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Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez

Série Iniciação
Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez
Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez

ISSN 0104 – 8554

Rosana Andréa Gonçalves


Ivani Maia
Marco Antonio Cabral dos Santos
Fabiana Schleumer

LUZES E SOMBRAS SOBRE A COLÔNIA


Educação e Casamento na São Paulo do século XVIII

PUBLICAÇÕES
FFLCH/USP

Departamento de História – FFLCH/USP


São Paulo – número 3
1998
Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


Reitor: Prof. Dr. Jacques Marcovitch
Vice-Reitora: Profª Drª Myriam Krasilchik

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


Diretor: Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira
Vice-Diretor: Prof. Dr. Francis Henrik Aubert

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
Chefe: Profª Drª Maria Lígia Coelho Prado
Vice-Chefe: Profª Drª Ilana Blaj

Capa: Vista da cidade de São Paulo. Desenho de Landseer (1826)

L 994 Luzes e sombras sobre a colônia: educação e casamento na São Paulo do século XVIII/
Rosana Andréa Gonçalves, Ivani Maia, Marco Antonio Cabral dos Santos, Fabiana
Schleumer. - São Paulo: Humanitas Publicações / Departamento de História/ FFLCH/
USP, 1998.

146 p.; (Série Iniciação, 3)

1. História do Brasil - São Paulo 2. História do Brasil - Século XVIII 3. Jesuítas


4. Educação-História 5. Escravos-casamento 6. Pombal, Marquês de I. Gonçalves,
Rosana Andrea II. Maia, Ivani III. Santos, Marco Antonio Cabral IV. Schleumer,
Fabiana V. Série
CDD (19 ed) 981.03
370
255.53
331.117 34
Margarida Maria de Sousa - Bibliotecária - CRB/8 -5809 - SBD/FFLCH/USP

Endereço para correspondência


COMISSÃO EDITORIAL COMPRAS E/OU ASSINATURAS

SÉRIE INICIAÇÃO HUMANITAS LIVRARIA – FFLCH/USP


Departamento de História – FFLCH/USP Rua do Lago, 717 – Cid. Universitária
Av. Prof. Lineu Prestes, 338 – Cid. Universitária 05508-900 – São Paulo, SP – Brasil
05508-900 – São Paulo, SP – Brasil Fone/fax: (011) 818-4589
e-mail: flh@edu.usp.br e-mail: pubflch@edu.usp.br
http://www.usp.br/fflch/fflch.html

© Copyright 1998 dos autores. Os direitos de publicação desta edição são da Universidade de São Paulo
Humanitas Publicações – FFLCH/USP – março 1998

iv
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Sumário

Apresentação .......................................................................vii

Prefácio ................................................................................ ix

Introdução ........................................................................... 01

PRIMEIRA PARTE

I - Aspectos da ação jesuítica na colônia ................................ 05

II - O ensino jesuítico na capitania de São Paulo .................... 13

III - Os Estrangeirados e a cultura Portuguesa ........................ 19

IV - Prática pombalina: alguns aspectos ................................. 29

V - Perseguição e expulsão dos jesuítas ................................. 37


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VI - O início da reforma ........................................................ 53

VII – A reforma em São Paulo: primeira fase (1759-1772) .... 57

VIII – Continuidades e rupturas: segunda fase (1772-1801) ... 65

SEGUNDA PARTE

I - Pontos e contrapontos: a política

populacional metropolitana ............................................... 81

II - Além de troncos e chibatas: novos olhares sobre

a família escrava brasileira ............................................... 87

Considerações finais ........................................................ 113

Bibliografia ....................................................................... 115

vi
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Apresentação

O Departamento de História tem o prazer de apresentar


o terceiro volume da Série Iniciação. Sempre vale a pena insistir
na importância de uma publicação deste gênero. Antes de tudo,
reafirma o lugar da pesquisa nas atividades de graduação deste
Departamento; além disso, reconhece os méritos dos professo-
res orientadores que dedicam parte de seu tempo a esse traba-
lho; e por último, oferece esta oportunidade inigualável a jo-
vens pesquisadores, que vêem seus esforços transformados num
texto impresso ao alcance de um número elevado de leitores.
Cumprimentamos, assim, efusivamente, a Orientadora,
Profa. Dra. Mary Lucy Murray Del Priore e os quatros autores,
Rosana Andréa Gonçalves, Ivani Maia, Marco Antonio Cabral
dos Santos e Fabiana Schleumer. Estamos certos de que os lei-
tores terão diante de si um texto sumamente interessante. Aque-
les que, de forma particular, se interessam pela história de São
Paulo Colonial, vão encontrar nestas pesquisas originais – so-
bre o ensino dos jesuítas, antes e depois de sua expulsão em
1759, e sobre os casamentos entre escravos no século XVIII –
rico material para reflexão e debate.

Maria Ligia Coelho Prado


Chefe do Departamento de História
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Prefácio

Para que serve um prefácio? Para introduzir o leitor à


viagem que se seguirá através desse patrimônio construído com
inteligência: o texto. No caso do que se segue, claro, objetivo e
bem escrito. Um prefácio serve também para apresentar o au-
tor. No caso desta publicação, os autores: quatro jovens e bri-
lhantes historiadores que souberam sair da própria pele, para
entrar naquela de seus antepassados, trezentos anos atrás, bus-
cando compreender a sociedade paulista colonial por meio da
reconstituição de seu sistema de signos: os costumes, as pala-
vras e gestos, a maneira como as pessoas se apresentavam para
“ensinar”, “aprender”, “namorar” ou “casar”. Historiadores
que examinaram, em novos campos de pesquisa, a tensão que
se instaura entre a realidade histórica, os resultados corretos
obtidos por meio da documentação e a elaboração de pontos
de vista que possam interessar à comunidade científica. E que
interrogaram velhos documentos e fatos, tentando encontrar o
que não se vê, sob o que se lê. Todos esforçaram-se para conci-
liar as exigências da objetividade e o conhecimento historio-
gráfico sobre seus temas, com a ampla liberdade de interpretar
as fontes que manusearam ao sabor das mais variadas tendên-
cias teóricas ou metodológicas. Debruçados sobre temas basi-
lares e documentação inédita a respeito de objetos como a edu-
cação e o casamento na capitania de São Paulo, durante o sé-
culo XVIII, restituíram à sociedade paulista a sua memória, e
ao interrogar seus laços com o passado, ajudaram-na a viver
melhor o presente.
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Mas um prefácio deveria servir para uma reflexão mais


ampla sobre a importância da pesquisa histórica no contexto
de nossa experiência acadêmica. Então, para que serve a pes-
quisa histórica?
Uma resposta possível seria: dar identidade ao histori-
ador através de um certo engajamento. Engajamento esse,
marcado pela seriedade no manuseio de informações, mas tam-
bém, mais referido ao anúncio de objetos e abordagens com-
plexas e inovadoras do que ao heroísmo de teses garantidas.
Engajamento que não se limitasse apenas a discorrer e repetir
o que já se produziu sobre a história do Brasil, mas que reivin-
dicasse, na busca humilde, a formulação rigorosa e laboriosa
de proposições mais verdadeiras, ou melhor, menos falsas do
que outras, a partir do exame de documentos históricos. Seu
maior compromisso deveria ser, sim, o de interpretar o mundo,
por meio dos documentos. Mas sem esquecer de transformá-lo.
E transformá-lo por um trabalho artesanal que envolvesse co-
legas e alunos, estimulando o professor a praticar uma peda-
gogia mais ativa, mais criativa, menos autoritária, tornando,
assim, o conhecimento histórico menos abstrato e mais empírico.
Artesanato que preparasse o aluno para sua profissionalização
e que o tirasse do anonimato das enormes listas que registram,
burocraticamente, sua presença na sala de aula. Este trabalho
artesanal, feito a várias mãos dentro do arquivo, funda, na iden-
tidade do historiador, uma solidariedade, vincada de convivia-
lidade, de estima e de afinidades eletivas que permitem, a pro-
fessores e alunos, ensinarem e aprenderem entre si. Num mo-
mento em que o individualismo exarcebado parece acenar como
o triste paradigma deste final de século, as formas de associa-
ção, de cooperação, de cumplicidade que florescem através da
pesquisa histórica, funcionam como formas de comunicação e
coletivismo, fundamentais no campo da razão e da ciência.
Excelente motivo, portanto, para historiadores em formação,

x
ou já formados, engajarem-se com o fazer pesquisa histórica,
conscientes do sentido político que a habita.
À FAPESP cabem os melhores elogios e mais sinceros
agradecimentos. Graças a seu apoio, todos os historiadores têm
um incentivo permanente à sua vocação.

Mary Lucy Murray Del Priore


Profa História Brasil Colonial

xi
Introdução

A cidade de São Paulo que hoje habitamos perdeu seu aspecto colonial há
pouco mais de 100 anos. Daquela rústica vila pouco ou quase nada se conservou,
salvo algumas escassas edificações que obstinadamente resistiram por entre arranha-
céus e avenidas. Apesar da variedade de trabalhos surgidos nos últimos anos, a pro-
dução historiográfica sobre São Paulo colonial se mostra ínfima quando comparada
aos estudos sobre o Nordeste ou Minas Gerais.
Este trabalho objetiva discutir dois aspectos da vida social daquela Capitania
no século XVIII: Educação e Família. Para tanto, delimitou-se, dentro destes campos,
temas decorrentes de pesquisas realizadas pelos autores entre 1995 e 1996, sob a
forma de Iniciação Científica, tendo a orientação da Profª. Dr.ª Mary Del Priore e o
financiamento da FAPESP. Trata-se portanto do resultado de quatro pesquisas indivi-
duais de alunos de graduação em História da Universidade de São Paulo, que versa-
ram sobre a expulsão dos jesuítas de 1759 (Rosana Gonçalves), a reforma educacio-
nal estabelecida no governo do Marquês de Pombal (Marco Santos), os casamentos
entre escravos (Fabiana Schleumer) e os conflitos no interior da família (Ivani Maia).
Da união destes trabalhos temos o estudo das conseqüências da expulsão dos
jesuítas no sistema educacional da Capitania (Parte I) e os casamentos entre escravos
no contexto da política demográfica do século XVIII (Parte II). Um fato decisivo no
cenário político-social de Portugal e de suas colônias marcou profundamente o desen-
volvimento da educação na segunda metade do século XVII: a expulsão da Compa-
nhia de Jesus em 1759, por iniciativa e conseqüência da política implementada pelo
Marquês de Pombal. Dessa forma, a educação que até aquele momento era quase que
exclusivamente monopólio dos jesuítas passou por profundas transformações, cujos
ecos prolongaram-se até meados do século XIX. Pretendemos, na primeira parte do
texto, dar conta de algumas das variadas causas e efeitos da “expulsão” e da conse-
qüente reforma do ensino que se fez necessária não só na metrópole, como também
nas colônias, tendo em São Paulo nosso foco central, onde a reforma foi levada a cabo
por Morgado de Mateus. Dentre as inúmeras medidas implementadas para reestruturar
a Capitania (que se achava dependente do Rio de Janeiro), Morgado de Mateus pôs
Série Iniciação

em marcha uma forte política de povoamento do território, tendo no estímulo ao casa-


mento um de seus principais instrumentos. Na segunda parte do trabalho analisaremos
os reflexos e as conseqüências desta política entre os escravos e suas famílias.
É de se ressaltar a intensa utilização da escassa documentação disponível so-
bre os temas, fruto de minuciosas e pacientes buscas nos Arquivos e Bibliotecas da
cidade, o que nos possibilitou um primeiro e fundamental contato com fontes primári-
as, imprescindíveis ao trabalho do historiador. As pesquisas foram realizadas no Ar-
quivo do Estado de São Paulo, no Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, no
Arquivo do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros-USP), na Biblioteca Municipal Má-
rio de Andrade e nas bibliotecas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huma-
nas (USP)
Gostaríamos, por fim, de agradecer à FAPESP (Fundação de Amparo à Pes-
quisa do Estado de São Paulo) pelas bolsas concedidas, sem as quais estas pesquisas
não seriam possíveis, e à Profa Dra Mary Del Priore, não só pela orientação precisa e
providencial, como também pela sincera amizade.

2
Luzes e sombras sobre a colônia

PRIMEIRA PARTE

3
I - ASPECTOS DA AÇÃO JESUÍTICA NA COLÔNIA

Em 15 de agosto de 1534 na capela de Montmartre, Ignácio de Loyola lança-


va as bases da Companhia de Jesus e, ao mesmo tempo, selava o futuro do primeiro e
mais longo período da educação brasileira. A marcante presença jesuítica no novo
mundo se fez sentir imediatamente e de forma sintomática com a opção pela coloniza-
ção. Em 1549 chegavam os primeiros padres inacianos, iniciando-se assim a história
da educação no Brasil. O Estado português, afinado com os propósitos da moderni-
dade, utilizou-se da ação jesuítica, na mesma medida em que os loiolanos se apoiavam
na expansão ultramarina lusitana para fazer valer os próprios compromissos.1
Muito se tem discutido a respeito do “caráter desintegrador” que o contato
entre o europeu e o nativo apresentou. Para G. Freyre, “o missionário tem sido o
grande destruidor de culturas não européias, do século XVI ao atual; sua ação mais
dissolvente que a do leigo; (...) procuraram destruir, ou pelos menos castrar, tudo o
que fosse expressão viril de cultura artística ou religiosa em desacordo com a moral
católica e com as convenções européias”2. É evidente, como nos atesta Fernando de
Azevedo, que a Companhia de Jesus constituiu-se num dos “maiores e mais podero-
sos instrumentos de domínio espiritual e uma das vias mais seguras de penetração da
cultura européia nas culturas dos povos conquistados, mas rebeldes, das terras desco-
bertas.”3 Porém, o caráter deletério e desintegrador do qual nos alerta G. Freyre4 não
deve ser atribuído, segundo Sérgio Buarque de Holanda, somente à Companhia de
Jesus, tendo em vista que, em qualquer contato “civilizador”, este mesmo caráter esta-
rá presente. “Creio, com G. Freyre, que os jesuítas tiveram realmente uma ação
desintegradora sobre a cultura dos indígenas, mas também acredito que tal ação não
caracteriza seu esforço, senão na medida em que ela é inerente a toda atividade
civilizadora, a toda transição violenta de cultura.”5

1
SEBE, José Carlos. Os Jesuítas. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 45.
2
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. 25ª ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1987, p. 109.
3
AZEVEDO, Fernando de. “A transmissão da cultura”, parte 3ª da 5ª ed. da obra A cultura brasileira. São
Paulo, Melhoramentos; Brasília, INL, 1976, p. 11.
4
FREYRE, Gilberto. op. cit., p.110.
5
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Cobra de vidro. 2ª ed. São Paulo, Perspectiva, 1978, p. 97.
Série Iniciação

O fato é que a ação jesuítica mostrou-se primordial na empreitada da coloniza-


ção das novas terras. “Estavam os padres da S. J. em toda parte; moviam-se de um
extremo ao outro do vasto território colonial: estabeleciam permanente contato entre
os focos esporádicos de colonização, através da língua-geral, entre os vários grupos
de aborígenes.”6 Desta forma os jesuítas, únicos representantes da Igreja naquele
momento, serviram de suporte ao desenvolvimento da cultura na colônia, por meio do
monopólio sobre o ensino. A “ação civilizadora” que fora a linha mestra da atuação
jesuítica na colônia tinha na prática pedagógica um importante instrumento de consoli-
dação.
As instituições de ensino criadas pelos jesuítas tiveram um papel preponderan-
te na consolidação da cultura nacional. Os colégios dos jesuítas nos primeiros dois
séculos, depois os seminários e colégios de padre, foram os grandes focos de irradia-
ção de cultura no Brasil colonial.7 O trabalho pedagógico aí desenvolvido pelos padres
da Companhia de Jesus tinha fundamentalmente dois objetivos complementares: a con-
versão do gentio e a ampliação dos seus quadros regulares. A ordenação de novos
padres constituía fator indispensável da sobrevivência e da expansão da obra
missionária.8 Ensinando sempre os rudimentos da língua e da doutrina cristã, dispensa-
vam seus cuidados, simultaneamente para os futuros padres e para os leigos. Os pri-
meiros recebiam cursos de Filosofia e de Teologia, os segundos aprendiam a ler, a
escrever e contar.9 Como se vê, as casas de ensino assumiam, primordialmente, cará-
ter de casas de formação sacerdotal. “Aliás, não seria possível imaginar que as coisas
se passassem de outra forma. A obrigação de ensinar a mocidade resultava, até então,
muito mais de determinações canônicas do que de régias ordenações”.10 Assim, o
ensino jesuítico não poderia ficar restrito ao “gentil da terra” sob a pena de ver fracas-
sado o seu intento. Teria que, por força de sua vocação, estender-se por toda a soci-
edade colonial. Os colégios jesuíticos, dessa forma, a todos recebiam e dispensavam
os rudimentos básicos da pedagogia da época. “Só negros e muleques parecem ter

6
FREYRE, Gilberto. op. cit., p. 28.
7
Id., ibid., p. 412.
8
CARVALHO, Laerte Ramos de. “O ensino em São Paulo”, in Ensaios paulistas. São Paulo, Anhembi,
1958, p. 606.
9
RENOU, René. “A cultura explícita” in MAURO, Fredéric (org.). Nova História da Expansão Portugue-
sa, vol VII (dir. Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques), Lisboa, Estampa, 1991, p. 384.
10
CARVALHO, Laerte Ramos de. “A Educação e seus métodos” in HOLANDA, Sérgio Buarque de, (dir.)
História da Civilização Brasileira. São Paulo, Difel, 1960, v.2, t.I, p. 76.

6
Luzes e sombras sobre a colônia

sido barrados das primeiras escolas jesuíticas.”11 É evidente que este caráter “demo-
crático” do ensino estava intimamente ligado à catequese, uma vez que uma das
principais características da pedagogia jesuítica na Europa era justamente o elitismo,
promovendo uma diferenciação de conteúdos para as diferentes classes sociais (as-
sim, o ensino dispensado às classes subalternas era muito mais técnico)12.
A Ratio Studiorum foi o instrumento fundamental do sucesso jesuítico no campo
pedagógico europeu. Promulgada em 1586 e reformada em 1599, a Ratio estabelecia
para os estudos a cargo dos jesuítas três cursos ou períodos: de artes, compreenden-
do filosofia e ciências; de teologia e ciências e de teologia e ciências sagradas; duravam
os de artes três anos: no primeiro lendo-se Aristóteles e São Tomáz, no segundo física
e ciências naturais, no terceiro física especial.13 No entanto, há divergências entre os
autores sobre a utilização da Ratio na colônia pelos missionários: “a própria Ratio
Studiorum (...) não foi aplicada no Brasil. O arcaico programa medieval antes que
humanista do Colégio de Évora, continuou a ser aplicado no Brasil até as reformas
Pombalinas.”14
Porém, a maior parte dos autores concordam que a Ratio teve grande influên-
cia nas escolas loiolanas coloniais: “Para os estudos, era aplicada com modificações a
‘Ratio Studiorum’, imposta pelo Padre Aquaviva em 1599”15. O método decompu-
nha-se da maneira seguinte:

Estudos Inferiores;
– Infima Classis Gramatice: estudo das declinações e dos gêneros
– Media Classis Gramatice: estudo das conjugações
– Suprema Classis Gramatice ou aula de sintaxe
– Aulas de humanidades
– Aulas de Retórica em dois anos.

11
FREYRE, Gilberto. op. cit., p. 413.
12
CURTO, Diogo Ramada. O discurso político em Portugal (1600-1650). Lisboa, Centro de Estudos de
História e Cultura Portuguesa, 1988, p. 81 e seguintes.
13
VIANNA, Hélio. “A educação no Brasil colonial”. Revista brasileira de estudos pedagógicos, v. 06, n. 18,
1945, p. 378.
14
FRAGOSO, Myriam Xavier. O ensino régio na capitania de São Paulo. tese dout., S. Paulo, FEUSP,
1978, p. 29.
15
RENOU, René. op. cit., p. 181

7
Série Iniciação

Nestas duas últimas ministravam-se conhecimentos diversos sobre Geografia,


Mitologia e História, sendo que a aula de humanidades compreendia também Grego e
Hebreu.16
Os métodos aplicados pelos jesuítas na colônia atestam sobretudo a relativa
autonomia que tinham em relação à Metrópole e à própria sede da Companhia de
Jesus. Como exemplo evidente temos os métodos formulados por jesuítas aqui no
Brasil: a “Arte da Gramática”(Coimbra, 1595) de Anchieta, a “Arte da Língua Brasi-
leira” do padre Luís Figueira ou o dicionário de tupi de Leonardo Vale, do Colégio da
Bahia. Os métodos eram adotados e adaptados sempre em consonância com as cir-
cunstâncias e as necessidades de cada localidade.
Um aspecto importante que compunha o conjunto das práticas pedagógicas
jesuíticas era o castigo corporal. Apoiados sobretudo na Ratio Studiorum, mesmo
após a renovação pedagógica produzida pela literatura de Port Royal17, a ação jesuítica
era baseada no amor correcional. “Amor pois feito de disciplina, castigos e ameaças
importados para o Brasil colonial.”18 Esta prática coercitiva ao que parece era ampla-
mente aplicada tanto na metrópole como na colônia. “Fortemente arraigada na psico-
logia de fundamento moral e religioso comum desta época, e na capacidade
impressionista que se desdobrou em autos-sacramentais alegóricos, ‘musicarias’ e ser-
mões recendendo a temor e estremecimento religioso, a fala dos jesuítas sobre educa-
ção e disciplina tinha gosto de sangue.”19
A prática pedagógica adotada pela Companhia de Jesus é alvo, desde o sécu-
lo XVIII, de críticas e de restrições de seus opositores e, posteriormente de seus
estudiosos. Eis então um dos inúmeros pontos no qual vão se apoiar os “ilustrados” do
século XVIII para justificar a necessidade de uma reforma pedagógica. O próprio Luís
Antônio Verney em 1746 no seu “Verdadeiro Método de Estudar” dedica um capítulo
a esta questão:

16
Id., ibid., p. 182.
17
NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação no século XVII. São Paulo, EPU-EDUSP, 1981, p.
77 e seguintes.
18
DEL PRIORE, Mary. “O papel branco, a infância e os jesuítas na colônia” in História da criança no
Brasil. São Paulo, Contexto, 1991, p. 13.
19
Id., ibid., p. 13.

8
Luzes e sombras sobre a colônia

E não acha V.P. que é uma crueldade castigar rigorosamente um rapaz


porque não entende logo a língua latina, que de si mesmo é dificultosa, e ainda o
parece mais na confusão com que lha explicam? Isto é o mesmo que meter um homem
em uma casa sem luz, e dar-lhe pancadas porque não acerta com a porta 20

Tanto na catequese como na alfabetização, a punição física assumia um papel


importante na manutenção da disciplina, da concentração e da repressão dos sentidos;
era necessária a imposição da pedagogia do medo que inspirasse “desapreço pela
carne e pelas necessidades físicas. Daí a exposição do corpo em sangue, machucando
e marcando pela auto-flagelação. A disciplina tornou-se uma das cenas recorrentes do
grande espetáculo que foi a catequese.”21 A organização dos jesuítas na Europa con-
tava com a presença constante de um funcionário desvinculado da Companhia de
Jesus, que tinha como uma de suas funções a execução dos castigos por ordem dos
mestres. Na própria Ratio Studiorum temos um artigo que trata do assunto:

38.Corretor - Por causa dos que faltarem ou na aplicação ou em pontos


relativos aos bons costumes e aos quais não bastarem as boas palavras e exorta-
ções, nomeie-se um Corretor, que não seja da Companhia. Onde não for possível,
excogite-se um modo que permita castigá-los por meio de algum estudante ou de
maneira conveniente22

Deste modo, o mestre ficava isento dos castigos mais severos contando para
isso com a figura do Corretor:

40.Modo de castigar - Não seja precipitado no castigar nem demasiado no


inquirir; (...) não só não inflinja nenhum castigo físico (este é o oficio do corretor)
mas abstenha-se de qualquer injúria, por palavras ou atos; (...) ao Prefeito deixe
os castigos mais severos ou menos costumados, sobretudo por faltas cometidas
fora da aula(...) 23

É evidente que os jesuítas na colônia não contavam com todo o aparato buro-
crático disponível aos colégios europeus. É certo que algumas funções (como as de
Prefeito e Corretor) eram adaptadas pelos missionários à realidade colonial. “Na le-

20
VERNEI, Luís António. Verdadeiro método de estudar. Porto, Domingos Barreira editor, s.d., p. 78.
21
DEL PRIORE, Mary. op. cit., p. 21.
22
RATIO STUDIORUM - FRANCA, S.J. Leonel (org. e notas). O método pedagógico dos jesuítas. R. de
Janeiro, Agir, 1952, p. 175.
23
Id., Ibid., p. 190.

9
Série Iniciação

gislação da Companhia, diz o padre Serafim Leite, não achamos nada determinado
expressamente para as escolas do Brasil, no século XVIII, a não ser que não recebes-
sem açoutes os estudantes de 16 anos, para cima, e não se castigassem por ninguém
da Companhia mas pelo corretor, como ordenavam as constituições.”24 Fica clara a
proibição aos loyolanos de executarem os castigos, até mesmo por uma questão de
dominação; o possível ódio despertado pelas surras é transferido para o executante,
isentando a figura do missionário. Quem então, na colônia, ocuparia o papel de “Cor-
retor”? Nos relatos do padre Antônio Sepp, no início do século XVIII, temos exem-
plos esclarecedores:

Se alguém pergunta: de que maneira costumais castigar esses índios?


respondo brevemente: como um pai castiga aos filhos que ama, assim castigamos
os que o merecem! Naturalmente não é o Padre que pega do açoite, mas o primei-
ro índio que estiver à mão – aqui não temos varas de bétula ou outras semelhan-
tes – e coça o delinquente assim como na Europa um pai surra o filho ou o patrão
o seu aprendiz. (...) E quando se os açoita ou coça, não gritam, não praguejam, e
tu não ouvirá uma só palavra de má vontade, impaciência ou raiva (...) Depois de
castigados, vão logo ter com o Padre, beijam-lhe a mão sacerdotal e externam seu
reconhecimento(...) 25

O certo é que a disciplina constituía-se caráter de suma relevância na educa-


ção jesuítica, tanto na Europa, como no Brasil: “Foram ainda os Jesuítas que represen-
taram, melhor de que ninguém, esse princípio da disciplina pela obediência. Mesmo
em nossa América do Sul, deixaram disso exemplo memorável com suas reduções e
doutrinas. Nenhuma tirania moderna, nenhum teórico da ditadura do proletariado ou
do Estado totalitário, chegou sequer a vislumbrar a possibilidade desse prodígio de
racionalização que conseguiram os padres da Companhia de Jesus em suas missões.”26
É interessante notar como a figura da criança na colônia assumia um papel não
só de objeto da preocupação pedagógica, como também, diferentemente da Europa,
assumia um papel de agente na ação de catequese e educação dos loyolanos. Em toda
essa “grandiosa” obra, de catequese e colonização, utilizavam os padres não só a
influência dos meninos brancos, órfãos ou filhos de colonos, sobre os meninos índios,
postos em contato com aqueles nos mesmos colégios, como também a ação dos
24
MOACYR, Primitivo. A instrução pública no estado de São Paulo. São Paulo, Nacional, 1942, p. 13.
25
SEPP, S.J. Padre Antônio. Viagens às missões jesuíticas e trabalhos apostólicos. São Paulo, Itatiaia-
EDUSP, 1980, p. 149-150.
26
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo, Cia das Letras, 1995, p. 39.

10
Luzes e sombras sobre a colônia

colomins que, ensinados pelos padres, saíam pelas aldeias a ensinar os pais na própria
língua dos índios”27. Para Gilberto Freyre esta prática representava um importante
instrumento de dominação e de penetração, tanto no universo indígena, como no uni-
verso dos colonos: “Daí a tática terrível, porém sutil, dos educadores jesuítas, de con-
seguirem dos índios que lhes dessem seus columins, dos colonos brancos que lhes
confiassem seus filhos, para educarem a todos nos seus internatos, no temor do Se-
nhor e da Madre Igreja, lançando depois os meninos, assim educados, contra os pró-
prios pais. Tornando-os filhos mais deles, padres, e dela, Igreja, do que dos caciques
e das mães caboclas, dos senhores e das senhoras de engenho ou de sobrado”.28
Neste sentido, os colégios jesuíticos desempenhavam papel fundamental para
o sucesso da empreitada da colonização e constituíam-se num dos únicos pontos de
“irradiação da cultura”. Instituições quase que autônomas no mundo colonial, os colé-
gios jesuíticos invocavam uma autoridade cheia de peculiaridades em relação às outras
instituições de poder na colônia. “No primeiro século de colonização, o colégio dos
Jesuítas já chegara a fazer sombra, em cidades como Salvador, às casas-grandes e aos
sobrados patriarcais, na sua autoridade sobre o menino, a mulher, o escravo.(...) Pelo
colégio, como pelo confessionário e até pelo teatro, o Jesuíta procurou subordinar à
Igreja os elementos passivos da casa-grande: a mulher, o menino, o escravo. Procurou
tirar da casa-grande duas de suas funções mais prestigiosas: a de escola e a de Igreja,
procurou enfraquecer a autoridade do pater familias em duas de suas raízes mais
poderosas: a de senhor Pai e a de Senhor Marido”.29
Marcando com caracteres indeléveis a cultura nacional, a educação jesuítica
foi responsável pelo caráter marcadamente humanista da vida intelectual na colônia.
“O gosto pelo diploma de bacharel, pelo título de mestre, criaram-no bem cedo os
Jesuítas no rapaz brasileiro, (...) deram no século XVI valor exagerado ao menino
inteligente , com queda para as letras, tornando-o mesmo criatura um tanto sagrada
aos olhos dos adultos, que se admiravam de ver os filhos tão brilhantes, tão retóricos,
tão adiantados a eles em conhecimentos.”30 Talvez aí se encontre a origem do
bacharelismo excessivo com que Sérgio Buarque de Holanda caracterizou a socieda-
de brasileira em Raízes do Brasil.31

27
AZEVEDO, Fernando de. op. cit., p. 16.
28
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. 7ª ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1985, p. 72.
29
Id. Ibid., p. 71.
30
Id. Ibid., p. 74.
31
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. op. cit., p. 156-157.

11
II - O ENSINO JESUÍTICO NA CAPITANIA DE SÃO PAULO

A história do ensino em São Paulo colonial está intimamente ligada à trajetória


da Companhia de Jesus e seus missionários. Já em 1549, quando da chegada dos
jesuítas, funda-se em São Vicente, por intermédio de Leonardo Nunes, uma espécie
de escola mediana ou seminário, mantendo-se neste local até o ano de 1554, quando
transfere-se para São Paulo de Piratininga.
Com poucos alunos e sofrendo de graves dificuldades materiais, os missioná-
rios se adaptaram como puderam às adversidades do local. Naquela humilde casa
iniciaram-se os primeiros estudos em São Paulo. As instalações precárias causavam
incômodos e por este motivo muitas vezes as aulas eram dadas ao ar livre.32 Aos
poucos, contudo, surgem sinais de melhora nas acomodações e amplia-se também o
quadro de alunos. “Com a ajuda dos alunos e dos Irmãos, o Padre Afonso Braz, que
ao ministério religioso associava os seus improvisados conhecimentos da arte de alve-
naria e carpintaria, ergue, ao lado da pequena casa a nova igreja.”33
Já em 1556 apresenta-se o colégio de Piratininga solidamente estabelecido e
em pleno funcionamento sob os auspícios do intenso trabalho dos jesuítas. Porém,
neste mesmo ano, seria abalado pela grave crise causada pelo surgimento das “Cons-
tituições da Companhia de Jesus” escritas pelo próprio Ignácio de Loyola. O texto das
“Constituições” estabelecia aos membros da Companhia o voto de pobreza, pelo qual
ninguém poderia ter renda alguma para o seu sustento ou qualquer outra coisa. Além
disso, nenhuma igreja ou casa da Companhia, a não ser os “Colégios Canônicos” e os
estabelecimentos de noviciado (e estes mesmos para o sustento dos escolares), pode-
riam ter renda própria.
Estabeleceu-se portanto o impasse e com ele a primeira crise de continuidade
do ensino jesuítico em São Paulo. Como manter o trabalho aí iniciado diante das de-
terminações das Constituições? Em carta do mesmo ano enviada a Loyola, o padre
Manoel da Nóbrega lamenta o estado em que se encontra:

32
CARVALHO, Laerte Ramos de. “O ensino em São Paulo”, op. cit., p. 605.
33
Id. ibid., p. 605.
Série Iniciação

Desta forma vivemos até agora nesta capitania, onde estávamos seis Pa-
dres de missa e quinze ou dezesseis Irmãos por todos; e aos mais sustentava aque-
la casa de São Paulo de Piratininga com alguns meninos do Gentio, sem se deter-
minar se era colégio da Companhia, se casa de meninos, porque nunca me res-
ponderam a carta que escrevesse sobre isto, e nestes termos nos tomaram as Cons-
tituições que este ano de 56 nos fez Nosso Senhor mercê de no-las mandar, pelas
quais entendemos não devermos ter cargo nem de gente para doutrinar na Fé; (...)
a esmola d’El-Rei é inverta; para não ser colégio, senão casa que viva de esmolas,
é impossivel poderem se sustentar os Irmãos daquela casa em toda esta capita-
nia(...) 34

Segundo Myriam X. Fragoso, no ano de 1556 a escola de ler, escrever e


contar dos jesuítas de São Paulo se dissolve por completo. “Anchieta reconhece que
tudo se perdeu, investindo ainda contra o nomadismo, a poligamia e a antropofagia de
seus ex-discípulos catecúmenos.” 35 O impasse só é resolvido a partir da sugestão de
Nóbrega, para que a casa de Piratininga não fosse de meninos, mas sim Colégio,
desde que o Rei lhe concedesse:

(...) alguns dizimos de arroz e miuças, já que ali hão de estar Padres e
Irmãos, aplicando àquela casa para sempre, e tirar de nós toda a esmola que cá
nos dão, que era muito bem fazer-se colégio e se serviria muito Nosso Senhor dele,
e a Sua Alteza custaria menos do que lhe custa o que agora nos dá, (...) e a nós
escusar-nos-ia de mandarmos fazer mantimentos, nem termos necessidade de ter
escravos, e com isto e com o mais que a casa tem, seria colégio fixo, porque já tem
casas e egrejas e cerca em muito bom sitio(...) 36

Assim, constitui-se canonicamente o Colégio de São Paulo, o primeiro do Brasil,


que no século XVI passou por períodos alternados de aplicação e trabalho e de com-
pleta inatividade. “De 1554 a 1561 houve em Piratininga aulas de latim e até lições de
casos ministradas por Luiz da Grã. Neste último ano estes estudos se transferiram para
São Vicente, permanecendo ali apenas alguns meses. Em 62 estão de novo padres e
alunos no colégio do planalto.”37

34
NÓBREGA, Manoel da. Cartas do Brasil (1549-1560). Rio de Janeiro, Oficina Industrial, 1931, p. 153-154.
35
FRAGOSO, Myriam Xavier. op. cit., p. 19.
36
NÓBREGA, Manoel da. op. cit., p. 154.
37
CARVALHO, Laerte R. “O ensino em São Paulo”, op. cit., p. 607.

14
Luzes e sombras sobre a colônia

A partir desse momento, as guerras travadas com os aborígenes impediram a


continuidade dos estudos em Piratininga. A capitania permaneceu sem aulas ( a não ser
presumivelmente de ler e escrever ) até 1566, ano em que o visitador Inácio de Azeve-
do ordenou que se reabrisse o colégio e que se instalasse no Rio de Janeiro. “Real-
mente, as casas da capitania de São Vicente ficaram a partir daí subordinadas ao
Colégio do Rio de Janeiro, ao qual concedeu o Rei D. Sebastião dotação idêntica a
que fizera ao Colégio da Bahia. E neste estado permaneceram os estudos até o fim do
século.”38
Pouco se sabe sobre o Colégio de São Paulo nas primeiras quatro décadas do
século XVII; na velha casa, já transformada em Casa de Santo Inácio, ficaram os
jesuítas até 1640, quando ocorreu a primeira expulsão dos inacianos da capitania e a
segunda grande crise de continuidade do ensino.
A questão do controle dos índios e as lutas ocorridas entre as missões jesuíticas
espanholas e os paulistas são fatores importantes para o entendimento da oposição
entre jesuítas e leigos. A proteção exercida pelos missionários contra a escravização
do “gentio” e a intermediação dos mesmos nas questões de trabalho e comércio acir-
raram os ânimos e aumentaram a hostilidade entre colonos e padres, comprometendo
a continuidade da escolarização até então promovida. “Em 1640, tão logo os jesuítas
tornaram público um breve pontifício que condenava todas as formas de escravização
dos ameríndios, a população rebelou-se e expulsou-os da Capitania. E seus irmãos do
Rio de Janeiro por pouco não tiveram o mesmo destino.”39 A oposição dos colonos
aos inacianos era cristalizada na Câmara de São Paulo e, ao que parece, exprimia o
descontentamento de parcela considerável dos paulistas. “A luta de clãs pela hegemo-
nia através dos Camargo, que expulsam os padres inacianos, parece arregimentar a
vasta maioria da população contra os jesuítas.” 40
Diante desse quadro, cabe indagar sobre a situação do ensino neste período
de ausência dos inacianos. Sabe-se que a volta dos jesuítas com o consentimento dos
paulistas se dá em 1653, data do início da restauração do Colégio41, porém, suas

38
Id., ibid., p. 607.
39
ALDEN, Dauril. “Aspectos econômicos da expulsão dos jesuítas do Brasil” in KEITH, Henry e
EDWARDS, S. F.(orgs.) Conflito e continuidade na sociedade brasileira, R. de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1970, p. 38.
40
FRAGOSO, Myriam Xavier, op. cit., p. 22.
41
CARVALHO, L. R. “O ensino em São Paulo”, op. cit., p. 607 e RENOU, René. op. cit., p. 385.

15
Série Iniciação

funções junto à educação só se reestabelecem plenamente em 1688.42 A presença,


desde tempos remotos, de um ensino particular, pago e exercido por mestres leigos, se
fez sentir não só na Capitania de São Paulo, mas em algumas das principais vilas da
colônia. “Durante a ausência dos jesuítas, no século XVIII, e mesmo durante o perío-
do posterior ao regresso e reorganização, estes mestres leigos continuavam a lecionar.
Não foram portanto os jesuítas dessa Capitania os únicos dedicados à instrução ou
escolarização.”43 No entanto, presume-se que o ensino dispensado por estes mestres
particulares atingiam uma restrita e seleta camada da população, ficando longe de
substituir o extenso e abrangente trabalho pedagógico dos inacianos.
Há quem defenda que os franciscanos tiveram papel importante na vida esco-
lar da Capitania a partir da década de 1640. “Os frades mestres do convento de São
Francisco, envolvidos aliás no mesmo conflito de expulsão, acusados e processados
por insuflar o povo contra o colégio dos jesuítas, teriam provavelmente assumido
encargos de ensino.”44 Porém, esta hipótese carece de comprovação, haja visto que
só se evidencia tal atuação a partir de fins do século XVII.
Segundo Laerte R. Carvalho, o século XVIII marcou o apogeu do ensino
jesuítico em São Paulo. “Em 1724, concluíram-se o edifício do Colégio, a terceira
construção que se erguera (...) aos cursos de Humanidades reuniu-se nos primeiros
anos do século XVIII, o de filosofia, que provavelmente não funcionou com regulari-
dade.” 45 Manteve-se o colégio até 1759 sem ajuda régia e sem o padrão de Colégio
Canônico da Companhia. “A dotação régia foi solicitada e jamais concedida. A sua
categoria foi a de Colégio da Companhia, sem se afirmar o padrão de Colégio Canônico,
permissivo quanto à posse de bens e rendas.”46
A expulsão da Companhia de Jesus em 1759 e a conseqüente interrupção dos
trabalhos pedagógicos jesuíticos ficam, diante deste quadro, particularizadas quando
analisamos o caso de São Paulo. A ocorrência de uma expulsão anterior (1640) mo-
tivada e executada pelos próprios paulistas acaba por gerar matizes muito específicos
no quadro das reformas pombalinas, na medida em que os conflitos entre colonos e
missionários caracterizaram-se como rotina na vida cotidiana de São Paulo nos sécu-

42
FRAGOSO, Myriam X. op. cit., pp. 22 e 23.
43
Id. Ibid., p. 23.
44
Id. Ibid., p. 23.
45
CARVALHO, L. R., “O ensino em São Paulo”, op. cit., p. 607.
46
FRAGOSO, Myriam X. op. cit., p. 24.

16
Luzes e sombras sobre a colônia

los anteriores. Cabe ainda indagar se esta animosidade característica do convívio entre
paulistas e jesuítas não perdurou e se fez presente na ocasião da “expulsão pombalina”.
O fato é que, se a ação jesuítica nos dois primeiros séculos de colonização representou
a existência e a garantia de um ensino público e popular, o mesmo não se pode afirmar
para São Paulo, onde a atuação dos missionários foi permeada pelas constantes crises
de continuidade. Esta especificidade não deve ser esquecida na análise que se preten-
de fazer da implementação das “Reformas Pombalinas” na capitania, na medida em
que esta mesma implantação se deu de forma muito específica, como veremos mais
adiante.

17
III - OS ESTRANGEIRADOS E A CULTURA PORTUGUESA

A fim de dimensionarmos o papel das reformas pedagógicas pombalinas num


contexto cultural mais amplo, é necessário que tomemos como ponto de partida a
significação histórica do grupo de intelectuais que ficou conhecido como “estrangeira-
dos” e, ainda, enquadrá-lo no panorama cultural em que Portugal se encontrava na
primeira metade do século XVIII.
Se há uma palavra com a qual podemos caracterizar este momento cultural
lusitano, sem dúvida esta palavra é “atraso”. Atraso de uma sociedade fortemente
marcada pelos dogmas do catolicismo, onde o “racionalismo” e o “desencanto” no
sentido weberiano ainda não haviam chegado. Fica claro que não se pode sustentar
“que os povos peninsulares se mostrassem especialmente adversos ao estrangeiro, ou
que ignorassem as novidades científicas e filosóficas ao norte dos Pirineus.”47 Deve-se
levar em conta o papel da Inquisição no controle da censura e da opinião, produzindo
um discurso político determinado e específico, em defesa da ortodoxia e, conseqüen-
temente, contra a criação intelectual.48
António Sérgio, remetendo-se à grande fase do pioneirismo português dos
séculos XV e XVI, lamenta os resultados da Contra-Reforma, ressaltando os sinto-
mas e as causas deste atraso: “Seria acaso porque faltassem homens com a força de
cérebro suficiente para seguirem o impulso do Quinhentismo? Inverossímil. A causa é
outra, e temos de buscá-la à outra luz: à luz das fogueiras da Inquisição.” 49 Diante
deste quadro é oportuno o questionamento de Diogo R. Curto: “A responsabilidade
que cabe aos Jesuítas na difusão do ensino já foi por diversas vezes posta em relevo
(...). Terá o seu tipo de ensino conduzido à bloqueios intelectuais?”50 É evidente que
seria extremo simplismo atribuir aos jesuítas e à sua pedagogia a causa deste atraso

47
MIRANDA, Tiago C. P. Reis. “Estrangeirados: A questão do isolacionismo português nos séculos XVII
e XVIII”, Revista de História, S. Paulo, n. 123-124, 1990-1991, p. 69.
48
CURTO, Diogo Ramada. op. cit., p. 81 e seguintes.
49
SÉRGIO, António. “O reino cadaveroso ou problema da cultura em Portugal”, in Ensaios II. 2ª ed.
Lisboa, Sá da Costa , 1977, p. 42.
50
CURTO. op. cit., p. 78.
Série Iniciação

cultural. Não se pode ignorar a forte ligação que existia entre o campo intelectual e o
campo político, onde a Inquisição e os letrados a ela relacionados promoviam o blo-
queio necessário à manutenção do poder.
É este legado cultural, portanto, que caracterizará o século XVIII em Portugal
e neste contexto é que surge a figura do “estrangeirado” como catalisador das críticas
e do combate a este atraso. Era identificado como “estrangeirado” aquele homem que,
tendo vivido longo tempo no exterior, pôde tomar contato com as “luzes da razão” e
olhar para sua terra natal sob o impacto do progresso científico europeu, longe dos
olhos da Inquisição. É preciso entender que o conceito de “estrangeirado” abarca uma
gama de pessoas e opiniões nem sempre homogênea e uniforme. Este conceito deve
ser relativizado51 na medida em que não representa um grupo hermeticamente fechado
e definido, tendo na sua origem um tom muito mais pejorativo que elogioso52, sentido
este explicado pela censura portuguesa às idéias advindas do exterior.
O primeiro grupo de “estrangeirados” surgido na primeira metade do século
53
XVIII foi caracterizado principalmente pela preocupação com os aspectos econô-
micos que seus textos apresentavam. A proeminência inglesa sobre os negócios portu-
gueses, a preocupação fiscalista e o estado da agricultura foram temas freqüentes nes-
tes escritos. Três autores se destacaram: Cardeal da Mota (1685-1747), Alexandre
de Gusmão (1695-1753) e D. Luís da Cunha (1662-1749).

D. Luís da Cunha e o seu “Testamento Político” tiveram influência decisiva no


reinado de D. José I. A própria obra, escrita quando D. José ainda era príncipe, consti-
tuiu-se numa espécie de roteiro para a governação do futuro rei. É interessante observar
como quase todas as medidas tomadas por D. José I constavam no “Testamento Polí-
tico”, até mesmo a nomeação de Sebastião José de Carvalho e Melo (futuro Mar-
quês de Pombal) para o seu ministério. A indicação de D. Luís da Cunha mostrou-se
valiosa, na medida em que Pombal teve uma incrível projeção política e tomou para si
a empreitada “modernizadora” que o “Testamento Político” já mostrara necessária.

51
Conforme MACEDO, Jorge Borges. Estrangeirados, um conceito a rever. 2ª ed. Lisboa, s.d. e MIRANDA,
Tiago. op. cit.
52
NOVINSKY, Anita. “Estudantes brasileiros ‘afrancesados’ da Universidade de Coimbra” in
COGGIOLA, Osvaldo. A Revolução Francesa e seu impacto na América Latina. S. Paulo, Edusp-Nova
Stella, 1990, p. 357.
53
Seguindo a divisão sugerida por FALCON, Francisco J. C. A época pombalina. São Paulo, Ática, 1982,
cap.V.

20
Luzes e sombras sobre a colônia

Formado em Cânones pela Universidade de Coimbra, D. Luís da Cunha foi


diplomata durante quase toda a sua vida, permanecendo nas cortes estrangeiras como
embaixador e tendo a oportunidade de participar ativamente de várias questões da
vida política internacional. Toda essa experiência é verificada pelo cabedal demonstra-
do no “Testamento Político”, no qual toda a vivência no estrangeiro é utilizada para o
diagnóstico preciso dos problemas portugueses. Identificando as “sangrias” que sofria
o Estado português, é interessante destacar para este estudo a presença constante da
Igreja e do Santo Ofício no centro desses problemas:

(...) tenho observado que a teologia de frades é muito arriscada, principal-


mente a dos jesuítas, que são os que mais a estudam e por isso mais aptos para
adoptarem as opiniões, que possam agradar ao confessado se for príncipe e não
um pobre lavrador.54

Há uma preocupação constante com o despovoamento do reino e com a


improdutividade das terras, seja pelas perseguições da Inquisição, seja pela posse de
grandes propriedades por parte da Igreja:

(...) achará que a têrça parte de Portugal está possuída pela Igreja, que
não contribue para a despesa e segurança do Estado, quero dizer, pelos cabidos
das dioceses, pelas colegiadas, pelos priorados, pelas abadias, pelas capelas,
pelos conventos de frades e freiras: e, enfim, achará que o seu reino não é povoado
como pudera ser, para prover de gente as suas largas e ricas conquistas, de que
separadamente tratarei.55

O grupo de “estrangeirados” identificado como pombalino, do qual fazem par-


te os textos do próprio Sebastião J. de C. e Melo, apresenta uma diversidade de
preocupações e um diagnóstico muito preciso da situação portuguesa, onde a noção
de “atraso cultural” se torna mais intensa e urge por soluções. Desses autores destaca-
mos Ribeiro Sanches e Luís António Verney pela importância de suas obras em seus
aspectos econômicos e sobretudo culturais.
Antonio Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782) foi um dos mais ativos “estran-
geirados” que Portugal conheceu. Viajando por vários países da Europa como médico

54
CUNHA, D. Luís da. Testamento Político. São Paulo, Alfa-ômega, 1976, p. 23.
55
Id., ibid., p. 42.

21
Série Iniciação

militar, possuía um leque vastíssimo de interesses culturais, freqüentando os círculos


ilustrados e mantendo correspondência com vários filósofos e até mesmo com jesuítas
na China. “Foi certamente um estrangeirado, e ausente, no sentido físico apenas, por-
quanto colaborou ativamente com várias das reformas do período pombalino.”56
Dois de seus textos, “Cartas sobre a educação da mocidade”(1760) e “Mé-
todo para aprender a estudar medicina”(1763) foram de importância basilar na
política de reformas de Pombal, tanto no âmbito do ensino elementar como na segunda
reforma que abrangeu a Universidade de Coimbra. Porém, seu principal texto, que só
pelo título nos traz um diagnóstico de Portugal naquele momento, foi “Dificuldades
que tem um reino velho para emendar-se”, onde estabelece, no campo político e
ideológico, uma crítica feroz às várias formas assumidas pelo poder eclesiástico em
Portugal:

Incomodos semelhantes sucederiam a todo aquele Legislador que de um


Reino Velho, instituído com as Leis do Fanatismo, com as leis sem serem fundadas
na conservação e amor dos súditos, leis sem objeto algum para aumentar a popu-
lação, sem objetivo para a defesa geral do Estado, quisesse de um jato reformar
este cadaveroso Reino57, e formar dele um Novo, à imitação daquele de Rússia, de
Prússia, de Sardenha(...) 58

Luís António Verney (1713-1792) foi, sem dúvida alguma, a mais importante
figura intelectual portuguesa do século XVIII. Filho de lojistas lisboetas de ascendên-
cia francesa, estudou inicialmente com os jesuítas e em seguida com os oratorianos.
Em Évora obteve grau de mestre em Artes e em 1736 partiu para Roma onde per-
maneceu até o fim de sua vida, caracterizando-se como um “estrangeirado” por exce-
lência.
Foi de Roma que, sob o pseudônimo de frei “Barbadinho”, Verney escreveu a
maior parte de sua obra, da qual destacamos o “Verdadeiro método de estudar, para
ser útil à República, e à Igreja: proporcionado ao estilo, e necessidade de Portu-
gal”. Composto de dezesseis cartas enviadas a um correspondente em Lisboa, o

56
FALCON, Francisco J. C. op. cit., p. 347.
57
Eis então surgindo a alcunha de “Reino Cadaveroso” com a qual António Sérgio intitulou seu texto. Já “O
Reino da Estupidez” foi expressão emprestada do título do livro do poeta Francisco de Melo Franco.
Estas expressões referem-se de forma singular ao estado cultural de Portugal no século XVIII.
58
RIBEIRO SANCHES, A. N. Dificuldades que tem um velho reino para emendar-se, Porto, Inova, s.d.,
p. 78.

22
Luzes e sombras sobre a colônia

“Verdadeiro Método” constituiu-se num divisor de águas na cultura portuguesa do


século XVIII. Publicadas entre 1746 e 1747, as cartas de Verney promoviam, através
de seu estilo irônico e até mesmo sarcástico, um diagnóstico da cultura portuguesa e,
sobretudo, apontavam seu enorme descompasso em relação ao restante da Europa. O
sistema de ensino vigente até então em Portugal era ridicularizado tanto em seus méto-
dos como em seu conteúdo, por meio do espírito pedagógico reformista que Verney
expressava em seus textos.
É patente que, apesar de já haver antes de Verney uma corrente “estrangeirada”
de grande importância, o golpe que sua obra representou não tinha precedentes em
Portugal. O discurso verneyano representava “um corte com as tendências cartesianas
e gassendistas vigentes entre os ‘estrangeirados’ do primeiro meio século” e, sobretu-
do, uma “ruptura da mentalidade ilustrada com a barroca, em todos os níveis da soci-
edade”.59 Note-se ainda, como as idéias de Verney estavam em sintonia com a política
ilustrada reformadora do Marquês de Pombal, na medida em que espelhavam “o mais
característico ideário do iluminismo de tipo católico italiano da segunda metade do
século XVIII, inspirado em L. A. Muratori; a natureza, a função e limites do poder
real, as relações entre Estado e a Igreja, enfim, a questão social e econômica.”60 En-
tende-se assim o caráter moderado da Ilustração portuguesa, seja no plano das idéias,
seja na sua implementação política. “O meio era resistente, havia que caminhar com
cuidado, ainda que com firmeza.”61
Um aspecto muito importante do “Verdadeiro Método” é a ênfase dada ao
ensino da “língua nacional” como suporte ao prosseguimento dos outros estudos. Se-
gundo Verney, disto dependia o bom desempenho do aluno no aprendizado das outras
línguas, principalmente o latim, que era o martírio dos estudantes de então:

Se a um rapaz que começa explicassem e mostrassem na sua própria


língua que há verbo, caso, advérbio, etc.; que há formas particulares de falar, do
que se compõe a sintaxe da sua língua; se, sem tantas regras mas com mui simples
explicações fizessem com que os principiantes reflectissem que, sem advertirem,

59
FALCON. op. cit., p. 332.
60
CAEIRO, Francisco da Gama. “Para uma história do Iluminismo no Brasil: notas acerca da presença de
Verney na cultura brasileira”, Revista da Faculdade de Educação, S. Paulo, v. 5, no. 1 e 2, 1979, p. 111.
61
NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). 6.ª ed. São
Paulo, Hucitec, 1996, p. 106.

23
Série Iniciação

executam as regras que se acham nos livros, e isto sem género algum de preceitos,
mas pelo ouvirem e exercitarem; seguro a V. P. que abririam os olhos por uma vez,
e entenderiam as coisas bem, e se facilitaria a percepção das línguas tôdas.62 (...)
A gramática é a porta pela qual se entra na latinidade; e quem pára no vestíbulo
não pode ver as singularidades do palácio63

Desta forma, Verney nos atesta o fracasso dos métodos pedagógicos até então
empregados e, valendo-se de seu implacável sarcasmo, desfere suas críticas aos resul-
tados dessa pedagogia:

Quantos homens acha V. P. que, com terem sido mestres de gramática mui-
tos anos, saibam pegar na pena e escrever uma página em bom latim? responder
a uma carta com facilidade? e fazer qualquer outra cousa, em que seja necessário
usar da língua latina? Eu conheço infinitos sujeitos que passaram a sua vida
neste exercício, e quando hão-de escrever latim servem-se de expressões em tudo
bárbaras e indignas do seu exercício.64

Outra preocupação de Verney, que segue a mesma linha da anterior, é com a


simplificação dos métodos, para melhor desempenho dos alunos. O posterior surgimento
de novos métodos, a exemplo daqueles elaborados pelos Oratorianos, demonstra a
generalização desta preocupação entre as demais pessoas que, como Verney, refleti-
am sobre o “atraso cultural” de Portugal:

Todos os primeiros estudos naturalmente desagradam, porque são cansa-


dos. E para que havemos enfastiar mais os pobres rapazes?65

Prostando-se sempre contra os castigos e os açoites (prática comum na me-


trópole e na colônia como já vimos), Verney promove uma crítica mordaz aos mestres
que deste recurso se valiam, combatendo o obscurantismo didático e a falta de estímu-
los aos alunos:

Entre no Colégio das Artes, corra as escolas baixas, e verá as muitas


palmatoadas que se mandam dar aos pobres principiantes. Penetre, porém, com a

62
VERNEY, Luís Antonio. Verdadeiro Método de Estudar, Porto, Domingos Barreira Ed., s.d., p. 69.
63
Id., ibid., p. 72.
64
Id., Ibid., p. 72 e 73.
65
Id., ibid., p. 77.

24
Luzes e sombras sobre a colônia

consideração o interior das escolas; examine se o mestre lhes ensina o que deve
ensinar: se lhes facilita o caminho para entendê-la; se não lhe carrega a memória
com coisas desnecessaríssimas.66 (...)É necessário ter muita paciência com os
rapazes, e ensiná-los bem(...)67; não devem molestar os rapazes com pancadas,
mas animá-los com prémios a que decorem bem algumas coisas (remunerando ou
louvando os que o fazem melhor) – sempre coisas úteis e que possam servir com o
tempo.68 (...) Desta sorte pode ajudar muito os estudantes, principalmente se sou-
ber excitar entre eles a emulação, louvando muito os que o fazem bem e remune-
rando-os.69

A crítica de Verney ultrapassa o âmbito das escolas primárias e medianas e


atinge de forma incisiva o mundo universitário, abalando assim todos os meandros da
produção cultural portuguesa. Promovendo a Física e a Ética como essências da filo-
sofia, denuncia o desvio escolástico sobre as tendências experimentalistas do empirismo
aristotélico. Através da incorporação da geometria cartesiana, concebe a Física como
fundamental ao estudo da Matemática, onde o newtonianismo assumia grande impor-
tância. “Abandonando, por inúteis e prejudiciais os esquemas da Lógica tradicional,
apresentou o que deveria ser a nova Lógica, fazendo da origem e da classificação das
idéias o principal problema. Na verdade, a nova teoria proposta por Verney nada mais
seria do que um resumo do Livro I do ‘Ensaio’ de Locke.”70
No campo da medicina, outra vez o alvo é a Universidade de Coimbra. As
aulas de anatomia são ridicularizadas através da fina ironia verneyana:

Na Universidade, ainda que haja uma cadeira de anatomia, não tem


exercicio, pois só duas vezes no ano fazem a tal anatomia em um carneiro, cujas
partes se mostram na escola. Não sei se V. P. poderá ler isto sem riso: eu, certamen-
te, estou-me rindo quando o escrevo. Querer saber a anatomia do homem pela do
carneiro é uma idea nova71 (...) Observe V. P. a vulva ou madre – como aqui lhe
chamam – de uma cadela, de uma corça, de uma coelha, e achará que não só são

66
Id., ibid., p. 78.
67
Id., ibid., p. 79.
68
Id., ibid., p. 84.
69
Id., ibid., p. 87.
70
CRIPPA, Adolpho. “O conceito de filosofia na época pombalina” in PAIM, Antônio (org.) Pombal e a
cultura brasileira. Rio de Janeiro, Fundação cultural Brasil-Portugal, 1982, p. 21.
71
VERNEY. op. cit., p. 193.

25
Série Iniciação

diferentes entre si, mas diferentes do útero da mulher.72 (...) Ora, é certo que sem
perfeito conhecimento das partes não posso saber o uso delas; e conseguintemente,
da anatomia depende tudo.73

Fica evidente a “maléfica” influência da Igreja no desenvolvimento científico


português e sobretudo na universidade. Desta forma, Verney faz um balanço bastante
negativo da formação dos jovens que nela ingressam:

Examine V. P. o método que segue um estudante que entra nessa Universi-


dade para estudar; veja que autores estuda; e ficará bem persuadido que não é
possível que este homem saiba nunca medicina.74 (...) Com efeito, os cirurgiões
portugueses quási todos são meros sangradores.75

A julgar pelo que nos aponta o anônimo autor da “Arte de Furtar”, a crise na
Universidade não era tão somente cultural ou curricular, mas também institucional:

Como pode ser médico quem nunca estudou medicina? Como pode ser
advogado quem nunca leu a Ordenação?(...) Como há-de haver no mundo que se
tolere e permita provarem cursos em Coimbra mais de um cento de estudantes,
todos os anos, sem porem pés na Universidade? Andam na sua terra matando cães
e escrevem, a seu tempo, ao amigo, que os aprovem lá na matrícula, representan-
do suas figuras e nomes; e daqui vêm as sentenças lastimosas que cada dia vemos
dar a julgadores, que não sabem qual é a sua mão direita, mais que para
embolsarem com ela espórtulas e ordenados, como se foram Bártolos e Covas-
Rubias.(...)76

Seria demasiada ambição querer dar conta, num estudo como este, de toda a
complexidade das críticas e das propostas tecidas por Verney no “Verdadeiro Método
de Estudar”. Contudo, cremos estar em evidência a importância das cartas escritas
pelo “Barbadinho”. “Tal como um jorro de luz intensa, entrando de súbito numa casa
lôbrega, revelavam elas aos Portugueses o estado das doutrinas e o anseio de busca na
Europa culta daquela época, opondo-se à miséria da mentalidade do nosso país.”77
Exagero ou não, estas palavras de António Sérgio ilustram perfeitamente a importância

72
Id., ibid., p. 194.
73
Id., ibid., p. 195.
74
Id., ibid., p. 196.
75
Id., ibid., p. 198.
76
Arte de furtar (anônimo do séc. XVII). 3ª ed. Lisboa, Estampa, 1978, p. 169.
77
SÉRGIO, António. op. cit., p. 45.

26
Luzes e sombras sobre a colônia

do “Verdadeiro Método” que se constituiu num verdadeiro paradigma cultural do sé-


culo XVIII português.
Finalmente, deve-se observar o importante papel que os padres da Congrega-
ção do Oratório exerceram na cultura portuguesa e na reforma pombalina da educa-
ção. Influenciando diretamente as idéias pedagógicas daquele momento através da
assimilação das novidades da filosofia “moderna”, os oratorianos exerceram função
semelhante à dos padres de Port-Royal na França. “Realmente, foram os oratorianos
que, pelas suas escolas, contribuíram poderosamente para solapar o imenso prestígio
que, há quase dois séculos, gozavam os jesuítas nos domínios do ensino português.” 78
O aparecimento, em 1752, do “Novo Método de Gramática Latina” dos padres
da Congregação do Oratório veio ‘iluminar’ as idéias pedagógicas até então vigentes,
dando início a uma verdadeira “querela das gramáticas” em Portugal.79 É de se notar que
os esforços dos oratorianos por inovações no campo pedagógico datam do século
XVII, de maneira que em 1708 a escola por eles mantida obteve um privilégio real de
que até então só gozavam os jesuítas: o de dispensa dos exames de seus alunos no
Colégio das Artes de Coimbra. Mais tarde, em 1725, outras regalias vieram: estavam
dispensados os portadores de certidões de latim e lógica, passadas pelos oratorianos,
de um ano do curso de Filosofia da Universidade.80 O crescente prestígio alcançado
pelos padres da Congregação apresentava-se como séria ameaça à hegemonia dos
inacianos e ditava as direções das futuras medidas educacionais pombalinas.
Pela produção de novos e importantes métodos e pelo importante referencial
que representavam através de uma pedagogia “modernizada”, os oratorianos acaba-
ram por imprimir sua marca renovadora na reforma de Pombal. De tal forma que há
indicações, nem sempre precisas, “de que os oratorianos teriam se recusado, ou pelo
menos, se abstido, em preencher de forma sistemática o vazio deixado no sistema
educacional da Colônia pela expulsão dos padres jesuítas.”81 Também na formação
dessa nova geração que refletia sobre a posição de descompasso de Portugal, tiveram
os oratorianos muita importância. Basta lembrar que alguns dos “estrangeirados” estu-
daram na Congregação do Oratório, dentre eles Verney que, após os primeiros estu-
dos com os jesuítas, pôde compará-los aos oratorianos.

78
CARVALHO, Laerte Ramos de. As reformas pombalinas da instrução Pública. S. Paulo, Saraiva, 1978, p. 69.
79
Expressão emprestada de FALCON, F. “As reformas pombalinas e a Educação no Brasil”, Revista de
Estudos Ibero-Americanos, PUCRS, v. XVIII, n.2, p. 27.
80
CARVALHO, As reformas ..., op. cit., p. 70.
81
FALCON, “As reformas...”, op. cit., p. 15.

27
IV - PRÁTICA POMBALINA: ALGUNS ASPECTOS

Em 1750, após a morte de D. João V, D. José I tornou-se rei de Portugal aos


36 anos de idade. Pouco familiarizado com negócios do Estado, o novo rei nomeia
Sebastião José de Carvalho e Melo a 2 de agosto de 1750 para a Secretaria dos
Negócios Estrangeiros e da Guerra que gradativamente passou a ocupar inúmeros
cargos: Inspetor do exército, Superior dos contratos da mineração, extração de dia-
mantes, do comércio geral do reino e seus domínios, das fábricas do reino e da Amé-
rica, reedificação da cidade de Lisboa e obras públicas, do Depósito Público, presi-
dente do Real Erário, inspetor e lugar-tenente imediato à Pessoa de El-Rei.
Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde Conde de Oeiras (1759) e
mais conhecido como Marquês de Pombal (1770) esteve sempre a realizar reformas.
Além de empreendimentos econômicos, dos quais trataremos adiante, procurou rein-
tegrar o cristão-novo à sociedade portuguesa, implementou a reforma do ensino em
Portugal e nas colônias e acirrou a perseguição aos jesuítas, culminando na expulsão
de 1759. Acrescenta-se a constante preocupação em subordinar nobreza e clero à
Coroa. Com todas as suas reformas, Pombal tornou-se onipresente durante todo o
reinado de D. José I (1750-1777) a ponto de esse período estar identificado como
“época pombalina”.
Seu espírito empreendedor o tornaria a “personalidade mais biografada da
história de Portugal.”82 Essa marca do “homem prático” fará com que a historiografia
sobre o período torne-se muitas vezes demasiadamente personalista, atribuindo ao
Marquês de Pombal tudo de bom ou de desastroso que aconteceu no reinado de D.
José I.83 Para não incorrer num exagerado personalismo na análise das ações de Pom-
bal, faz-se necessário refletir as questões econômicas e sociais presentes, bem como
considerar que o indivíduo no caso o Marquês de Pombal, “está inserido numa reali-
dade social que determina sua consciência e, portanto, sua maneira de agir.”84

82
RIBEIRO JUNIOR, José. Colonização e Monopólio no Nordeste Brasileiro – A Companhia Geral de
Pernambuco e Paraíba (1759-1780). São Paulo, Hucitec, 1976, p. 33.
83
Id., ibid., p. 33.
84
Id., ibid., p. 34.
Série Iniciação

A situação da agricultura, durante o reinado de D. João V, piorou gradativa-


mente, principalmente após as grandes remessas auríferas advindas do Brasil, pois os
grandes latifúndios nas mãos de uns poucos nobres, mais atraídos pelo luxo da corte,
eram subaproveitados.85 Além disso, o açúcar brasileiro que até então constituía-se no
mais importante produto colonial português tinha perdido sua exclusividade, passando
a concorrer internacionalmente. Em conseqüência, deu-se uma queda acentuada nos
preços, paralelamente à gradativa escassez de mão-de-obra escrava devido à sua
absorção pelas zonas mineradoras.
Apesar da crise do açúcar, a primeira metade do XVIII caracteriza-se por
uma relativa estabilidade econômica. Entretanto, por várias razões, no fim do reinado
de D. João V já havia sinais de dificuldades acompanhados de um enfraquecimento do
Estado. A grande quantidade de ouro que possuía, Portugal utilizava apenas para equi-
librar sua balança de pagamentos.86 Dessa forma, ao herdar a Coroa, D. José I assu-
me o governo de um país marcado pelo desequilíbrio da balança comercial.87 Além
disso, durante todo o reinado de D. João V, a nobreza estará mergulhada numa osten-
tação barroca, vivendo dos “favores concedidos generosamente pelo rei. Este exibia
um luxo desmesurado e contrastante com a miséria do homem comum do povo.”88
Em resumo, a situação posta quando D. José I assume a Coroa não era muito
simples do ponto de vista econômico. Por outro lado, alguns acontecimentos irão, no
decorrer do governo, agravar a situação: o terremoto de Lisboa em 1755 que despendeu
enormes gastos, o incêndio na alfândega de Lisboa em 1764, a guerra de 1762, entre
outros fatores.89Alguns trabalhos apontam o período de 1759/60 a 1780 como uma
época de crise econômica: crise dos fundos para o Estado; crise para a produção e
para o comércio; crise da mineração das Minas Gerais (1760-1780), do açúcar (1749-
1776), dos diamantes (1760-1780); crise das pescarias (1749-1776), além dos pro-
blemas com a concorrência dos vinhos e a crise dos trigos.90

85
Id., ibid., p. 26.
86
MACEDO, Jorge Borges de. “Portugal e a Economia Pombalina – Temas e hipóteses”, Revista de Histó-
ria, São Paulo, n.º 19, 1954, vol. IX, p. 85.
87
Id., ibid., p. 27.
88
Id., ibid., p. 26.
89
Conforme RIBEIRO JUNIOR, José, op. cit., p. 29 e MACEDO, Jorge Borges de. A situação econômica
no tempo de Pombal. 3ª ed, Lisboa, Gradiva, 1989, p. 122.
90
Conforme MACEDO, Jorge Borges de. A situação econômica no tempo de Pombal, op. cit., p. 119-122.

30
Luzes e sombras sobre a colônia

Há, por outro lado, quem questione, como José Ribeiro Júnior, afirmando “ser
precipitado concordar com crise de produção de produtos brasileiros. Faltam estudos
sobre o problema. As rendas provenientes de gêneros coloniais do Brasil diminuíram,
talvez por força da concorrência internacional e não pela escassez produtiva da colô-
nia, principalmente entre 1760 e 1780, que parece recuperar-se nesse período.”91 De
qualquer forma, se reconhece um período de oscilação portuguesa onde a situação
econômica, indubitavelmente, não esteve bem, o que seguramente houve foi o esgota-
mento progressivo das Minas, acarretando numa redução das remessas auríferas mas,
por outro lado, estimulando o maior rigor fiscal e melhoramento na arrecadação em
que a Coroa se empenhou, a partir de 1750.92
De qualquer maneira, podemos observar que essas oscilações demonstram o
quanto as contingências da produção, superprodução e concorrência na colônia tive-
ram um reflexo direto sobre a metrópole onde a produção não chega para compensar
a importação.93 Assim, a prosperidade de Portugal metropolitano dependia das
flutuações da economia colonial. Podemos dizer que, economicamente, Portugal era
inseparável do Brasil principalmente e de outras zonas coloniais que lhe forneciam
alguns bens fundamentais para o movimento internacional do seu comércio.94
É nesse sentido que, ao iniciar o governo de D. José I, o Marquês de Pombal
implementará uma política econômica voltada principalmente ao Brasil, primeiramente
com a reforma no sistema de fiscalização aurífera e posteriormente com a implementa-
ção das chamadas Companhias de Comércio. Tais medidas eram realizadas com base
numa política monopolista objetivando principalmente o reforço do Estado: “quanto
mais firme, fechado e bem defendido fosse o monopólio mais prometedoras seriam as
vantagens da sua exploração.”95
As dificuldades que embaraçavam os interesses estabelecidos na Metrópole e
na Colônia ligavam-se, diretamente, “à prosperidade dos ingleses e de outros negoci-
antes estrangeiros que, proporcionando crédito e produtos a seus colaboradores por-
tugueses (...) davam base ao comércio itinerante e à conexão do contrabando transa-
tlântico com o interior do Brasil.”96 Assim, além de Portugal ser um grande importador

91
RIBEIRO JUNIOR, José, op. cit., p. 32.
92
Id., ibid., p. 29-30.
93
MACEDO, Jorge Borges de. A situação econômica no tempo de Pombal. op. cit., p. 122.
94
Id., ibid., “Portugal e a Economia Pombalina – Temas e hipóteses”, op. cit., p. 83.
95
Id., ibid., p. 86.
96
MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa; a Inconfidência mineira: Brasil e Portugal 1750-1808.
3ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995, p. 29.

31
Série Iniciação

da Inglaterra, os ingleses ainda dominavam um esquema de contrabando no Brasil que


prejudicava decisivamente a economia portuguesa. “Pombal que era, essencialmente,
um nacionalista, atribuía os problemas do país ao estado de dependência semicolonial
em que Portugal se encontrava em relação à Grã-Bretanha.”97
As importações da Inglaterra diminuíram de forma progressiva durante o rei-
nado de D. José I, no entanto, não podemos considerar que as reformas pombalinas
sejam apenas uma obsessiva e exclusiva luta contra os ingleses. “As medidas protecio-
nistas tomadas por Portugal visaram não o ataque ao domínio inglês, mas a defesa de
Portugal, que via se esvaírem as riquezas provenientes do seu mais rico filão colonial,
por todas as vias.”98 Apesar da política nacionalista de Pombal, ele não pôde descar-
tar o capital estrangeiro ou deixar de comprar da Inglaterra, ele não podia dispensar a
ajuda inglesa, principalmente no que tange o auxílio militar.99
Em meio a uma política econômica ampla estavam claras as preocupações de
reativar a agricultura comercial em larga escala, encorajar a produção e a circulação
mercantil voltadas à defesa da colônia em contrapartida ao domínio do mercantilismo
internacional. Note-se ainda na legislação pombalina o seu aspecto dinâmico e
emergencial, modificando determinações sempre que necessário.100
As companhias de comércio foram os instrumentos mais importantes de exe-
cução do plano mercantilista na política econômica de Pombal. Foram criadas as Com-
panhias do Grão Pará e Paraíba, Companhias de Comércio Oriental, e ainda na me-
trópole as Companhias do Alto Douro e das Reais pescas de Algarve.101 Vamos nos
ater aqui às “Companhias do Grão Pará e Maranhão” (1755) e “Pernambuco e Paraíba”
(1759).
A criação das companhias visava uma nacionalização dos lucros, sem excluir
contudo, o comércio ou os capitais estrangeiros. “Competia às companhias realizar o
comércio em certas zonas, promover delas o desenvolvimento dos gêneros comerciáveis
e abastecê-las dos produtos necessários, tudo por intermédio de uma frota privati-

97
MAXWELL, Kenneth. “Condicionalismos da Independência do Brasil” in NIZZA DA SILVA, Maria
Beatriz (coord). O Império Luso-brasileiro 1750-1822. Lisboa, Estampa, 1986 (“Nova História da Ex-
pansão Portuguesa” dir. Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques), vol. VIII, p. 336
98
RIBEIRO JUNIOR, José, op. cit., p. 41.
99
Id., ibid., p. 41.
100
Conforme MACEDO, Jorge Borges de, A situação econômica no tempo de Pombal., op. cit., p. 123 e
RIBEIRO JUNIOR, José, op. cit., p. 44-49.
101
RIBEIRO JUNIOR, José, op. cit., p. 50.

32
Luzes e sombras sobre a colônia

va.”102 Retiravam-se portanto do comércio corrente zonas rendosas sobre as quais as


companhias mantinham sua tutela, defendendo as suas vendas e compras no Brasil, em
face de uma concorrência internacional crescente.103
Para proteção dos comerciantes nacionais e das companhias foi decretada a
expulsão do Brasil de todos os ‘comissários volantes’, caixeiros-viajantes que tinham
invadido a colônia como agentes comissionistas de estabelecimentos estrangeiros –
principalmente ingleses – instalados em Lisboa. Ao mesmo tempo em que se concedia
privilégios aos comerciantes nacionais para que as casas comerciais pudessem acumu-
lar capitais suficientes para concorrer mais eficazmente com os negociantes britânicos
no comércio colonial.104
Nesse sentido, as disputas travadas entre colonos e jesuítas se acirraram, o
problema da mão-de-obra indígena já estava posto desde há muito, ao mesmo tempo
em que se discutia os privilégios concedidos aos jesuítas no comércio. A implementa-
ção da Companhia do Grão-Pará e Maranhão deu-se numa região onde estas ques-
tões eram latentes e fez acelerar conflitos que culminaram em processos irreversíveis.
De uma maneira geral, a preocupação central do Marquês de Pombal era o
aumento na arrecadação real. Assim explica-se o prestígio dado ao comerciante naci-
onal, pois com o enriquecimento da burguesia mercantil haveria o aumento na arreca-
dação tributária. Com o intuito de atrair capitais particulares imobilizados, estimula-
ram-se o interesse e a confiança mercantil, convocando-se burguesia e nobreza para
participar dos empreendimentos comerciais, a fim de colocar o máximo de capital
possível em circulação.105 Além disso, o reinado de D. José I foi regido sob os precei-
tos do absolutismo, subordinando sistema burocrático, econômico e social ao controle
da Coroa. “O fortalecimento do Estado absolutista, intrínseco à prática mercantilista
foi elemento constante nesse período, o que explica as arremetidas do déspota contra
o clero e a nobreza, visando antes subordiná-los do que destruí-los.”106
A base de sustentação do governo pombalino e que determinou o direciona-
mento de toda a sua política pode ser resumida em duas palavras teoricamente antagô-

102
MACEDO, Jorge Borges de. “Portugal e a Economia Pombalina – Temas e hipóteses”, op. cit., p. 91.
103
Id., ibid., p. 91.
104
MAXWELL, Kenneth. “Condicionalismos da Independência do Brasil”, op. cit., p. 337.
105
RIBEIRO JUNIOR, José, op. cit., p. 52.
106
Id., ibid., p. 42.

33
Série Iniciação

nicas: Mercantilismo e Ilustração. “Um Mercantilismo de tipo clássico, tardio mas ajus-
tado à defasagem da sociedade lusa, adequado ao instrumento reformador que dele se
serve como instrumento de aceleração das mudanças. (...) Ilustração numa sociedade
periférica, longamente fechada sobre si mesma, na qual o movimento ilustrado foi fatal-
mente alguma coisa vinda de fora, do ‘estrangeiro’ ”107. A marca da governação
pombalina, que ficou para a história como “despotismo esclarecido”, teve no reforço
do poder do Estado, imposto de cima para baixo, sua característica primeira. Inevitá-
vel seria, portanto, o embate com as forças que impediam essa centralização extrema:
a nobreza e a Igreja (representada naquele momento pelos jesuítas). “Firmado no
poder absolutista da realeza, o governo pombalino procedeu à remoção dos óbices
institucionais à modernização do país: a inquisição passou a subordinar-se diretamente
ao poder régio, suprimiu-se a distinção entre cristãos-velhos e novos, empreendeu-se
a modernização do ensino. (...) Na esfera econômica, a linha de ação pautou-se pelo
mercantilismo: monopólio, companhias, exclusivo, estatismo.”108
A articulação deste encontro teoricamente inexplicável de dois fenômenos su-
postamente antagônicos deve ser entendida na esfera do Estado. “É ao nível do Esta-
do que se processa tal articulação, daí advindo a imagem ‘moderna’, ilustrada, que
caracteriza a prática da governação pombalina.”109 E é neste quadro mais amplo que,
tanto a expulsão da Companhia de Jesus, como a conseqüente reforma dos estudos,
devem ser entendidas e estudadas.
Dessa forma, há de se levar em conta, na análise da política pombalina de
reformas, o importante papel econômico que a Igreja e sobretudo a Companhia de
Jesus desempenhavam desde há muito tempo. Caio Prado Jr. nos alerta sobre o fenô-
meno da “mercantilização das funções sacerdotais” que na colônia se verificara desde
muito cedo, citando exemplos interessantes de clérigos que obtinham rendimentos vá-
rios com atividades e negócios privados: “(...) ocupar-se-ão em afazeres bem distan-
ciados de suas obrigações: muitos são fazendeiros: era eclesiástico o melhor farmacêu-
tico de São João del-Rei, e preparava e vendia ele próprio suas drogas; um outro
sacerdote vendia tecidos no balcão de sua loja(...)”110 No caso dos jesuítas a amplitu-

107
FALCON, Francisco J. C. A época pombalina. op. cit., p. 483.
108
NOVAIS, Fernando A., op. cit., p. 223
109
FALCON, A época pombalina. op. cit., p. 483.
110
PRADO Jr, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 14ª ed. São Paulo, Brasiliense, 1976, p. 339.

34
Luzes e sombras sobre a colônia

de das atividades econômicas era muito maior e o seu poder fazia inveja e equiparava-
os a muitos grupos mercantis. Possuíam várias propriedades produtoras de açúcar,
fazendas com mais de 100 mil cabeças de gado (Ilha de Marajó) e ainda beneficia-
vam-se do resultado das expedições indígenas de coleta de produtos nativos. Condu-
ziam os inacianos “uma operação mercantil de grande escala, resultante de anos de
acumulação de capital, de cuidadoso reinvestimento e desenvolvimento.”111 Verifica-
se assim, o empecilho que representava a Companhia de Jesus à política econômica
do Marquês de Pombal. A tônica do mercantilismo pombalino baseado principalmen-
te no fomento à produção metropolitana, na determinação de uma política econômica
que promovesse o monopólio de exportação, o equilíbrio da balança comercial e o
reforço do pacto colonial, chocava-se de frente com a grande empresa representada
pelos inacianos. O amplo projeto de nacionalização da economia portuguesa promo-
vido por Pombal tinha obrigatoriamente que defrontar-se com os jesuítas.
Por sua vez, a nobreza figurava como um outro empecilho a ser superado, para
o sucesso do intento centralizador de Pombal. Igreja e nobreza, por força do poder
que espelhavam na sociedade portuguesa e pelo obstáculo que impunham à política de
secularização, monopólio do comércio e reforço do pacto colonial, teriam obrigatoria-
mente que ficar sob às rédeas do Estado absolutista.

111
MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa... op. cit., p. 28.

35
V – PERSEGUIÇÃO E EXPULSÃO DOS JESUÍTAS

Pretendemos dimensionar perseguição e expulsão dos jesuítas como parte de


uma política ampla do governo pombalino caracterizada anteriormente. Assim, difícil é
localizar quando teve início o que podemos chamar de “perseguição” aos jesuítas. Há
quem afirme que as relações entre o Estado e os jesuítas tivessem vindo a deteriorar-
se desde 1755.112 Entretanto, antes mesmo do início do reinado de D. José I, já havi-
am despontado críticas aos inacianos dos chamados “estrangeirados”, tanto no que
tange ao poderio econômico da Companhia (D. Luís da Cunha) como nas práticas
pedagógicas (Verney). Na impossibilidade de precisar quando se deu o início dessa
“perseguição”, tentaremos dimensionar os fatores-chave que antecederam a expulsão
em 1759, apesar de, no Brasil, os conflitos entre os padres jesuítas e os colonos
darem-se desde pelo menos o século XVII, como veremos adiante.
Desde o início da colonização, a Igreja esteve sempre presente no cotidiano
da sociedade luso-brasileira. Estado e Igreja confundiam-se em suas atribuições, sen-
do difícil a delimitação de onde iniciava a função de uma e terminava a do outro. A
intervenção da Igreja e de seus ministros era considerável, não só “pelo respeito e
deferência que merecem, o que lhes outorga uma ascendência geral e marcada em
qualquer matéria; mas ainda pelo direito reconhecido de se imiscuírem em muitos as-
suntos específicos e particulares.”113
No Brasil essa Igreja era representada principalmente pela Companhia de Je-
sus, pois desde a sua chegada em 1549, foi exclusivamente concedido aos padres
jesuítas a função de catequizar e “civilizar” os índios, além de serem responsáveis por
todo o sistema de ensino desde a sua instalação. “Os negócios eclesiásticos da colônia
sempre estiveram inteiramente nas mãos do rei que deles se ocupava através do de-
partamento de sua administração, a Mesa de Consciência e Ordens. Mas a Igreja de
Roma exerceu sobre eles uma influência indireta e decisiva através da preponderância

112
MAXWELL, Kenneth. “Condicionalismos da Independência do Brasil”, op. cit., p. 339.
113
PRADO JUNIOR, Caio, op. cit. p. 329-330.
Série Iniciação

de que gozou por muito tempo na corte portuguesa a Companhia de Jesus, que teve o
Reino, até a época de Pombal, enfeudado a si e ao Papa.”114
O próprio D. José I reconheceu os privilégios de que gozavam os jesuítas
antes de sua expulsão:

Quando os das provincias destes reinos se achavão mais redundantes dos


beneficios, e das honras que tinhão recebido, e estavão profusamente recebendo
da munificencia dos senhores reis, meus gloriosíssimos predecessores, e da minha
real benignidade: se achavão arbitros da educação dos meus vassalos, se achavão
directores geraes das suas consciencias, e se achavão mais chegados ao meu
regio throno, do que quaesquer outros religiosos (...)115

Além de educadores e missionários, os jesuítas fizeram sentir sua presença no


Brasil através de várias outras funções que exerceram durante todo o período colonial:
como conselheiros das principais autoridades administrativas, “como construtores das
maiores bibliotecas da colônia, como exploradores dos sertões, e como lingüistas,
historiadores, antropólogos, botânicos, farmacêuticos, médicos, arquitetos e artesãos
dos mais diversos tipos.”116
Para a construção e manutenção dos colégios, aldeias e várias outras instala-
ções exigiam-se, naturalmente, recursos substanciais que provinham de várias fontes.
“A princípio contaram os padres com as esmolas dadas pelos colonos fundadores da
Bahia, mas tais donativos e as pensões para comida e roupa que a Coroa fornecia não
eram suficientes para sustentar as ambiciosas empresas missioneiras e educativas dos
jesuítas.”117 Posteriormente, contaram os jesuítas com doações territoriais (sesmarias)
e receitas deduzidas dos dízimos, a partir das quais puderam construir suas instala-
ções. “Essas concessões territoriais e dotações representavam a amplitude da assis-
tência econômica direta da Coroa ao jesuítas. Com o correr do tempo, em fins do
século XVII pelo menos, a importância dessa ajuda foi em muito ultrapassada pelo
nível da beneficência particular e pela quantidade de capital que os jesuítas podiam
produzir com o número cada vez maior de suas propriedades.”118

114
Id., ibid., p. 332.
115
CORRESPONDÊNCIA do Cardeal Patriarca de Lisboa em 5 de Outubro de 1759 in MORAES, Mello.
História dos Jesuítas e suas missões na América do Sul. Rio de Janeiro, E. Dupont, 1872, p. 591.
116
ALDEN, Dauril, op. cit., p. 32.
117
Id., ibid., p. 33.
118
Id., ibid., p. 34.

38
Luzes e sombras sobre a colônia

Essas propriedades eram conseguidas já no século XVII por doações testa-


mentárias de grandes porções de terrenos agrícolas cultivados e imóveis urbanos, in-
cluindo canaviais criatórios, mansões citadinas e escritórios comerciais. A religiosida-
de profundamente arraigada na sociedade colonial fazia com que nos testamentos a
Igreja fosse sempre beneficiada em maior ou menor grau. “Uma vez que esses testa-
mentos eram de ordinário preparados com a assistência dos próprios jesuítas, eram
inevitáveis as acusações de que os padres usavam de coação com os moribundos a fim
de assegurar a posse de quinhões particularmente valiosos do patrimônio dos benfei-
tores, mas não seria fácil hoje achar prova convincente de tais alegações.”119
A esse respeito, D. Luís da Cunha aconselha:

(...) sempre conviria promulgar uma lei, para que daqui por diante nem os
frades, nem as freiras, nem os seus conventos pudessem herdar bens de raiz, antes
fôssem alienáveis os já adquiridos, sem embargo de que conforme a comum opi-
nião, extremamente prejudicial ao Estado, seja de que são inalienáveis os bens
que por qualquer título entram na igreja.120

Mais adiante, externa sua preocupação:

De que se segue que pelo decurso do tempo virá a possuir não só a terça
parte do reino, como acima digo, mas a metade, porque os ofensores abrem as
portas do céu aos que na hora da morte deixam às suas Ordens, ou às suas igrejas,
o que teem, privando assim os seus sucessores do que naturalmente deviam her-
dar.121

Quanto ao patrimônio e riqueza da Companhia de Jesus, fica difícil precisar o


quanto detinham os jesuítas. “No que tange à criação de gado possuíam, só no Pará,
4.000 cabeças. Através do rendimento dos bens seqüestrados aos jesuítas do Estado
do Grão Pará e Maranhão pode-se ter uma idéia do potencial jesuítico no extremo
norte da colônia. Eram 25 fazendas, 3 engenhos e mais 135.000 cabeças de gado.”122
Além disso, os jesuítas possuíam escritórios bancários e armazéns comerciais não só
em Portugal, como na América, Ásia e África. “Não era sem motivo que as atividades

119
Id., ibid., p. 34-35.
120
CUNHA, D. Luís da. op. cit., p. 70.
121
Id., ibid., p. 70-71.
122
RIBEIRO JUNIOR, José. op. cit., p. 57.

39
Série Iniciação

econômicas jesuíticas afugentavam capitais particulares em certas regiões e que a Co-


roa, em determinado momento, procurasse afastar os inacianos.”123
Possuíam lavouras de subsistência e canaviais equipados com um ou mais en-
genhos, cada colégio também possuía muitas fazendas de criação que produziam prin-
cipalmente leite e gado para o corte, afora cavalos, porcos, ovelhas, cabras e aves de
quintal. “Dentre as instituições, a Companhia de Jesus era provavelmente a maior pro-
prietária de escravos do Brasil; seguramente possuía o maior número de escravos
existentes em uma só fazenda em toda a América colonial.”124
Podemos observar então que as funções dos padres a partir de um determina-
do tempo deixaram de ser exclusivamente eclesiásticas, encontrando-se referências
aos jesuítas como criadores de gado, superintendentes de fazendas e administradores
de imóveis urbanos.125 Além disso, o clero tornou-se uma carreira bastante promisso-
ra na colônia: “é a única que abre as portas a todos sem distinção de categoria. Refu-
giar-se-ão nela todos ou quase todos a quem a inteligência faz cócegas.”126 O caminho
que tomara o clero colonial estava longe de ser exclusivamente moral ou missionário.
A “mercantilização das funções sacerdotais” tornara-se no século XVIII um fato con-
sumado. Caio Prado Jr. cita-nos uma observação de uma autoridade eclesiástica “que
reconhece ter-se tornado a batina um simples modo de vida, um emprego, parecendo
aliás perfeitamente conformado com o fato.”127 Genericamente, assim caracterizava-
se o clero e por conseguinte a Companhia de Jesus na colônia. “Há exemplo de dedi-
cação e trabalho, e não quero subestimá-los – diz Caio Prado Jr. – mas infelizmente
exceções, casos raros num oceano de necessidades não atendidas e de que ninguém
se preocupava. A grande maioria do clero, secular ou regular, desde os mais altos
dignatários até os mais modestos coadjutores, deixava-se ficar numa indiferença com-
pleta de tais assuntos, usufruindo placidamente suas côngruas e demais rendimentos,
ou suprindo a deficiência deles com atividades e negócios privados.”128
Pode-se detectar a partir da historiografia que os jesuítas conduziam uma ope-
ração mercantil de larga escala, através da acumulação de capital e reinvestimentos.

123
Id., ibid., p. 57.
124
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 35-36.
125
Id., ibid., p. 32.
126
PRADO JUNIOR, Caio. op. cit., p. 338.
127
Id., ibid., p. 338.
128
Id., ibid., p. 340.

40
Luzes e sombras sobre a colônia

Informa-se por exemplo que “quando uma frota de 10 ou 11 navios estava para chegar
de Lisboa e Porto, suas mercadorias eram levadas para a costa atlântica por comboios
de canoas. Reunidas no armazém do Colégio dos Jesuítas, isentos de tributos e de
direitos alfandegários, eram comercializadas em uma feira organizada enquanto os na-
vios estavam no porto. Os produtos eram vendidos aos capitães dos navios e a comis-
sários portugueses, sendo menor proporção consignada à metrópole em nome da
Companhia de Jesus e com sua marca.”129
Daí agravarem-se os vários conflitos entre jesuítas e os colonos, pois estes se
sentiam numa concorrência desleal. Entretanto, antes de surgirem as questões relacio-
nadas com suas atividades econômicas, os jesuítas opuseram-se aos leigos no tocante
ao controle dos índios. Os missionários, desde a chegada no Brasil, objetaram-se à
escravização indígena, pois essa prática dificultaria a cristianização, isolando-os o má-
ximo possível dos colonos e insistindo em servir de intermediários entre os indígenas e
os fazendeiros em questões de trabalho e comércio.130
Os conflitos eram constantes e agravavam-se de acordo com cada região.
Quanto mais a região se tornava promissora, mais acirravam-se os ânimos dos colo-
nos. Na região do Amazonas, na capitania de São Paulo e no Rio de Janeiro as ten-
sões animaram-se já no século XVII. No Maranhão houve expulsão dos inacianos em
duas ocasiões (1661-1662 e 1684), no entanto os padres contaram sempre com o
apoio da Coroa portuguesa sendo que da segunda ocasião resultou um conjunto de
normas (regimento de 1686). “O regimento conferiu aos missionários poderes espiri-
tuais, políticos e temporais dentro das aldeias por eles administradas, vedando a entra-
da a todos os colonos.”131
Após isso ainda no Maranhão, em 1722 e durante 15 anos, a oposição esteve
representada por um personagem marcante: Paulo da Silva Nunes, que intermediava
os interesses dos colonos maranhenses em Lisboa, manifestando o desalento e a indig-
nação dos mesmos através de uma propaganda persistente contra a Companhia.132
Na prática, durante esse período, ele não conseguiu nada que modificasse tal situação
de privilégios dos jesuítas, acabou indo parar na cadeia (onde morreu em 1746) mas
“os memoriais que Silva Nunes escreveu ajudaram a preparar o caminho para os gol-

129
MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa... op. cit., p. 28
130
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 37-38.
131
Id., ibid., p. 38.
132
MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa... op. cit., p. 28-29.

41
Série Iniciação

pes decisivos que desabaram sobre a Companhia de Jesus no decurso do fatal decê-
nio de 1750.”133
Na maioria das vezes portanto, os motivos dos conflitos entre os padres e os
colonos eram por conta da mão-de-obra indígena que as duas partes queriam contro-
lar. Além disso, os jesuítas contavam com isenção alfandegária e se negavam a pagar
os dízimos de suas propriedades. Havia uma lei de controle dos bens do clero ressal-
tada por vezes por D. João IV, nas ordenações manuelinas de 1521 e nas filipinas de
1603, 1690 e 1711134 e da qual lembrou também D. Luís da Cunha:

(...) no liv. 2º da Ordenação, tit. 18, a saber = Que nenhuma igreja, ou


mosteiro de qualquer ordem ou religião que seja, possa possuir alguns bens de
raiz, que comprarem ou lhe forem deixados, mais que um ano e dia, antes os
venderão = 135

De qualquer maneira, apesar de as tensões já existirem há algum tempo, fatídi-


ca será a década de 1750, quando inicia-se o governo de D. José I. “As tribulações
dos jesuítas nessa década decisiva começaram quando da assinatura do Tratado de
Limites (1750) entre Espanha e Portugal. Esse acordo, que substituiu o antigo e impra-
ticável Tratado de Tordesilhas (1494), visava pôr fim às seculares disputas territoriais
entre as duas potências ibéricas na América do Sul.”136 Com o tratado, os conflitos
agravaram-se na região das terras das chamadas Sete Missões, onde os poderes dos
jesuítas eram flagrantes. Já em 1741, o Papa Benedicto XIV havia condenado a
escravização dos índios por seculares ou eclesiásticos, “inclusive jesuítas”, sob quais-
quer pretextos.137 Entretanto, o Breve pontifício que continha tal condenação ficara
retido em Lisboa, impedindo-se sua divulgação por instância da Companhia de Jesus,
numa clara demonstração do seu poderio.138
Em 1753, quando uma comissão mista ibérica de inspeção chegou à fazenda
de Santa Tecla, viu-se impedida de prosseguir por um grupo de guerreiros guaranis
armados e foi obrigada a voltar. “Como as negociações subseqüentes não lograram
convencer os índios a cessarem a resistência, foi esta rompida pela força após uma

133
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 48-49.
134
Id., ibid., p. 40-42.
135
CUNHA, D. Luís da. op. cit., p. 70.
136
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 49-50.
137
Id. ibid., p. 56.
138
RIBEIRO JUNIOR, José. op. cit., p. 57-58.

42
Luzes e sombras sobre a colônia

decepcionante campanha de dois anos (1754-1756) em que os soldados espanhóis e


portugueses, normalmente inconciliáveis, lutaram juntos contra as tropas heterogêneas
dos guerreiros guaranis cuja defesa – disso se convenceram os europeus – era organi-
zada e dirigida pelos jesuítas.”139 A certeza do complô entre os índios e os padres
jesuítas fica clara, mais uma vez pelas palavras de D. José I:

(...) havendo sido infatigáveis a constantíssima benignidade e a religiosís-


sima clemência com que desde o tempo em que as operações que se praticaram
para execução do tratado de limites das conquistas sobre as informações e provas
mais puras e autênticas, e sobre a evidência dos factos mais notórios, não menos
do que a três exércitos, procurei aplicar todos quantos meios a prudência e a
moderação podiam sugerir para que o governo dos regulares da companhia
denominada de Jesus das províncias destes reinos e seus domínios, se apartasse
do temerário e façanhoso projecto com que havia intentado e clandestinamente
prosseguido sua usurpação de todo o Estado do Brasil com um tão artificioso e
tão violento progresso que não sendo pronta e eficazmente atalhado, se faria
dentro no espaço de menos de dez anos inacessível e insuperável a todas as forças
da Europa unidas.140

Para as comissões conjuntas para a demarcação da fronteira foram nomeados


Gomes Freire de Andrada para o sul e para o norte, Francisco Xavier de Mendonça
Furtado, irmão de Carvalho e Melo,141 que em 1751 havia sido enviado para cumprir
também outro encargo: ocupar os postos de governador e capitão-general do Estado
do Maranhão e logo se opôs à Companhia de Jesus, pois acreditava que os padres
haviam destruído a antiga prosperidade do Estado e o impediam de recuperar-se,
consideravam-se “soberanos e independentes” de toda a autoridade régia.142
Sob a influência de Mendonça Furtado, acirra-se a hostilidade aos jesuítas
pois embora os inacianos do Brasil e da Vice-Província do Maranhão não estivessem
diretamente envolvidos na guerra, a oposição da Companhia de Jesus ao tratado de
1750 e seu “propalado papel na guerra guaranítica bastaram para lançar suspeitas

139
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 50.
140
LEI pela qual S.M. é servido exterminar, proscrever e mandar expulsar dos seus reinos e domínios os
regulares da companhia denominada de Jesus, etc. (3 de setembro de 1759) in CARVALHO E MELO,
Sebastião José de. Memórias secretíssimas do Marquês de Pombal e outros escritos, Lisboa, Europa-
América, s/d, p. 124.
141
MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa... op. cit., p. 31.
142
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 50, 53.

43
Série Iniciação

sobre os intuitos de todos os jesuítas domiciliados em terras portuguesas e serviram


para dar crédito às alegações que um de seus mais terríveis antagonistas, Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, apresentou contra eles.”143
A política pombalina de instalação das companhias de comércio e o empenho
pelo aumento da mão-de-obra na agricultura levaram o governo português ao choque
com os jesuítas. A região do Grão Pará e Maranhão foi palco das medidas contra a
Companhia de Jesus. “Portugal estava interessado em aumentar o número de braços
na lavoura do Grão Pará e Maranhão e fazer a região rentável para a Coroa. Ela era
lucrativa, até então, para os jesuítas, que usando mão-de-obra que nada lhes custava,
produzia e comercializava os produtos, nada pagando à realeza.”144
Ao investir na região do Amazonas, a Coroa fatalmente tornar-se-ia um empe-
cilho aos jesuítas. Já em 1751, Mendonça Furtado recebera ordem de investigar o
famoso capital e riqueza dos jesuítas. “Os participantes do grande complexo missioná-
rio-mercantil centrado na Companhia de Jesus no Pará e Maranhão, não admitiriam
facilmente sua relegação ao status de meros conselheiros espirituais.”145 Com a cria-
ção da Companhia do Grão Pará e Maranhão (1755) o controle dos padres sobre os
indígenas foi abolido – ato que transformou os últimos em homens livres, ao menos no
que diz respeito à lei.146
Em setembro de 1757 foi demitido o confessor do rei, jesuíta, ao mesmo tem-
po em que proibiram-se os membros da Companhia de Jesus de entrar na corte.147
Posteriormente, Carvalho e Melo denunciou a ordem perante o Papa Benedicto XIV,
denúncia lembrada posteriormente pelo rei D. José I como

(...) um summario e substancial conhecimento daquelles atrozes absurdos,


pelo meio do pequeno volume que mandei estampar, com o titulo de ‘Relação abre-
viada da republica que os religiosos jesuitas, das provincias de Portugal e Hespanha,
estabelecerão nos dominios ultramarinos das duas monarchias, etc’. 148

143
Id., ibid., p. 50.
144
RIBEIRO JUNIOR, José. op. cit., 57.
145
MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa... op. cit., p. 33.
146
Id., ibid., p. 34.
147
SÉRGIO, António. Breve Interpretação da História de Portugal. 12ª ed. Lisboa, Sá da Costa, 1985,
p. 123-124.
148
CARTA REGIA expedida em 19 de Janeiro de 1759, aos dous chancelleres das relações de Lisboa, e Porto
para a reclusão das pessoas, e sequestro dos bens dos regulares da Companhia denominada de Jesus, que

44
Luzes e sombras sobre a colônia

Em resposta, o Papa ordena uma reforma pelo seu apostólico breve em 1 de


abril de 1758, representando uma tentativa frustrada sobre a qual D. José I pondera:

(...) a reforma dos sobreditos religiosos, se occorresse por aquelle benig-


no, e adequado meio de suavidade, ao progresso daquellas grandes desordens e
á tranquillidade publica dos meus vassallos e dominios; com a emenda dos mes-
mos religiosos, sem passar contra elles, para os reprimir ás extremidades, que a
minha religiosissima clemencia, me inclinou sempre a suspender no que possivel
fosse. Aquella minha benigna moderação produzio, porém effeitos tão estranhos,
e oppostos ao que della devia esperar-se, que animando-se, e endurecendo-se
cada dia mais á vista della os sobreditos religiosos.149

Ainda em 1758, Carvalho e Melo nomeou o cardeal Saldanha, seu amigo,


“visitador e reformador” da Companhia de Jesus que como tal proibiu o comércio aos
jesuítas em 15 de maio de 1758.150 Através da invocação de velhas leis foram
confiscadas, em fevereiro de 1759, fazendas que os jesuítas ocupavam em Marajó.
No mesmo ano, Mendonça Furtado volta a Lisboa, onde incorpora-se ao gabinete do
irmão com a nomeação para a chefia do ministério das colônias, permanecendo até
morrer em 1769.151 Ainda em 1759 é instalada a Companhia de Pernambuco e Paraíba.
“Note-se como a idéia de eliminação da influência jesuítica caminhou paralelamente ao
encorajamento da aplicação de capitais na colônia.”152
A política pombalina tinha como objetivo primordial o fortalecimento do Esta-
do, através da subordinação de todos os setores à Coroa, entre esses estavam o clero
e a nobreza, que gozavam, até então, de certa autonomia. Em 1756, deu-se uma
conspiração frustrada que visava a formação de um governo com representantes da
alta nobreza. O resultado foi a deportação dos envolvidos para Angola.153 Na noite de
3 de setembro de 1758, D. José I foi alvo de um atentado do qual saiu ileso. Este será
daí em diante o grande álibi com o qual o Marquês de Pombal irá agir em relação à

havião machinado, persuadido e incitado a conjuração que abortou aquelle execrando delicto. in MORAES,
Mello. op. cit., p. 577.
149
Id. ibid., p. 577.
150
SÉRGIO, António. Breve Interpretação... op. cit., p. 123-124.
151
Conforme ALDEN, Dauril, op. cit., p. 60 e MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da devassa... op. cit.,
p. 38.
152
RIBEIRO JUNIOR, José. op. cit., p. 58.
153
SARAIVA, José Hermano. História Concisa de Portugal. Lisboa, Publicações Europa-América, 1983.
p. 245.

45
Série Iniciação

nobreza e à Companhia. Foram presos todos os membros da família Távora-Aveiro e


mais outros fidalgos. Em 13 de Dezembro de 1758 “amanheceram cercadas todas as
casas conventuais que os jesuítas tinham no Reino.”154 Data em que o atentado tornou-
se público.
Tal episódio “forneceu o pretexto para uma repressão mais ampla e dessa vez
sangrenta. Foram feitas mais de mil prisões. As confissões dos réus foram obtidas pela
tortura, o que era conforme a lei; mas as próprias testemunhas de acusação foram
submetidas a torturamento, o que a lei não permitia.”155 Após um breve julgamento,
foram executados em Belém o duque de Aveiro, o marquês e a marquesa de Távora,
o conde de Afouguia e outros personagens, “com requintes de crueldade”.156 Queima-
dos os possíveis criminosos, a perseguição à nobreza não mais se abrandou. “Quando
Pombal abandonou o poder foram libertados oitocentos presos políticos, mas o núme-
ro dos que entretanto tinham morrido nos cárceres atingia dois mil e quatrocentos.”157
A nobreza portanto, pela execução exemplar de alguns de seus mais importantes mem-
bros, estaria legada a um controle efetivo por parte do Estado e à perda progressiva
de parte de seus privilégios. Ficam patentes e consolidadas as políticas de luta contra
as veleidades anti-absolutistas de uma parte da aristocracia nobiliárquica e de liquida-
ção do setor hegemônico da aristocracia eclesiástica.158
A Companhia de Jesus, que exercia forte influência também à nobreza, foi
acusada como cúmplice no atentado e este foi apontado como um dos motivos da
expulsão de 3 setembro de 1759, a exatos 12 meses do atentado:

(...) dentro do meu mesmo reino suscitaram contra mim as sedições intesti-
nas com que armaram para a última ruína da minha real pessoa os meus vassallos,
em quem acharam disposições para os corromperem até precipitarem no horroro-
so insulto perpetrado na noite de 3 de Setembro do ano próximo precedente, com
abominação nunca imaginada entre os portugueses; e o com que depois que
errarem o fim daquele execrando golpe contra a minha real vida, que a Divina
Providência preservou com tantos e tão decisivos milagres, passaram a atentar
contra a minha fama, à cara descoberta, maquinando e difundindo por toda a

154
CARNAXIDE, Visconde de. O Brasil na administração pombalina: economia e política externa. São
Paulo, Nacional, 1940, p. 22.
155
SARAIVA, José Hermano, op. cit., p. 245.
156
SÉRGIO, António. Breve interpretação...,op. cit., p. 124.
157
Id. ibid., p. 246.
158
Conforme FALCON, A época pombalina. op. cit., p. 377 e seguintes.

46
Luzes e sombras sobre a colônia

Europa em causa comum com os seus sócios das outras regiões os infames agrega-
dos de disformes e manifestas imposturas.159

“A paixão maior de Pombal foi o ódio aos Jesuítas”, sentenciou António Sér-
160
gio ao analisar a expulsão dos inacianos. Porém, diante do quadro até aqui traçado,
fica evidente que a expulsão da Companhia de Jesus não deve ser entendida unica-
mente como fruto de “amores” ou “ódios”, mas deve sim ser enquadrada dentro de um
plano político determinado e sistemático e, ainda, deve ser vista como um ajuste às
idéias de secularização da sociedade portuguesa. Os jesuítas, como principais repre-
sentantes do poder eclesiástico, eram o alvo por excelência daquela empreitada. Não
há como negar um sentimento de “anti-jesuitismo” dominante naquele momento, fruto
até da influência secularizadora do Iluminismo, porém, tomá-lo como único agente no
processo de liquidação da Companhia de Jesus resultaria numa análise no mínimo
equivocada.
Alden afirma que “embora fossem os jesuítas o alvo primeiro do anticlericalismo
daquele governo, convém não esquecer que este era hostil também a outras ordens
missionárias no Brasil e que várias delas foram expulsas da colônia nos anos seguin-
tes.”161 Entretanto, a partir da análise desses aspectos da prática pombalina até aqui
efetuada, demasiado simples seria localizar a expulsão da Companhia de Jesus como
anticlericalismo apenas, apesar do sentimento hostil aos padres jesuítas. Serafim Leite
aponta: “todos os sucessos da época serviam para consumar e generalizar a persegui-
ção religiosa: os Padres da Companhia de Jesus foram declarados participantes do
Motim do Porto (do povo do Porto contra o monopólio dos vinhos).”162 Principal-
mente após o atentado ao rei, essa hostilidade avoluma-se pois compreende-se, como
afirma D. José I,

(...) os sobreditos religiosos, entre os mesmos réos, dos crimes de lesa-


magestade da primeira cabeça, rebellião, alta traição, e parricidio.163

159
LEI pela qual S.M. é servido exterminar, proscrever e mandar expulsar dos seus reinos e domínios os
regulares da companhia denominada de Jesus, etc. (3 de setembro de 1759) in CARVALHO E MELO,
Sebastião José de. op. cit., p. 124-125.
160
SÉRGIO, António. Breve interpretação..., op. cit., p. 123.
161
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 64.
162
LEITE, S.J. Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do
Livro, 1949, vol. VII., p. 343.
163
CARTA REGIA expedida em 19 de Janeiro de 1759, aos dous chancelleres das relações de Lisboa, e Porto
para a reclusão das pessoas, e sequestro dos bens dos regulares da Companhia denominada de Jesus, que

47
Série Iniciação

Estendendo ainda a “ação” dos jesuítas como incompátivel, explica em outra


ocasião:

(...) que as deploraveis experiencias de quasi dous seculos mostrárão


notoria e evidentemente, que erão incompativeis com a sociedade dos sobreditos
religiosos expulsos.164

Após o confisco, ainda em 19 de janeiro de 1759 e portanto antes da lei de


expulsão, o rei ordena:

(...) que ao mesmo tempo em que se forem fazendo os referidos sequestros


nas residencias, e fazendas particulares em que se achão leigos, ou coadjutores
espirituaes dispersos, os ministros que fizerem as ditas diligencias, os fação trans-
portar (depois de lhes haverem apprehendido todos os papeis que lhes forem
achados) em segura custodia, e pelo caminho mais breve, e direito ás casas
principaes das cidades, e villas notaveis, que lhes ficarem mais visinhas, onde
ficarão reclusos, com os outros religiosos nas mesmas casas das ditas terras gran-
des, e villas notaveis, com expressa prohibição de sairem dellas, e de communicarem
com os meus vassalos seculares; pondo-lhes guardas militares á vista, que lhes
fação exactamente observar a dita reclusão, e separação, em quanto eu não man-
dar o contrario, e não der outra providencia sobre esta materia.165

Em 5 de Outubro de 1759, o Cardeal Patriarca de Lisboa escreve uma cor-


respondência esperando ser publicada e fixada nas igrejas de todo o patriarcado,
onde ressalta:

(...)ainda que esperamos que todos os nossos subditos (tendo a incompa-


ravel felicidade de serem vassallos de um monarcha o mais pio, e o mais justo)
devem sentir, e se hão de escandalisar que a sociedade dos Jesuitas affastada do
seu santo instituto, e esquecida até das necessarias obrigações da humanidade,

havião machinado, persuadido e incitado a conjuração que abortou aquelle execrando delicto. in MORAES,
Mello, op. cit., p. 577-578.
164
CARTA REGIA do dia 6 do referido mez de Setembro ao Revm. Cardeal Patriarcha, para encarregar a
administração tanto das igrejas como dos edificios, das casas professas, collegios, e noviciado dos sobreditos
regulares expulsos, que se achavão no territorio do mesmo patriarchado ás pessoas ecclesiasticas que lhes
parecesse nomear para os ditos effeitos in MORAES, Mello, op. cit., p. 587
165
CARTA REGIA expedida em 19 de Janeiro de 1759, aos dous chancelleres das relações de Lisboa, e Porto
para a reclusão das pessoas, e sequestro dos bens dos regulares da Companhia denominada de Jesus, que
havião machinado, persuadido e incitado a conjuração que abortou aquelle execrando delicto in MORAES,
Mello, op. cit., p. 579.

48
Luzes e sombras sobre a colônia

conspirasse não só contra a sagrada pessoa do seu monarcha, e contra os seus


dominios, mas ainda com escandalosa obstinação pretender offender-lhe a sua
reputação e seu real respeito: exhortamos a todos os nossos subditos seculares, e
mandamos a todos os ecclesiasticos, que não tenhão communicação alguma com
os ditos religiosos desnaturalisados, nem verbal, nem por escripto, para que se
não perturbe outra vez a paz, e socego publico, que todos devemos procurar
effectivamente, não só como verdadeiros catholicos, mas tambem como fieis
vassallos, (...)rogamos aos nossos subditos nos ajudem a pedir a Deos queira dar
as luzes necessarias a estes infelizes, para que conhecendo os seus indisculpaveis,
e lastimosos erros, busquem outra vez o verdadeiro caminho por onde os guie
sempre o seu Santo Patriarcha, com as suas admiraveis e perfeitas obras, e com as
suas mais seguras e catholicas doutrinas.166

O texto acima nos dá pista sobre de que maneira agiria ou pelo menos deveria
agir o restante do clero, ou seja, apoiando a ação da Coroa e isolando-se dos jesuítas.
A certeza dos malefícios que os jesuítas eram capazes de causar era latente, tanto que
após a expulsão da Companhia de Jesus na França (1764) e Espanha (1767), há uma
curiosa correspondência, na qual alerta-se do perigo que os padres agrupados pode-
riam representar:

De Bue-nos-Ayres se aviza ter-se dado principio de executar as ordens de


El-Rey Catholico, e que os Padres se vão ajuntando para serem transportados
para a Italia. Porem eu, refletindo sobre esta rezolução, vejo por huma parte que
os sabios Ministros que rezidem na Côrte de Madrid, e as ajustadas providencias,
que tem dado neste cazo meterião toda a duvida de que não tenhão sido preveni-
das até as minimas cautelas de tudo o que possa suceder, e que não deixarão de
ter lembrado todas as miudas particularidades, e outras mais delicadas que ain-
da não ocorrem ao meu grosseiro juizo: Mas sem embargo de eu aSim o reconhe-
cer, não me estranhará V. Ex. que eu pense, e ponha na prezença de V. Ex.a que por
outra parte me lembra, que tantos Padres da Companhia que sahirão de Portu-
gal, e de França, e agora sahem tãobem de todos os dominios de Espanha, monta-
rão ao numero de muitos mil homens, e que estes individuos desocupados, e inqui-
etos, juntos em Italia, poderão formar algum projecto, ou unir-se ao Exercito de
alguma potencia, e inquietar as mesmas Cortes que os expulsarão.167

166
CORRESPONDÊNCIA do Cardeal Patriarcha de Lisboa, Francisco I sobre a expulsão de 3 de setembro
de 1759 para que esta venha a noticia de todos, manda que seja publicada nas igrejas de todo o nosso
patriarchado, e fixada nos lugares costumados. (5 de Outubro de 1759) in MORAES, Mello. op. cit., p.
594-595.
167
CORRESPONDÊNCIA do Capitão-General Dom Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão dirigida à
Secretaria de Estado (1 de novembro de 1767) in Documentos Interessantes. São Paulo, Tip. Aurora, v. 23,
1896, p. 369-370.

49
Série Iniciação

A ilustração em Portugal, atrelada à secularização dos vários setores, obteve


respaldo dentro dos próprios quadros eclesiásticos; as novas idéias encontravam aco-
lhida na Congregação do Oratório de São Filipe de Nery. “Verney estudara com os
oratorianos, que depois entraram em liça para defender sua obra, atacada pelos jesu-
ítas. (...) Prestigiou-a largamente D. João V, dotando-a de recursos e encarregando-a
de cursos públicos de teologia, moral, filosofia, retórica, gramática. Abria-se assim a
concorrência com a Companhia de Jesus até então dominadora inconteste do ensino
escolástico, empenhavam-se os néris por difundir o racionalismo moderno, por acli-
mar as Luzes em Portugal.”168 Criada em Roma em 1550, a Congregação do Oratório
foi introduzida em Portugal em 1668, onde os padres oratorianos tiveram “a compla-
cência de Pombal, que deles quis fazer os sucessores dos jesuítas”169 no ensino, o que
não se efetivou. Não foram bem sucedidos, e extinguiram-se no início do século XIX.170
Há quem atribua aos jesuítas “a responsabilidade da decadência geral do ensi-
no, quer pelas lutas com a própria Universidade (aliados aos cristãos-novos, contra a
Inquisição), quer pelo seu controle do ensino secundário.”171 De qualquer forma, ao
expulsar os jesuítas, o Marquês de Pombal empreendeu uma importante reforma no
ensino tanto em Portugal quanto na colônia. Essa reforma, podemos dizer, atesta a
ilustração em seu governo e mais um ponto de discordância com a Companhia de
Jesus cuja prática de ensino já havia sido bastante criticada por Verney em seu Verda-
deiro Método de Estudar.
Por outro lado, afirma-se que “quando foram expulsos, os jesuítas eram indis-
cutivelmente a ordem religiosa mais rica do Brasil.”172 De qualquer maneira, tanto as
causas quanto as conseqüências da expulsão dos jesuítas são ainda amplamente discu-
tidas pela historiografia, levando-se em consideração as próprias mudanças nos obje-
tivos missionários dos padres desde a instalação da Companhia de Jesus no Brasil.
Não se trata aqui de enaltecer ou depreciar a Companhia de Jesus, como foi muito
recorrente na historiografia, mas tentar dimensionar a significação deste processo na
totalidade da governação pombalina. É evidente que, como nos atesta Caio Prado Jr.,

168
NOVAIS, Fernando A. op. cit., p. 222.
169
LACOMBE, Américo Jacobina. “A Igreja no Brasil Colonial” in HOLANDA, Sérgio Buarque de (dir).
História Geral da Civilização Brasileira. 4ª ed. Rio de Janeiro, Difel, 1977, v. II, tomo I, p.74.
170
Id., ibid., p. 74.
171
A afirmação é de Teófilo Braga citada in CURTO, Diogo Ramada. op. cit., p. 75.
172
ALDEN, Dauril. op. cit., p. 36.

50
Luzes e sombras sobre a colônia

com a expulsão dos jesuítas, “desfalcara-se a colônia do quase único elemento que
promovera em larga escala uma atividade social apreciável. Mas os efeitos nocivos da
medida de Pombal, neste terreno de que nos ocupamos, não devem ser exagerados.
Já passara, fazia muito, o tempo dos Nóbregas e Anchietas, e a Companhia decaíra
consideravelmente. O que seria no futuro, é difícil se não impossível assentar com
segurança. Mas avaliar a perda pela bitola daqueles primeiros missionários, seria anacro-
nismo lamentável.”173
Por fim, é de se notar que tratar de um assunto tão delicado quanto dos jesuítas
é tarefa por vezes difícil, como ressalta Sérgio Buarque de Holanda: “Da Companhia
de Jesus, de sua ação considerável e em muitos pontos decisiva sobre nossa formação
nacional, não é fácil falar serenamente. Seus inimigos foram sempre rancorosos, – mais
rancorosos e enérgicos do que seus partidários desinteressados. E o mesmo cuidado
que põem ainda hoje os primeiros em desacreditar a obra dos jesuítas, aplicam os
segundos no aplaudi-la irrestritamente. O resultado é que uma atitude intermediária
corre o risco de parecer suspeita ou indecisa a uns e outros.”174

173
PRADO JUNIOR, Caio. op. cit., p. 340.
174
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Cobra de Vidro. op. cit., p. 91.

51
VI - O INÍCIO DA REFORMA

É interessante notar que a primeira medida no sentido de se reformar os estu-


dos dizia respeito exatamente ao Brasil, na tentativa de suprir a falta deixada pelos
jesuítas no Pará e no Maranhão a partir de 1755, quando foram suspensos por inter-
venção de Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
Em agosto de 1758 introduzia-se o “Diretório que se deve observar nas
povoações dos índios do Pará e Maranhão”, substituindo os missionários jesuítas
pelos “Directores” no trabalho de cristianização e “civilização” dos índios. Impunha-se
aos índios o aprendizado da língua portuguesa e a proibição de seu próprio idioma. Em
cada povoação instituíam-se duas escolas; “na dos rapazes ensinar-se-ia a ler, escre-
ver e contar, juntamente com a Doutrina cristã; na das meninas eliminava-se o contar e
acrescentava-se o fiar, fazer renda, costura e mais ministerios proprios daquelle
sexo.”175 Os problemas não tardaram a aparecer, na medida em que os ordenados
dos novos mestres ficariam por conta dos pais ou das pessoas “em cujo poder vives-
sem” os índios.
Cerca de um ano mais tarde, em 28 de junho de 1759, surge o documento
mais importante dessa primeira fase das reformas. O Alvará expedido pelo rei anteci-
pava a substituição dos inacianos (que seriam expulsos em setembro) numa tentativa
de efetuar uma reforma visivelmente emergencial e mal estruturada. Extinguindo todas
as escolas reguladas pelo método dos Jesuítas, o Alvará176 estabelecia a nomeação
de um “Diretor de Estudos” ao qual todos os professores estariam subordinados. Em
carta régia de 9 de julho de 1759, nomeava-se para o cargo D. Tómas de Almeida,
com a missão de averiguar com especial exactidão o progresso dos Estudos177,

175
ANDRADE, Antonio A. B. de. “A reforma pombalina dos estudos menores em Portugal e no Brasil”,
Revista de História, n. 112, 1977, p. 464.
176
ALVARÁ RÉGIO de 28 de junho de 1759, em que se extinguem todas as Escolas reguladas pelo método
dos Jesuítas e se estabelece um novo regime. Diretor dos Estudos, Professores de Gramática Latina, de
Grego e Retórica in ANDRADE, Antonio Alberto B. A reforma dos estudos secundários no Brasil. S.
Paulo, Saraiva, 1978.
177
ALVARÁ RÉGIO de 28 de junho de 1759.
Série Iniciação

tendo o cuidado de extirpar as controversias, e de fazer que entre elles [mestres]


haja huma perfeita paz, e huma constante uniformidade de Doutrina.178
O conteúdo do Alvará é especialmente interessante, na medida em que justifi-
ca a reforma atacando os métodos e a pedagogia jesuítica, numa clara referência às
idéias de alguns estrangeirados, como Verney ou Ribeiro Sanches:

(...)Tendo consideração outrosim a que, sendo o estudo das Letras Huma-


nas a base de todas as Sciencias, se vê nestes Reinos extraordinariamente decahido
daquelle auge, em que se achavão quando as Aulas se confiarão aos Religiosos
Jesuitas; em razão de que estes com o escuro, e fastidioso Methodo, que introdu-
zirão nas Escolas destes Reinos, e seus Dominios; e muito mais contra a inflexivel
tenacidade, com que sempre procurarão sustentallo contra a evidencia das solidas
verdades, que lhe descobrirão os defeitos, e os prejuizos do uso de hum Methodo,
que, depois de serem por elle conduzidos os Estudantes pelo longo espaço de oito,
nove, e mais annos, se achavão no fim delles tão illaqueados nas miudezas da
Grammatica, como destituídos das verdadeiras noçoens das Linguas Latina, e
Grega, para nellas fallarem, e escreverem (...)nem ao louvavel, e fervoroso zelo
dos muitos Varoens de eximia erudição, que ( livres das preoccupaçoens, com que
os mesmos Religiosos pertenderão allucinar os meus Vassalos, distrahindo-os, na
sobredita fórma, do progresso das suas applicaçoens, para que, criando-os, e
prolongando-os na ignorancia, lhes conservassem huma subordinação, e
dependencia tão injustas, como perniciosas) clamarão altamente nestes Reinos
contra o Methodo; contra o máo gosto; e contra a ruina dos Estudos;(...)179

Baseando-se no primado de que do bom desenvolvimento do ensino depende


o progresso das nações, o Alvará chega a cometer exageros referindo-se aos zelos
com que os monarcas anteriores olharam para a educação:

(...)que tendo consideração a que da cultura das Sciencias depende a


felicidade das Monarquias, conservando-se por meio dellas a Religião, e a Justi-
ça na sua pureza, e igualdade; e a que por esta razão forão sempre as mesmas
Sciencias o objecto mais digno do cuidado dos Senhores Reys meus Predecesso-
res, que com as suas Reaes Providencias estabelecerão, e animarão os Estudos
publicos,(...)180

178
ALVARÁ RÉGIO de 28 de junho de 1759.
179
Id., Ibid.
180
Id., Ibid.

54
Luzes e sombras sobre a colônia

Exagero na medida em que a transferência do ensino para os jesuítas se deu


muito mais por comodidade que por preocupações pedagógicas (a instrução gratui-
ta era determinação canônica, constituindo-se num instrumento da catequese jesuítica).
Além disso, pela promoção de um ensino marcadamente elitista e diferenciado, os
jesuítas perpetuavam um discurso político sintonizado com os interesses da aristo-
cracia.
Não só pela ineficiência dos métodos ou das práticas pedagógicas eram priva-
dos os inacianos das funções junto ao ensino. O próprio discurso e a doutrina jesuítica
eram agora alvos das críticas, evidenciando-se a desarmonia com a política e a ideolo-
gia pombalinas:

(...)E attendendo ultimamente a que, ainda quando outro fosse o Methodo


dos sobreditos Religiosos, de nenhuma sorte se lhes deve confiar o ensino, e
educação dos Mininos, e Moços, depois de haver mostrado tão infaustamente a
experiência por factos decisivos, e exclusivos de toda a tergiversação, e interpre-
tação, ser a Doutrina, que o Governo dos mesmos Religiosos faz dar aos Alumnos
das suas Classes, e Escolas sinistramente ordenará á ruina não só das Artes, e
Sciencias, mas até da mesma Monarquia, e da Religião, que nos meus Reinos, e
Dominios devo sustentar com a minha Real, e indefectivel protecção;(...)181

Promovia-se ainda a simplificação dos “Métodos” utilizados pelos professo-


res, numa clara referência às inovações implementadas pelos oratorianos e pelos no-
vos ideais de educação introduzidos pelos “estrangeirados”;

(...) E para que os mesmos Vassalos pelo proporcionado meio de hum bem
regulado Methodo possão com a mesma facilidade, que hoje tem as outras Naçoens
civilizadas, colhêr das suas applicaçoens aquelles uteis, e abundantes frutos, que
a falta de direcção lhes fazia até-agora ou impossiveis, ou tão difficultozos, que
vinha a ser quasi o mesmo: Sou servido da mesma sorte ordenar, como por este
ordeno, que no ensino das Classes, e no estudo das Letras Humanas haja huma
geral refórma, mediante a qual se restitua o Methodo antigo, reduzido aos termos
simplices, claros, e de maior facilidade, que se pratíca actualmente pelas Naçoens
polidas da Europa;(...)182

181
Id., Ibid.
182
Id., Ibid.

55
Série Iniciação

Constavam ainda do alvará, instruções gerais aos professores de “Grammatica


Latina”, “Grego” e “Rhetorica” que referiam-se mais à metrópole que ao “ultramar”.
Porém, a efetiva implementação da reforma foi posta em prática pelo “Diretor Geral
de Estudos” D. Tómas de Almeida, por meio de várias medidas que se seguiram a este
Alvará.

56
Luzes e sombras sobre a colônia

VII – A REFORMA EM SÃO PAULO: PRIMEIRA FASE


(1759-1772)

A figura de D. Luiz Antonio Botelho de Souza Mourão, mais conhecido como


Morgado de Mateus, tem importância basilar na história político-administrativa de São
Paulo no século XVIII, como o grande reorganizador da Capitania e, conseqüente-
mente, como porta-voz da política pombalina. Chegando ao Brasil em julho de 1765,
estabelece-se em Santos por alguns meses a fim de reordenar as forças militares e a
economia local, indo em seguida para São Paulo.Com o dever de trazer à capitania o
modelo econômico-administrativo da política pombalina, Morgado de Mateus, de for-
ma energética, impõe um novo ritmo ao seu quadro organizacional. Estendendo sua
ação de forma eficiente a todos os setores da administração, acaba por transmitir o
zelo pombalino para com a estrutura educacional existente.
O que encontra na capitania é um quadro desolador no que diz respeito ao
funcionamento do ensino régio. Percebe-se, através de suas correspondências, que a
radical reforma elaborada pela metrópole em decorrência da expulsão dos inacianos
em 1759 nem de longe chegara a ser implementada em São Paulo. O analfabetismo
era generalizado e a falta de pessoas instruídas entravava até mesmo seus projetos na
administração da Capitania, posto que defrontava-se com sérias dificuldades em en-
contrar pessoas aptas a ocupar os cargos públicos.
As providências não tardam a surgir. Motivado por este estado deplorável das
letras na capitania, Morgado de Mateus resolve levar adiante sua própria reforma dos
estudos, elaborando um estatuto que, na medida do possível, estivesse em consonân-
cia com as práticas pedagógicas vigentes no reino. O “Estatuto que hão de observar os
mestres das escolas dos meninos da capitania de São Paulo”183 foi portanto o docu-
mento diretor desta primeira fase de reformas, e tentou responder às necessidades
específicas da capitania. Morgado de Mateus justifica desta forma sua reforma:

183
CORRESPONDÊNCIA do Capitão General Dom Luiz Antonio de Souza (1767-1770) in Documentos
Interessantes para a Historia e Costumes de São Paulo. São Paulo, Archivo do Estado de São Paulo, v. 19,
p. 20-22.

57
Série Iniciação

Ill.mo e Ex.mo S.r Havendo necessidade nesta Secretaria de pessoas que


escrevessem, por cauza de terem incapacitado as mollestias do anno preterito as
pessoas, que nella costumavão servir, não achey quem tivesse letra, que ao menos,
por remedio, pudesse suprir esta falta, por cuja cauza procurey que nesta Cidade
houvesse hum Mestre de Meninos, ao qual formey os estatutos, que a V. Ex.a
remeto, para que parecendo a V. Ex.a conveniente, os confirme, e faça estaveis.
Desta deligencia se tem seguido tanto adiantamento aos Meninos neste pouco
tempo, como a V. Ex.a faço certo pelos traslados que lhe remeto. D.s D.e a V. E.a S.
Paulo 12 de Mayo de 1768. - Ill.mo e Ex.mo S.r Conde de Oeyras. - Dom Luiz
Antonio de Souza.

É de se notar que a preocupação de Morgado de Mateus com a manutenção


dos quadros administrativos e sua relação com o ensino não lhe é exclusiva. Em 1801,
ao nomear Furtado de Mendonça “visitador dos Estudos”, Castro e Mendonça cha-
ma-lhe a atenção das observâncias e deveres que tal posto exigia, deixando transparecer
a importância dos estudos ao provimento de cadeiras na administração pública:

(...) o Estado confia toda a sua segurança e felicidades, provinientes dos


fundamentos, e seguros principios q. devem transmitir aos seus Alumnos,
emformando-se m.to expecialm.e das pessoas mais provestas, e de conhecida
Moralidade sobre as acçoens e conducta dos mesmos Professores, e com
especialid.e das q. servem, e tem servido na governança desta V.a(...)184

Esta questão terá uma abordagem mais específica quando tratarmos da rela-
ção entre o ensino da Geometria e o corpo militar na Capitania. O “Estatuto” elabora-
do por Morgado de Mateus era composto de oito parágrafos que versavam sobre a
regulamentação dessas escolas que estavam por ser abertas. O primeiro deles dizia
respeito à quantidade de mestres e sua distribuição pelas vilas, vinculando-os direta-
mente à Câmara em relação à “Provisão ou Licença”:

1 - Que haverão dous Mestres nesta Cidade, e hum em cada huma das
Villas adjacentes, os quaes serão propostos pelas Camaras respectivas, e aprova-
dos pelo General, e não poderão exercitar o seu ministerio sem ser com esta
approvação e della tirarem Provizão ou Licença.185

184
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 87,
p. 247.
185
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.

58
Luzes e sombras sobre a colônia

O segundo parágrafo regulamentava a matrícula dos meninos, que ficaria


dependente diretamente do despacho do General, assim como as transferências para
outras escolas. Transparece neste item a preocupação com a evasão escolar, deter-
minando-se que os alunos desistentes apresentassem um comprovante de ocupa-
ção. Curiosamente atrelavam-se as autorizações para transferências ao despacho
do General para garantir-se a livre aplicação de castigos pelos mestres, numa possí-
vel contradição com as diretrizes “esclarecidas” que a reforma pombalina assumira
anos antes.

2 - Que todos os meninos que admitirem será com despacho do mesmo


General e não poderão passar a outra escolla sem proceder o mesmo despacho, e
isto para que os mestres os possão castigar livremente sem o receyo de que seus
Pays os tirem por esse motivo, ou por outros frivolos, que comumente se praticão,
e havendo de os quererem tirar para outro qualquer emprego, darão fiança para
aprezentarem em tempo determinado certidão da Occupação, ou Officio, em que
os tem empregado.186

No parágrafo terceiro percebe-se a aplicação de uma das tônicas da reforma


idealizada pela metrópole: a subordinação do “Estudo da Língua Latina” ao aprendiza-
do anterior da Língua Portuguesa, quebrando assim com a velha tradição jesuítica. Os
alunos só passariam ao estudo do Latim mediante comprovação do domínio das ope-
rações básicas do ensino elementar: ler, escrever e contar. Neste ponto portanto per-
cebe-se a total harmonia com os ditames pedagógicos da Coroa, verificando a profun-
didade das idéias que Luis Antonio Verney expôs em seu “Verdadeiro Método de
Estudar” e sua influência definitiva naquelas reformas, posto que foi um dos primeiros
a preconizar tais medidas. Ainda neste parágrafo determina-se que a passagem aos
“Estudos Maiores” requer também o conhecimento dos fundamentos da “Religião Cristã”
e das “Obrigações Civis”, o que nos alerta para o fato de que a laicização do ensino
promovida pelas reformas foi relativa e parcial.

3 - Que nenhum menino se possa passar ao Estudo da Lingua Latina sem


preceder a mesma Licença, a qual se dará com informação do Mestre sobre a sua
capacidade, para se saber se se achão bem instruidos no ler, escrever e contar, e

186
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.

59
Série Iniciação

bons costumes, para que não suceda passarem a outros Estudos mayores sem estes
primeiros, e mais necessarios fundamentos da Religião Christãa, e obrigações
civis.187

O quarto parágrafo versava sobre a capacidade dos professores, transpare-


cendo uma certa preocupação com a qualidade de ensino. Determinava-se que o nú-
mero de professores só poderia ser alterado mediante consulta, de maneira que a
idoneidade e a capacidade do candidato ficasse comprovada.

4 - Que o numero de Mestres estabelecidos nesta Cidade, e em cada huma


das Villas não poderá nunca em cazo algum sem(sic) alterado, ou excedido, sem
nova consulta, e expressa ordem nesta materia, para que não suceda ser instruida
a mocidade com pessoas menos idoneas, dependendo destes principios o progres-
so, e estabelecimento dos costumes de toda a Republica, e de cada hum em parti-
cular.188

Novamente a preocupação com a evasão se faz presente. O quinto parágrafo


tenta normatizar a freqüência dos alunos através de listas, dando especial atenção
àqueles que abandonaram as aulas e inquerindo os mestres sobre as causas. Tudo
diretamente ligado ao despacho do General:

5 - Que os Mestres serão obrigados a Aprezentar nesta Secretaria todos os


annos huma lista com os nomes de todos os meninos que ensinão, declaranndo os
nomes de seus Pays, e darão a razão dos que tiverem sahido, e das cauzas que
houve para isso, sem embargo de para esse effeito precedido despacho.189

Ainda sobre a nomeação de professores, determinava-se que, após a indica-


ção da Câmara, seriam examinados não só sobre seus conhecimentos como também
sobre as condutas, cabendo ao General a última palavra, ao qual resguardava-se ple-
nos poderes para suspender e revogar licenças dos mestres ou mesmo para fechar
escolas, conforme sua conveniência.

187
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.
188
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.
189
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.

60
Luzes e sombras sobre a colônia

6 - Que os sugeitos propostos pela Camaras(sic) serão aprovados e exami-


nados com pleno conhecimento e exacta indagação não só do seu prestimo, mas
dos seus costumes por aquelle modo que melhor parecer ao General, o qual os
poderá revogar, e suspender, e mandar fechar as escollas a todo o tempo que
derem cauza para isso, e lhe parecer conveniente.190

No que tange à adoção de métodos, ficariam os professores obrigados a utili-


zar o “Livro do Andrade” bem como seguir à risca recomendações nele contidas.

7 - Que todos os Mestres sejão obrigados a ensinar pelo Livro do Andrade,


e seguir em tudo aquellas regras, que no principio do livro se prescrevem para a
boa direcção das escollas, e será bom que tenha outros livros como a Educação de
hum menino nobre, a Tradução das Obrigações Civis, de Cicero, para que possão
inspirar aos meninos as boas inclinações, e o verdadeiro merecimento do Ho-
mem.191

Neste ponto residia outra oposição à influência iluminista da reforma pombalina.


O livro “sugerido” pelo General tratava-se na verdade de “Nova Escola para aprender
a ler, escrever e contar”, escrito em 1718 por Manuel de Andrade Figueiredo. Nasci-
do na capitania do Espírito Santo, sendo filho do Governador, Andrade foi mestre de
Ler e Escrever em Lisboa, onde lecionava aos filhos de famílias abastadas. Esta expe-
riência havia lhe dado cabedal suficiente para escrever o dito livro, que durante o
século XVIII foi um dos mais utilizados fora do círculo inaciano. As idéias contidas
naquela obra estavam portanto em total desarmonia com o ideário pombalino, tendo
muito mais proximidade com as práticas jesuíticas. As regras que o livro prescrevia
“para a boa direcção das escollas”, como indicava o Governador, permitiam práticas
que não condiziam com o “espírito” moderno assumido por Pombal:

O principal cuidado que devem ter os Mestres he instruir na Doutrina


Christã e bons costumes aos mininos, não lhes ensinando cousas superfluas com
que mais se confundão do que aproveitem: persuada-os ao temor de Deos e amor

190
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.
191
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.

61
Série Iniciação

da virtude, para que deste modo, ao mesmo tempo que crescem nos annos, se
adiantem também nos bons costumes. (...) Devem também os Mestres não serem
tíbios em reprehenderem e castigarem aos discipulos (...) e o castigo se he dema-
siado, parece tyrania; se proporcionado, he remedio(...)192

No último parágrafo fica demonstrado mais uma vez o rígido controle que o
“General” exerceria sobre aquele sistema escolar. Deveriam os Mestres, uma vez por
ano, fazer uma demonstração pública do grau de desenvolvimento de seus discípulos,
para que o General pudesse tomar decisões e determinar diretrizes de acordo com as
necessidades evidenciadas.

8 - Que huma vez cada anno em hum dia de N. Sr.a que se elleger por
Patrona, apparecerá o Mestre com todos os seus meninos na salla do General,
aonde fará hum acto publico, em que mostre o adiantamento que tem feito em os
meninos com o methodo da sua escolla, não só para ser louvado o seu merecimen-
to, se o tiver, como para se lhe darem as providencias que forem necessarias.193

Não encontramos nenhum documento que nos ateste o funcionamento de es-


colas nos moldes estritos do “Estatuto”. O certo é que cadeiras de Primeiras Letras e
de Gramática Latina passaram a funcionar normatizadas pelo novo regimento, porém
não sabemos se livre da influência da tradição jesuítica ou não.
É preciso destacar o caráter humanístico que as reformas dos estudos assumi-
ram desde as primeiras medidas de 1759. As ciências exatas tiveram pouco destaque,
figurando como coadjuvante no projeto iluminista elaborado por Pombal. A matemá-
tica aparece na trilogia “ler, escrever e contar” mas, mesmo aí, fica em segundo plano
pois os mestres são os de “Primeiras Letras”, não existindo mestres de “Primeiros
Números.” Além disso, após estes estudos iniciais os alunos deveriam seguir os “Estu-
dos Maiores” que eram basicamente humanísticos: “Gramatica Latina”, “Philosophia”,
“Moral”, “Rethorica”, etc, confirmando-se assim, o descaso com as ciências exatas.
No caso da Capitania de São Paulo, a intervenção de Morgado de Mateus se
mostra renovadora também neste sentido. São dele as primeiras tentativas de se efeti-
var cadeiras de Matemática e principalmente de Geometria. Não devemos esquecer a

192
FIGUEIREDO, Manuel Andrade. Nova Escola para aprender a ler, escrever e contar. Lisboa, s/d, edição
fac-similada Livraria Sam Carlos, Lisboa, 1973.
193
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 19,
p. 20-22.

62
Luzes e sombras sobre a colônia

utilidade que estas ciências têm para a milícia e para a defesa da capitania, interessan-
do sobretudo aos militares. Em 1770 sai o “Edital sobre o Estudo da Geometria”
assinado por Thomaz Pinto da Silva, lembrando a importância e a necessidade daque-
la cadeira e elegendo o convento de S. Francisco para sediá-la:

O Ill.mo e Ex.mo Snr General manda fazer publico por este Edital que
attendendo a grande falta que ha de pessoas habeis na Geometria e ser conveni-
ente ao Real Serviço formar pessoas capazes nesta utilissima Arte, em que interes-
sa o bem publico e defença destes Estados, tem conseguido estabelecer hûa Ca-
deira de Geometria em o convento de S. Francisco desta Cidade e faz publico a
todos que se hão de abrir estes estudos para o mez de Agosto do anno proximo
futuro de 1771 e que todas as pessoas que se quizerem aplicar podem concorrer
para esse tempo a esta Cidade, porque aquelles que mais se distinguirem nesta
faculdade serão premiados e atendidos para tudo quanto se oferecer e se lhes
farão todas as mercês q. se puderem conciderar e couberem no possivel e as mais
que S. Mag. a quem faz presente esta determinação, for servido de lhes conceder.
S. Paulo, a 26 de Novembro de 1770. - Thomaz Pinto da Silva.194

Percebe-se novamente com nitidez a preocupação em qualificar e capacitar o


funcionalismo existente na Capitania através da reforma dos estudos. Evidencia-se
portanto neste caso o zelo de Morgado de Mateus com a devida instrução dispensada
aos militares, que assumiriam papel de extrema importância na restauração da capita-
nia que já estava em marcha naquela altura:

(...) tenho reprezentado a grande falta que ha de pessoas habeis na Geo-


metria e ainda daquelas que tenhão desta grande Arte alguma luz, porque as
occazioens se multiplicão para que são necessarios estes homens, tenho corrido
ao arbitrio de procurar o estabelecimento de huma Cadeira de Geometria (...) e
porque já tenho afixado os Editaes e passado as ordens necessarias para todas as
pessoas que se quizerem instruhir e os Militares mais capazes concorrão a apren-
der, e não duvido haja de ser esta Cadeira permanente (...).195

No ano seguinte (1771) como previa o Edital, proclama-se o “Bando para se


abrir huma Aula de Geometria nesta Cidade”, assinado pelo próprio Morgado de

194
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 34,
p. 294.
195
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 34,
p. 293.

63
Série Iniciação

Mateus, onde reafirmava a prioridade que os militares possuíam no acesso a estas


cadeiras, concedendo até privilégios àqueles soldados que atendessem ao apelo:

(...) convida a todos os que se quizessem applicar a esta utilissima Arte se


puzessem promptos nas quatro especies de contas, em ordem a ficarem habeis
para aprenderem a d.ª Faculdade, prometendo aos q.’ a ella se applicassem q.’
serião premiados e attendidos em tudo o que se offerecesse e se lhes farão todas as
honras (...) e está para se abrir a referida Aula, tão util ao Bem publico como á
defença destes Estados: Faço saber a todos os moradores desta Cidade e sua
capitania q.’ eu determino q.’ irremessivelm.te se abra a d.ª Aula e que nella
entrem todos os militares em q.m se descobrir agilid.e para se applicar a esta Arte,
como tambem todos os Estud.es e pessoas conhecidamente curiozas, aos quaes
concedo o privilegio de q.’ não serão chamados, e allistados para soldados pa-
gos contra sua vontade, e pelo contr.º a todo aquelle que faltar em cumprir esta
minha determinação logo em continente se lhe sentará praça, por se conciderar
como vadio, inutil à Republica e desprezador do serv.º de Sua Mag.e (...)196

A freqüência naquelas aulas e o pleno domínio daquela ciência passariam en-


tão a ser requisito fundamental para aqueles soldados que almejassem ascender na
rígida hierarquia militar, como se observa no trecho abaixo:

Porquanto tenho considerado a grande falta q’ ha entre os Militares de


pessoas habeis na Geometria com notavel detrimento do Real Serviço e dezejando
occorer a esta necessidade(...) ordeno a todos os Comandantes assim das Tropas
pagas, como auxiliares escolhão nas suas companhias aquelles sujeitos de me-
lhor engenho e capacidade e os inviem para aquelle tempo a Aula destes estudos;
porque em recompensa se promete aos que mais se distinguirem ser atendidos
para os postos que vagarem(...)197

A viabilização da administração pública e a conseqüente qualificação de seu


quadro estão diretamente relacionadas com a reforma educacional posta em marcha
por Morgado de Mateus. Tanto na elaboração do “Estatuto” quanto nas medidas
posteriores, temos a presença do funcionalismo ou do exército como seus impulsiona-
dores.

196
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 33,
p. 35.
197
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 65,
p. 342 e 343.

64
Luzes e sombras sobre a colônia

VIII – CONTINUIDADES E RUPTURAS: SEGUNDA FASE


(1772-1801)

A política pombalina de reforma dos estudos tem seu marco final com o con-
junto de leis promulgadas em 1772 que complementam as primeiras iniciativas, corri-
gindo falhas, sanando lacunas e dando-lhes sentido e corpo únicos. Destas medidas
destaca-se a “Lei Abolindo as antigas consignações para instrução dos Estudos e
estabelecendo o Subsídio Literário” que promovia um planejamento minucioso da ad-
ministração, arrecadação e aplicação de um novo fundo destinado às escolas meno-
res. Estabelece-se a Junta do Subsídio Literário, ficando a última sob a responsabilida-
de da Real Mesa Censória e não do Erário Real como poderia-se pensar. Portanto, ao
menos nessa formulação inicial, o Subsídio não era renda da coroa, destinando-se
privativa e exclusivamente ao ensino. Posteriormente, no governo de D. Maria I, esta
independência deixará de existir, passando o tributo a vincular-se ao Erário Régio,
dando margens a desvios na sua aplicação.
A Real Mesa Censória, criada em 1768, tinha como função inicial o exame e
inspeção de livros e papéis introduzidos no reino. Após alguns anos tem suas atribui-
ções ampliadas, ficando incumbida de toda a administração e direção dos estudos
menores. Inicia-se então um amplo programa de reformas com uma consulta detalha-
da sobre o estado da educação no reino e nas colônias. A partir desta consulta, elabo-
ra-se um Mapa contendo o número de mestres de que cada localidade necessitaria:

CADEIRAS CRIADAS DE ACORDO COM O MAPA DE 1772

CADEIRAS REINO ILHAS ULTRAMAR TOTAL


Ler e escrever 440 15 24 479
Latim 205 10 21 236
Grego 31 3 4 38
Retórica 39 3 7 49
Filosofia Racional e Moral 28 3 4 35

65
Série Iniciação

CADEIRAS CRIADAS NO BRASIL PELO MAPA DE 1772

Primeiras Letras Gramática Latina


Bahia 4 3
Pernambuco 4 4
Rio de Janeiro 2 2
Mariana 1 1
São Paulo 2 1
Villa Rica 1 1
S. J. Del Rei 1 1
Sabará 1 0198
Pará 1 1
Maranhão 1 1
Total 18 15

Ainda de acordo com a consulta realizada, sugere-se a elaboração de um novo


fundo que garantisse a efetiva instalação e manutenção destas cadeiras recém criadas;
o Subsídio Literário.

O fundo pecuniário que há de manter este projeto pode estabelecer-se


suavissimamente, e com muita satisfação dos povos, que para ele hão de contri-
buir na imposição de um real em cada canada de vinho, e quartilho de aguarden-
te, no reino e ilhas e em cada arratel de vaca na Ásia, América e África.199

Dois anos após sua publicação em Portugal, observa-se em São Paulo os


efeitos da Reforma dos Estudos Menores de 1772. Proclama-se um “bando” anunci-
ando a abertura oficial de escolas de Primeiras Letras, Gramática Latina e Retórica,

198
No Mapa de 1772 não consta a cadeira de Primeiras Letras de Sabará. Laerte Ramos de Carvalho cita-a de
acordo com o documento original do ante-projeto da real Mesa Censória. Em 1775 a escola já consta dos
relatórios de arrecadação do Subsídio Literário.
199
Lei de 5 de agosto de 1772, publicada em 12 de novembro de 1772.

66
Luzes e sombras sobre a colônia

contando-se para isso, com o precioso e fundamental apoio daquele novo tributo que
arcaria com o ordenado nos novos mestres.

Bando p.a se abrirem Escolas publicas de ler, escrever e contar, Estudos de


Gramatica, Grego, etc.

Dom Luiz Antonio De Souza Botelho Mourão, etc. - Faço saber q.’ S. Mag.e
q.’ D.s g.de, attendendo ao bem comum de seus fieis Vassalos e desejando-os fazer
felizes com os beneficios de seo Real Favor e protecção, hé servido mandar crear
Escollas publicas de ler, escrever e contar, e Estudos da Grammatica, Grego,
Rethorica e Filosofia, p.a cuja subsistencia ordena q,’ se estabeleça nesta Capita-
nia a collecta das carnes e agoas ardentes p.a satisfação dos Mestres dos referi-
dos Estudos, cujo Plano e Instrucçoens contem a Ley de s. Mag.e de 6 de Novbr.o
de 1772, e outro Alvará de 15 de Fevr.o de 1773, e as Instrucçoens de 4 de
Semtembro de 1773, q.’ junto com este se vão publicar, como tambem a carta
Regia q.’ o mesmo Senhor me fez enviar, ordenando-me sobre esta materia varias
providencias p.a a infalivel e segura arrecadaçam da dita collecta dirigida a tam
importante e proveitoso estabelecimento. E p.a que chegue a noticia de todos esta
grata e Paternal Determinação de s. Mag.e mandei lançar este Bando pelas ruas
publicas desta Cidade, o qual depois de publicado se afixará na porta da caza da
minha Rezidencia e se registrará nos livros da Secretaria e mais partes a q.’ tocar.
Dado nesta Cidade de S. Paulo a 29 de Julho de 1774. Thomaz Pinto da Sylva,
Secretario do Governo, o fez escrever. - D. Luiz Antonio de Souza.200

O rigor verificado na arrecadação do Subsídio não pode ser explicado apenas


pelo zelo para com o bom funcionamento do ensino régio. Fonte de importantes somas
para a administração pública, o tributo amparava muitas empreitadas não previstas na
sua formulação. Sua arrecadação excedia em muito as cifras necessárias à boa manu-
tenção do aparato escolar já existente, como podemos observar no trecho seguinte,
onde D. Rodrigo de Souza Coutinho tenta angariar fundos para a construção de uma
botica em S. Paulo, valendo-se do Subsídio:

(...) e por que as Rendas da Capitania ainda não estão em estado de se


poder distrahir nenhuma porção dellas das suas necessarias e indefectiveis
applicaçoens; e por outra parte existe em ser, e debaixo das minhas Ordens o
rendimento da Nova Contribuição Litteraria que segundo expuz a V. Ex.a em

200
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 33,
p. 163-164.

67
Série Iniciação

officio de 14 de julho do prez.e anno deve montar annualmente a mais de 8:000$000


rs que não tem por ora applicação, se não de 5000$000 reis para pagamento do
mencionado Phisico, tendo deliberado mandar passar a Lisboa 4:000$000 rs em
Letras seguras do Rio de Janeiro para na referida Capital de Lisboa se compra-
rem debaixo das vistas de huma pessoa habil, e Instrucçoens dadas pelo referido
Bacharel Francisco Vieira Goulart que fez o d.o Plano, e pelo Phisico Mór desta
Capitania Marianno Jozé do Amaral todos os simples que forem necessarios para
se estabelecer aqui huma Drogaria onde em grande se preparem todas as
compoziçoens Chimicas, e Pharmaceuticas que forem necessarias para o consu-
mo da Botica Real, e das mais desta Cidade.201

Como se percebe, tornara-se o Subsídio um importante instrumento não só


para a manutenção e continuidade do plano de ensino, como também para suprir de-
ficiências financeiras que impedissem a governabilidade da capitania, garantindo-lhe
um relativo progresso:

(...) D’esta sorte se pode tirar huma vantagem e lucro muito concideravel
para a Real Fazenda, alem de se apurar pela venda dos mesmos remedios a somma
dos quatro contos de reis que tiro daquelle dinheiro, os q.es depois de constituirem
hum fundo que ha de manter a perene conservação da referida botica, devem
tornar a repor-se no cofre daquella contribuição Literaria, donde agora sahem
por imprestimo, e a que não fazem falta actualmente pelas razoens expressadas
n’este, e no citado Officio.202

Para justificar o uso que se fazia de tal tributo, clamava-se uma relação entre
“Sciencia” e a finalidade inicial do Subsídio, classificando profissionais importantes à
administração pública ( topógrafos, contadores, engenheiros, etc.) como pertencentes
a “estabelecimentos Scientificos”. Esta relação seria formalizada posteriormente por
Castro e Mendonça que, sob este conceito de “estabelecimentos scientificos”, financi-
aria não só a saúde pública como também setores do exército, mudando o caráter do
Subsídio para dele lançar mão. Dessa forma, obras que a princípio nada tinham em
comum com o ensino régio, como a construção de uma “fábrica de Ferro”, eram
viabilizadas às custas daquele tributo:

201
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 93,
p. 114.
202
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 93,
p. 114.

68
Luzes e sombras sobre a colônia

(...) Pe Pela copia do Cap.º 7.º da Memoria Economico-Politica da Capi-


tania será prezente a V. Ex.ª o Plano que estabeleci para a creação dos Engenhei-
ros hydraulicos, Topographicos, Contadores, ou Mestres das primeiras Letras,
cirurgioens, e Boticarios, montando a despeza annual necessaria para estes esta-
belecimentos Scientificos em 6:636$000 reis, como se deprehende do Mappa q fas
parte do paragrafo 60 do m.mo Cap.º, e pelo mesmo Mappa em fronte se patentea
q o rendimento da Nova Contribuição Litteraria deve montar a 8:746$886 reis
pouco mais ou menos, ficando por tanto annualm.e para as despezas da Fabrica
até se completarem todos os trabalhos, e Officinas relativas a erecçao da mesma
Fabrica 2:110$886 reis alem de muitas outras despezas applicadas para aq.les
estabelecimentos Litterarios que não podem ter lugar nos primr.os annos, nos q.es
ainda q já se estabeleça tudo o que fica exposto naquelle referido Cap.º da Memoria
Economico-Politica, de certo se pode applicar nos primeiros annos para a Fabri-
ca de Ferro 4:000$000 rs em cada hum, os q.es deverão depois reverter para a sua
permitiva applicação a proporção q se forem multiplicando as despezas, e se
creando Contadores, ou Mestres de primeiras Letras e Cirurgioens para todas as
Villas da Capitania, principiando pelas mais populozas na forma expressada no
citado Cap.º.203

Dessa maneira podemos entender as causas que determinaram o rigor e a


rigidez na cobrança de tal tributo. O número de funcionários arregimentados para a
fiscalização do Subsídio não poderia de forma alguma justificar-se pelo auspício do
Estado à manutenção do ensino na Capitania. Em ofício enviado ao Coronel José de
Macedo por Castro e Mendonça em 1801, percebemos a relevância que o subsídio
assumira:

Dignando-se S. A. pela Carta Regia de 19 de Agosto de 1799 encarregar-


me da Suprema Inspecção dos Estudos desta Capitania, e d’ádministração do
subsidio Literario estabelecido e applicado para honorario das pessoas q. se
empregão nos Magisterios publicos da mesma, vejo-me constituido na preciza, e
absoluta necessidade de fazer todas as tentativaz, e calculos p.ª me assegurar do
verdadeiro rendimento que n’hum anno produz este Subsidio em cada huma das
Villas, e seus respectivos Destrictos, em ordem a poder ser rematado sem prejuizo
nos annos subsequentes; e como conheço o zello e actividade com q. V. S.ª se
emprega no Real Serviço: Encarrego-o de mandar no proximo anno de 1802 fazer
a effectiva cobrança do mesmo Subsidio nas quatro Villas de Cunha, Sm Luis, S.
Sebastião, e Ubatuba do seu Commando, authorizando a V. S. para se servir para

203
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 93,
p. 111.

69
Série Iniciação

esse fim de quaes quer Officiaes Commandantes de Comp.as, ou de outras pessoas


que julgar a propozito, de tal maneira que esta tão importante e necessaria con-
tribuição sendo fiscalizada com a maior exacção mostre no seu producto por
huma parte o fervor e assiduidade de V. S.ª e por outra o verdadeiro rendimento q.
podera ter sendo rematado nos annos seguintes.204

No entanto, torna-se paradoxal a situação na medida em que, analisando um


pedido de instalação de uma cadeira de Gramática Latina por parte da Câmara de
Sorocaba em 1800, percebemos a negligência da administração da capitania. O pedi-
do é negado alegando-se insuficiência do rendimento do Subsídio Literário.
Consubstancia-se assim um grave desvio de verbas da área educacional para outras
“mais importantes”.

Consiste pois o mencionado Subsidio em hum real q. deve pagar toda a


libra de carne de vaca que se matar nas dittas Villas e seus Destrictos, e dez reis
por cada medida de Agoa ardente que no mesmo se fabricar; devendo VS.ª prati-
car todos os meios de brandura, e de persuazão para não haverem fraudes na
Cobrança, e para esta ser effectiva; e quando os dios meios não forem sufficientes,
authorizo a V. S.ª igualmente para uzar de coacção assignando diaz em q. os
devedores lhe devem pagar, com a comminação de que não o fazendo no termo
prefixo me dara parte para eu determinar o que em consequencia se deve obrar.205

A possibilidade da ocorrência de desvios da verba destinada ao ensino torna-


se mais evidente na medida em que se analisa a exposição de Castro e Mendonça
sobre a falta de mestre por toda a extensão da Capitania, o que de certa forma moti-
vou-o a elaborar um novo plano de ensino:

Hé certo que os refferidos Professores são muitos poucos, comparados com


a extenção da Capitania e numero de seus habitantes e muito principalmente os
de Primeiras Letras que são os que mais servem a Sociedade, por quanto apenas
hum pequeno numero de individuos seguem os Estudos maiores. principalmente
pelo de Grammatica Latina, quando muitos centos de outros se contentão com as
noçoens, que adquirem nas Escollas das primeiras letras. Por esta razão estabe-
lecido hum mediocre numero de Professores de Grammatica Latina não se deve

204
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 93,
p. 40
205
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 93,
p. 41.

70
Luzes e sombras sobre a colônia

criar outras Cadeiras de novo, senão quando se tiverem estabelecido em todas as


Villas da Capitania as de primeiras Letras que forem necessarias.206

Mais adiante fica patente a deficiência financeira nos cofres do Subsídio, não
justificando-se de forma alguma gastos excessivos em outras áreas que não a educaci-
onal. Comprova-se também que para levar a cabo suas novas idéias de reforma, Cas-
tro e Mendonça deveria primeiramente dispor de meios materiais para viabilizá-la.

Tal he a necessidade e falta de meios q’. ha nesta Capitania para manter as


letras, de forma que apenas excede o actual rendimento ás despezas que
annualmente se fazem com os Mestres publicos em 593$994 rs., o que mal pode
servir para completar o honorario do Professor de Philosophia, e para ajuda de
custo para o vizitador, podendo-se comtudo ainda crear o substituto para esta
Cidade, e Professor de Grammatica para Taybaté com a condição de principia-
rem a vencer o competente Ordenando logo que as rendas respectivas o
permittão.207

No que diz respeito aos honorários dos mestres, Castro e Mendonça expõe-nos
a situação em 1799, cuja origem de tais valores residem na governação de Morgado de
Mateus. Presume-se que desde 1768, quando inicia-se a reforma na capitania, a média
dessas cifras se mantiveram. Partindo desses dados, elaboramos a tabela abaixo:

PROFESSORES NA CAPITANIA DE SÃO PAULO EM 1799

Localidades Professores Honorários


São Paulo Substituto de Philosophia
Racional e Moral 240$000
Rhetorica 440$000
Gramatica Latina 400$000
Primeiras Letras 90$000
Paranagoa Gramatica Latina 300$000
Primeiras Letras 120$000

206
MENDONÇA, Antonio M. M. de Castro. Memória econômico política da capitania de São Paulo. Anais
do Museu Paulista. v. 15, 1961, Cap. IV, parágrafo 04, p. 160.
207
Id., ibid., parágrafo 15, p. 164.

71
Série Iniciação

Localidades Professores Honorários


Santos Gramatica Latina 300$000
Primeiras Letras 120$000
São Sebastião Gramatica Latina 280$000
Mogy Gramatica Latina 240$000
Coritiba Primeiras Letras 80$000

Note-se que aos professores da vila de São Paulo cabia um ordenado maior
que aos professores de outras localidades justificando-se para isso, o maior afluxo de
alunos ali verificado. A exceção só se dá no caso do mestre de “Primeiras Letras” que
em São Paulo recebia 30$000rs a menos que os de Santos e Paranagoa, o que com
certeza não pode ser explicado pela quantidade de discípulos. O que nos causa estra-
nheza ainda maior é o fato de que as localidades de S. Sebastião e Mogy possuíam
mestres de “Gramatica Latina” sem possuirem o mestre de “Primeiras Letras”, o que é
um contracenso na medida em que o último é pré-requisito para a existência do primei-
ro. Não localizamos nenhum documento que pudesse nos elucidar estas questões. O
certo é que Castro e Mendonça, constatando tal disparate, toma as providências ne-
cessárias, como podemos comprovar no trecho abaixo:

Conservando-se pois as tres Cadeiras de Grammatica Latina nas tres Villas


da Marinha, e a desta Cidade, segundo as circunstancias da Capitania não se
devem nem podem criar mais que duas, huma na Villa de Taybaté, que fica na
Centro das Villas do Norte de Serra acima e outra na Villa de Ytu, que da mesma
sorte fica no Centro das Villas do Sertão, distando apenas seis legoas da de
Sorocaba, e 4. da de Porto Feliz: e porque a outra de Grammatica Latina da
insignificante Villa de Mogy das Cruzes he absolutamente desnecessaria tanto
por ser de mui diminuta frequencia, como por ficar dez legoas perto da Cidade,
onde commodamente se pode instruir a Mocidade, que se destinar ao Estudo de
Grammatica Latina, tenho destinado remover esta Cadeira para a Villa de Ytú.208

Temos a seguir uma tabela elaborada a partir da proposta de honorários feita


por Castro e Mendonça:

208
Id., ibid., parágrafo 05, p. 160.

72
Luzes e sombras sobre a colônia

PROPOSTA DE HONORÁRIOS PARA OS MESTRES


NA CAPITANIA DE SÃO PAULO (1800)209

FUNÇÕES ORDENADOS
Prof. de Primeiras Letras 120$000
Prof. de Primeiras Letras (S. Paulo) 150$000
Prof. Gramática Latina 300$000
Prof. Gramática Latina (S. Paulo) 400$000
Prof. Rhetorica e Grego 440$000
Philosofia Racional e Moral 480$000
Substitutos 240$000
1.º Sargento 50$000
2.º Sargento 40$000

Como podemos observar, não são grandes as alterações propostas por Cas-
tro e Mendonça em relação aos pagamentos. É mantida a diferença entre os mestres
de São Paulo e os de outras localidades, efetuando-se porém, a correção dos honorá-
rios dos mestres de “Primeiras Letras” que passam de 90$000rs para 150$000rs. Os
outros valores se mantêm com destaque para o ordenado do professor de “Philosophia
Racional e Moral” que seria de 480$000rs, ou seja, o dobro do que ganhava o subs-
tituto em exercício.
Note-se ainda a introdução de dois sargentos no elenco de professores. Estes
teriam função de mestres de “Primeiras Letras” na “Legião de Voluntários Reaes” e no
“Regimento d’Artilharia”, recebendo respectivamente 50$000rs e 40$000rs além dos
soldos que lhes eram de direito. Seus ordenados seriam portanto complementados
devido às funções que assumiriam junto às milícias.
No que concerne às ciências exatas, apesar de todo o esforço de Morgado de
Mateus em abrir e manter aulas de Matemática e Geometria em São Paulo, na passa-
gem de século XVIII para o XIX, observa-se a total ausência das ditas ciências na

209
Tabela formulada a partir do exposto por Antonio Manoel de Mello Castro e Mendonça em sua “Memória
Econômico-Política da Capitania de S. Paulo” no capítulo VI.

73
Série Iniciação

capitania. A julgar pelo requerimento abaixo, no qual Martim Francisco Machado da


Silva solicita a abertura de uma cadeira em São Paulo, pode-se perceber que os inten-
tos de 1771 não vingaram:

(...) que tendo-se V. Mag.e dignado criar na Capitania da Bahya huma


Cadeira de Arithimetica, Geometria, e principios de Algebra, para assim espa-
lhar o amor, e gosto das Sciencias Mathematicas tão necessarias em todo o curso
da vida, como a Capitania de S. Paulo, se acha em circunstancias de igual, e
ainda mais urgente necessidade, sendo nella totalm.te desconhecido até o nome
das ditas Sciencias em grave damno do Serviço de V. Mag.e(...)210

Em sua “Memória Econômico-Politica” Castro e Mendonça dedica o capítulo


VII exclusivamente à Geometria e “as mais, de que devem constar as Academias
Militar, e Pharmaco-Cirurgica della”. Novamente transparece a preocupação com
a devida instrução das milícias na capitania, explicando-se assim o uso que se fazia do
Subsídio Literário com os mais diversos técnicos “scientificos”:

(...) parece-me que com o rendimento desta nova Contribuição se pode


estabelecer, e crear huma Academia Militar, na qual não só se ensine a Geome-
tria, como Sua alteza Real determinava naquella Carta Regia, mas tambem todas
as mais disciplinas, que fazem o Objecto das Sciencias Mathematicas em geral, em
que deve entrar o curso de fortificação, e Artilheria, e Aula de Desenho.211

É possível que fora do círculo militar não houvesse quem se interessasse pelas
ciências exatas para além do que se aprendia na cadeira de “Primeiras Letras”, de
modo que estas novas medidas diziam respeito quase que exclusivamente ao desen-
volvimento das milícias:

Por occazião do Avizo de 30 de Março de 1799 fiz ver a V. Ex.ª naquelle


referido Officio N.º 25 que para esta Capitania se achavão despachados tres
Mathematicos, todos destinados aos Postos da Brigada d’Artilheria da Legião de
Voluntarios (...)212

210
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de S. Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 89,
p. 145.
211
MENDONÇA, Antonio M. M. de Castro. op. cit., Cap. VII, p. 179.
212
Id., ibid., p. 180.

74
Luzes e sombras sobre a colônia

A proposta de plano de ensino que Castro e Mendonça prenunciava em sua


“Memória” acabava por consubstanciar uma realidade que já se fazia presente nas
contas da Capitania, ou seja, efetivava a ligação entre o Subsídio Literário e aqueles
setores que não estavam diretamente ligados a ele. Assim, não só a milícia como tam-
bém a Saúde e áreas afins se beneficiavam daquele tributo. Dessa forma, Castro e
Mendonça propõe a criação de uma Botica, de uma Livraria e de um Jardim Botânico,
tudo em benefício do desenvolvimento “scientifico” da Capitania.
Os planos de Castro e Mendonça para o ensino na capitania de São Paulo
eram de fato demasiadamente ambiciosos diante da situação financeira em que se
encontrava. Infelizmente não tivemos contato com a segunda parte da “Memória Eco-
nômico-Politica”213 onde existe um levantamento das rendas totais da capitania para
podermos saber qual o percentual que o Subsídio Literário nela ocupava. Porém,
pelas correspondências oficiais, verifica-se o grau de insuficiência orçamentária da
qual sofria o ensino. Mal conseguia-se manter as escolas existentes, de modo que os
planos de Castro e Mendonça configuravam-se num intento para além de suas possi-
bilidades.

Para o d.o secretr.o d’Estado participando q. o rendim.to actual do subsi-


dio literario não permitte haverem mais Mestres de Latim, senão nas Villas abaixo
declaradas.
Ill.mo e Ex.mo Snr’- Não permitte o rendimento actual do subsidio literario
desta Cap.nia q’. hajão Mestres de Latim senão nas Villas de Santos, Parnaguá, e
S. Sebastião da Marinha; e de serra acima nas de Taubaté, Itú, e na cidade, (...)
por esta razão não tem lugar o requerim.to da Cam.ra da V.a de Sorocaba em q.
suplica a S. A. R. hum Professor daquella lingua(...) S. Paulo 6 de 9br.º de 1800. -
Ill.mo e Ex.mo Snr. D. Rodrigo de Souza Coutinho. - Antonio Manoel de Mello
Castro e Mendonça.214

Castro e Mendonça tinha plena consciência do problema financeiro que tinha


em mãos, tanto que mesmo na elaboração da “Memória” faz o devido diagnóstico:

No lugar competente farei ver, que o rendimento do subsidio Literario não


só hé pouco, mas tem a apparencia de não subir coiza consideravel de maneira,

213
A “Memória Econômico Politica da Capitania de S. Paulo” de autoria de seu governador Antonio Manoel
de Mello Castro e Mendonça, foi parcialmente publicada nos Anais do Museu Paulista, v. XV em 1961.
Infelizmente não conseguimos localizar onde foi publicado o restante da obra.
214
Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de São Paulo, Archivo do Estado de S. Paulo, v. 29,
p. 222.

75
Série Iniciação

que quando muito se acrescente, apenas chegará para o substituto das tres Ca-
deiras da Cidade, e para hum Professor de Grammatica Latina em Taybaté, fican-
do todas as demais Villas sem Mestres de Latim, o que se conforma com o meu
Plano, e / o que mais hé / sem os de primeiras letras que se deverião propagar, e
extender por toda a Capitania.215

O que consta é que Castro e Mendonça elaborou um plano para prover rendi-
mentos ligados à Câmara, com a finalidade de pôr em marcha seus projetos. Privados
do contato com esta parte da documentação, a única coisa que podemos concluir é
que de fato a situação do orçamento sofria com a insuficiência tanto pela arrecadação
quanto pelos possíveis desvios (como já demonstramos anteriormente).
A tabela seguinte é apresentada na “Memória Econômico-Política” e diz res-
peito aos gastos que se teriam depois da dita reforma:
MILITAR, E PHARMACO-CIRURGICA, E MAIS ESTABELECIMENTOS
LITERARIOS MENCIONADOS NESTE CAPITULO
5 Professores d’Academia Militar 120$000 60$000
5 Substitutos 60$000 300$000
2 Professores de Cirurgia 400$000 800$000
2 Substitutos 120$000 240$000
1 Professor de Botanica e Chimica 400$000
1 Professor de Pharmacia 200$000
1 Substituto 80$000
1 Secretario dos Estudos 200$000
1 Continuo 80$000
Applicação annual p.ª a Livraria 800$000
Dita p.ª as despezas do Jardim 200$000
28 Premios p.ª os alumnos das 2 Academias 48$000 1:344$000
8 Ditos para os alunmos das Aulas Menores 24$000 192$000
1 Medico p.ª a Cidade 400$000
1 Medico p.ª Parnagoá 200$000
3 Cirurgioens p.ª as Vls. da Marinha 100$000 300$000
3 Ditos p.ª as Villas d. Serra acima 100$000 300$000
Somma 6:630$000

215
MENDONÇA, Antonio M. M. de Castro. op. cit., p. 164 e 165.

76
Luzes e sombras sobre a colônia

Nesta tabela Castro e Mendonça expõe-nos os possíveis gastos com os hono-


rários dos funcionários envolvidos com a área científica após a implementação de seus
planos. Médicos, Cirurgiões, Farmacêuticos, Botânicos e outros profissionais faziam
parte deste rol de colaboradores do desenvolvimento das ciências na Capitania. Constam
também da tabela alguns prêmios que seriam distribuídos periodicamente entre os
melhores alunos, numa tentativa de proporcionar um estímulo material à frequência nas
aulas.

Sem dúvida as conclusões a que chegamos com este trabalho possuem um


caráter de parcialidade que é próprio de sua natureza, revelando-nos contudo o êxito
no cumprimento do objetivo principal desta pesquisa: situar e localizar a reforma dos
estudos no amplo panorama político e cultural que a governação pombalina represen-
tou. Apesar da ausência de um planejamento eficiente na sua implementação, não se
pode afirmar que a reforma pombalina foi mera decorrência da expulsão dos jesuítas.
Os planos de secularização da sociedade portuguesa, que tiveram nas críticas elabora-
das pelos “estrangeirados” o seu suporte teórico, já apontavam para a necessidade de
tais reformas na tentativa de superação daquele “estado mental”.
Havia portanto, uma preocupação com a renovação pedagógica. O que não
houve foi a estruturação, ao menos num primeiro momento, de uma política de refor-
mas que fosse realmente eficiente em sua implementação. O caos gerado pela expul-
são havia de ser remediado, decorrendo disso mais uma substituição (e fracassada) de
professores do que uma reforma propriamente dita. As vicissitudes políticas determi-
naram este fracasso, que só foi sanado pela materialização efetiva, num segundo mo-
mento, das preocupações pedagógicas em voga e pelo planejamento material e eco-
nômico necessário para manter o sistema educacional.
Mais uma vez São Paulo foi o grande excluído quando do início da reforma
educacional promovida por Pombal, até mesmo por sua situação política de depen-
dência. Sem dúvida a chegada de Morgado de Mateus à Capitania trouxe um fôlego
maior à sua administração e por conseqüência, ao ensino público. Todo o ideário
ilustrado de Pombal por nós analisado no decorrer do trabalho teve em Morgado de
Mateus o seu porta-voz na implementação tardia, mas efetiva, de suas medidas.
Contudo, não se pode dizer que houve uma sintonia entre os planos elabora-
dos pela Coroa e aqueles aqui implementados. Como mostramos, contradições vie-
ram à tona, advindas talvez do caráter circunstancial que as reformas aqui assumiram.
De qualquer maneira, após a administração de Morgado de Mateus verificou-se um

77
Série Iniciação

interesse constante em promover-se a manutenção e o funcionamento de escolas pú-


blicas na Capitania, o que foi seguido pela administração de Castro e Mendonça,
numa experiência até então inédita pois, até a expulsão dos inacianos, o Estado portu-
guês furtara-se de envolver-se nesta questão tanto na colônia quanto na metrópole. As
reformas pombalinas, de um modo geral, assinalaram esta passagem do ensino marca-
do pelo ranço da Igreja católica, através do monopólio jesuítico, para uma educação
laicizada na medida do possível e influenciada pelos ditames da pedagogia européia
moderna.

78
Luzes e sombras sobre a colônia

SEGUNDA PARTE

79
I - PONTOS E CONTRAPONTOS: A POLÍTICA
POPULACIONAL METROPOLITANA

A política implantada no Brasil durante o período pombalino refletia, evidente-


mente, os interesses diretos da coroa portuguesa, tendo como um dos principais pro-
pósitos a fixação da população na colônia. Na capitania de São Paulo, tal preocupa-
ção evidenciou-se principalmente durante o governo de D. Luís Antônio de Sousa
Botelho Mourão (o Morgado de Mateus, 1765-1775), que não restringiu suas ações
e reformas apenas ao campo educacional, mas teve suas atenções voltadas também
para uma política de povoamento. O objetivo principal desta segunda parte é discutir
a abrangência desta política de povoamento, voltando nosso foco sobre suas conse-
qüências no seio da família escrava, tentando entender os mecanismos legais de sua
constituição e dissolução.
Dentre as medidas pombalinas que se refletiram nas metas de Morgado de
Mateus na colônia, destacamos: o incentivo ao povoamento e à urbanização, a fertili-
zação da agricultura, a exploração territorial através do fortalecimento militar e a orga-
nização burocrática e administrativa. Na área militar, tratou do recenseamento, do
preenchimento de postos vagos, do cumprimento dos estatutos do regulamento, das
provisões de munições e da subsistência dos soldados. Na área administrativa, procu-
rou estabelecer o pronto pagamento dos credores da Fazenda Real, reorganizou a
Provedoria pelo estabelecimento de Livros de Receita e Despesa, criou a Junta, reiniciou
a questão da necessidade do estabelecimento definitivo dos limites com Minas; orde-
nou a circulação de moedas e iniciou a questão do seqüestro dos bens dos jesuítas. Na
área econômico-social fez iniciar a exploração do ferro, do plantio do algodão e de
sua tecelagem, assim como fez estabelecer a fábrica de louça em Santos, ordenou a
legalização dos títulos de propriedades de sesmarias e o povoamento da região de
Guaratuba.216
No momento, interessa-nos mais de perto a questão da urbanização e do po-
voamento. No caso de São Paulo as atividades econômicas não possuíam caráter
216
BELLOTO, H.L. O Governo do Morgado de Mateus: primórdios da restauração na Capitania de São
Paulo (1765-1775). Tese de doutoramento, São Paulo, FFLCH- USP, 1976, p. 107-113.
Série Iniciação

sedentário, ao contrário dos engenhos de açúcar e da mineração que propiciaram o


povoamento em outras regiões do Brasil. Em São Paulo do século XVIII, os habitan-
tes estavam dispersos, viviam do comércio e da prática da lavoura itinerante, exceto
em áreas circunscritas.217 As dificuldades encontradas para o estabelecimento de no-
vas vilas foram de várias ordens, incluindo-se uma relutância por parte dos paulistas
em aceitar as ordens superiores, quando as condições materiais ainda não lhes eram
favoráveis. Além da pobreza da população disponível para habitar as novas paragens,
há de se considerar as dificuldades das estradas e caminhos, as melhores possibilida-
des de rendimento que os centros já existentes proporcionavam e a falta de preparo e
motivação das autoridades encarregadas de sua administração.218
Desde o início de sua administração, Morgado de Mateus, por meio da cor-
respondência que mantinha com a metrópole, manifestou uma inquietação em relação
à dispersão populacional, que na sua opinião apresentava resultados preocupantes
sobre os habitantes, na medida em que estes não adquiriam a sociabilidade que só a
vida urbana podia estimular. Anos mais tarde, Antônio Manuel de Castro e Melo
Mendonça atribuiu o isolamento em que viviam os habitantes da capitania à grande
freqüência dos casamentos incestuosos.219
A maior parte da população paulista não era fixa, tanto a camada mais baixa
da população – que vivia fora do povoado, embrenhada pelas matas – como, nos
primeiros tempos, os de origem nobre que aqui chegaram, vinham sem mulheres e aqui
se ligavam a índias, fossem essas livres ou escravas, vivendo assim em concubinato,
prática aceita muitas vezes pela dificuldade em obter da metrópole os papéis necessá-
rios para se casarem. Entretanto, os jesuítas se opunham veementemente ao casamen-
to com as índias, como nos atestam as diversas cartas enviadas à metrópole. O ponto
de vista eclesiástico e o laico, no que se refere à política de povoamento preconizada,
evidenciam-se claramente nos dois textos abaixo:220

Parece-me cousa mui conveniente mandar S.A. algumas mulheres, que lá


tem pouco remédio de casamento, a estas partes, ainda que fossem erradas, por-
que casarão todas mui bem, contanto que não sejam tais que de todo tenham
perdido a vergonha a Deus e ao mundo.221

217
Id., ibid., p. 201.
218
Id., ibid., p. 236.
219
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de Casamento no Brasil Colonial. São Paulo, EDUSP, 1984, p. 20.
220
Id. ibid., p. 18-21.
221
NÓBREGA, Pe. Manuel da, carta de 6 de agosto de 1549. Apud SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 17.

82
Luzes e sombras sobre a colônia

Outrossim mande que os degredados que não sejam ladrões trazidos a esta
vila para ajudarem a povoar porque há muitas mulheres da terra mestiças com
quem casarão e povoarão a terra222

Aos colonos de um modo geral era interessante a vinda de mais homens,


quer para a defesa do território, quer para o desempenho dos cargos públicos; ao
contrário dos jesuítas que estavam mais preocupados com a questão da miscigena-
ção que contribuía para tirar os índios de sua tutela, e assim pediam que viessem
mulheres, mesmo que fossem de má vida. Nóbrega, numa outra carta, escrita em
italiano e enviada para Lisboa a 6 de janeiro de 1550, explicitava melhor ainda o seu
pensamento a tal respeito:

deviam vir órfãs e meretrizes, pois, residindo no Brasil portugueses de


diferentes condições sociais, os ricos se casariam com as primeiras e os outros
com as segundas.223

Durante todo o período colonial nota-se a preocupação com o aumento da


população e a vinda de povoadores; mas no início do século XIX deu-se ênfase espe-
cial à vinda de casais de ilhéus. O governador Melo Castro e Mendonça justificava,
em 1800, a necessidade de sangue novo na Capitania de São Paulo pois:

uma temperatura mais quente, uma inveterada preguiça, e inclinação à


ociosidade, algum excesso libidinoso, as moléstias que daqui provém, e algumas
endêmicas do país, tem feito estes povos pela maior parte frouxos e fracos, o que
tudo concorre para que a geração seja mesquinha e debilitada, cujo mal não tem
remédio, senão o de procurar que os casamentos se façam com pessoas vindas de
novo para este continente.224

A vinda dos casais das ilhas, além de fazer prosperar a agricultura, fator impor-
tante para o aumento da população, teria como conseqüência não só um maior núme-
ro de filhos como “indivíduos mais vigorosos e robustos.”225 Para o desenvolvimento
dos métodos agrícolas era interessante fixar a população dispersa em povoações e
vilas e, por outro lado, desenvolver os núcleos populacionais existentes. Dessa manei-
222
Oficiais da Câmara da vila de São Paulo, 1562. Apud SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 17.
223
NÓBREGA, Pe. Manuel, carta de 6 de janeiro de 1550. Apud SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 18.
224
CASTRO E MENDONÇA. Apud SILVA, M.B. Nizza. op. cit., p. 22.
225
SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 18-19.

83
Série Iniciação

ra, as políticas agrícola e populacional estavam embrionariamente ligadas, relacionan-


do-se e justificando a política de incentivo ao casamento, como aliás mostrava o go-
vernador Melo Castro e Mendonça, em 1800:

Todos os meios, que forem próprios para facilitar os casamentos também o


serão para promover a povoação.226

No contexto portanto da Capitania de São Paulo no século XVIII, seria difícil


que prevalecessem as idéias da igreja acerca da superioridade do celibato em relação
ao matrimônio. Para a igreja o casamento só era aconselhável àqueles que não pudes-
sem viver continentes, ao contrário da política da metrópole que sempre foi a de incen-
tivar o aumento da população, e portanto, enfraquecer todos os fatores que pudessem
contribuir para a diminuição dos casamentos, como por exemplo, o celibato religio-
so.227 Desta forma, a metrópole dificultava a instalação dos mosteiros na colônia, dan-
do preferência aos recolhimentos. Havia entre ambos uma diferença institucional, os
segundos eram instituições que tinham como objetivo educar e resguardar donzelas,
ser retiro espiritual para viúvas, depósito seguro para mulheres casadas na ausência do
marido, e até mesmo casa de correção. A política metropolitana impedia a criação de
novos conventos , com o objetivo de diminuir o celibato religioso feminino, incentivan-
do a fundação de recolhimentos no Brasil.228 De tal forma, pode-se afirmar que o
celibato religioso feminino praticamente não existia na capitania, algumas mulheres fa-
ziam voto de castidade, “mesmo vivendo no mundo, fora dos recolhimentos, pois apa-
recem na lista de população com a designação de beatas, em sua maioria mulheres de
idade avançada. Não se constatou a presença de beatas jovens, o mesmo ocorreu
quanto ao celibato religioso masculino que também não era digno de nota.”229
Tanto Morgado de Mateus como Castro e Mendonça apontaram, em momen-
tos diferentes, vários obstáculos para o sucesso da implementação de suas políticas de
incentivo ao casamento. O primeiro mencionava a vadiagem dos homens, as exigênci-
as da burocracia eclesiástica, a pobreza das gentes, articulando pobreza e concubi-
nato, na certeza de que a população não crescia apenas através dos casamentos
legais. Ao passo que Castro e Mendonça lembrava-se, em seu período administrativo,

226
CASTRO E MENDONÇA. Apud SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 22.
227
SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 22.
228
Id., ibid., p. 23-24.
229
Id., ibid., p. 25.

84
Luzes e sombras sobre a colônia

do atraso da agricultura e das avultosas despesas a que eram obrigados a fazer os


contraentes.230
O maior temor da população residia no recrutamento, pois dada a dificuldade
de obter homens, os governadores optavam por recrutar em primeiro lugar, além dos
vadios e vagabundos, aqueles que viviam concubinados publicamente. “Por ocasião
dos grandes recrutamentos, a igreja apressava-se a colaborar com a capitania, indi-
cando aos párocos aqueles que embora, casados, viviam em discórdia ou separados
de suas mulheres, ou aqueles solteiros que continuavam concubinados sem atenderem
as admoestações.”231 Os olhos atentos da igreja fixavam-se sobre todos os estratos
sociais, observando as práticas sexuais dos senhores aos escravos, no caso dos últi-
mos a culpa pelo pecado do concubinato cabia aos senhores, pois esses eram respon-
sáveis não apenas pela vida carnal como também espiritual dos seus cativos.232
Os que pretendiam se casar tinham de comunicar ao pároco a intenção de
celebrar o matrimônio, para que este pudesse o quanto antes fazer as denúncias em
três domingos ou dias santos. Essas poderiam ser feitas ainda que estivessem no Ad-
vento ou na Quaresma, épocas em que são proibidas as solenidades do matrimônio.
Exigiam certidões de batismo, atestados de residência, certidões de óbito do primeiro
cônjuge em casos de segundas núpcias, que nem sempre eram fáceis de se obter. “Na
Capitania de São Paulo, os bispos a partir do século XVIII, não permitiram que nin-
guém casasse sem tirar as provisões, só abrindo exceção para esta exigência no início
do século XIX, quando resolveram permitir que os escravos pudessem contrair matri-
mônio sem aquelas dispendiosas provisões”.233 Os entraves burocráticos à celebração
do matrimônio eram vários e relacionavam-se à distância dos locais de naturalidade ou
residência dos contraentes. Aqueles que vinham das metrópoles ou das ilhas sempre
se viam obrigados a apresentar justificações a fim de esclarecer certos pontos. Não
admira, portanto, que com todos esses entraves burocráticos, ainda mais complicados
pelas dificuldades de locomoção e também pela vida itinerante de muitos habitantes da
capitania, “os casais de menos posses, incapazes de encontrar um fiador ou de pagar
cauções pela falta de algum dos documentos exigidos, desistissem de contrair matri-
mônio pelo rito tridentino”.234
230
Id., ibid., p. 47-56.
231
Id., ibid., p. 46.
232
Id., ibid., p. 41.
233
Id., ibid., p. 114-5.
234
Id., ibid., p. 117.

85
Série Iniciação

Como se vê, a política populacional metropolitana tinha no casamento um forte


instrumento de consolidação, constituindo-se num “mecanismo de ordenamento social
e a família, o palco para uma revolução silenciosa de comportamentos.”235 Enfim, o
casamento apresenta-se não só como uma maneira de aumentar a população por meio
das leis da Igreja Católica, mas como dispositivo disciplinador dos colonos, tornando-
os mais assentados, ou seja, presos aos laços familiares, dificultando e evitando o
regresso à metrópole. Ajustava-se portanto perfeitamente à política de povoamento e
exploração da colônia.236

235
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil
Colônia. Rio de Janeiro-Brasília, José Olímpio-Edunb, 1993, p. 133.
236
ALGRANTI, L.M. Honradas e devotas: mulheres da colônia: um estudo sobre a condição feminina na
segunda metade do século XVIII:1750-1850, tese de doutoramento, São Paulo, FFLCH / USP, 1992, p. 74.

86
Luzes e sombras sobre a colônia

II - ALÉM DE TRONCOS E CHIBATAS: NOVOS OLHARES


SOBRE A FAMÍLIA ESCRAVA BRASILEIRA

Em face de nos últimos anos a história social da escravidão ter se debruçado


sobre a problemática da família escrava, novos estudos que emergem por todas as
partes têm sugerido o escravo como parte ativa da sociedade. “ Na verdade, tais
estudos evidenciam que escravos e senhores manipulavam e transigiam no sentido de
obter a colaboração um do outro, cada qual utilizando seus objetivos, recursos e es-
tratégias.”237
No interior deste alargamento metodológico evidenciam-se novas perspecti-
vas de análise, que não crêem na possibilidade de se elaborar uma história do escravo
apartada daquela do senhor, contraponto do escravo, a partir do qual este se define.
Da mesma forma, a apreensão dos comportamentos dos senhores de escravos passa,
também, pela consideração de suas relações com cativos, enquanto elo primordial na
concretização e funcionamento do sistema. A sociedade escravista, sem dúvida, foi
fruto da dinâmica social entre senhores e escravos. Sociedade polarizada em torno
desses dois eixos básicos, seu campo de influência não se esgotava aí, à medida que,
produzindo uma complexa rede de relações sociais, condicionou as ligações entre os
diferentes segmentos sociais, mesmo daqueles não diretamente implicados no sistema
escravista. Imbuídos nesta nova concepção do escravo como sujeito social merecem
destaque Alida Metcalf, João José Reis, Leila Mezan Algranti, Maria Helena Macha-
do, Robert Slenes e Sílvia Lara, autores que, entre outros, reavaliam as formas de
resistência escrava.
A compreensão das relações escravistas está condicionada à análise das re-
sistências dos escravos à medida que estas podem refletir os limites do poder senhori-
al. “A rigor, se considerarmos o conceito de resistência enquanto campo diferenciado
de possibilidades de oposição ao sistema escravista, não se poderá, facilmente, disso-
ciá-lo de um conceito de acomodação”.238 Nesta perspectiva podemos compreender
237
REIS, João José & SILVA, Eduardo. Negociação e Conflito: A resistência escrava brasileira. São Paulo,
Cia. das Letras, 1989, p. 16.
238
MACHADO, M.H.P.T. Crime e Escravidão: Trabalho, Luta e Resistência nas lavouras paulistas 1830-
1888. São Paulo, Brasiliense, 1987, p. 20.

87
Série Iniciação

as histórias de Zumbi, visto como a ira sagrada, o treme terra, e de “outro lado”, Mãe
Preta e Pai João, vistos como a submissão conformada. Pai João não foi a ausência de
luta, mas uma estratégia desta, pois no Brasil, como em outras partes, os escravos
negociaram mais do que lutaram abertamente contra o sistema. Trata-se do heroísmo
prosaico de cada dia pois “apesar das chicotadas, das dietas inadequadas, da saúde
seriamente comprometida ou do esfacelamento da família pela venda, os escravos
conseguiram viver o seu dia-a-dia”, conforme analisou Sandra Graham. “Relativamen-
te poucos, na verdade, assassinaram seus senhores, ou participaram de rebeliões, en-
quanto que a maioria, por estratégia, criatividade ou sorte, ia vivendo da melhor forma
possível.” Como verbalizaram os próprios escravos, no Sul dos Estados Unidos, “ os
brancos fazem como gostam; os pretos, como podem.”239
Faz-se necessário, portanto, uma análise diferenciada do conceito de resistên-
cia que permita os recortes dos espaços de autonomia conquistados pelos escravos
frente ao mundo do senhor. “A elaboração de uma ética particular do trabalho, de
valores morais independentes, a concepção de um mundo próprio a partir do qual se
deu a vivência da escravidão, caracterizaram espaços de autonomia do escravo. A
consideração da existência de elementos independentes, próprios ao escravo, permite
resgatá-lo enquanto ator social capaz de estabelecer laços coerentes em face de seus
iguais e outros grupos subalternos. Autonomia, sem dúvida, relativa, forjada nas rela-
ções orgânicas entre senhores e escravos, ocupando as brechas do domínio hegemônico
da camada dominante. Colocando-se a questão de outra maneira, pode-se dizer que a
autonomia do escravo é o espelho dos limites da dominação senhorial.”240
Integrando-nos a essa perspectiva, cabe-nos verificar as condições de realiza-
ção dos casamentos entre cativos na São Paulo setecentista, entre elas, quais etnias se
casavam e por quê, quem eram os senhores de escravos que permitiam essas uniões,
localizar a ocorrência de segundas núpcias, uniões entre cativos de senhores diferen-
tes, casamentos envolvendo testemunhas, impedimentos e justificações. Não se trata
de um estudo típico sobre família escrava, na medida em que as fontes utilizadas não
permitem verificar a condição de vida dos escravos após o casamento, ou seja, o
número de filhos, as sucessões e linhagens e desta forma apreender a manutenção ou
o esfacelamento da família. Além do mais, os estudos sobre família escrava abarcam
não apenas as uniões oficializadas pela igreja, como também as informais. Tal não é o

239
REIS, João José & SILVA, Eduardo. op. cit., p. 13-14.
240
MACHADO, M.H.P.T. op. cit., p. 20.

88
Luzes e sombras sobre a colônia

nosso caso, uma vez que restringimos nossa análise ao ato de contração do matrimô-
nio, através dos registros oficiais de casamento.
Temos que o matrimônio, como um sacramento da igreja, era incentivado entre
todos, todavia, em alguns momentos, encontramos situações em que se negava ou
desencorajava costumeiramente a união de cativos perante a Igreja. Por outro lado, os
jesuítas Antonil, Benci e o padre secular Ribeiro Rocha defendiam plenas oportunida-
des de casamento e condenavam todos os contínuos abusos do escravismo. “Nos
trabalhos dos dois jesuítas, podemos vislumbrar aqueles abusos e a defesa dos senho-
res de engenho. Os proprietários argumentavam que, quando exigiam que os cativos
casassem na igreja, o laço tornava-se permanente e, com isso, quando cansavam-se
dos cônjuges recorriam ao envenenamento, já que o divórcio era impossível. Também
afirmavam os senhores que os escravos mantinham relações ilícitas após o casamento,
o que era uma afronta à Igreja. Os proprietários aceitavam as uniões consensuais
como ocorrência da ordem natural das coisas e tendiam a não interferir a esse respei-
to ou arranjar as uniões sem a ajuda do clero.”241 Primordialmente em “A Economia
Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos”, uma reunião de sermões proferidos
por Jorge Benci na Bahia em fins do século XVII, resumem-se os preceitos da econo-
mia cristã, ou seja, a regra, norma e modelo, por onde se devem “governar os senhores
cristãos para satisfazerem às suas obrigações de verdadeiros senhores”. Benci legitima a
escravidão com base no pecado original e resume os três postulados que compõem a
regra de um verdadeiro governo: pão, punição e trabalho. Objetivando criar uma nova
consciência senhorial, Benci buscou reforçar a noção de família. Assim como pensou o
trabalho como freio à “ impudicícia dos negros”, o matrimônio foi visto como remédio
para os “efeitos e estímulos da concupiscência” tão presente nos escravos. O objetivo,
primeiro, era eliminar a prostituição das escravas, o concubinato e quaisquer relações
sexuais fora do matrimônio, pois todos, sem distinção, eram vistos como pecado. E
cabia justamente ao senhor, enquanto pai cristão, assumir a tarefa de erradicação dos
costumes.”242
Buscando a sistematização da vida na colônia, promulgaram-se “As Constitui-
ções Primeiras do Arcebispado da Bahia”, com o intuito de normatizar a vida dos

241
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: Engenhos e Escravos no Brasil-Colônia:1500-1835. São Paulo,
Cia. das Letras, 1986, p. 315.
242
VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e Escravidão: os letrados e a sociedade escravista no Brasil Colonial.
Petrópolis, Vozes, 1986, p. 125-135.

89
Série Iniciação

colonos quanto aos aspectos morais e sociais vigentes na época. Nessa coletânea de leis
arroladas, destacam-se os cânones 303 e 304 sobre os casamentos entre escravos.

“303- Conforme o direito divino e humano os escravos, e escravas podem


casar com outras pessoas captivas, ou livres, e seus senhores lhe não podem
impedir o matrimônio, nem o uso delle em tempo, e lugar conveniente , nem por
esse respeito os podem tratar peior, nem vender para outros lugares remotos, para
onde o outro por este ser captivo ou por ter outro justo impedimento o não passar
seguir, e fazendo o contrário peccão mortalmente e tomão sobre suas consciênci-
as as culpas de seus escravos, que por este temor se deixão muitas vezes estar, e
permanecer em estado de condeennação Pelo que lhe mandamos, e encorajamos
muito que não ponhão impedimentos a seus escravos para se casarem, nem as
ameaças, e máo tratamento lhe encontrem o uso do matrimônio em tempo, e lugar
conveniente, nem depois de casados os vendão para partes remotas de fora para
onde suas mulheres por serem escravas, ou terem outro impedimento legítimo, os
não possam seguir. E declaramos, que posto que se casem, ficão escravos como de
antes erão, e obrigados a todo serviço de seu senhor.

“ 304- Mas para que este sacramento se não administre aos escravos se-
não estando capazes, e sabendo usar delle, mandamos aos vigários coadjuntores,
capeellães, e quaisquer outros sacerdotes do nosso Arcebispado, que antes que
recebão os ditos escravos, e escravas, examinem se sabem a doutrina christãs, ao
menos o Padre nosso, Ave maria,Creio em Deõs Padre, mandamentos da Lei de
Deos, e da Santa Madre Igreja, e se entendem a obrigação do santo matrimõnio
que querem tomar, e se é sua intenção permanecer nelle para serviço de Deos e,
bem de “suas almas” e adiado que a não sabem, ou não entendem estas cousas, os
não o recebam até as saberem, posto que seus senhores o contradigão, tendo
primeiro as diligências necessárias e as denunciações decorrentes, ou licença
nossa para os receber sem ellas, a qual lhe daremos, constatando que se lhes
impedio o matrimônio fazendo-se as denunciações antes de se receberem. E con-
formando-nos com a Bulla do Papa Gregório XII, dada em 25 de Janeiro de 1.585,
mandamos que todos os Parochois, quando receberem alguns escravos dos nova-
mente convertidos, em que haja suspeito de que estão casados na sua terra(posto
que não sacramentalmente) com eles dispensem no dito antigo matrimônio”.243

De caráter ambíguo, as “Constituições”, por um lado, fortaleciam o sistema


escravista na medida em que afirmavam que casamento não significa alforria; por ou-
tro, determinavam que os escravos deveriam poder se casar sem estorvos ou ameaças,

243
VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. 1853, p. 125-126.

90
Luzes e sombras sobre a colônia

e que após a realização do matrimônio, os mesmos não deviam ser separados em


virtude de transações econômicas.
A Igreja, burocraticamente, exigia dos escravos o mesmo que para os homens
livres, no entanto, a grande mobilidade geográfica imposta pela condição da escravi-
dão poderia dificultar ainda mais a união. Na maioria das vezes os noivos moravam em
um lugar distante de onde nasceram e foram batizados. Tal fator dificultava a realização
dos banhos, ou seja, as denunciações que deveriam vir a público durante três domin-
gos seguidos ou dias santos, na freguesia onde ocorria o casamento e onde os escra-
vos tinham residido “depois de chegar a idade casadoura (14 anos para os homens e
12 para as mulheres). As denunciações exigiam um dispêndio de dinheiro, que poderia
ser feito por poucos. Alguns senhores de escravos alegavam ser muito pobres e pedi-
am dispensa da publicação dos banhos.”244
Quanto a etnicidade dos contraentes foi possível a sistematização que remon-
ta-nos a situação das Minas Gerais onde os escravos africanos podiam ser divididos
em dois grandes grupos: Bantos e Sudaneses. Dentre os Bantos revelaram-se impor-
tantes para o contexto mineiro da época, os Congos, Benguelas, Angolas e Monjolos
e quanto aos Sudaneses destaca-se a importância dos Minas. 245

Tabela 1- Sexo e origem étnica dos escravos nubentes


Origem Homens Mulheres Total
Angola 7 5 12
Benguela 2 3 5
Mina - 1 1
Guiné 35 23 58
Crioulo 47 59 106
Não-Identificada 9 9 18

Para São Paulo, através da tabela acima, verificamos que a maioria dos nubentes
eram crioulos, ou seja, tratavam-se de escravos nascidos no Brasil. Entre os crioulos
que se casaram há uma predominância feminina. Com relação aos escravos africanos,

244
SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p.143
245
VIDAL LUNA, Francisco. Minas Gerais: Escravos e Senhores. São Paulo, IPE, 1981, p. 66.

91
Série Iniciação

os grupos étnicos identificados foram: Angolas, Benguelas, Minas e Guiné. Os Africa-


nos vindos da Guiné predominaram em termos quantitativos sobre os demais grupos,
em segundo lugar ficaram os Angolas, seguidos dos Benguelas e Minas. No caso dos
Angolas e dos Guinés o número de homens era superior ao número de mulheres, o
mesmo não ocorrendo com Benguelas e Minas onde número de mulheres sobrepu-
nha-se ao número de homens.246 Com relação às preferências étnicas dos escravos no
momento da escolha do companheiro, temos:

Condição étnica dos contraentes -S ão


P aulo-s éculo XVIII

25%
34% E ntre Africanos

E ntre Crioulos

E ntre Africanos e
Crioulos

41%

(Fonte: Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo. Livros de Processo de Casamento,


São Paulo, séc. XVIII).

O gráfico demonstra-nos que 25% das uniões ocorriam entre africanos, tal
fator nos conduz a crer num desejo de manutenção da origem étnica através do casa-
mento, como exemplo temos Antônio e Ana, ambos de nação Angola. O mesmo
ocorreu quanto às uniões mistas, 34% envolvendo crioulos e africanos, incluindo-se
neles Clementino e Izabel, ele crioulo e ela do gentio da Guiné. Finalmente com 41%
das uniões ficavam os crioulos, entre eles, Alberto e Benedita, reforçando a nossa
crença no desejo de manutenção da origem étnica. No entanto, “seja como for, não

246
O fato de outras etnias africanas não serem citadas não significa que não se casavam também, apenas
reafirmamos que não localizamos registros em nossos documentos.

92
Luzes e sombras sobre a colônia

podemos pensá-los como um bloco homogêneo apenas por serem escravos. As riva-
lidades africanas, as diferenças de origem, língua e religião, tudo o que os dividia não
podia ser apagado pelo simples fato de viverem um calvário comum.”247
Podemos identificar qual a parcela de senhores de escravos que promoviam o
enlace através da observação do quadro abaixo. Os dados coligam-se aos obtidos
para a região mineradora onde as atividades dos senhores de escravos relacionam-se
a patentes militares e à religião.

Tabela 2- Sexo e ocupação dos senhores de escravos

Ocupação Homens Mulheres Total


Militares 11 - 11
Religiosos 10 - 10
Não definida 62 17 79

A maioria dos senhores de escravos possuía uma ocupação não definida, ou


seja, eram pessoas que viviam de seus negócios, expressão que não explicita bem a
função desenvolvida. Foi possível constatar a situação de militar ou religioso. O mes-
mo ocorreu com relação às mulheres, pois além da situação de proprietárias de escra-
vos não foi possível localizar outra atividade. Podemos dividir, portanto, os senhores
de escravos paulistanos quanto à ocupação e ao sexo em três grandes grupos: milita-
res, religiosos e mulheres.
Destaca-se neste ínterim a participação feminina pois os escravos tinham como
proprietárias mulheres viúvas, moças solteiras e muitas vezes mulheres sem sua condi-
ção marital identificada. Isso significa que não somente as mulheres pobres participa-
vam expressivamente da sociedade como também as mulheres ricas. É o caso de D.
Maria de Anunciação que realizou o casamento de seus escravos Anacleto e Catarina,
ambos crioulos248, o mesmo tendo ocorrido com D. Ana Maria de Camargo, que
realizou o casamento dos seus escravos Lourenço e Tereza, sendo a noiva considera-

247
REIS, João José & SILVA, Eduardo. op. cit., p. 20.
248
Anacleto e Catarina ambos crioulos, sendo a noiva filha de Antonio, mina, já defunto, e de sua mulher
Maria, de nação benguela, o noivo filho de Miguel, mina e de sua mulher Izabel, mina, casaram-se no dia 06
de junho de 1743. Destaca-se nesse processo a origem étnica dos contraentes, pois ambos são crioulos.
Verificamos que a origem étnica de ambos os pais de Anacleto é mesma que a do pai já defunto de Catarina.

93
Série Iniciação

da mulata.249 Em Minas Gerais, temos situação similar pois “ nos vários anos e locali-
dades mineiras, ocorreu franco predomínio masculino, entretanto, ao longo do século
XVIII e início do século XIX, nota-se uma relativa tendência ao equilíbrio. De uma
primeira fase ainda consolidada da atividade e na qual o espírito de aventura levava à
preponderância masculina nos centros mineratórios, vê-se que lenta, mas persistente-
mente, as mulheres ampliaram sua participação no segmento dos proprietários de
escravos.”250 Quanto ao funcionamento das propriedades dirigidas por senhores ricos
e/ ou religiosos nelas as uniões escravas eram mais estáveis, o mesmo não ocorria em
áreas pertencentes aos senhores pobres.251
Quanto às uniões escravas nem sempre essas ocorriam entre escravos de um
mesmo senhor, apesar de esse ser o fator predominante, como demonstra o gráfico a
seguir. Registramos a ocorrência de uniões envolvendo escravos de senhores dife-
rentes; quanto à vida comum “era improvável que vivessem juntos em uma fazenda,
mas sim que ambos os senhores tivessem propriedades na mesma paróquia.”252 Foi o
caso de Bonifácio e Clara, ele escravo de Antonio Brito e ela escrava de Miguel
Fernandes de Oliveira; como estes, destacam-se ainda Diogo e Josefa, ela escrava de
Ignes Da Cunha e ele, escravo do Sargento Mor Manuel de Carvalho. Tais relações
não eram bem vistas pelos proprietários, por isso apenas 4% das uniões referem-se a
casamentos entre escravos de senhores diferentes. Silvia Lara nos relata que no Rio de
Janeiro em fins do século XVIII e início do XIX casais de escravos pertencentes a
senhores diferentes fugiam, objetivando ficarem juntos.253 O mesmo é dito por João
José Reis ao afirmar que “muitas fugas, tinham por objetivo refazer laços afetivos
rompidos pela venda dos pais, esposas e filhos, pois quando a negociação falhava, ou
nem chegava por intransigência senhorial ou impaciência escrava, abriam-se caminhos
de ruptura. A fuga era um deles. Os escravos fugiam pelos mais variados motivos:
abusos físicos, separação de entes queridos por vendas ou transferências inaceitáveis
249
Até os últimos anos do século XVII, o termo preferido em alusão a índios era negro, cedendo lugar a termos
decorrentes de uma crescente presença de africanos nos plantéis paulistas. Assim, surgiram expressões
como: gentio do cabelo escorrido, administrados, servos, pardos e, finalmente carijós. Os termos possuem
variações no decorrer do tempo; a palavra mulato não tinha para a época o significado atribuído nos dias
atuais.
250
VIDAL LUNA, Francisco. op. cit., p. 130.
251
METCALF, Alida. “Vida familiar dos escravos em São Paulo no século XVIII, o caso de Santana do
Parnaíba.” Estudos Econômicos. São Paulo, v. 17, no 2, p. 229-243, maio-ago 1987, p. 232.
252
Id., ibid., p. 238.
253
LARA, Sílvia. Campos da Violência. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, p. 240.

94
Luzes e sombras sobre a colônia

ou pelo simples prazer de namoro com liberdade (...)”254. Por sua vez, Emília Viotti nos
diz que: “a maior parte dos crimes cometidos nos últimos anos da escravidão tinha por
origem as revoltas dos negros contra castigos recebidos por eles ou por pessoas de
sua família. Em 1887, na Fazenda Pântano, um escravo assassinou a proprietária por
lhe ter castigado a mulher. Em Batatais, aproximadamente na mesma época, uma preta
assassinara o senhor. Realizadas as sindicâncias, encontrou-se na fazenda um escravo
amarrado, na posição de crucificado. Era o marido da criminosa.”255

T ipologia dos S enhores de


es cravos

4%

S enhor
Comum

S enhor
diferente

96%

(Fonte: Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo. Livros de Processo


de Casamento, São Paulo, século XVIII)

Retomando a questão da política matrimonial, esta deveria ser séria e não per-
mitir enganos, principalmente para os escravos, possuidores de uma grande mobilida-
de geográfica; a Igreja, de modo algum, poderia permitir casos como bigamia, incesto

254
REIS, João José & SILVA, Eduardo. op. cit., p. 66.
255
COSTA, Emília Viotti. Da senzala a colônia. São Paulo, DIFEL, 1976, p. 310.

95
Série Iniciação

e outros para não ferir a legitimidade do casamento, “sugerido” à sociedade como um


todo (brancos e negros). A forma encontrada para esse controle foram as chamadas
diligências, ou seja, todas as pessoas que desejassem se casar teriam suas vidas
investigadas antes da realização do casamento. Foram estabelecidas normas determi-
nando a possibilidade ou impossibilidade da realização do matrimônio, designadas
como “impedimentos”. Esses podiam ser classificados em dois tipos: os impedientes e
dirimentes.256 Estavam expostos aos impedimentos não apenas os escravos com tam-
bém os brancos e mestiços da sociedade colonial.
A trama dos impedimentos era de tal forma complexa que a própria Igreja
tinha consciência da necessidade de a tornar conhecida, quer por escrito, quer oral-
mente. Lemos nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia: “Para que nos-

256
“impedientes: Os que impediam o matrimônio, caso o mesmo ainda não tivesse sido realizado. Todavia se
o casamento já tivesse ocorrido, o impedimento descoberto não constituía motivo para anulação. dirimen-
tes: São os que, além de impedir o casamento, caso a razão desse impedimento fosse descoberta e
comprovada, era motivo de anulação.”
“Constituem Impedimentos impedientes: Proibição eclesiástica restrita a determinado tempo; voto
simples de religião ou castidade, promessa de casamento a outrem”.
“Com relação aos impedimentos dirimentes, são um total de 14, sendo dois deles de ordem religiosa:
Celibato clerical, ou seja, os membros da Igreja, não podiam se casar; proibição de casamentos mistos de
religião. Os cristãos podiam apenas se casar com Cristãos; ausência de um pároco e de testemunhas; o
rapto;o uso da força, da coação, para o casamento; insuficiência física para a cópula; a condição de escravo,
quando desconhecida de um contraente livre.”; “a cópula com os consanguíneos do consorte até o quarto
grau; promessa de casamento a alguém, o que impede o casamento com parentes de primeiro grau da
pessoa;o estabelecimento de laços de parentesco como batismo, crisma e adoção impedem e anulam o
matrimônio; mesmo quando solteiro, a relação estabelecida ilicitamente gera afinidade até segundo grau
com parentes consanguíneos da pessoa a qual se manteve a relação.” “A promessa de casamento, por si só,
às vezes constituía-se um impedimento impediente, ou dirimente, quando ocorreu com um parente de
primeiro grau da pessoa com a qual iria se casar. Temos como exemplo : João fez promessa de casamento
a Maria, não podendo portanto se casar com sua irmã., ou mãe, mesmo que Maria seja falecida ou o
desobrigue da promessa.”
“Os contraentes podiam ser dispensados do impedimento dirimente pelo Bispo. Para isso a união devia
enquandrar-se nos seguintes casos: matrimônio contraído publicamente; impedimento oculto; um dos
contraentes tivesse casado de boa fé; houvesse grande inconveniente na separação dos dois; fosse díficil o
recurso ao papa; perigo de Incontinência; caso o impedimento fosse oculto e realizado in face eclesiae, o
matrimônio poderia ser revalidado sem a presença de um pároco e testemunhas. Em casos de parentesco,
era necessário obter dispensa antes de promover a revalidação, porém, nos casos de erro de condição,
bastava que o contraente, que desconhecia a condição de escravo do outro, declarasse o desejo de manter
a união.” (COSTA, R.R. 1986)

96
Luzes e sombras sobre a colônia

sos súditos tenham bastante notícia tanto dos impedimentos , que impedem o matrimô-
nio como os dos que não impedem, mas os dirimem depois de contraído e para se
evitarem os danos, que podem resultar de sua ignorância, nos pareceu muito importan-
te ao serviço de Deus e bem das almas de nossos diocesanos, declará-los na presente
Constituição.” Mas, como o texto escrito não era considerado suficiente para divulga-
ção dos impedimentos no Brasil, onde a circulação dos impressos era muito restrita e
onde a porcentagem de analfabetos era grande, recomendava-se ainda aos párocos
sua leitura ao povo, duas vezes por ano, sob pena de uma multa de 1$000 réis para
aquele que não a fizesse.257
Quanto às dispensas aos impedimentos, a posição do Concílio de Trento em
relação à concessão de dispensas parece ter sido muito mais rígida do que aquela que
depois se observa no Brasil colonial: “Em contrair matrimônios, ou se não conceda
dispensa alguma, ou rara: e esta com causa, e de graça. No segundo grau nunca se
dispense, senão com grandes príncipes e causa pública. O poder de dispensar dos
impedimentos residia no papa, mas este podia delegar, em casos urgentes, ou aos
bispos, ou ao comissário geral da bula da cruzada, ou ao núncio apostólico: e desde o
início da colonização no Brasil, os jesuítas lutaram, devido às condições locais, para
que lhes fosse atribuído o poder de dispensar, pelo menos em relação a alguns impedi-
mentos, como os de afinidade e consangüinidade”258 A simplificação do processo das
dispensas só ocorreu no fim do século XVIII, quando, pela bula Magnam Profecto
Curam, expedida em Roma a 26 de janeiro de 1790, o papa Pio VI concedeu aos
bispos do Brasil o poder de dispensar gratuitamente em todos os graus de parentesco
(exceto o primeiro de consangüinidade, quer em linha direta, quer em linha transversal,
e o primeiro de afinidade em linha direta apenas). Só que como denunciava o gover-
nador da Capitania de São Paulo, em 1800, o bispo e seu vigário geral, desprezando
as palavras do documento papal, feita no interesse geral da sociedade para promover
casamentos, utilizou-a como uma fonte de lucro. Desta forma, aos obstáculos econô-
micos à celebração do matrimônio acrescentava-se o custo dos processo de dispensa,
mais as provisões, mantendo assim no concubinato, esporádico ou contínuo, uma grande
parte da população. Por sua vez, as petições dos contraentes seguem um modelo
uniforme, divulgados pela própria Igreja. Eram mais freqüentes os seguintes:

257
SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 128.
258
Id., ibid., p. 128-131.

97
Série Iniciação

1- se uma donzela pobre quer casar um parente seu receber por mulher, e não a
recebendo ficará ela sem tomar estado;
2- o conservar em uma família sucessão, ou muita riqueza, como se a mulher ficou por
herdeira e é conveniente para este fim, que se case com consangüíneo;
3- o bem comum da paz entre as províncias ou reinos, ou alguma república ou família
grande;
4- não achar-se na pátria da mulher outra pessoa igual, senão um parente seu;
5- o ser benfeitora da Igreja a pessoa que pede, ou para quem se pede a dispensa
6- o dar-se alguma soma de dinheiro
7- o revalidar matrimônio contraído invalidamente, por evitar escândalos ou perigo de
incontinência;
8- o ser pedida a dispensa por grandes príncipes, pelos quais se entendem algumas
pessoas notáveis ou opulentas.259

Tabela 3- Classificação dos Impedimentos presentes nas uniões escravas

Impedimentos 1.700-1750 1750-1800 total


Promessa de
casamento a outrem 1 - 1

Cópula ilícita 1 2 3
Consangüinidade - 1 1

No interior da comunidade escrava, cabe exemplificar que Antônio e Roza ,


ele viúvo, africano de nação Angola e a noiva, originária da Costa da Mina, ambos
escravos de Izabel Paes de Barros não podiam se casar pois estavam impedidos por
promessa de casamento a outrem. Em primeiro lugar saiu um impedimento quanto a
noiva, pois esta já havia prometido casamento a um outro escravo, de nome Estevão,
ambos já haviam vivido juntos e a noiva terminara a relação sem lhe dar maiores satis-
fações. Ao depor Estevão declarou não querer mais se casar com Benedita, desistindo
dessa forma dos esponsais para que ela pudesse se casar com Antônio; o mesmo fez
a noiva; ao depor afirmou ter respondido a Estevão que apenas aceitaria casar-se
com ele, caso houvesse o consentimento de sua senhora.

259
Id., ibid., p.133.

98
Luzes e sombras sobre a colônia

Quanto a Antônio, este também estava impedido por ter prometido casamento
a duas outras escravas. A primeira tratava-se de Esperança escrava de Joam Ignácio
Caminha e a outra Catarina, escrava de Joam da Rocha do Canto. Antônio declarou
que não se casou com Esperança porque o casamento não se celebrava logo, sendo
assim desistiu. Quanto a Catarina não foi possível se casar por três motivos, a enume-
rar: Antonio estava estava impedido por promessa de casamento com Esperança, não
sentia afeição por Catarina, e além do mais esta fugira de seu senhor há cerca de cinco
meses.
Considerando que Estevão e Benedita já viviam juntos e que ela ao ser inqui-
rida respondeu ter dito a este que apenas se casaria com ele caso sua senhora assim o
permitisse. Por que Estevão foi vendido e em seu lugar comprado Antônio? Teria tido
a senhora o interesse de separá-los ou apenas efetuou uma transação econômica? Tal
situação lembra-nos a sociedade baiana, onde “ para o escravo que desejava casar-
se segundo os preceitos da igreja, a escolha do cônjuge o mais das vezes não era feita
livremente.”260 Teria sido esse o caso de Antônio e Benedita?
A questão dos impedimentos não se restringia somente a casos de promessa
de casamento a outrem como faz observar a tabela, “O pedido de dispensa, não por
consangüinidade mas por afinidade, surge na Capitania de São Paulo, sob duas for-
mas: ou por cópula lícita e neste caso as petições eram geralmente apresentadas por
viúvas em difícil situação econômica que pretendiam casar-se com parentes do primei-
ro marido; ou por cópula ilícita e estes casos eram muito freqüentes entre as camadas
populares, quer se tratasse de brancos, libertos ou escravos. Os homens em geral
tinham relações sexuais com alguma irmã da noiva, ou mesmo com a mãe desta; e
nesses grupos mais desinibidos sexualmente, também era comum as mulheres copula-
rem com parentes daqueles com quem pretendiam casar-se. ”261 Foi o que aconteceu
com Agostinho e Mariana, ambos africanos da Guiné. Mariana teve relações com o
meio-irmão de seu marido, Vitorino. Por sua vez, ambos são dispensados do impedi-
mento pois a Igreja Católica possuía um modelo ideal de família: pai, mãe e filhos
nascidos dessa união. Reconhecer a legitimidade de um meio-irmão era aceitar como
família, local sagrado para o pleno desenvolvimento da educação e da moral, um lar
visto por muitos como “pecaminoso”. Situações como essa sugeriam a ocorrência de
adultérios e concubinatos, práticas muito freqüentes e extremamente combatidas pela
Igreja da época.
260
SCHWARTZ, Stuart. op. cit., p. 317.
261
SILVA, M.B. Nizza da. op. cit., p. 137.

99
Série Iniciação

Situação similar foi vivenciada por Julião e Jacintha, ambos crioulos. Jacintha
teve cópula ilícita com Antônio e Félix, respectivamente pai e irmão de Julião, dessa
forma estavam os noivos com um impedimento dirimente não podendo se casar. No
entanto, alegando que os escravos viviam concubinados há mais de 10 anos em públi-
co escândalo, contrariando as leis divinas, foi concedida a dispensa.262 Verificamos
através dos argumentos utilizados a estabilidade da família escrava. Simultaneamente a
tais evidências o fato de ter já ter mantido relações sexuais com o futuro sogro e
cunhado é visto sob estereótipos racistas, contrários a nossa perspectiva, pois apre-
sentam o modo de viver escravo como um ato desorganizado, onde imperava a de-
vassidão e as ofensas a Deus e à moral. No entanto, casos como esses ocorriam na
sociedade como um todo, tendo um número maior de evidências nas camadas mais
pobres, indiferente da cor.
No interior da comunidade escrava, além dos casos de promessa de casamen-
to a outrem e cópula ilícita, percebemos ainda a questão da consangüinidade
exemplificada através de Gonçalo e Francisca, ela filha de Antonia e Gonçalo, filho de
Domingas, duas escravas irmãs. Estavam desta forma impedidos de se casar por
serem primos, e apresentarem impedimento de consangüinidade em segundo grau.
Vejamos, um fragmento do processo:

“Dizem os oradores Gonçalo e Francisca, escravos de Manoel da Silva


Reys, naturais e moradores da Freguesia de Guaratinguetá deste Bispado,
que(ileg.) ajustados para se cazarem na forma do Sagrado Concílio
?Tridentino(ileg.) podem fazer sem(ileg.) serem dispensados(ileg.) no segundo
grao de Consanguinidade sejam impedidos, para(ileg.)

(ileg.) Antonia e Domingas, escravas irmãs e que daquella nasceu o ora-


dor Gonçalo e desta nasceo Francisca o oradora.

262
Esse processo, originário do Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, é classificado como registro de
casamento, todavia, observamos que a data inicial do processo é 22 de Fevereiro de 1798 e a data da
sentença final, dispensando os noivos do impedimento, é 22 de Maio do mesmo ano, ou seja, entre a data
inicial e a final, há um espaço de três meses, conseqüentemente não é possível ter ocorrido o casamento no
mês de Fevereiro pois os noivos ainda encontravam-se impedidos. Portanto, acreditamos que a data
apresentada é a data da petição de dispensa de impedimento, não tendo sido localizada a data da realização
do casamento ocorrido após o decreto da sentença final de impedimento.

100
Luzes e sombras sobre a colônia

(ileg.) Que o orador por fragilidade humana e sem animo algum (ileg.) a
despensa teve cópula carnal com a oradora e a levou de sua eonra e por isso so
casando o orador fica reparado seu (ileg.) e satisfeita a Eonra.

(ileg.) Os oradores sam escravos e dependentes(ileg.) e como ambos sam


de hum senhor e(ileg.) poderás viver em ofença de Deos (ileg.) querem cazar.
(pág.1/25)

Neste caso, os laços familiares vão além do pai e da mãe, havendo uma rela-
ção entre primos, irmãos, tios e sobrinhos, suportada pelo regime escravista. Tais
evidências não apontam o contexto específico da escravidão na Capitania de São
Paulo. Para a Bahia, “a localização dos membros de uma mesma família, no caso de
não terem chegado juntos ou de terem sido separados no momento da venda, não
devia ser muito difícil numa cidade como Salvador, especialmente entre as nações mais
numerosas. Havia uma tendência natural entre os escravos ladinos e os libertos de se
aproximarem dos recém-chegados de sua terra e os contatos iam se multiplicando
mesmo entre os indivíduos que viviam em freguesias distintas uma das outras. Uma
rede de informações estava permanentemente em funcionamento nos cantos e nos
mercados de Salvador, fazendo circular as notícias por toda a cidade e também pelas
redondezas entre cangas tabuleiros e cadeirinhas-de-muar, um processo que reco-
meçava a cada vez que um navio atracava trazendo novo carregamento de escravos.
Tudo indicava que essa mesma rede era ativada para buscar informações sobre o
paradeiro de escravos novos, que tinham sido separados dos seus, vendidos a pro-
prietários diferentes. Para muitos a separação seria definitiva, bastando para tanto que
seu destino tivesse sido seguir para o interior. Mas os que ficavam em Salvador ou em
suas redondezas teriam sempre a possibilidade de algum dia saber notícias ou reen-
contrar seus parentes.” 263
Apresentados os impedimentos, verificamos que para a realização do casa-
mento havia a necessidade das justificações, que tinham em sua maioria relação com o
batizado dos escravos, pois sem essas não eram aceitos na comunidade da Igreja.
Quanto ao batismo cristão sabemos que “a sua prática data dos dias mais remotos da
religião cristã; começou com a imersão de Cristo por João. Nos dois mil anos intervientes
o significado teológico adotado foi elaborado e transformado, mas desde pelo menos

263
OLIVEIRA, M.I. de. “Viver e morrer no meio dos seus”. Revista USP – Dossiê Povo Negro. São Paulo,
no 28, p. 174-193, dezembro/janeiro/fevereiro 95-96, p. 178.

101
Série Iniciação

o século III o batismo significa a purificação do pecado original. A presença dos


padrinhos para assistir, validar e representar o batizando no ritual não é tão antigo
como o próprio batismo, mas também este costume tem uma longa história. Que os
termos padrinho e madrinha, por exemplo, tenham também aparecido no século II
sugere que esses personagens existiam antes desse período.”264
A Igreja requeria para seus registros uma quantidade mínima de informações
para um determinado batismo. Devia ter o nome do batizando, dos pais e dos padri-
nhos. O nome dado no batismo devia ser um nome cristão ou de um santo. Tão impor-
tante quanto isso, a Igreja requeria que os padrinhos potenciais tivessem as qualifica-
ções necessárias ao encargo; antes de ser permitido assumirem suas funções, os padri-
nhos deviam declarar terem sido batizados e serem membros da Igreja. Além dessa
auréola de informações religiosas, a Igreja pouco exigia.265 A relação Igreja e escra-
vidão e a não escolha dos senhores como padrinhos foi resultado direto de um conflito
entre essas instituições. Cada uma implica um tipo diferente de relação; quando as
duas se encontram no singular evento do batismo, só podia haver silêncio e
estranhamento, e não superposição. O batismo cria, acima de tudo, uma relação espi-
ritual; este é o vínculo “pensado” que une batizando e padrinhos. “O laço expresso
significa ou indica esta dimensão invisível. O compadrio é um vínculo não do corpo, ou
da carne, ou da vontade, mas sim a associação ou solidariedade, através da comunhão
de “substância espiritual”. Para a Igreja o compadrio significa relação espiritual.”266
Por sua vez, a relação com a escravidão é oposta, visto que o batismo assinala ou
marca algo oposto a escravidão: igualdade, humanidade, libertação do pecado. Desta
forma, podemos compreender que “ o batismo de escravos representa uma ameaça à
escravidão, enquanto a escravização do batizando é uma contradição potencial para a
Igreja. Cada relação promove em parte o que a outra não é. O batismo de escravos
une relações incompatíveis, senão contraditórias. A resolução desta incompatibilidade
não foi abolir a escravidão ou o batismo, embora a contradição eventualmente contri-
buísse para a extinção da escravidão. Pelo contrário, as relações realmente conflitantes

264
GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. “Purgando o pecado original; compadrio e batismo de
escravos na Bahia no século XVIII.” in REIS, João José (org.). Escravidão e Invenção da Liberdade. São
Paulo, Brasiliense, 1988, p. 33.
265
Id., ibid., p. 39.
266
Id., ibid., p. 41-42.

102
Luzes e sombras sobre a colônia

foram mantidas separadas. Através dos batismos as relações espirituais definiam parte
da individualidade dos escravos.” 267
Em Casa Grande & Senzala, Gilberto Freyre enfoca a família escrava através
da análise de testamentos e inventários do século XIX, onde refere-se aos batizados
de escravos: Na maior parte das casas-grandes sempre se faz questão de negros
batizados, tendo-se uma como repugnância supersticiosa a “pagãos” ou “mouros” dentro
de casa, fosse embora simples escravos. E os testamentos e inventários do século XIX
referem-se freqüentemente a negros casados: Fulana, mulher de Sicrano. Diz-nos
Perdigão Malheiro que houve senhoras, de tal modo interessadas no bem-estar dos
escravos que levavam aos próprios seios mulequinhos , filhos de negras, fallecidas em
conseqüência de parto, alimentando-os do seu leite de brancas finas; que nos enge-
nhos e fazendas vários escravos chegavam a unir-se pelo casamento, vivendo assim
em família, com certas regalias que os senhores lhes conferem. “Esses negros batizados
e constituídos em família tomavam em geral o nome de família dos senhores brancos:
daí muitos Cavalcanti, Albuquerques, Mellos, Mouras, Wanderleys, Lins, Carneiros
Leões, virgens do sangue ilustre que seus nomes acusavam. No Brasil, ainda mais do
que em Portugal, não há meio mais incerto e precário de identificação de origem social
do que o nome de família.”268
Desta forma, verificamos a importância do batismo no contexto da sociedade
colonial brasileira, temos que os escravos oriundos de Angola, em fins do século XVIII,
já haviam sido batizados em massa antes de embarcar para o Brasil. O mesmo não
ocorria com os escravos provenientes da Costa da Mina, os senhores tinham prazo de
um ano para apresentar esses escravos para o batismo na igreja paroquial pois “pa-
gão” era um dos piores epítetos que um cativo podia chamar a outro, e o africano
recém-chegado logo descobria que de fato, ele era considerado um bruto, “sem nome”,
inferior tanto pelo senhor como também pelos demais cativos.269 No entanto, o impacto
e o significado do casamento e do batismo podem ter sido consideravelmente diferentes
para os africanos, portugueses e seus respectivos descendentes nas colônias. Não
obstante, dada a dificuldade de penetrar no mundo interior do cativo, “o casamento e
o batismo são duas portas de entrada que prometem algum retorno.”270

267
Id., ibid., p. 43.
268
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. op. cit., p. 327.
269
SCHWARTZ, Stuart. op. cit., p. 334.
270
Id., ibid., p. 310.

103
Série Iniciação

Em conclusão, esse exame do compadrio leva-nos à questão da circunscrição


e das limitações de parentesco no âmbito das restrições da escravidão. Como a lei
canônica proibia o casamento ou relacionamento carnal entre os padrinhos e os pais
da criança, a escolha de um escravo da mesma propriedade, especialmente em fazen-
das de cana ou unidades menores limitaria futuras possibilidades de matrimônio. Os
senhores procuravam circunscrever os contatos dos cativos aos limites da proprieda-
de, impedindo casamentos com escravos de outras propriedades e, em alguns casos
tentando evitar a participação em irmandades ou em batizados fora de suas terras. Os
grandes engenhos podem ter obtido algum êxito nessa política.271
Por sua vez, a questão da delimitação do universo social escravo ocorreu em
toda colônia. Na região das Minas Gerais , que no século XVIII sofreu a corrida pelo
ouro, deu-se de forma rápida o povoamento. A pobreza de alguns, a imprevidência de
outros, a concentração de esforços na atividade extrativa, a dificuldade de acesso à
zona mineradora e sua localização em zonas despovoadas trouxeram como conseqüên-
cia uma insuficiência inicial de gêneros alimentícios e inclusive duas grandes crises de
fome (1697/1698 e 1700/1701). Nesses anos esgotaram-se totalmente os gêneros e
muitos dos pioneiros necessitaram abandonar suas terras e dispuseram-se em busca
de alimentos; evento que provavelmente contribuiu para descoberta de novas áreas
auríferas. Houve uma migração descontrolada do elemento livre e o envio maciço de
escravos, afetando até mesmo as demais atividades econômicas da colônia, entre elas
o enfraquecimento militar e a economia açucareira.272 No entanto, no século XVIII
Minas representou o centro catalisador da colônia, ali se concentrava uma socieda-
de com elevado poder de compra, tanto pela densidade populacional como pela
relativa pulverização da riqueza gerada, onde não havia apenas espaço para a mine-
ração mas também para o desenvolvimento de tarefas paralelas, como o artesanato e
o comércio.273
Neste contexto, O Conde de Assumar, mandatário do governo seguinte, atra-
vés de um bando de 1719, impedia a concessão de alforrias aos escravos e proibia
que pessoas negras, mesmo forras, possuíssem escravos ou fossem padrinhos de ba-
tismo ou matrimônio de outros negros. Se foi estabelecida uma lei com o intuito de

271
Id., ibid., p. 334.
272
VIDAL LUNA, Francisco. op. cit., p. 11-12.
273
Id., ibid., p. 17-19.

104
Luzes e sombras sobre a colônia

evitar as situações citadas, isso significa que as mesmas não eram incomuns, ou seja,
estavam presentes no cotidiano das pessoas. Tratava-se de uma política administrativa
que demonstrava uma preocupação com o desenvolvimento das relações sociais en-
tre os negros, apontando assim, a existência de uma solidariedade entre a massa ne-
gra.274
Legitimada a importância do batismo na sociedade colonial tanto para livres
como para escravos, verificamos que as justificações tanto as de batismo quanto as de
menor idade e óbito faziam parte do processo matrimonial , em decorrência dos impe-
dimentos. Ocorriam em geral quando não se sabia ao certo a idade e /ou filiação de
um ou ambos os noivos, havendo assim a necessidade da apresentação da certidão de
batismo, caso essa não fosse localizada era apresentado nos autos do processo o
depoimento de testemunhas.

Tabela 4- Tipologia das Justificações- São Paulo-1700-1800

Justificações 1700-1750 1750-1800 total


Batismo 5 9 14
Menor Idade 1 5 6
Óbitos - 7 7

Cabe-nos citar Jeronymo e Victorina, ele filho de Ana e de pai incerto, cuja
justificação de batismo275 ocorreu através do depoimento de três testemunhas.

Anna Rodrigues, preta forra, cazada, natural desta cidade(ileg.) freguesia


vive de sua lavoura em companhia de seu marido, de idade que diz ser de cincoenta
anos mais ou menos testemunha jurada aos Santos Evangelhos na forma devida
sobre a quao prometeo dizer a verdade do que lhe for pergun-tado(ileg.), isto
consta me dice ser(ileg.) do justificante
E sendo inquirida sobre petição ao justificante seja pela razão de ser tia
do mesmo convidar os padrinhos, sabe que ele foi batizado nesta sé e que não
lembra quem o batizou e que forão seus padrinhos João Peres e Custódia(ileg.)

274
FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais do
século XVIII. Rio de Janeiro, José Olympio, 1993, p. 45.
275
ACMSP. Proc. 6-32-1980.

105
Série Iniciação

A segunda testemunha foi Ignês de Camargo, preta forra, casada, natural e


moradora desta cidade onde vive em companhia de seu marido de idade

que dice ser de quarenta annos mais ou menos, testemunha jurada aos
Santos Evangelhos na forma devida (ileg.) cargo a qual prometeo dicer a verda-
de do que lhe for perguntado. E sendo inquirida a testemunha pela petição diz
que conheceu muito bem(ileg.) e que he filho de Anna Rodrigues e de pai incóg-
nito que(ileg.) ver dizer que o mesmo justificante foi baptizado na cathedral e que
forão padrinhos João Peres e Custódia Maria(ileg.).

As testemunhas são todas mulheres forras. A primeira apresenta grau de pa-


rentesco para com o noivo, é sua tia, além disso declara ter convidado os padrinhos
que a mesma identifica. Verificamos assim a preservação dos laços familiares durante a
escravidão, a tia não perdeu o vínculo com o sobrinho, mesmo constando nos autos do
processo tratar-se ela de uma negra forra. Quanto às relações entre escravos e forros,
Alida Metcalf nos diz que: “os laços de parentesco entre escravos e negros livres
alargavam os horizontes dos cativos. Os que possuíam parentes livres reduziam sua
dependência com relação ao senhor, tanto psicológica como fisicamente. Seus paren-
tes livres representavam uma mobilidade social e familiaridade com uma sociedade
mais ampla”276
Em situação similar temos Luiz e Luciana, ela filha de Tereza e de pai incógnito
onde a justificação também ocorreu através do depoimento de três testemunhas. Uma
das testemunhas declarou que Luciana devia ter por idade 28 anos mais ou menos e
que a mesma foi batizada pelo Reverendo Anastácio Vieira, pároco do dito Arraial
tendo dois padrinhos pois ainda não havia mulheres no Arraial. Então o que teria
acontecido? Luciana teria sido comprada sem a sua mãe de uma outra fazenda? Seria
a mãe de Luciana a única mulher do plantel?
Quanto aos processos de justificação de menor idade, a temática principal é
com relação à idade do noivo-justificante, tendo como fonte a comprovação do bati-
zado. Aos 22 de Julho de 1758 ocorreu o casamento triplo, dos escravos pertencen-
tes a Bartolomeu Bueno, eram eles Ignácio, Jerônimo e Valentim onde havia a neces-
sidade de se justificar a menor idade.277

276
METCALF, Alida. op. cit., p. 240.
277
ACMSP. Proc. 4-67-454.

106
Luzes e sombras sobre a colônia

Dizem Ignácio, Jerônimo e Valentim, escravos de Bartolomeu Bueno


Perdrozo, da villa da Parnaíba, que elles sea(ileg.) com banhos corridos para
se casar o Ignácio com Domingas, Jerônimo com Maria(ileg.), Valentim com
Rita, está administrada de Izabel Franca, as outras escravas do mesmo
Bartolomeu Bueno, que são o que juntos offerecem e + como se demonstra delley
não Eaverem impedimento seja preciso para sea Parocho oz(ileg.) despacho tem
o que o(ileg.)(p. 2/46)

Encontramos o depoimento de três testemunhas, a primeira declarou que Ma-


ria chegou com a idade máxima de quatro anos. Valentim viera com sua senhora das
Minas Gerais com idade de quatro ou cinco anos. Declarou que conheceu Domingas e
Maria, há aproximadamente 18 anos, ou seja, assim que chegaram na Villa de Parnaiba
acompanhadas do Senhor, aproximadamente quatro anos. Quando Domingas e Maria
chegaram já havia cerca de cinco anos que Valentim tinha chegado das Minas Gerais ,
com idade aproximada de oito ou nove anos.
Suscitando uma série de questões, entre elas, o motivo da realização de um
casamento triplo, as relações entre ambos os senhores, e a ligação entre o mundo
indígena e o escravo, visto que nos autos do processo, um escravo casa-se com uma
administrada, como bem nos diz John Monteiro “a freqüência de casamentos mistos
entre grupos étnicos distintos dos índios dos aldeamentos e cativos, entre africanos e
índios também parece ter aumentado nos últimos anos do século. A carta régia de
1696, a mesma que regulamentava o regime de administração particular, também proi-
bia expressamente o casamento entre administrados e escravos africanos. De fato, ao
longo do século XVII, as autoridades mostraram-se bastante preocupadas com as
transferências de índios dos aldeamentos para o serviço particular através dos aldea-
mentos, bem como entre administrados e escravos africanos. Os colonos igualmente,
tinham consciência da distinção, e apesar de abusos ocasionais, tenderam a excluir índi-
os pertencentes aos aldeamentos ou índios livres das partilhas em inventários, mesmo
quando casados com cativos. Em 1632, Antônia de Oliveira, cujo marido, André
Fernandes, comandava prodigiosa força de trabalho entre os cativos e aldeados, esta-
beleceu no seu testamento que os muitos índios do aldeamento de Barueri não entras-
sem na partilha devido a sua condição. Meio século mais tarde, Maria Diniz referiu-se a
‘um rapagão por nome Custódio, o qual é forro e livre, e o não poderão obrigar a
nenhum serviço salvo por sua livre vontade quiser assistir na companhia de sua mulher’.
O casamento entre escravos africanos e índios no século XVII parece ter sido
bem menos freqüente. Além do mais se é que os senhores achavam que assim aumen-

107
Série Iniciação

tariam o número de cativos tais uniões mostram-se poucos férteis, pois apenas um
número irrisório de crianças frutos dessas uniões mistas aparece entre os batizados de
Santo Amaro, Sorocaba e Itu. No século XVIII, entretanto, este quadro começou a
mudar, em decorrência tanto do aumento sensível da população de origem africana em
São Paulo, quanto do acirramento na competição pela mão de obra disponível. É
nesse contexto que surgem as primeiras evidências de casamentos forçados. Quando
interpelados pelas autoridades sobre sua participação numa série de crimes, o escravo
alfaiate Pedro Mulato papudo afirmou que havia sido seqüestrado por Bartolomeu
Fernandes de Faria e forçado a se casar com a índia Teresa. Consta ainda, nos autos
desse mesmo processo, que a bastarda livre Isabel havia sido obrigada a se casar com
o escravo Luciano.”278
John Monteiro traça um perfil da problemática dos casamentos mistos entre
africanos e índios no século XVII e suas alterações no século XVIII, levantando como
questão a possível obrigatoriedade ao casamento. O autor cita-nos dois exemplos,
onde no primeiro caso, o noivo, um mulato, é obrigado a se casar com uma administra-
da. No segundo, uma bastarda livre é obrigada a se casar com um escravo. Teria sido
a maioria das uniões entre índios e negros forçadas?
Quanto às justificações de óbito, essas perpassam necessariamente pela questão
das segundas núpcias pois o fato de o casamento religioso suscitar uma série de des-
pesas não impediu a realização de mais de uma núpcia, por parte da comunidade
escrava. As segundas núpcias diferenciam-se das justificações de óbito pois enquanto
a primeira caracteriza-se pela “contração” de uma segunda ou terceira união, a segun-
da necessita comprovar por testemunhas ou certidão a morte do primeiro consorte
realizando assim buscas, sejam em livro de óbito, ou coletando o depoimento de tes-
temunhas que confirmasse a morte do consorte.

278
MONTEIRO, John. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo, Cia das
Letras, 1994, p. 169-170.

108
Luzes e sombras sobre a colônia

E s truturas matrimoniais - S egundas


Núpcias

9%

Primeira união

S egunda união

91%

(Fonte: Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo. Livros de Processo de Casamento,


São Paulo, séc. XVIII.)

Como exemplo de justificação de óbito temos Caetano e Liberata, ele do gen-


tio da Guiné, e ela crioula, viúva de João da Cruz, forro. Localizamos o depoimento de
três testemunhas, entre elas, Ignácio Fernandes, solteiro, natural da Freguesia de Cotia,
morador da mesma cidade há cerca de 25 anos, declarou ter conhecido João da Cruz,
e que esse morreu e foi enterrado lá mesmo em Barueri. A segunda testemunha foi
Antônio Bueno, também solteiro, natural da Freguesia de Cotia, morador na cidade há
cerca de trinta e três anos. Declarou que conheceu João da Cruz, e soube que ele
morreu e foi enterrado em Barueri, há mais ou menos cinco ou seis anos.
Vivenciando situação similar localizamos a união de Jerônimo, escravo de João
Domingues, viúvo de Ana, com Domingas, viúva de Miguel escrava de Antônio Martins
de Almeida279, ambos contraindo segundas núpcias e justificando os óbitos dos primei-
ros consortes, ao contrário da situação anterior, em que os cativos justificam o óbito
através de testemunhas, esses o fazem pela apresentação dos atestados. Vejamos:

Aos vinte e quatro de mayo de mil sete centos, e oitenta e hum faleceu
confessado e ungido, miguel, cazado com Domingas escravos de Antonio Martins
de Almeida, foi encomendado nesta Sé e sepultado com licença em Sam Francisco
de que fis este assento que assignei. O cura Francisco Dias Xavier.

279
ACMSP. Proc. 6-27-1926.

109
Série Iniciação

Aos dezenove dias do mês de Fevereiro do anno de mil sette centos e


settenta e oito falleceo da vida presente, Maria, Criolla, cazada com Hierônimo,
escravos de João Domingues Leitão, de idade de trinta anos, pouco mais ou
menos, com os sacramentos da penintência e extrema hunção, por não ser cha-
mado. Foi(ileg.) encomendada e sepultada no Adro dessa igreja(ileg.) de Nossa
Senhora dessa Igreja(ileg.) de Nossa Senhora da Luz de(ileg.), onde hera fregue-
sa e moradora. E para contar fez o assunto, hoje da mês e anno. Vigário Domingues
Rodrigo

Observamos assim que o “viver escravo” abrangia mais do que açoites e cor-
rentes, troncos e chibatas. A dialética da escravidão paulistana permite-nos através de
um estudo sobre a prática do casamento, penetrar no universo escravo e compreen-
der a sua relação com a sociedade. Sobrevivendo num mundo onde os senhores,
devido às questões econômicas, eram contra as uniões, os cativos casavam-se objeti-
vando a manutenção da origem étnica, ou seja, língua, costumes e tradições. Simulta-
neamente os cativos recebiam o apoio da política populacional metropolitana e do
poder eclesiástico para a realização dos casamentos. Salientamos que esse apoio não
foi específico à massa escrava, mas sim, à sociedade como um todo, imbuindo aí os
escravos.
No interior da dinâmica escravocrata emergiram como senhores de escravos
favoráveis às uniões, os grupos dos militares e dos religiosos, não desprezando a forte
participação feminina. Os segundos explicam-se pela forte religiosidade inerente ao
período, além do mais foram os religiosos, primordialmente os jesuítas, os defensores
do matrimônio tanto para a população branca quanto para a negra. Os militares desta-
caram-se devido à forte política administrativa desenvolvida por D. Luís Antônio, tor-
nando-os um grupo sócio-econômico privilegiado; todavia, visto que na tipologia dos
senhores de escravos mineiros, também é expressiva a participação de militares, essa
posição privilegiada não era exclusiva dos habitantes da Capitania de São Paulo.
A massa de impedimentos e justificações localizados permite-nos observar os
laços de família nas malhas do sistema escravista. Nossos cativos, ao contrário de
muitos, não são despossuídos de tudo. Têm nome, história e principalmente família.
Ao confrontarmos os dados obtidos, nos coligamos a outras regiões brasileiras, entre
elas, Minas Gerais e Bahia. No século XVIII temos o escravo que negocia, o escravo
sujeito social que, como a maioria, faz e refaz uma resistência. No interior deste con-
texto, temos os casamentos, como uma forma de estratégia de resistência vivenciada
no dia-a-dia. No bojo da dinâmica colonial, os cativos perseguiram seus interesses,

110
Luzes e sombras sobre a colônia

casaram-se mais de uma vez, passaram por processos de segundas núpcias, dispensas
de impedimentos e realização de justificações, tal qual a comunidade branca, com um
único intuito: o de “ viver melhor” e não apenas “sobreviver”.
Sendo assim, a política metropolitana, ao incentivar o povoamento e legislar o
matrimônio para a sociedade branca, influenciou a comunidade escrava, proporcio-
nando subsídios para o florescimentos das uniões legais entre cativos. No entanto,
afirmamos que foram fatores intrínsecos ao regime escravocrata (o desequilíbrio nu-
mérico entre homens e mulheres, o tamanho do plantio e os fatores correlacionados a
tais, como a ascensão da lavoura canavieira, os interesses sócio-econômicos dos se-
nhores) que determinaram o florescimento do mecanismo de formação da família es-
crava brasileira, ou seja, o casamento. Portanto, a política populacional metropolitana,
apesar de sua grande preponderância e influência, não deve ser vista como o único ou
o mais importante fator para a realização dos casamentos entre escravos, e sim, um
entre tantos outros.

111
Luzes e sombras sobre a colônia

Considerações Finais

Com este trabalho esperamos ter atingido nosso principal objetivo: oferecer
uma contribuição, ainda que módica, à produção historiográfica sobre São Paulo co-
lonial, fruto de nosso contato inaugural com o exercício científico. Sobretudo no que
diz respeito ao século XVIII, ressente-se a historiografia de um conhecimento mais
aprofundado, tendo em vista a grande escassez de fontes e a precariedade das exis-
tentes. São raros os relatos de viajantes ou cronistas sobre a Capitania neste período,
restando apenas os documentos oficiais e eclesiásticos como subsídios para a análise.
Este caráter limitado das fontes talvez tenha contribuído para a idéia de que
São Paulo permaneceu ausente da dinâmica colonizadora, como é corrente em parte
da historiografia. Como pudemos observar, tanto o governo de Morgado de Mateus
como o de Castro e Mendonça representaram claramente os interesses da coroa no
que diz respeito à Educação e ao Povoamento, deixando-nos clara a inserção, ainda
que periférica, da Capitania no “Antigo Sistema Colonial”. A reforma educacional
posta em marcha por Pombal teve seus ecos na colônia e São Paulo foi por ela tangi-
do, ainda que tardia e precariamente. O mesmo pode-se afirmar sobre a política de
povoamento, que atingiu até mesmo as bases da sociedade paulista, estimulando a
união legal entre cativos. Portanto, educação e povoamento são duas facetas de uma
mesma problemática, já que ambas estavam diretamente ligadas à questão da adminis-
tração da Capitania e sua viabilidade, tendo na escassez de letrados para os serviços
públicos e de braços para o trabalho na longa extensão da Capitania, suas causas mais
imediatas.
Ambos os processos, além de influenciarem significativamente a sociedade de
então, produziram um corpo documental rico em informações e dados, do qual procu-
ramos nos servir da maneira mais ampla possível, apesar da pequena quantidade que nos
chegou. É de se considerar portanto, a relevância que o manejo dessas fontes assumiu
em nossa formação intelectual, tendo em vista que tal contato se mostra fundamental
para o profissional de história. Dessa forma, fica atestada a importância que os progra-
mas de Iniciação Científica assumem no contexto universitário, proporcionando a jo-
vens como nós, a oportunidade de principiar nos percalços da investigação histórica.

113
Luzes e sombras sobre a colônia

Bibliografia

I - Fontes manuscritas

Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo

1 - Autos de Casamento (diversos)


2 - Anulação de Matrimônio (Número 15-5-59)
3 - Livro de Óbito - Paróquia da Sé Número 2-2-2
4 - Testamentos e Inventários
Izabel Pays de Barros (12-11-1800)
Miguel de Eirô (31-03-1800)
Escolástica Bueno de Lima (30-09-1801)

II - Fontes impressas

ALVARÁ RÉGIO, de 28 de junho de 1759, em que se extinguem todas as Escolas


reguladas pelo método dos Jesuítas e se estabelece um novo regime, Diretor dos
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115
Série Iniciação

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Mello. História dos Jesuítas e suas missões na América do Sul. Rio de Janeiro,
E. Dupont, 1872.

CARTA REGIA do dia 6 do referido mez de Setembro ao Revm. Cardeal Patriarcha,


para encarregar a administração tanto das igrejas como dos edificios, das casas
professas, collegios, e noviciado dos sobreditos regulares expulsos, que se achavão
no territorio do mesmo patriarchado ás pessoas ecclesiasticas que lhes parecesse
nomear para os ditos effeitos, in MORAES, Mello. História dos Jesuítas e suas
missões na América doSul. Rio de Janeiro E. Dupont, 1872.

CONSTITUIÇÕES Primeiras do Arcebispado da Bahia. 1853.

CORRESPONDÊNCIA do Capitão-General Dom Luiz Antonio de Souza Botelho


Mourão dirigida à Secretaria de Estado (1 de novembro de 1767), in Documen-
tos Interessantes. São Paulo, Tip. Aurora, v. 23, 1896.

CORRESPONDÊNCIA do Cardeal Patriarcha de Lisboa, Francisco I sobre a ex-


pulsão de 3 de setembro de 1759 para que esta venha a noticia de todos, manda
que seja publicada nas igrejas de todo o nosso patriarchado, e fixada nos lugares
costumados. (5 de Outubro de 1759), in MORAES, Mello. História dos Jesuí-
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Luzes e sombras sobre a colônia

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131
Título LUZES E SOMBRAS SOBRE A COLÔNIA
Editor de Arte Eliana Bento da Silva Amatuzzi Barros
Diagramação Ma Helena G. Rodrigues
Revisão de texto dos autores
Revisão de provas Simone Zaccarias
Arte-final Erbert Antão da Silva
Divulgação Humanitas Livraria FFLCH/USP
Formato 17,5 x 24,8 cm
Mancha 11,5 x 19 cm
Papel miolo: pólen rustic 85 g/m2
capa: cartão color plus roma 180 g/m2
Impressão da capa preto e vermelho
Impressão e Acabamento Gráfica FFLCH/USP
Número de páginas 134
Tiragem 500

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