia na cadeira de “Primeiras Letras”, de
modo que estas novas medidas diziam respeito quase que exclusivamente ao desen-
volvimento das milícias:
210
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 89,
p. 145.
211
MENDONÇA, Antonio M. M. de Castro. op. cit., Cap. VII, p. 179.
212
Id., ibid., p. 180.
74
Luzes e sombras sobre a colônia
213
A “Memória Econômico Politica da Capitania de S. Paulo” de autoria de seu governador Antonio Manoel
de Mello Castro e Mendonça, foi parcialmente publicada nos Anais do Museu Paulista, v. XV em 1961.
Infelizmente não conseguimos localizar onde foi publicado o restante da obra.
214
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de São Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 29,
p. 222.
75
Série Iniciação
que quando muito se acrescente, apenas chegará para o substituto das tres Ca-
deiras da Cidade, e para hum Professor de Grammatica Latina em Taybaté, fican-
do todas as demais Villas sem Mestres de Latim, o que se conforma com o meu
Plano, e / o que mais hé / sem os de primeiras letras que se deverião propagar, e
extender por toda a Capitania.215
O que consta é que Castro e Mendonça elaborou um plano para prover rendi-
mentos ligados à Câmara, com a finalidade de pôr em marcha seus projetos. Privados
do contato com esta parte da documentação, a única coisa que podemos concluir é
que de fato a situação do orçamento sofria com a insuficiência tanto pela arrecadação
quanto pelos possíveis desvios (como já demonstramos anteriormente).
A tabela seguinte é apresentada na “Memória Econômico-Política” e diz res-
peito aos gastos que se teriam depois da dita reforma:
MILITAR, E PHARMACO-CIRURGICA, E MAIS ESTABELECIMENTOS
LITERARIOS MENCIONADOS NESTE CAPITULO
5 Professores d’Academia Militar 120$000 60$000
5 Substitutos 60$000 300$000
2 Professores de Cirurgia 400$000 800$000
2 Substitutos 120$000 240$000
1 Professor de Botanica e Chimica 400$000
1 Professor de Pharmacia 200$000
1 Substituto 80$000
1 Secretario dos Estudos 200$000
1 Continuo 80$000
Applicação annual p.ª a Livraria 800$000
Dita p.ª as despezas do Jardim 200$000
28 Premios p.ª os alumnos das 2 Academias 48$000 1:344$000
8 Ditos para os alunmos das Aulas Menores 24$000 192$000
1 Medico p.ª a Cidade 400$000
1 Medico p.ª Parnagoá 200$000
3 Cirurgioens p.ª as Vls. da Marinha 100$000 300$000
3 Ditos p.ª as Villas d. Serra acima 100$000 300$000
Somma 6:630$000
215
MENDONÇA, Antonio M. M. de Castro. op. cit., p. 164 e 165.
76
Luzes e sombras sobre a colônia
77
Série Iniciação
78
Luzes e sombras sobre a colônia
SEGUNDA PARTE
79
I - PONTOS E CONTRAPONTOS: A POLÍTICA
POPULACIONAL METROPOLITANA
217
Id., ibid., p. 201.
218
Id., ibid., p. 236.
219
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de Casamento no Brasil Colonial. São Paulo, EDUSP, 1984, p. 20.
220
Id. ibid., p. 18-21.
221
NÓBREGA, Pe. Manuel da, carta de 6 de agosto de 1549. Apud SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 17.
82
Luzes e sombras sobre a colônia
Outrossim mande que os degredados que não sejam ladrões trazidos a esta
vila para ajudarem a povoar porque há muitas mulheres da terra mestiças com
quem casarão e povoarão a terra222
A vinda dos casais das ilhas, além de fazer prosperar a agricultura, fator impor-
tante para o aumento da população, teria como conseqüência não só um maior núme-
ro de filhos como “indivíduos mais vigorosos e robustos.”225 Para o desenvolvimento
dos métodos agrícolas era interessante fixar a população dispersa em povoações e
vilas e, por outro lado, desenvolver os núcleos populacionais existentes. Dessa manei-
222
Oficiais da Câmara da vila de São Paulo, 1562. Apud SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 17.
223
NÓBREGA, Pe. Manuel, carta de 6 de janeiro de 1550. Apud SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 18.
224
CASTRO E MENDONÇA. Apud SILVA, M.B. Nizza. op. cit., p. 22.
225
SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 18-19.
83
Série Iniciação
226
CASTRO E MENDONÇA. Apud SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 22.
227
SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 22.
228
Id., ibid., p. 23-24.
229
Id., ibid., p. 25.
84
Luzes e sombras sobre a colônia
85
Série Iniciação
235
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil
Colônia. Rio de Janeiro-Brasília, José Olímpio-Edunb, 1993, p. 133.
236
ALGRANTI, L.M. Honradas e devotas: mulheres da colônia: um estudo sobre a condição feminina na
segunda metade do século XVIII:1750-1850, tese de doutoramento, São Paulo, FFLCH / USP, 1992, p. 74.
86
Luzes e sombras sobre a colônia
87
Série Iniciação
as histórias de Zumbi, visto como a ira sagrada, o treme terra, e de “outro lado”, Mãe
Preta e Pai João, vistos como a submissão conformada. Pai João não foi a ausência de
luta, mas uma estratégia desta, pois no Brasil, como em outras partes, os escravos
negociaram mais do que lutaram abertamente contra o sistema. Trata-se do heroísmo
prosaico de cada dia pois “apesar das chicotadas, das dietas inadequadas, da saúde
seriamente comprometida ou do esfacelamento da família pela venda, os escravos
conseguiram viver o seu dia-a-dia”, conforme analisou Sandra Graham. “Relativamen-
te poucos, na verdade, assassinaram seus senhores, ou participaram de rebeliões, en-
quanto que a maioria, por estratégia, criatividade ou sorte, ia vivendo da melhor forma
possível.” Como verbalizaram os próprios escravos, no Sul dos Estados Unidos, “ os
brancos fazem como gostam; os pretos, como podem.”239
Faz-se necessário, portanto, uma análise diferenciada do conceito de resistên-
cia que permita os recortes dos espaços de autonomia conquistados pelos escravos
frente ao mundo do senhor. “A elaboração de uma ética particular do trabalho, de
valores morais independentes, a concepção de um mundo próprio a partir do qual se
deu a vivência da escravidão, caracterizaram espaços de autonomia do escravo. A
consideração da existência de elementos independentes, próprios ao escravo, permite
resgatá-lo enquanto ator social capaz de estabelecer laços coerentes em face de seus
iguais e outros grupos subalternos. Autonomia, sem dúvida, relativa, forjada nas rela-
ções orgânicas entre senhores e escravos, ocupando as brechas do domínio hegemônico
da camada dominante. Colocando-se a questão de outra maneira, pode-se dizer que a
autonomia do escravo é o espelho dos limites da dominação senhorial.”240
Integrando-nos a essa perspectiva, cabe-nos verificar as condições de realiza-
ção dos casamentos entre cativos na São Paulo setecentista, entre elas, quais etnias se
casavam e por quê, quem eram os senhores de escravos que permitiam essas uniões,
localizar a ocorrência de segundas núpcias, uniões entre cativos de senhores diferen-
tes, casamentos envolvendo testemunhas, impedimentos e justificações. Não se trata
de um estudo típico sobre família escrava, na medida em que as fontes utilizadas não
permitem verificar a condição de vida dos escravos após o casamento, ou seja, o
número de filhos, as sucessões e linhagens e desta forma apreender a manutenção ou
o esfacelamento da família. Além do mais, os estudos sobre família escrava abarcam
não apenas as uniões oficializadas pela igreja, como também as informais. Tal não é o
239
REIS, João José & SILVA, Eduardo. op. cit., p. 13-14.
240
MACHADO, M.H.P.T. op. cit., p. 20.
88
Luzes e sombras sobre a colônia
nosso caso, uma vez que restringimos nossa análise ao ato de contração do matrimô-
nio, através dos registros oficiais de casamento.
Temos que o matrimônio, como um sacramento da igreja, era incentivado entre
todos, todavia, em alguns momentos, encontramos situações em que se negava ou
desencorajava costumeiramente a união de cativos perante a Igreja. Por outro lado, os
jesuítas Antonil, Benci e o padre secular Ribeiro Rocha defendiam plenas oportunida-
des de casamento e condenavam todos os contínuos abusos do escravismo. “Nos
trabalhos dos dois jesuítas, podemos vislumbrar aqueles abusos e a defesa dos senho-
res de engenho. Os proprietários argumentavam que, quando exigiam que os cativos
casassem na igreja, o laço tornava-se permanente e, com isso, quando cansavam-se
dos cônjuges recorriam ao envenenamento, já que o divórcio era impossível. Também
afirmavam os senhores que os escravos mantinham relações ilícitas após o casamento,
o que era uma afronta à Igreja. Os proprietários aceitavam as uniões consensuais
como ocorrência da ordem natural das coisas e tendiam a não interferir a esse respei-
to ou arranjar as uniões sem a ajuda do clero.”241 Primordialmente em “A Economia
Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos”, uma reunião de sermões proferidos
por Jorge Benci na Bahia em fins do século XVII, resumem-se os preceitos da econo-
mia cristã, ou seja, a regra, norma e modelo, por onde se devem “governar os senhores
cristãos para satisfazerem às suas obrigações de verdadeiros senhores”. Benci legitima a
escravidão com base no pecado original e resume os três postulados que compõem a
regra de um verdadeiro governo: pão, punição e trabalho. Objetivando criar uma nova
consciência senhorial, Benci buscou reforçar a noção de família. Assim como pensou o
trabalho como freio à “ impudicícia dos negros”, o matrimônio foi visto como remédio
para os “efeitos e estímulos da concupiscência” tão presente nos escravos. O objetivo,
primeiro, era eliminar a prostituição das escravas, o concubinato e quaisquer relações
sexuais fora do matrimônio, pois todos, sem distinção, eram vistos como pecado. E
cabia justamente ao senhor, enquanto pai cristão, assumir a tarefa de erradicação dos
costumes.”242
Buscando a sistematização da vida na colônia, promulgaram-se “As Constitui-
ções Primeiras do Arcebispado da Bahia”, com o intuito de normatizar a vida dos
241
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: Engenhos e Escravos no Brasil-Colônia:1500-1835. São Paulo,
Cia. das Letras, 1986, p. 315.
242
VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e Escravidão: os letrados e a sociedade escravista no Brasil Colonial.
Petrópolis, Vozes, 1986, p. 125-135.
89
Série Iniciação
colonos quanto aos aspectos morais e sociais vigentes na época. Nessa coletânea de leis
arroladas, destacam-se os cânones 303 e 304 sobre os casamentos entre escravos.
“ 304- Mas para que este sacramento se não administre aos escravos se-
não estando capazes, e sabendo usar delle, mandamos aos vigários coadjuntores,
capeellães, e quaisquer outros sacerdotes do nosso Arcebispado, que antes que
recebão os ditos escravos, e escravas, examinem se sabem a doutrina christãs, ao
menos o Padre nosso, Ave maria,Creio em Deõs Padre, mandamentos da Lei de
Deos, e da Santa Madre Igreja, e se entendem a obrigação do santo matrimõnio
que querem tomar, e se é sua intenção permanecer nelle para serviço de Deos e,
bem de “suas almas” e adiado que a não sabem, ou não entendem estas cousas, os
não o recebam até as saberem, posto que seus senhores o contradigão, tendo
primeiro as diligências necessárias e as denunciações decorrentes, ou licença
nossa para os receber sem ellas, a qual lhe daremos, constatando que se lhes
impedio o matrimônio fazendo-se as denunciações antes de se receberem. E con-
formando-nos com a Bulla do Papa Gregório XII, dada em 25 de Janeiro de 1.585,
mandamos que todos os Parochois, quando receberem alguns escravos dos nova-
mente convertidos, em que haja suspeito de que estão casados na sua terra(posto
que não sacramentalmente) com eles dispensem no dito antigo matrimônio”.243
243
VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. 1853, p. 125-126.
90
Luzes e sombras sobre a colônia
Para São Paulo, através da tabela acima, verificamos que a maioria dos nubentes
eram crioulos, ou seja, tratavam-se de escravos nascidos no Brasil. Entre os crioulos
que se casaram há uma predominância feminina. Com relação aos escravos africanos,
244
SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p.143
245
VIDAL LUNA, Francisco. Minas Gerais: Escravos e Senhores. São Paulo, IPE, 1981, p. 66.
91
Série Iniciação
25%
34% E ntre Africanos
E ntre Crioulos
E ntre Africanos e
Crioulos
41%
O gráfico demonstra-nos que 25% das uniões ocorriam entre africanos, tal
fator nos conduz a crer num desejo de manutenção da origem étnica através do casa-
mento, como exemplo temos Antônio e Ana, ambos de nação Angola. O mesmo
ocorreu quanto às uniões mistas, 34% envolvendo crioulos e africanos, incluindo-se
neles Clementino e Izabel, ele crioulo e ela do gentio da Guiné. Finalmente com 41%
das uniões ficavam os crioulos, entre eles, Alberto e Benedita, reforçando a nossa
crença no desejo de manutenção da origem étnica. No entanto, “seja como for, não
246
O fato de outras etnias africanas não serem citadas não significa que não se casavam também, apenas
reafirmamos que não localizamos registros em nossos documentos.
92
Luzes e sombras sobre a colônia
podemos pensá-los como um bloco homogêneo apenas por serem escravos. As riva-
lidades africanas, as diferenças de origem, língua e religião, tudo o que os dividia não
podia ser apagado pelo simples fato de viverem um calvário comum.”247
Podemos identificar qual a parcela de senhores de escravos que promoviam o
enlace através da observação do quadro abaixo. Os dados coligam-se aos obtidos
para a região mineradora onde as atividades dos senhores de escravos relacionam-se
a patentes militares e à religião.
247
REIS, João José & SILVA, Eduardo. op. cit., p. 20.
248
Anacleto e Catarina ambos crioulos, sendo a noiva filha de Antonio, mina, já defunto, e de sua mulher
Maria, de nação benguela, o noivo filho de Miguel, mina e de sua mulher Izabel, mina, casaram-se no dia 06
de junho de 1743. Destaca-se nesse processo a origem étnica dos contraentes, pois ambos são crioulos.
Verificamos que a origem étnica de ambos os pais de Anacleto é mesma que a do pai já defunto de Catarina.
93
Série Iniciação
da mulata.249 Em Minas Gerais, temos situação similar pois “ nos vários anos e locali-
dades mineiras, ocorreu franco predomínio masculino, entretanto, ao longo do século
XVIII e início do século XIX, nota-se uma relativa tendência ao equilíbrio. De uma
primeira fase ainda consolidada da atividade e na qual o espírito de aventura levava à
preponderância masculina nos centros mineratórios, vê-se que lenta, mas persistente-
mente, as mulheres ampliaram sua participação no segmento dos proprietários de
escravos.”250 Quanto ao funcionamento das propriedades dirigidas por senhores ricos
e/ ou religiosos nelas as uniões escravas eram mais estáveis, o mesmo não ocorria em
áreas pertencentes aos senhores pobres.251
Quanto às uniões escravas nem sempre essas ocorriam entre escravos de um
mesmo senhor, apesar de esse ser o fator predominante, como demonstra o gráfico a
seguir. Registramos a ocorrência de uniões envolvendo escravos de senhores dife-
rentes; quanto à vida comum “era improvável que vivessem juntos em uma fazenda,
mas sim que ambos os senhores tivessem propriedades na mesma paróquia.”252 Foi o
caso de Bonifácio e Clara, ele escravo de Antonio Brito e ela escrava de Miguel
Fernandes de Oliveira; como estes, destacam-se ainda Diogo e Josefa, ela escrava de
Ignes Da Cunha e ele, escravo do Sargento Mor Manuel de Carvalho. Tais relações
não eram bem vistas pelos proprietários, por isso apenas 4% das uniões referem-se a
casamentos entre escravos de senhores diferentes. Silvia Lara nos relata que no Rio de
Janeiro em fins do século XVIII e início do XIX casais de escravos pertencentes a
senhores diferentes fugiam, objetivando ficarem juntos.253 O mesmo é dito por João
José Reis ao afirmar que “muitas fugas, tinham por objetivo refazer laços afetivos
rompidos pela venda dos pais, esposas e filhos, pois quando a negociação falhava, ou
nem chegava por intransigência senhorial ou impaciência escrava, abriam-se caminhos
de ruptura. A fuga era um deles. Os escravos fugiam pelos mais variados motivos:
abusos físicos, separação de entes queridos por vendas ou transferências inaceitáveis
249
Até os últimos anos do século XVII, o termo preferido em alusão a índios era negro, cedendo lugar a termos
decorrentes de uma crescente presença de africanos nos plantéis paulistas. Assim, surgiram expressões
como: gentio do cabelo escorrido, administrados, servos, pardos e, finalmente carijós. Os termos possuem
variações no decorrer do tempo; a palavra mulato não tinha para a época o significado atribuído nos dias
atuais.
250
VIDAL LUNA, Francisco. op. cit., p. 130.
251
METCALF, Alida. “Vida familiar dos escravos em São Paulo no século XVIII, o caso de Santana do
Parnaíba.” Estudos Econômicos. São Paulo, v. 17, no 2, p. 229-243, maio-ago 1987, p. 232.
252
Id., ibid., p. 238.
253
LARA, Sílvia. Campos da Violência. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, p. 240.
94
Luzes e sombras sobre a colônia
ou pelo simples prazer de namoro com liberdade (...)”254. Por sua vez, Emília Viotti nos
diz que: “a maior parte dos crimes cometidos nos últimos anos da escravidão tinha por
origem as revoltas dos negros contra castigos recebidos por eles ou por pessoas de
sua família. Em 1887, na Fazenda Pântano, um escravo assassinou a proprietária por
lhe ter castigado a mulher. Em Batatais, aproximadamente na mesma época, uma preta
assassinara o senhor. Realizadas as sindicâncias, encontrou-se na fazenda um escravo
amarrado, na posição de crucificado. Era o marido da criminosa.”255
4%
S enhor
Comum
S enhor
diferente
96%
Retomando a questão da política matrimonial, esta deveria ser séria e não per-
mitir enganos, principalmente para os escravos, possuidores de uma grande mobilida-
de geográfica; a Igreja, de modo algum, poderia permitir casos como bigamia, incesto
254
REIS, João José & SILVA, Eduardo. op. cit., p. 66.
255
COSTA, Emília Viotti. Da senzala a colônia. São Paulo, DIFEL, 1976, p. 310.
95
Série Iniciação
256
“impedientes: Os que impediam o matrimônio, caso o mesmo ainda não tivesse sido realizado. Todavia se
o casamento já tivesse ocorrido, o impedimento descoberto não constituía motivo para anulação. dirimen-
tes: São os que, além de impedir o casamento, caso a razão desse impedimento fosse descoberta e
comprovada, era motivo de anulação.”
“Constituem Impedimentos impedientes: Proibição eclesiástica restrita a determinado tempo; voto
simples de religião ou castidade, promessa de casamento a outrem”.
“Com relação aos impedimentos dirimentes, são um total de 14, sendo dois deles de ordem religiosa:
Celibato clerical, ou seja, os membros da Igreja, não podiam se casar; proibição de casamentos mistos de
religião. Os cristãos podiam apenas se casar com Cristãos; ausência de um pároco e de testemunhas; o
rapto;o uso da força, da coação, para o casamento; insuficiência física para a cópula; a condição de escravo,
quando desconhecida de um contraente livre.”; “a cópula com os consanguíneos do consorte até o quarto
grau; promessa de casamento a alguém, o que impede o casamento com parentes de primeiro grau da
pessoa;o estabelecimento de laços de parentesco como batismo, crisma e adoção impedem e anulam o
matrimônio; mesmo quando solteiro, a relação estabelecida ilicitamente gera afinidade até segundo grau
com parentes consanguíneos da pessoa a qual se manteve a relação.” “A promessa de casamento, por si só,
às vezes constituía-se um impedimento impediente, ou dirimente, quando ocorreu com um parente de
primeiro grau da pessoa com a qual iria se casar. Temos como exemplo : João fez promessa de casamento
a Maria, não podendo portanto se casar com sua irmã., ou mãe, mesmo que Maria seja falecida ou o
desobrigue da promessa.”
“Os contraentes podiam ser dispensados do impedimento dirimente pelo Bispo. Para isso a união devia
enquandrar-se nos seguintes casos: matrimônio contraído publicamente; impedimento oculto; um dos
contraentes tivesse casado de boa fé; houvesse grande inconveniente na separação dos dois; fosse díficil o
recurso ao papa; perigo de Incontinência; caso o impedimento fosse oculto e realizado in face eclesiae, o
matrimônio poderia ser revalidado sem a presença de um pároco e testemunhas. Em casos de parentesco,
era necessário obter dispensa antes de promover a revalidação, porém, nos casos de erro de condição,
bastava que o contraente, que desconhecia a condição de escravo do outro, declarasse o desejo de manter
a união.” (COSTA, R.R. 1986)
96
Luzes e sombras sobre a colônia
sos súditos tenham bastante notícia tanto dos impedimentos , que impedem o matrimô-
nio como os dos que não impedem, mas os dirimem depois de contraído e para se
evitarem os danos, que podem resultar de sua ignorância, nos pareceu muito importan-
te ao serviço de Deus e bem das almas de nossos diocesanos, declará-los na presente
Constituição.” Mas, como o texto escrito não era considerado suficiente para divulga-
ção dos impedimentos no Brasil, onde a circulação dos impressos era muito restrita e
onde a porcentagem de analfabetos era grande, recomendava-se ainda aos párocos
sua leitura ao povo, duas vezes por ano, sob pena de uma multa de 1$000 réis para
aquele que não a fizesse.257
Quanto às dispensas aos impedimentos, a posição do Concílio de Trento em
relação à concessão de dispensas parece ter sido muito mais rígida do que aquela que
depois se observa no Brasil colonial: “Em contrair matrimônios, ou se não conceda
dispensa alguma, ou rara: e esta com causa, e de graça. No segundo grau nunca se
dispense, senão com grandes príncipes e causa pública. O poder de dispensar dos
impedimentos residia no papa, mas este podia delegar, em casos urgentes, ou aos
bispos, ou ao comissário geral da bula da cruzada, ou ao núncio apostólico: e desde o
início da colonização no Brasil, os jesuítas lutaram, devido às condições locais, para
que lhes fosse atribuído o poder de dispensar, pelo menos em relação a alguns impedi-
mentos, como os de afinidade e consangüinidade”258 A simplificação do processo das
dispensas só ocorreu no fim do século XVIII, quando, pela bula Magnam Profecto
Curam, expedida em Roma a 26 de janeiro de 1790, o papa Pio VI concedeu aos
bispos do Brasil o poder de dispensar gratuitamente em todos os graus de parentesco
(exceto o primeiro de consangüinidade, quer em linha direta, quer em linha transversal,
e o primeiro de afinidade em linha direta apenas). Só que como denunciava o gover-
nador da Capitania de São Paulo, em 1800, o bispo e seu vigário geral, desprezando
as palavras do documento papal, feita no interesse geral da sociedade para promover
casamentos, utilizou-a como uma fonte de lucro. Desta forma, aos obstáculos econô-
micos à celebração do matrimônio acrescentava-se o custo dos processo de dispensa,
mais as provisões, mantendo assim no concubinato, esporádico ou contínuo, uma grande
parte da população. Por sua vez, as petições dos contraentes seguem um modelo
uniforme, divulgados pela própria Igreja. Eram mais freqüentes os seguintes:
257
SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 128.
258
Id., ibid., p. 128-131.
97
Série Iniciação
1- se uma donzela pobre quer casar um parente seu receber por mulher, e não a
recebendo ficará ela sem tomar estado;
2- o conservar em uma família sucessão, ou muita riqueza, como se a mulher ficou por
herdeira e é conveniente para este fim, que se case com consangüíneo;
3- o bem comum da paz entre as províncias ou reinos, ou alguma república ou família
grande;
4- não achar-se na pátria da mulher outra pessoa igual, senão um parente seu;
5- o ser benfeitora da Igreja a pessoa que pede, ou para quem se pede a dispensa
6- o dar-se alguma soma de dinheiro
7- o revalidar matrimônio contraído invalidamente, por evitar escândalos ou perigo de
incontinência;
8- o ser pedida a dispensa por grandes príncipes, pelos quais se entendem algumas
pessoas notáveis ou opulentas.259
Cópula ilícita 1 2 3
Consangüinidade - 1 1
259
Id., ibid., p.133.
98
Luzes e sombras sobre a colônia
Quanto a Antônio, este também estava impedido por ter prometido casamento
a duas outras escravas. A primeira tratava-se de Esperança escrava de Joam Ignácio
Caminha e a outra Catarina, escrava de Joam da Rocha do Canto. Antônio declarou
que não se casou com Esperança porque o casamento não se celebrava logo, sendo
assim desistiu. Quanto a Catarina não foi possível se casar por três motivos, a enume-
rar: Antonio estava estava impedido por promessa de casamento com Esperança, não
sentia afeição por Catarina, e além do mais esta fugira de seu senhor há cerca de cinco
meses.
Considerando que Estevão e Benedita já viviam juntos e que ela ao ser inqui-
rida respondeu ter dito a este que apenas se casaria com ele caso sua senhora assim o
permitisse. Por que Estevão foi vendido e em seu lugar comprado Antônio? Teria tido
a senhora o interesse de separá-los ou apenas efetuou uma transação econômica? Tal
situação lembra-nos a sociedade baiana, onde “ para o escravo que desejava casar-
se segundo os preceitos da igreja, a escolha do cônjuge o mais das vezes não era feita
livremente.”260 Teria sido esse o caso de Antônio e Benedita?
A questão dos impedimentos não se restringia somente a casos de promessa
de casamento a outrem como faz observar a tabela, “O pedido de dispensa, não por
consangüinidade mas por afinidade, surge na Capitania de São Paulo, sob duas for-
mas: ou por cópula lícita e neste caso as petições eram geralmente apresentadas por
viúvas em difícil situação econômica que pretendiam casar-se com parentes do primei-
ro marido; ou por cópula ilícita e estes casos eram muito freqüentes entre as camadas
populares, quer se tratasse de brancos, libertos ou escravos. Os homens em geral
tinham relações sexuais com alguma irmã da noiva, ou mesmo com a mãe desta; e
nesses grupos mais desinibidos sexualmente, também era comum as mulheres copula-
rem com parentes daqueles com quem pretendiam casar-se. ”261 Foi o que aconteceu
com Agostinho e Mariana, ambos africanos da Guiné. Mariana teve relações com o
meio-irmão de seu marido, Vitorino. Por sua vez, ambos são dispensados do impedi-
mento pois a Igreja Católica possuía um modelo ideal de família: pai, mãe e filhos
nascidos dessa união. Reconhecer a legitimidade de um meio-irmão era aceitar como
família, local sagrado para o pleno desenvolvimento da educação e da moral, um lar
visto por muitos como “pecaminoso”. Situações como essa sugeriam a ocorrência de
adultérios e concubinatos, práticas muito freqüentes e extremamente combatidas pela
Igreja da época.
260
SCHWARTZ, Stuart. op. cit., p. 317.
261
SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 137.
99
Série Iniciação
Situação similar foi vivenciada por Julião e Jacintha, ambos crioulos. Jacintha
teve cópula ilícita com Antônio e Félix, respectivamente pai e irmão de Julião, dessa
forma estavam os noivos com um impedimento dirimente não podendo se casar. No
entanto, alegando que os escravos viviam concubinados há mais de 10 anos em públi-
co escândalo, contrariando as leis divinas, foi concedida a dispensa.262 Verificamos
através dos argumentos utilizados a estabilidade da família escrava. Simultaneamente a
tais evidências o fato de ter já ter mantido relações sexuais com o futuro sogro e
cunhado é visto sob estereótipos racistas, contrários a nossa perspectiva, pois apre-
sentam o modo de viver escravo como um ato desorganizado, onde imperava a de-
vassidão e as ofensas a Deus e à moral. No entanto, casos como esses ocorriam na
sociedade como um todo, tendo um número maior de evidências nas camadas mais
pobres, indiferente da cor.
No interior da comunidade escrava, além dos casos de promessa de casamen-
to a outrem e cópula ilícita, percebemos ainda a questão da consangüinidade
exemplificada através de Gonçalo e Francisca, ela filha de Antonia e Gonçalo, filho de
Domingas, duas escravas irmãs. Estavam desta forma impedidos de se casar por
serem primos, e apresentarem impedimento de consangüinidade em segundo grau.
Vejamos, um fragmento do processo:
262
Esse processo, originário do Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, é classificado como registro de
casamento, todavia, observamos que a data inicial do processo é 22 de Fevereiro de 1798 e a data da
sentença final, dispensando os noivos do impedimento, é 22 de Maio do mesmo ano, ou seja, entre a data
inicial e a final, há um espaço de três meses, conseqüentemente não é possível ter ocorrido o casamento no
mês de Fevereiro pois os noivos ainda encontravam-se impedidos. Portanto, acreditamos que a data
apresentada é a data da petição de dispensa de impedimento, não tendo sido localizada a data da realização
do casamento ocorrido após o decreto da sentença final de impedimento.
100
Luzes e sombras sobre a colônia
(ileg.) Que o orador por fragilidade humana e sem animo algum (ileg.) a
despensa teve cópula carnal com a oradora e a levou de sua eonra e por isso so
casando o orador fica reparado seu (ileg.) e satisfeita a Eonra.
Neste caso, os laços familiares vão além do pai e da mãe, havendo uma rela-
ção entre primos, irmãos, tios e sobrinhos, suportada pelo regime escravista. Tais
evidências não apontam o contexto específico da escravidão na Capitania de São
Paulo. Para a Bahia, “a localização dos membros de uma mesma família, no caso de
não terem chegado juntos ou de terem sido separados no momento da venda, não
devia ser muito difícil numa cidade como Salvador, especialmente entre as nações mais
numerosas. Havia uma tendência natural entre os escravos ladinos e os libertos de se
aproximarem dos recém-chegados de sua terra e os contatos iam se multiplicando
mesmo entre os indivíduos que viviam em freguesias distintas uma das outras. Uma
rede de informações estava permanentemente em funcionamento nos cantos e nos
mercados de Salvador, fazendo circular as notícias por toda a cidade e também pelas
redondezas entre cangas tabuleiros e cadeirinhas-de-muar, um processo que reco-
meçava a cada vez que um navio atracava trazendo novo carregamento de escravos.
Tudo indicava que essa mesma rede era ativada para buscar informações sobre o
paradeiro de escravos novos, que tinham sido separados dos seus, vendidos a pro-
prietários diferentes. Para muitos a separação seria definitiva, bastando para tanto que
seu destino tivesse sido seguir para o interior. Mas os que ficavam em Salvador ou em
suas redondezas teriam sempre a possibilidade de algum dia saber notícias ou reen-
contrar seus parentes.” 263
Apresentados os impedimentos, verificamos que para a realização do casa-
mento havia a necessidade das justificações, que tinham em sua maioria relação com o
batizado dos escravos, pois sem essas não eram aceitos na comunidade da Igreja.
Quanto ao batismo cristão sabemos que “a sua prática data dos dias mais remotos da
religião cristã; começou com a imersão de Cristo por João. Nos dois mil anos intervientes
o significado teológico adotado foi elaborado e transformado, mas desde pelo menos
263
OLIVEIRA, M.I. de. “Viver e morrer no meio dos seus”. Revista USP – Dossiê Povo Negro. São Paulo,
no 28, p. 174-193, dezembro/janeiro/fevereiro 95-96, p. 178.
101
Série Iniciação
264
GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. “Purgando o pecado original; compadrio e batismo de
escravos na Bahia no século XVIII.” in REIS, João José (org.). Escravidão e Invenção da Liberdade. São
Paulo, Brasiliense, 1988, p. 33.
265
Id., ibid., p. 39.
266
Id., ibid., p. 41-42.
102
Luzes e sombras sobre a colônia
foram mantidas separadas. Através dos batismos as relações espirituais definiam parte
da individualidade dos escravos.” 267
Em Casa Grande & Senzala, Gilberto Freyre enfoca a família escrava através
da análise de testamentos e inventários do século XIX, onde refere-se aos batizados
de escravos: Na maior parte das casas-grandes sempre se faz questão de negros
batizados, tendo-se uma como repugnância supersticiosa a “pagãos” ou “mouros” dentro
de casa, fosse embora simples escravos. E os testamentos e inventários do século XIX
referem-se freqüentemente a negros casados: Fulana, mulher de Sicrano. Diz-nos
Perdigão Malheiro que houve senhoras, de tal modo interessadas no bem-estar dos
escravos que levavam aos próprios seios mulequinhos , filhos de negras, fallecidas em
conseqüência de parto, alimentando-os do seu leite de brancas finas; que nos enge-
nhos e fazendas vários escravos chegavam a unir-se pelo casamento, vivendo assim
em família, com certas regalias que os senhores lhes conferem. “Esses negros batizados
e constituídos em família tomavam em geral o nome de família dos senhores brancos:
daí muitos Cavalcanti, Albuquerques, Mellos, Mouras, Wanderleys, Lins, Carneiros
Leões, virgens do sangue ilustre que seus nomes acusavam. No Brasil, ainda mais do
que em Portugal, não há meio mais incerto e precário de identificação de origem social
do que o nome de família.”268
Desta forma, verificamos a importância do batismo no contexto da sociedade
colonial brasileira, temos que os escravos oriundos de Angola, em fins do século XVIII,
já haviam sido batizados em massa antes de embarcar para o Brasil. O mesmo não
ocorria com os escravos provenientes da Costa da Mina, os senhores tinham prazo de
um ano para apresentar esses escravos para o batismo na igreja paroquial pois “pa-
gão” era um dos piores epítetos que um cativo podia chamar a outro, e o africano
recém-chegado logo descobria que de fato, ele era considerado um bruto, “sem nome”,
inferior tanto pelo senhor como também pelos demais cativos.269 No entanto, o impacto
e o significado do casamento e do batismo podem ter sido consideravelmente diferentes
para os africanos, portugueses e seus respectivos descendentes nas colônias. Não
obstante, dada a dificuldade de penetrar no mundo interior do cativo, “o casamento e
o batismo são duas portas de entrada que prometem algum retorno.”270
267
Id., ibid., p. 43.
268
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. op. cit., p. 327.
269
SCHWARTZ, Stuart. op. cit., p. 334.
270
Id., ibid., p. 310.
103
Série Iniciação
271
Id., ibid., p. 334.
272
VIDAL LUNA, Francisco. op. cit., p. 11-12.
273
Id., ibid., p. 17-19.
104
Luzes e sombras sobre a colônia
evitar as situações citadas, isso significa que as mesmas não eram incomuns, ou seja,
estavam presentes no cotidiano das pessoas. Tratava-se de uma política administrativa
que demonstrava uma preocupação com o desenvolvimento das relações sociais en-
tre os negros, apontando assim, a existência de uma solidariedade entre a massa ne-
gra.274
Legitimada a importância do batismo na sociedade colonial tanto para livres
como para escravos, verificamos que as justificações tanto as de batismo quanto as de
menor idade e óbito faziam parte do processo matrimonial , em decorrência dos impe-
dimentos. Ocorriam em geral quando não se sabia ao certo a idade e /ou filiação de
um ou ambos os noivos, havendo assim a necessidade da apresentação da certidão de
batismo, caso essa não fosse localizada era apresentado nos autos do processo o
depoimento de testemunhas.
Cabe-nos citar Jeronymo e Victorina, ele filho de Ana e de pai incerto, cuja
justificação de batismo275 ocorreu através do depoimento de três testemunhas.
274
FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais do
século XVIII. Rio de Janeiro, José Olympio, 1993, p. 45.
275
ACMSP. Proc. 6-32-1980.
105
Série Iniciação
que dice ser de quarenta annos mais ou menos, testemunha jurada aos
Santos Evangelhos na forma devida (ileg.) cargo a qual prometeo dicer a verda-
de do que lhe for perguntado. E sendo inquirida a testemunha pela petição diz
que conheceu muito bem(ileg.) e que he filho de Anna Rodrigues e de pai incóg-
nito que(ileg.) ver dizer que o mesmo justificante foi baptizado na cathedral e que
forão padrinhos João Peres e Custódia Maria(ileg.).
276
METCALF, Alida. op. cit., p. 240.
277
ACMSP. Proc. 4-67-454.
106
Luzes e sombras sobre a colônia
107
Série Iniciação
tariam o número de cativos tais uniões mostram-se poucos férteis, pois apenas um
número irrisório de crianças frutos dessas uniões mistas aparece entre os batizados de
Santo Amaro, Sorocaba e Itu. No século XVIII, entretanto, este quadro começou a
mudar, em decorrência tanto do aumento sensível da população de origem africana em
São Paulo, quanto do acirramento na competição pela mão de obra disponível. É
nesse contexto que surgem as primeiras evidências de casamentos forçados. Quando
interpelados pelas autoridades sobre sua participação numa série de crimes, o escravo
alfaiate Pedro Mulato papudo afirmou que havia sido seqüestrado por Bartolomeu
Fernandes de Faria e forçado a se casar com a índia Teresa. Consta ainda, nos autos
desse mesmo processo, que a bastarda livre Isabel havia sido obrigada a se casar com
o escravo Luciano.”278
John Monteiro traça um perfil da problemática dos casamentos mistos entre
africanos e índios no século XVII e suas alterações no século XVIII, levantando como
questão a possível obrigatoriedade ao casamento. O autor cita-nos dois exemplos,
onde no primeiro caso, o noivo, um mulato, é obrigado a se casar com uma administra-
da. No segundo, uma bastarda livre é obrigada a se casar com um escravo. Teria sido
a maioria das uniões entre índios e negros forçadas?
Quanto às justificações de óbito, essas perpassam necessariamente pela questão
das segundas núpcias pois o fato de o casamento religioso suscitar uma série de des-
pesas não impediu a realização de mais de uma núpcia, por parte da comunidade
escrava. As segundas núpcias diferenciam-se das justificações de óbito pois enquanto
a primeira caracteriza-se pela “contração” de uma segunda ou terceira união, a segun-
da necessita comprovar por testemunhas ou certidão a morte do primeiro consorte
realizando assim buscas, sejam em livro de óbito, ou coletando o depoimento de tes-
temunhas que confirmasse a morte do consorte.
278
MONTEIRO, John. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo, Cia das
Letras, 1994, p. 169-170.
108
Luzes e sombras sobre a colônia
9%
Primeira união
S egunda união
91%
Aos vinte e quatro de mayo de mil sete centos, e oitenta e hum faleceu
confessado e ungido, miguel, cazado com Domingas escravos de Antonio Martins
de Almeida, foi encomendado nesta Sé e sepultado com licença em Sam Francisco
de que fis este assento que assignei. O cura Francisco Dias Xavier.
279
ACMSP. Proc. 6-27-1926.
109
Série Iniciação
Observamos assim que o “viver escravo” abrangia mais do que açoites e cor-
rentes, troncos e chibatas. A dialética da escravidão paulistana permite-nos através de
um estudo sobre a prática do casamento, penetrar no universo escravo e compreen-
der a sua relação com a sociedade. Sobrevivendo num mundo onde os senhores,
devido às questões econômicas, eram contra as uniões, os cativos casavam-se objeti-
vando a manutenção da origem étnica, ou seja, língua, costumes e tradições. Simulta-
neamente os cativos recebiam o apoio da política populacional metropolitana e do
poder eclesiástico para a realização dos casamentos. Salientamos que esse apoio não
foi específico à massa escrava, mas sim, à sociedade como um todo, imbuindo aí os
escravos.
No interior da dinâmica escravocrata emergiram como senhores de escravos
favoráveis às uniões, os grupos dos militares e dos religiosos, não desprezando a forte
participação feminina. Os segundos explicam-se pela forte religiosidade inerente ao
período, além do mais foram os religiosos, primordialmente os jesuítas, os defensores
do matrimônio tanto para a população branca quanto para a negra. Os militares desta-
caram-se devido à forte política administrativa desenvolvida por D. Luís Antônio, tor-
nando-os um grupo sócio-econômico privilegiado; todavia, visto que na tipologia dos
senhores de escravos mineiros, também é expressiva a participação de militares, essa
posição privilegiada não era exclusiva dos habitantes da Capitania de São Paulo.
A massa de impedimentos e justificações localizados permite-nos observar os
laços de família nas malhas do sistema escravista. Nossos cativos, ao contrário de
muitos, não são despossuídos de tudo. Têm nome, história e principalmente família.
Ao confrontarmos os dados obtidos, nos coligamos a outras regiões brasileiras, entre
elas, Minas Gerais e Bahia. No século XVIII temos o escravo que negocia, o escravo
sujeito social que, como a maioria, faz e refaz uma resistência. No interior deste con-
texto, temos os casamentos, como uma forma de estratégia de resistência vivenciada
no dia-a-dia. No bojo da dinâmica colonial, os cativos perseguiram seus interesses,
110
Luzes e sombras sobre a colônia
casaram-se mais de uma vez, passaram por processos de segundas núpcias, dispensas
de impedimentos e realização de justificações, tal qual a comunidade branca, com um
único intuito: o de “ viver melhor” e não apenas “sobreviver”.
Sendo assim, a política metropolitana, ao incentivar o povoamento e legislar o
matrimônio para a sociedade branca, influenciou a comunidade escrava, proporcio-
nando subsídios para o florescimentos das uniões legais entre cativos. No entanto,
afirmamos que foram fatores intrínsecos ao regime escravocrata (o desequilíbrio nu-
mérico entre homens e mulheres, o tamanho do plantio e os fatores correlacionados a
tais, como a ascensão da lavoura canavieira, os interesses sócio-econômicos dos se-
nhores) que determinaram o florescimento do mecanismo de formação da família es-
crava brasileira, ou seja, o casamento. Portanto, a política populacional metropolitana,
apesar de sua grande preponderância e influência, não deve ser vista como o único ou
o mais importante fator para a realização dos casamentos entre escravos, e sim, um
entre tantos outros.
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Luzes e sombras sobre a colônia
Considerações Finais
Com este trabalho esperamos ter atingido nosso principal objetivo: oferecer
uma contribuição, ainda que módica, à produção historiográfica sobre São Paulo co-
lonial, fruto de nosso contato inaugural com o exercício científico. Sobretudo no que
diz respeito ao século XVIII, ressente-se a historiografia de um conhecimento mais
aprofundado, tendo em vista a grande escassez de fontes e a precariedade das exis-
tentes. São raros os relatos de viajantes ou cronistas sobre a Capitania neste período,
restando apenas os documentos oficiais e eclesiásticos como subsídios para a análise.
Este caráter limitado das fontes talvez tenha contribuído para a idéia de que
São Paulo permaneceu ausente da dinâmica colonizadora, como é corrente em parte
da historiografia. Como pudemos observar, tanto o governo de Morgado de Mateus
como o de Castro e Mendonça representaram claramente os interesses da coroa no
que diz respeito à Educação e ao Povoamento, deixando-nos clara a inserção, ainda
que periférica, da Capitania no “Antigo Sistema Colonial”. A reforma educacional
posta em marcha por Pombal teve seus ecos na colônia e São Paulo foi por ela tangi-
do, ainda que tardia e precariamente. O mesmo pode-se afirmar sobre a política de
povoamento, que atingiu até mesmo as bases da sociedade paulista, estimulando a
união legal entre cativos. Portanto, educação e povoamento são duas facetas de uma
mesma problemática, já que ambas estavam diretamente ligadas à questão da adminis-
tração da Capitania e sua viabilidade, tendo na escassez de letrados para os serviços
públicos e de braços para o trabalho na longa extensão da Capitania, suas causas mais
imediatas.
Ambos os processos, além de influenciarem significativamente a sociedade de
então, produziram um corpo documental rico em informações e dados, do qual procu-
ramos nos servir da maneira mais ampla possível, apesar da pequena quantidade que nos
chegou. É de se considerar portanto, a relevância que o manejo dessas fontes assumiu
em nossa formação intelectual, tendo em vista que tal contato se mostra fundamental
para o profissional de história. Dessa forma, fica atestada a importância que os progra-
mas de Iniciação Científica assumem no contexto universitário, proporcionando a jo-
vens como nós, a oportunidade de principiar nos percalços da investigação histórica.
113
Luzes e sombras sobre a colônia
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Luzes e sombras sobre a colônia
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Título LUZES E SOMBRAS SOBRE A COLÔNIA
Editor de Arte Eliana Bento da Silva Amatuzzi Barros
Diagramação Ma Helena G. Rodrigues
Revisão de texto dos autores
Revisão de provas Simone Zaccarias
Arte-final Erbert Antão da Silva
Divulgação Humanitas Livraria FFLCH/USP
Formato 17,5 x 24,8 cm
Mancha 11,5 x 19 cm
Papel miolo: pólen rustic 85 g/m2
capa: cartão color plus roma 180 g/m2
Impressão da capa preto e vermelho
Impressão e Acabamento Gráfica FFLCH/USP
Número de páginas 134
Tiragem 500