Federação de Municípios ou Miniaturização dos Estados Membros
José Luiz Quadros de Magalhães
A Constituição democrática não se vincula necessariamente a Municipalização do poder ou a uma federação de Municípios. A idéia central que defendemos é a de uma Constituição onde estejam assegurados os princípios e os processos de uma democracia plena, baseada nos princípios universais de direitos humanos, onde o Estado esteja apto a assegurar as transformações que sejam apontadas de maneira democrática pela população respeitados os referidos princípios. Outra idéia fundamental, a qual acreditamos permitirá a permanência da Constituição e da democracia em processos constantes de mudança desejáveis e permitidos, desde que respeitado os processos e os princípios constitucionais, será a desconstitucionalização da ordem econômica e logo, como conseqüência lógica, a necessária desconstitucionalização da propriedade privada, pois a desconstitucionalização da intervenção do Estado na ordem econômica com a permanência da propriedade privada significa um mero retorno às Constituições Liberais. A Conseqüência destas reflexões desenvolvidas em vários outros trabalhos, nos levam a duas conclusões, que seriam indicativos de melhoria e aprofundamento do processo democrático: a primeira a necessidade de se repensar os Direitos Humanos na sua perspectiva constitucional, inicialmente, chegando-se a conclusão inevitável de que não há efetiva democracia sem educação e liberdade de informação e obviamente a vida e a saúde, que nesta perspectiva deixam de ser políticas governamentais, para serem por autonomias constitucionais; e a segunda a necessidade de se descentralizar o quanto mais o poder, conferindo aos Municípios mais competências e uma nova organização, com um sistema Diretorial, a criação de um ombudsmam e a criação de Autarquias Especiais desvinculadas do Executivo Municipal para gerir saúde e educação. Com estas indicações nos encontramos então no desafio de pensarmos uma nova federação e o grave problema da criação e extinção de Municípios com vários processos de desmembramentos em todo o país. A Constituição atual estabelece um sistema de criação e extinção de Municípios e de Estados Membros que tem possibilitado uma explosão de novos Municípios em todo país, muitos deles sem capacidade econômica de sobrevivência. O modelo atual estabelece no artigo 18 da Constituição que os Estados poderão ser desmembrados, incorporados entre si ou subdivididos enquanto os Municípios poderão ser desmembrados, incorporados ou fundidos, o que é o mesmo que incorporação entre si. Entende-se por desmembramento o processo de separação da parte do território de um Estado ou Município para a formação de outro. Neste processo é importante notar que o Estado ou Município que perde parte de seu território para a criação do novo ente, permanece com a mesma estrutura política e organizacional. Desta forma foram criados os Estados de Mato Grosso do Sul e Tocantins a partir do Mato Grosso e Goiás. Desta mesma forma são criados incontáveis Municípios em todo o país, todos os meses. A Fusão ou Incorporação entre si é outro mecanismo previsto constitucionalmente, tanto para Municípios como para os Estados. A Fusão consiste na união de dois Estados ou Municípios que desaparecem para dar origem a um novo Estado ou Município no novo território ampliado, desaparecendo os entes políticos anteriormente existentes com toda a sua estrutura organizacional. A Fusão de Estados e Municípios não é um mecanismo utilizado, pois reflete a distorção dos mecanismos da criação de Estados e Municípios, utilizados para satisfazer interesses de grupos do Poder local e vaidades pessoais, o que não é o objetivo do texto Constituição. Por este motivo são inúmeros desmembramentos de Municípios e quase nenhum processo de fusão. A subdivisão é um processo de criação apenas de Estados Membro e não de Municípios. A subdivisão implica no desaparecimento do ente federado original para criação de dois ou mais novos entes com nova estrutura organizacional. De outra forma a incorporação de um Estado a outro só pode ocorrer na esfera municipal. Esta consiste na absorção de um Município por outro, desaparecendo o Município incorporado que cede seu território ao Município incorporador, que permanece com sua estrutura organizacional de acordo com a Constituição Municipal. Este modelo também não é utilizado, pois a tendência tem sido a miniaturização de municípios que coexistem com grandes centros urbanos, as metrópoles cuja a péssima qualidade de vida pede uma imediata desconcentração que só ocorrerá com políticos econômicos que permitem a dispersão do investimento e o desenvolvimento equilibrado de todo o território. Isto só pode ocorrer com planejamento econômico estatal, pois o planejamento econômico privado não trabalha com este tipo de lógica pois é movido unicamente com o lucro egoísta que permite a sua sobrevivência. Mais uma vez, a ausência do interesse público e do planejamento na atuação do Estado no domínio econômico, tem proporcionado o crescimento econômico desordenado e desequilibrado. Não se pode afirmar, em nenhum momento, que a lógica pública tenha levado a este modelo, pois este nunca existiu. O que tem sido prático comum no Estado brasileiro é a utilização privada do Estado e dos recursos públicos, que conduzem de forma errada o direcionamento do desenvolvimento econômico. Exemplo recente desta lógica pública distorcida e da total falta de planejamento macro regional e a guerra do ICMS, que no ano de 1995 se consistiu na consonância livre entre Estados de federação que ofereciam vantagens tributárias com alíquotas mais baixas de ICMS para atrair investimentos nos seus respectivos Estado. Numa Federação descaracterizado, onde a centralização tem sido regra, no momento em que a União deverá atuar em competência de sua exclusiva responsabilidade como o de estabelecer políticos econômicos e sociais que permitam um desenvolvimento equilibrado de todo o território de federação, esta é omissa. Não há planejamento de desenvolvimento nacional, regional ou municipal, princípio básico para o desenvolvimento de qualquer tipo de política econômica, seja privada ou pública. O Estado não tem planejado, mas improvisado. Dentro da proposta de Municipalização do poder, a federação brasileira pode ter novos caminhos, e estes devem ser construídos através da experiência diária que permite através de modificações na estrutura constitucional, do estabelecimento efetivo de um poder municipal assentado sobre novas bases, que resgatem efetivamente a integridade territorial do município, não baseada no poder egoísta e privado de líderes locais personalistas ignorantes, autoritários e antiquados, mas baseado no exercício de uma cidadania na base do poder territorial menor, e por isto mais descentralizada, base territorial esta construída sobre uma identidade econômica, cultural e hoje histórica e de identidade de perspectiva de construção de um futuro comum. Logo, o atual modelo de repartição territorial tem que ser reforçado e a partir de então reestruturado, assim como muito dificultados qualquer tentativa de modificação territorial da base sócio-econômica e cultural do Município. Dentro desta perspectiva surge um questionamento. Uma Federação de Municípios ou a Miniaturização dos Estados Membros? Mesmo a Constituição brasileira determinando expressamente que a criação, incorporação, fus_o e desmembramento de Municípios, deverão preservar a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano, impondo ainda a necessidade de lei complementar estadual e a necessária consulta prévia através de plebiscito, onde se ouvirá as populações diretamente interessadas, os micro Municípios se proliferam com incrível velocidade em todo o país. A observância da continuidade histórico-cultural do ambiente urbano tornou-se exigência meramente formal que em nada obstaculiza esta proliferação desnecessária, que serve apenas a interesse pessoais de lideres locais e Deputados à caça de votos. O modelo de valorização do poder em um espaço territorial menor está vinculado a idéia de espaço econômico, cultural e político que fundamente a unidade Municipal, e sua viabilidade econômica, deve ser fator primeiro a ser observado na recomposição dos Municípios brasileiros, possibilitando a construção de uma nova federação onde os Municípios cumpram o papel mais importante de construção de uma democracia, e de uma cidadania plena de sua população. A permanência do atual modelo de criação de Municípios e de sua modificação territorial inviabiliza qualquer projeto de organização política constitucional que permita o aumento do poder destes. Voltando ao questionamento que se colocou neste tópico, podemos apontar na verdade, não para dois mas três modelos de federação novos. No modelo de uma federação conforme prevista no artigo 18 da Constituição, é possível a sua construção com a alteração de vários dispositivos constitucionais vigentes, especialmente os referentes a distribuição de competências, o título III, e o seu Capítulo IV, pois ali está definido o sistema de governo do Município, que entendemos dever ser Diretorial. Depende portanto do grau de modificação que se pretende implementar na atual estrutura federal, o numero de artigos a serem modificados poderão ser maiores ou não. Note-se entretanto que a modificação da estrutura federal é necessária e permitida pelo texto constitucional que permite emendas que aperfeiçoem a forma federal. O artigo 60 parágrafo 4 estabelece limitações materiais ao Poder de Emenda e consequentemente ao Poder de revisão, se entendermos que outra revisão poderá ocorrer, o que entretanto não nos parece possível com o dispositivo que a previa no Ato da Disposições Constitucionais Transitórias tendo cumprido seus efeitos e portanto desaparecido. O seu inciso I estabelece que não poderá ser objeto de deliberação emendas tendentes a abolir a forma federativa de Estado. A idéia de Federação, como já mencionada neste trabalho, implica na descentralização. A proibição estabelecida do inciso I logo só pode se referir a emendas que tendem a abolir a federação concentrando o poder no lugar de descentralizar. Não há portanto vedação de emendas que procurem aperfeiçoar ou aprofundar a forma federativa brasileira, na sendo vedada a supressão do texto constitucional de definições dos sistemas de governo do texto ou mesmo de sua alteração para um sistema, que embora não coincidente com o sistema da União ou mesmo dos Estados, permita o melhor funcionamento da democracia na menor esfera estatal, logo onde o poder deve ser mais forte e democrático. O outro caminho que apontamos no questionamento feito, necessita de uma alteração muito profunda do texto constitucional, e consequentemente de toda estrutura organizacional em nível estadual e municipal em todo o Brasil, uma verdadeira revolução nas bases do poder local. Uma federação de Municípios implica no desaparecimento dos estados membros enquanto entes federados, que passariam a ser apenas regiões administrativas com funções de coordenação de políticas de investimentos em infra-estrutura para permitir a organização sócio-econômica da federação, e o desenvolvimento de políticas macro econômicas e de políticas de desenvolvimento regional e de regiões metropolitanas. Problema de difícil solução seria o da representação dos Municípios na Federação, frente a extensão do nosso país e o enorme numero de Municípios existentes, mesmo que a atual divisão destes fosse repensada. A representação unitária seria impossível e talvez tivesse que ser feita através de representantes destes escolhidos em regiões de desenvolvimento criadas a partir de interesses econômicos, políticos comuns e identidade cultural. Por implicar na modificação de toda estrutura municipal existente, o que teoricamente pode parecer como necessário e urgente, esta idéia pode estar na verdade muito distante da sua real possibilidade de implementação. O que nos faz retornar a idéia de simples modificação nas competências conforme estão divididas na Constituição, reforçando muito o Poder Municipal e transformando o seu sistema de governo ou talvez simplesmente deixando que o Município mesmo decida em sua Constituição qual o que melhor se adequa à sua cultura e história. Como se vê, não colocamos aqui a defesa do Poder Municipal como sendo uma reação a Federação, mas sim como a própria essência do federalismo já adotado pela Constituição de 1988, que inclui os Municípios como entes federados. A terceira opção que elencos é o que chamamos de miniaturização dos Estados Membros, ente federal que irá concentrar todo o Poder efetivo de decisão de modelos sócio-econômicos no seu espaço territorial. É importante lembrar que nos referimos a modelos sócio-econômicos enquanto modelos de repartição econômica e de propriedade, portanto políticas sócio econômicas municipais, não ignorando o papel fundamental que só poderá ser exercido pela União de coordenação e destinação das políticas estatais macro econômicas de investimento público e privado. Queremos dizer com isto que, por exemplo, a instalação de uma fábrica de automóveis em uma região, não será decidida por uma ridícula guerra fiscal de Municípios ou de Estados Membros, mas será fruto de uma política macro de desenvolvimento equilibrado do território nacional. A miniaturização dos Estado membros não implicaria em mexer com toda estrutura organizacional dos Municípios, mas sim no estabelecimento de uma grande política de desmembramento de Estados membros conferindo a estes novos Estados um limite territorial muito menor, que seria definido a partir de pressupostos econômicos, culturais, políticos e sociais. A grande dimensão dos Estados brasileiros se deve a dimensão do país, maior do que os Estados Unidos da América do Norte, se não contarmos o território do Estado do Alaska, que foi adquirido dos Russos, pelos americanos, lembrando que a divisão federal norte americana conta com 50 estados, quase o dobro do Brasil. Outros países que adotam o sistema federal tem Estados com as dimensões muito menores, como a Alemanha, ou ainda a Suíça, onde a federação conta com Estados, ou Cantões, que adotam o sistema de governo Diretorial e têm dimensão territorial muito menor. Ao criarmos qualquer teoria sobre o Estado, temos, para não cometer os repetidos erros do passado, que trabalhar sobre a realidade do país, sob pena de transformar um trabalho como este, que se pretende ousado, em um livro não muito interessante de ficção jurídica. Logo, não queremos comparar o que não pode ser comparado, por diversos motivos: dimensão territorial, história, cultura, tradição, etc. Ao mesmo tempo não queremos nos resignar a um nada fazer, ou a um conformismo de uma eterna repetição do obvio, que mesmo assim não é cumprido. Ao acreditarmos que a solução dos incontáveis problemas do Estado contemporâneo e do ser humano, neste final de século, não está na mudança do sistema econômico, ou no estabelecimento de modelos sociais e econômicos milagrosos capazes de resolver todos os problemas, mesmo a custa de milhões de vidas, mas sim na mudança do ser humano, através da comunicação, do dialogo permanente entre diferentes pensamentos e diferentes culturas, fruto da relatividade dos nossos tempos, temos que pensar um modelo organizacional da sociedade que permita esta comunicação permanente. O modelo constitucional de organização do Estado e da sociedade deve permitir que o processo democrático, legitimador das mudanças permanentes, se efetive de forma eficaz, e este é o objetivo da reflexões aqui desenvolvidas. Por este motivo corremos o risco de tentar construir uma reflexão que permita o início deste processo de reorganização estatal, que permita o exercício de uma democracia participativa de constante mutação. Até hoje, a estrutura estatal tem existido para conservar, reagir, ou no máximo manter mudanças controladas dentro de uma determinada formula sócio-econômica, num exercício de poder mistificado pertencente ao grupo no poder. Se quisermos construir uma democracia efetiva, este modelo organizacional do Estado deve ser mudado. Dos caminhos que aqui discutimos, talvez o mais realista para o Brasil seja o primeiro. Lembramos entretanto que não temos a pretensão de estabelecer uma formula que apresente respostas para a infinita variação de problemas que podem aparecer com a sua implementação. Este modelo é apenas um ponto de partida para reflexão, e a pretensão do cientista hoje não pode ir além disto, num mundo onde nos certificamos diariamente de suas infinitas possibilidades. São várias as formas de organização do Município em todo o mundo, estudo que pela sua extensão e complexidade esta por merecer um tratado que supere as obras existentes que analisam apenas certos aspectos de forma estanque, o que não nos oferece um real panorama da realidade. O Município no Brasil se organizou a partir da experiência portuguesa que simplesmente foi transportada para o Brasil colônia. Com a fraca presença do Estado português no vasto território da colônia, o poder local privado tomou a estrutura do Estado no Município, trazendo desde então a grave confusão entre espaço público e espaço privado, interesses públicos e interesses privados, grave distorção que reflete de maneira forte até os nossos dias, onde o grande desafio é desprivatizar o Estado, criando efetivamente um espaço público e muito importante, uma consciência da coisa pública. Trabalho de leitura obrigatória para melhor compreesão do modelo proposto e mesmo para sua crítica e aperfeiçoamento, é o artigo do professor Washington Peluso Albino de Souza " O Planejamento Regional no federalismo brasileiro" , publicado pela Revista Brasileira de Estudos Políticos. É grande a contribuição que os portugueses podem nos dar, e principalmente pela identidade cultural e histórica, a organização Municipal. Livro que deve também ser lido, para visão mais precisa do tema, é o do professor Ricardo Leite Pinto, " Referendo Local e descentralização política (contributo para o estudo do referendo local no constitucionalismo português)" , publicado pela Livraria Almedina, Coimbra. Neste livro desenvolve-se de forma objetiva e clara a análise do novo Estado Unitário Regional ou poderíamos dizer Estado Regional Autonômico Português. Discussões importantes para o nosso trabalho como o Poder Local no Estado português, descentralização local, descentralização regional e descentralização política, e ainda a relação descentralização local e democratização, são ali desenvolvidas, e para onde remetemos o leitor que queira aprofundar no tema. As idéias aqui desenvolvidas não surgiram do nada, não são meras divagações teóricas, mas pretendem ser matéria de discussão que permita a procura de modelos que possibilitem a construção de espaços de comunicação para o desenvolvimento do processo democrático, e isto só poderá ocorrer no espaço menor de poder local onde a democracia possa ser exercida de forma direta e participativa. É necessário se aproximar as teorias de organização do Estado de nossa realidade diária no Município, e neste sentido entendemos que uma Constituição, que mais do que ditar regras em sentido restrito, consagre princípios e assegure processos legitimadores das transformações sócio- econômicas através do poder local, será um instrumento útil para o aprofundamento do Estado democrático. Por isto não apontamos apenas mais um modelo no meio de muitos, mas sim procuramos neste trabalho estabelecer discussões pontuais sobre a organização do Estado e da Constituição, no sentido de chegarmos a um caminho amplo de participação garantido constitucionalmente, onde os detalhes do seu funcionamento serão estabelecidos segundo critérios decididos no próprio Município de forma democrática, segundo as tradições e a cultura local, respeitados o princípios universais de Direitos Humanos. A Constituição brasileira estabelece um novo modelo de federalismo onde estão incluídos como entes federados, além da União e dos Estados Membros, os Municípios e o Distrito Federal. Este dispositivo, por muitos criticado, estabelece uma federação com três círculos de poder, sendo que na esfera menor de poder, existe uma federação de Municípios, que forma a União ao lado dos Estados. Sem dúvida a formula constitucional é inovadora mas em nada se refletiu na realidade nacional, sendo que não são poucos os Autores que negam os Municípios como entes federados, e muito menos uma hipótese de uma esfera de uma federação de Municípios. Talvez o papel mais importante deste modelo tenha sido o de levar a discussão constitucional até os Municípios, que tiveram que elaborar suas Constituições ou, na denominação da Constituição Federal, Leis Orgânicas Municipais. Seguindo-se a avalanche de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, movidas pelos Prefeitos, que tiveram seu poder extremamente reduzido de forma inconstitucional, pelo Legislativo Municipal com poderes constituintes, as Assembléias Constituintes Municipais se limitaram a repetir as Constituições Federal e Estadual, e esta última por sua vez se limitou a repetir a Constituição Federal. Além da importante valorização da Constituição Federal, o novo modelo constitucional de federação é negado pela mesma, resultando muito mais próximo de um Estado Unitário do que propriamente de uma Federação. Os Constituintes ao detalharem a organização dos Estados e Municípios e limitarem extremamente a competência destes diante da União, destrói a Forma de Estado que procuraram estabelecer, e inclusive proteger, transformando-a até mesmo em clausula pétrea. Exemplo do apego ao centralismo está em dispositivos constitucionais como o artigo 22 que estabelece competências legislativas privativas da União, admitindo no parágrafo único a hipótese de delegação destas competências aos Estados Membros, somente através de lei complementar, sobre questões específicas e nos limites estabelecidos por esta lei. Note-se que muitas das competências elencadas como privativas da União, deveriam, em uma federação, ser competências dos Estados. A Forma de Estado é protegida no artigo 60, parágrafo 4 inciso I. Entretanto a limitação material do Poder Constituinte derivado, de reforma da Constituição, seja através de emenda ou revisão, proíbe a deliberação de emendas tendentes a abolir a forma federativa. O aperfeiçoamento da federação não é pois impedido, podendo-se através de emendas se alterar o sistema de governo do Município, enxugando a Constituição dos seus excessos, e aumentando o poder Municipal. Passamos então a análise da nova organização municipal que permita canais mais democráticos de participação e incentive esta participação. A partir do exposto inicialmente neste artigo, podemos perceber que através de uma reforma da Constituição podemos aperfeiçoar o federalismo, aumentando o grau de descentralização e com isto aumentando o poder dos Municípios e Estados, deixando para estas esferas de poder a decisão sobre o seu sistema de governo. Entendemos que o sistema mais adequado e mais democrático é o sistema Diretorial, que tem como uma de suas qualidades maiores um poder executivo não personalista, colegiado e submisso à vontade do legislativo, uma vez que se encontra dentro do Poder Legislativo, ou seja, é um órgão deste. Não há contradição no fato de existirem nas diferentes esferas de poder sistemas de governo diferentes, podendo o Estado adotar um sistema diferente da União e por sua vez os Municípios adotarem sistema diferente do Estado e da União. Não haveria também problema na adoção de diferentes sistemas de governos no nível municipal da federação brasileira. Ideal seria entretanto encontrar parâmetros comuns para a definição do sistema de governo diretorial nos Municípios, podendo existir entretanto variações na organização deste sistema de município para município, o que é absolutamente saudável e recomendável. Em linhas gerais o Diretório Municipal teria como características a existência de um órgão colegiado representativo da sociedade local, formado por técnicos e pessoas de ilibada reputação, que necessariamente não precisam pertencer a partido político, escolhidos diretamente pelo povo ou indiretamente pelo parlamento. O diretório uma vez escolhido não poderá ser destituído pelo legislativo, assim como não poderá dissolver este. A única hipótese de destituição do diretório será através de pedido fundamentado do "Ombudsman" municipal, que representando interesses dos eleitores poderá convocar plebiscito para resolver sobre a destituição do executivo e a dissolução do legislativo. Durante o normal funcionamento dos poderes, no caso de divergência entre executivo e legislativo prevalecerá a vontade do último, sendo que em situações especiais poderá o "ombudsman municipal" , do qual tratamos em outro artigo, determinar a submissão da questão a apreciação popular através de referendo e plebiscito dentro dos limites legais. O plebiscito e o referendo são mecanismos de democracia semi-direta, onde a população opina diretamente sobre determinada questão. Estes mecanismos de participação popular podem se diferenciar na doutrina, e no direito brasileiro, na vigência da Constituição de 1988 pelo momento em que ocorrem e pela complexidade de um e de outro mecanismo. Importante entretanto ressaltar que não há nos textos constitucionais como na doutrina, uniformidade na utilização destas expressões. No ordenamento constitucional vigente, o plebiscito tem o sentido de se submeter a apreciação direta da vontade popular determinada questão simples, não se chegando ao detalhamento de sua normatização, uma vez que o plebiscito precede uma decisão importante ou a elaboração de uma lei ou a reforma da Constituição. Em 1993 o Brasil teve o seu primeiro e até agora único plebiscito na vigência da Constituição de 1988, quando se submeteu a vontade popular a definição da forma de governo, se Monarquia ou República e o sistema de governo, se Parlamentarismo ou Presidencialismo, com a vitória dos dois últimos, mantendo-se por isto o sistema já preexistente. Note-se que neste caso perguntou-se a população apenas se esta desejava um ou outro sistema e forma de governo, não sendo definido ou submetido a apreciação popular qual seriam os mecanismos de funcionamento de um e de outro. O plebiscito vincula os atos posteriores, deixando entretanto os legisladores ou mesmo o chefe de governo, quando for o caso, livres para decidir como será regulamentada ou implementada a decisão que se tomou no plebiscito. Desta forma se a opção do povo fosse pelo sistema parlamentar, os constituintes derivados estariam obrigados a alterar a Constituição para adoção do sistema parlamentar, não existindo entretanto uma vinculação sobre os detalhes do funcionamento deste sistema, devendo ser mantido obviamente apenas os seus mecanismos básicos de queda do gabinete e dissolução do parlamento. O referendo, ao contrário do plebiscito, consiste na submissão de um texto de lei à apreciação popular, que irá ou não aprovar integral ou parcialmente um texto de uma lei, uma Constituição ou uma medida normativa qualquer, que para entrar em vigor dependerá da aprovação da maioria dos votantes no referendo. O questionamento que se coloca num referendo é pois muito mais complexo que o de um plebiscito que consiste num sim ou não a uma idéia genérica. O referendo depende da apreciação por parte da população de um texto integral de uma Constituição, ou de uma lei, devendo por isto existir uma análise detida e cautelosa do texto, exigindo nos dois casos, mas de forma ainda mais relevante no segundo caso, uma população bem informada e educada, possuindo o grau de informação e de formação necessários para a compreensão do texto e suas conseqüências, texto este que é colocado sob sua apreciação. O plebiscito e o referendo exigem pois uma população cidadã, portadora de direitos que são pressupostos básicos para qualquer democracia como o direito à saúde e educação. Além de direitos é necessário o sentimento de se sentir cidadão, ou seja, de se sentir parte de uma comunidade e se interessar pela sua construção e permanente evolução. Este sentimento não se constrói facilmente e o espaço onde ele pode se desenvolver mais facilmente é o Município. O Município é o espaço da cidadania. O perigo destes mecanismos diretos de democracia são sempre a sua utilização em uma população desenformada ou incorretamente informada. O plebiscito, por exemplo, foi utilizado como mecanismo de legitimação de governos autoritários em vários países, sendo exemplos históricos a ascensão de Napoleão ao poder solitário, a ascensão de Hitler ao poder e o longo período de ditadura de Stroessner, no Paraguai, mais recentemente. A democracia plebiscitária não oficial, legitimadora de medidas autoritárias é algo de novo nos Estados atuais. Os governos se amparam em pesquisas de opinião, permanentemente realizadas e divulgadas quando do interesse do mesmo, para legitimar suas ações nos mais variados campos. A imprensa também se utiliza destes mecanismos de pesquisa de opinião pública, pressionando governos, através da indução da população a determinadas posições. Esta é a grande distorção de um mecanismo democrático que serve a interesses que não são os interesses públicos, legitimando prática através da grande farsa da democracia plebiscitária. No Brasil de 1996, onde o desemprego, a violência urbana e rural são crescentes num ambiente de insegurança que beira o caos social, muitas medidas inconstitucionais e ofensivas aos direitos básicos do ser humano, poderão ser legitimadas por uma pseudodemocracia plebiscitária não oficial, através de questionamentos direcionados em questionários de institutos de pesquisa de opinião que hoje proliferam em todo mundo, influenciando resultado de eleições e justificando através de seus percentuais medidas autoritárias de governos em vários países do mundo. No Brasil esta pratica é notória e está nos noticiários da televisão com muita constância. Isto ocorre pois a televisão é um veiculo de comunicação que mexe muito mais com os sentidos e sentimentos do que com a razão, pois não permite e não concede tempo para discussão e reflexão tamanho o numero e velocidade de informações oferecidas que já vem pensadas prontas para simplesmente serem reproduzidas pelo telespectador. O plebiscito que nos referimos entretanto, por ocorrer na esfera municipal, influindo diretamente em questões que afetarão imediatamente e de forma sensível a população do local, e acompanhado de toda uma mudança estrutural do Estado e da sociedade, como os mecanismos de controle social dos meios de comunicação social e a criação de espaços de desenvolvimento da cidadania, pode efetivamente, neste caso específico, se tornar em um importante mecanismo de democratização do poder local. - O "Ombudsman" nos Municípios . Para o nosso trabalho, interessa a figura do "ombudsman" , ( ou podemos chama-lo de "ouvidor" ou ainda de Provedor de Justiça) como aquela instituição que pertencendo a estrutura do Estado, tem autonomia suficiente, e portanto compromisso apenas com a vontade popular e a ordem constitucional e seus princípios, para atuar como o canal mais ágil e sensível de comunicação entre os poderes do Estado e o povo. Desta forma a figura do "ombudsman" tem uma função específica e extremamente importante, principalmente na esfera municipal, onde próximo ao povo pode expressar o sentimento deste em diversos momentos do funcionamento dos órgãos estatais e dos seu relacionamento com a sociedade civil. Não pretendemos sugerir a adoção do ombudsman exatamente como este é organizado nos países nórdicos, nem qualquer outro modelo. A idéia de inserir este mecanismo nas várias esferas da federação e especialmente nos municípios tem uma função específica que deve se adequar a realidade de cada comunidade, região, dentro de uma sistemática constitucional que estabelece um Ministério Público extremamente ativo, como fiscal da lei e da Constituição, e defensor dos direitos individuais, sociais e difusos, indisponíveis, portanto um importante mecanismo de defesa dos direitos humanos. A Constituição estabelece ainda como defensor dos direitos do povo a defensoria pública que atua na defesa de direitos das pessoas, órgão que merece o reconhecimento necessário, pois dentro do sistema constitucional de proteção dos direitos da pessoa, atua de forma complementar ao Ministério Público, pois atua nos casos concretos individuais como advogado do povo. Tem que ter autonomia suficiente com relação ao governo, assim como o Ministério Público e tratamento de carreira isonômico. Como advogado do Estado, na Constituição Federal aparece a Advocacia da União, que não pode esquecer que constitucionalmente estes tem um compromisso com o interesse público e a ordem constitucional, não podendo se transformar em advogados de governos, que atuam muitas vezes desvirtuando o processo, que de meio de realização da justiça se transforma em mecanismo de obstaculização da mesma. Isto não pode ser permitido pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Portanto, estamos diante de um sistema de proteção dos direitos da pessoa altamente desenvolvido na sua concepção constitucional. O "ombudsman" dentro desta sistemática deve ser responsável por criar o vinculo do povo com os vários poderes do Estado e inclusive com estas instituições, se transformando no interlocutor sensível e fiel às aspirações populares de justiça, que muitas vezes os poderes do Estado e os órgãos garantidores da democracia e dos direitos da pessoa não podem perceber. Desta forma o meio de atuação do "ombudsman" nas diversas esferas da federação será adaptada a realidade, tendo na União e no Estado uma função muitas vezes de indicar por escrito ao Estado seus poderes e órgãos, recomendações que expressem a vontade popular, sendo que no Município, o que poderia ser copiado nas outras esferas da federação, teria a importante tarefa de convocar plebiscitos para a dissolução do parlamento ou a destituição do Diretório, assim como indicar, dentro de limites estabelecidos nas legislações específicas, quais matérias, sejam legislativas ou executivas, devem ser submetidas a apreciação popular. Trata-se pois de um canal de comunicação da população com o Estado, seus poderes e órgãos, que embora não tendo poder efetivo enquanto instituição isolada de tomar desições que independam da expressão da vontade popular, transforma-se em ponto de comunição fundamental no sistema diretorial municipal aqui sugerido, como mecanismo que possibilite o desenvolvimento permanente da democracia e da cidadania. A doutrina que estuda a introdução do "ombudsman" no Brasil tem procurado definir esta instituição, quase sempre de forma genérica. Alguns pontos na sua conceituação buscados no modelo escandinavo que lhe deu origem o colocam como órgão do legislativo eleito pelo mesmo. Neste ponto sugeriria uma modificação, no sentido de se partir para uma eleição direta do ombudsman, pelo menos em nível municipal. O ponto central da idéia do "ombudsman" é a fiscalização da atividade administrativa, sendo que sugerimos que este não se torne, no Brasil, apenas mais uma cópia de instituições que foram criadas em outras nações com história e cultura diferentes. Não se pode simplesmente introduzir o instituto no Brasil conforme foi criado em outros países, mas, aproveitando o que a instituição tem de melhor que é a criação de um canal de comunicação permanente e sensível a vontade e a realidade da população, adapta-lo a nossa realidade constitucional e social, criando novas funções e atribuições, e porque não, mudando o seu nome para algo mais próximo de nossa tradição e cultura em mutação. O instituto do Ombudsman surge na Suécia em 1809, como um mecanismo de controle do executivo por parte do legislativo, dentro de um sistema onde os poderes se fiscalizavam um ao outro evitando que houvesse desrespeito a lei e a nova Constituição votada naquele mesmo ano. Em 1915, na Suécia, a figura do Ombudsman foi desdobrada em duas, uma com a finalidade de fiscalizar a administração civil e outra para fiscalizar a administração militar. Mais tarde, em 1967 esta instituição iria ser desdobrada em três, cada uma com sua função específica. É necessário ressaltar a característica especial da administração Sueca, onde há uma separação entre governo e administração, idéia que já tivemos oportunidade de sugerir nas áreas de educação e saúde. Neste caso, as autoridades administrativas centrais não estão na dependência direta dos Ministros, não respondendo perante eles, não sendo responsável o governo pela atividade das juntas administrativas centrais, modelo este bastante diferente do modelo francês, aqui adotado.( "Do ombudsman ao provedor de justiça" , Fernando Alves Correa, Coimbra, 1979, pp. 28,29,30) O modelo Sueco foi adotado primeiramente pelo países vizinhos, seguindo-se a Finlândia em 1919, a Dinamarca em 1953 e a Noruega em 1952, sendo que neste ultimo criou-se inicialmente um Comite de Ombudsman, órgão coligado, com a função de conhecer da reclamação dos militares no que diz respeito a sua vida material, aos direitos econômicos e sociais e ao tempo de serviço militar, sendo a instituição depois estendida aos civis. Como se vê, embora mantendo a idéia principal de um interlocutor, de uma instituição que cuida de receber, perceber e sentir as necessidades do grupo e atuar em seu nome, o Ombudsman terá em países diferentes adaptações, que são necessárias, desde que mantida a idéia principal da instituição. Fora dos países escandinavos, o primeiro a importar a idéia com variações que a adaptassem a sua realidade foi a Alemanha Ocidental, a República Federal Alemã, em 1957, com a finalidade de fiscalizar as forças armadas no sentido de evitar o aparecimento de velhos hábitos que violavam sistematicamente os direitos fundamentais dos militares.(Do ombudsman ao provedor de justiça, ob. cit. p.) A figura do "ombudsman" como fiscal e principalmente como um canal de comunicação, um ponto de contato ou de ligação entre administrados e administradores, tanto no setor da administração civil como na militar, e sua ligação com a proteção dos direitos humanos foi a partir daí difundida para muitos Estados, especialmente europeus e recentemente americanos, após o período de redemocratização deste continente, recebendo nomes e versões diferentes em cada um destes. Em muitos países, com a elaboração de novas Constituições democráticas estas idéias foram incorporadas em novas instituições ou em instituições antigas que foram totalmente modificadas em sua estrutura e função, absorvendo muito desta figura. A Constituição portuguesa por exemplo, que marca a redemocratização de Portugal após o longo período de Salazarismo, traz a figura do Provedor de Justiça, criado pelo Decreto-Lei n.212/75, de 21 de Abril de 1975, sendo posteriormente consagrado no artigo 24 da Constituição portuguesa, o que implicou na necessidade de definir em um Estatuto a figura deste Provedor de Justiça como órgão público independente voltado à defesa dos direitos e interesses dos cidadãos através da garantia de legalidade e justiça da administração, o que foi feito pela lei n.81 de 22 de Novembro de 1977. Os artigos primeiro e segundo desta lei portuguesa definem o Provedor como um órgão público independente, que tem como função principal a defesa dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurando, através de meios informais, a justiça e a legalidade da Administração Pública. Os cidadãos apresentarão suas queixas ao Provedor de Justiça por ações ou omissões dos Poderes Públicos o qual as apreciará sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças. Segundo esta lei portuguesa, o Provedor de Justiça será designado pela Assembléia da República, nos termos do regimento respectivo e toma posse perante o seu Presidente, recaindo a nomeação em cidadão que preencha os requisitos de elegibilidade e goze de comprovada reputação de integridade e independência. O ombudsman municipal sugerido neste trabalho, guarda de principal, a idéia de um ouvidor das queixas do povo, e mais do que isto, um procurador atuante na fiscalização da atuação do Poder Executivo e Legislativo locais, podendo, conforme for a atuação destes poderes e a repercussão de suas políticas sugerir plebiscito que submeta projetos de lei e políticas públicas ao crivo popular assim como a própria administração diretorial e o parlamento, com limites materiais, quantitativos e temporais estabelecidos em lei municipal, no sentido de evitar que o ombudsman, de fiscal e ouvidor do povo, se transforme em figura mais importante do que este. Por este motivo, só poderá atuar mediante manifestação popular expressa. Trata-se pois de uma figura de ouvidor e defensor dos direitos e interesses da população, com uma atuação que não se reduz ao controle de legalidade e constitucionalidade, mas efetivamente a um controle democrático, evitando que os poderes eleitos se distanciem da vontade de seus representados. É uma função importante do ombudsman municipal de extrema importância para o desenvolvimento da democracia. É necessário acrescentar que a Constituição brasileira de 1988 trouxe inovações importantes para órgão que antes tinham quase nenhum contato com a população, transformando o Ministério Público em guardião dos direitos humanos, atuando na proteção dos direitos sociais, econômicos, individuais e políticos, fiscalizando a legalidade e constitucionalidade dos atos dos poderes legislativo, judiciário e executivo, o que tem ocorrido efetivamente, além da proteção do meio ambiente e outros direitos fundamentais. Além do Ministério Público existe ainda a intenção de valorizar a defensoria pública, como já nos referimos anteriormente. Por este motivo, a criação de ombudsman no Brasil, deve se inserir dentro desta realidade criada pela Constituição de 1988, no sentido de evitar-se a criação de um órgão meramente intermediário entre o Ministério Público e o povo, e a Defensoria Pública e o povo, órgãos que tem que estar cada vez mais próximos da população. Exemplo de atuação marcante neste sentido ocorre no Estado de Minas Gerais, onde a Coordenadoria de Direitos Humanos do Ministério Público de Minas Gerais tem atuação fundamental no combate a violência policial contra cidadãos, com inúmeros processos instaurados. A presença de membros do Ministério Público Estadual no Conselho Estadual de Direitos Humanos é outro dado importante na aproximação desta importante instituição de garantia da democracia e dos Direitos Humanos com a população. Da mesma forma o Ministério Público Federal, ou a Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais, tem tido atuação marcante na fiscalização da administração pública federal, e a observância da lei e da Constituição. Sendo esta uma realidade existente, repetimos que a figura de um Ombudsman Municipal não vai se sobrepor ou simplesmente burocratizar a estrutura já existente, mas terá uma função democrática diferenciada e de extrema importância, pois não irá se limitar a fiscalizar o cumprimento da lei e da Constituição Municipal, mas sua função mais importante será, como ouvidor e procurador do povo, atuar na fiscalização do funcionamento das instituições democráticas, se assegurando que o cumprimento do mandato conferido pelo povo a seus representantes seja efetivamente cumprido de acordo com a vontade deste. Dentro desta perspectiva não poderíamos ter um Ombudsman escolhido pela parlamento, mas sim escolhido diretamente pelo povo. Outros países americanos se inspiraram na figura do ombudsman para criar um defensor dos direitos humanos. A Constituição Argentina por exemplo traz a figura do defensor do povo no seu artigo 86 (capítulo sétimo que trata especificamente deste tema). Este artigo traz o defensor do povo como um órgão independente instituído no âmbito do Congresso da Nação, atuando com plena autonomia funcional, sem receber instruções de nenhuma autoridade. Sua missão é a defesa e proteção dos direitos humanos e demais direitos, garantias e interesses tutelados na Constituição daquele país, diante de fatos, atos ou omissões da Administração, exercendo o controle das funções administrativas públicas. Tem o defensor público, segundo a Constituição Argentina, legitimação processual, sendo designado e removido pelo Congresso através do voto dois terços dos membros presentes em cada uma das câmaras. O seu mandato dura cinco anos com uma recondução. A Constituição da Colômbia também estabelece um Defensor do Povo, ao qual cabe a guarda dos Direitos Humanos, tendo capacidade de postulação judicial, com atividades que podem ser classificadas como de prevenção e de censura moral; atividades em matéria de legislação; atividade de mediador; e por ultimo atividade como diretor do serviço de defensoria pública, grande novidade no desenho colombiano da figura do Ombudsman. ( " La Defensoria del Pueblo: retos e possibilidades" , Comissão Andina de Juristas, artigo: La Defensoria del Pueblo em Colombia, Jaime Córdoba Triviño. Lima CAJ, 1995, p.). No Peru, a Constituição vigente determina como funções da Defensoria do Povo, a defesa e proteção dos direitos constitucionais e fundamentais da pessoa e da comunidade, assim como supervisionar a administração pública e o oferecimento de serviços públicos para os cidadãos. Seguindo a mesma linha, foi incluída na Constituição Mexicana a figura do "Ombudsman" , quando em Janeiro de 1992 foi aprovada uma emenda aditiva ao artigo 102 alínea b, onde além de se constitucionalizar o Ombudsman, criou-se todo um sistema nacional de proteção não jurisdicional de Direitos Humanos. Muitos outros casos poderiam ser citados aqui, entretanto, o que pretendemos demonstrar com tudo que foi dito até aqui, é o fato de que a figura do Ombudsman como fiscal da administração e ponto de contato ou comunicação mais próxima e institucional dentro da estrutura do Estado, tem inúmeras variantes, desde sua origem na Suécia, e isto reflete culturas, histórias e necessidades diferentes. No Brasil, a instituição de um Ministério Público e de uma Defensoria Pública modernos no âmbito da União de dos Estados membros, tem suprido na prática, em alguns belos exemplos como os citados no Estado de Minas Gerais, o papel das figuras criadas na América Latina. Entretanto, necessitamos urgentemente da figura de um ouvidor/procurador que garanta a cidadania, ou em outras palavras, que garanta que a voz e a fala da população chegue até os seus representantes, e mais, no caso de não se estabelecer a comunicação desejada, que este órgão tem a função de estabelecer, que o povo possa dizer diretamente sua vontade nas urnas, através dos mecanismos já discutidos para o nosso Ombudsman Municipal, ou talvez mais adequado ao nosso idioma e nossas necessidades, o nosso Ouvidor/Procurador da Cidadania. Com o papel de controle político dos poderes do Estado, e com uma estrutura que permita estar sensível às expectativas da população, o Ouvidor/Procurador da Cidadania, virá somar a estrutura já existente, cobrindo uma parte fundamental, pois sua atuação não se resume no controle de legalidade e constitucionalidade, mas principalmente, e esta é a inovação no sistema brasileiro, se refere a legitimação permanente da atuação estatal.