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encontrada para os conflitos criam um re- zão que as rotinas podem ser considera-
pertório de respostas aos problemas mais das, como enfatiza Ménard (1997), como
freqüentes. Essas respostas não são pau- procedimentos eficientes de estocagem
tadas pela otimalidade (ou maximização), de informação e de interpretação de si-
uma vez que são fruto de conhecimen- nais provenientes de fora da organização.
tos tácitos de sujeitos que não podem Por essa razão, as rotinas são uma espécie
ser maximizadores perfeitos e que, em fun- de memória organizacional.
ção de sua experiência pregressa e de li- Tendo, então, sua conformação
mitações cognitivas, se deixam guiar pe- moldada pela aprendizagem que é gerada
las rotinas construídas. no desenrolar das rotinas, os compor-
Assim, entendemos por rotina uma tamentos individuais dificilmente po-
estrutura de comportamento regular e pre- deriam ser reduzidos, de acordo com
visível que conduz a esquemas repetitivos Dosi (1991, apud Kemp, 1997) a um prin-
de atividade. Se as rotinas, porém, são ca- cípio de racionalidade invariante. A pro-
racterizadas pela repetição, também o são posta neo-schumpeteriana de interpreta-
pela experimentação, o que faz com que as ção dos comportamentos dos agentes se
tarefas sejam executadas de maneira pro- caracteriza, portanto, pela recusa das hi-
gressivamente melhor e mais rápida, propi- póteses de maximização e de racionalida-
ciando a geração constante de novas opor- de substantiva, que são fundamentos da
tunidades de operação. A repetição e a interpretação neoclássica.2
experimentação estão na base da apren- O segundo fator de hereditarieda-
dizagem, por meio da qual são construí- de é a coleção de ativos ou de recursos de
dos os comportamentos. É por essa ra- que uma organização dispõe.3
2 Uma interessante distinção situação de escolha entre de agentes cuja capacidade interpretação da firma como
entre racionalidade múltiplas alternativas, num cognitiva não são “coleção de recursos”, cuja
substantiva e racionalidade quadro em que o critério que homogêneas, num universo alocação é determinada por
processual é apresentada por norteia essa escolha é o da caracterizado pela presença de decisão administrativa (dada
Koenig (1993). Segundo o maximização (do lucro ou da incerteza de natureza não por Penrose, 1959) e como
autor, a racionalidade utilidade), dada uma perfeita probabilística, e o resultado unidade de valorização desses
substantiva rege, no âmbito da disponibilidade de depende do processo que recursos.
análise neoclássica, os informações. A racionalidade estrutura a própria escolha.
comportamentos decisórios processual, por sua vez, 3 Como indica Possas (1995),
desenvolvimento, são permeadas por um por oportunidades de diferenciação, pela concorrencial, cara a muitos
economistas, está associada
tipo muito especial de incerteza – de natu- criação de assimetrias que lhes permitam à visão de capital como “valor
reza não-Bayesiana ou não-probabilística expandir suas fronteiras e conquistar no- que se valoriza”, encontrada
–, a inovação passa a ser um processo guia- vos espaços para a valorização do capital. em Marx.
Dizer que essas estratégias não são ótimas É certo que o caráter de solução de
e, portanto, não são maximizadoras ex-ante problemas da inovação já define, per se, cer-
significa, isto sim, reconhecer que os tas questões ou áreas-problemas como rele-
agentes têm restritos limites cognitivos e vantes para investigação. Nesse sentido,
limitada disponibilidade de informações Rosenberg (1976) ilustra a importância
que não lhes permitem agir estritamente de dispositivos de focalização (focusing devices),
como maximizadores. que são problemas típicos, oportunida-
Assim, é sobretudo com o propó- des ou metas que tendem a ajustar o pro-
sito da valorização de seus recursos (ou cesso de busca em direções particulares.
ativos) que deve ser compreendido o en- Esses dispositivos de focalização assu-
volvimento das organizações nesses pro- mem a forma de imperativos tecnológicos que
cessos de busca da inovação. A perspectiva guiam a evolução de certas tecnologias,
da inovação é uma promessa da valorização de gargalos tecnológicos em certos proces-
dos recursos ou ativos das organizações, sos, ou ainda, de pontos fracos evidentes em
promessa cuja concretização exige uma produtos que se conformam em alvos
aposta (investimentos) por parte dessas. claros para aperfeiçoamentos. Esses si-
Ademais, dizer que as estratégias de nais evidentes que se poderiam colocar
busca não são ótimas não significa assumir como metas para os projetos de P&D de-
que a busca da solução de problemas, de lineiam o que Nelson e Winter (1977)
novos produtos e/ou processos tome a chamaram de trajetórias naturais, que ex-
forma de um fenômeno totalmente aleató- pressam certo moto interno (momentum) da
rio. A abordagem neo-schumpeteriana ofe- mudança tecnológica.7
rece diversas razões que fundamentam o Para evitar mal-entendidos, é pre-
caráter não randômico da inovação.6 ciso dizer que o que chamamos aqui de
6 Observemos, aqui, que os caráter até certo ponto estocástico podem provocar variação e interna do progresso técnico,
processos de busca envolvem para a ocorrência ou não de mutação esporadicamente” interpondo um questionamento
uma “dupla analogia biológica”: sucesso na tentativa de inovar. (Possas, 1996, p. 161). de fundo sobre seu arcabouço
admitem um paralelo tanto com No entanto, observam ainda os 7 Toda a argumentação sobre o conceitual: o determinismo
o darwinismo quanto com o autores sua adesão ao caráter não randômico da tecnológico. Uma leitura mais
lamarkianismo. Como pondera ‘lamarckianismo’ para efeito de inovação pode levar a um erro cuidadosa com respeito à
Possas (1988), “os autores desenvolver a analogia biológica: de interpretação, que consiste na operação dos mecanismos de
relacionam a busca com as não apenas os caracteres identificação da análise aprendizagem, à busca e à
mutações genéticas, notando adquiridos podem ser ‘herdados’, neo-schumpeteriana com um seleção deve, segundo
inclusive a possibilidade – e por aprendizado ou imitação, tratamento que privilegiaria entendemos, prevenir tal erro de
necessidade analítica – de um como também situações adversas exclusivamente uma lógica interpretação.
moto interno está mais relacionado aos limi- imaginação tecnológica dos engenheiros e
tes das capacidades cognitivas dos agentes en- das instituições em que eles se inserem es-
volvidos no processo de busca do que tão focalizados em direções bastante preci-
propriamente a uma autodeterminação sas, estando eles – por assim dizer –
tecnológica, uma vez que as atividades de “cegos” com respeito a outras alternativas
tecnológicas (Dosi, 1982, p. 153).
busca sofrem influência não apenas do
conjunto de conhecimentos detidos por Podemos dizer que uma caracterís-
engenheiros e técnicos e por sua capaci- tica importante de um paradigma tecnoló-
dade de compreensão dos problemas gico é que existe uma estrutura cognitiva
em foco, mas até mesmo de suas crenças que envolve a forma de interpretação do
sobre o que é factível ou sobre o que po- problema e os princípios empregados pa-
de ser experimentado. Esse aspecto cog- ra sua solução a qual é partilhada por toda
nitivo do processo de busca é funda- a comunidade tecnológica e pelos agentes
mental no conceito de regime tecnológico econômicos e com base na qual procu-
de Nelson e Winter (1977). ram-se melhorias em eficiência de proces-
O conceito de regime tecnológico so e desempenho de produto.
é retomado por Dosi (1982), que suge- Mais uma vez é útil enfatizar que, ao
re, em analogia com as contribuições so- colocar o problema dos limites das capaci-
bre a estrutura das revoluções científicas dades cognitivas dos agentes, a abordagem
proposta por Kuhn, a noção de paradig- neo-schumpeteriana contribui para o rom-
ma tecnológico que é definido como um pimento com a visão neoclássica da racio-
modelo ou um padrão de solução de problemas nalidade substantiva dos agentes econômi-
tecnológicos selecionados, formulados com base cos. A limitação das capacidades cognitivas
em princípios derivados das ciências naturais, dos agentes constitui a razão fundamental
por meio do emprego de tecnologias materiais se- da incorporação, pela abordagem neo-
lecionadas. Aqui, novamente, o que temos schumpeteriana, da hipótese da racionali-
chamado de moto interno da mudança tec- dade processual (procedural racionality).8
nológica também tem nas limitações cog- A importância da dimensão cogniti-
nitivas dos agentes envolvidos no pro- va na abordagem neo-schumpeteriana co-
cesso de busca um fator determinante: loca a aprendizagem – que tem lugar, co-
Os paradigmas tecnológicos têm um pode- mo já mencionamos, no desenrolar das
roso “efeito de exclusão”: os esforços e a rotinas – como elemento chave na compa- 8 Ver nota n° 2 deste artigo.
Embora esse teclado talvez não repre- nadas que definem as características téc-
sentasse a melhor possibilidade para o nicas de um produto e sua produção.
conforto e a rapidez da atividade de dati- A interdependência entre os componen-
lografia, o treinamento e a qualificação tes de uma tecnologia (ou sistema tecno-
de datilógrafos para o seu uso contribuiu lógico) confere a ela certa rigidez: muitas
para sua padronização nas máquinas de vezes não é possível fazer alterações iso-
escrever. Por sua vez, essa padronização ladas em um componente sem compro-
fez crescer o interesse pela aquisição de meter sua compatibilidade com a totali-
qualificação e treinamento nesse tipo dade do sistema.
de teclado. Esse auto-reforço, segundo Para David (1985), uma padroni-
sugere o autor, é um fenômeno que po- zação prematura pode ser o resultado da
de levar ao aprisionamento (fenômeno a emergência de soluções que se apresen-
que deu nome de lock-in) do progresso tam “cedo demais”, na presença de cer-
tecnológico em determinadas soluções, tas condições, como interdependências
as quais não se revelam necessariamente técnicas, economias de escala e irreversi-
como as mais desejáveis. A história do te- bilidade gerada por efeitos de hábito e
clado QWERTY, como é narrada por aprendizagem.
David (1985), revela como eventos históri- Admitir a interdependência entre
cos podem influenciar os rumos da mu- as tecnologias – o fato de que técnicas,
dança tecnológica, levando ao apareci- equipamentos e o conhecimento neces-
mento desses fenômenos de lock-in. sário para operá-los estão inter-relacio-
Além de estarem relacionadas (e nados de modo sistêmico – implica aceitar a
apresentarem interdependências) quanto impossibilidade de constituição isolada
à evolução da qualificação dos usuários, de uma tecnologia. As tecnologias es-
as tecnologias não se desenvolvem isola- tão, por assim dizer, imersas em um con-
damente. Existem, também, interdepen- texto com dimensões tecnológicas, so-
dências técnicas. No mais das vezes, as ciais e econômicas.
tecnologias se organizam na forma de Assim, por exemplo, ao falar de
sistemas tecnológicos que articulam di- sistemas tecnológicos, Freeman (1991) rela-
versos componentes. Conforme sustenta ciona a constelação (cluster) de inovações
Rosenberg (1976), uma tecnologia é feita em materiais sintéticos, inovações petro-
de componentes ou partes inter-relacio- químicas e inovações em equipamentos
ções. Seria um engano, entretanto, supor sua obra de 1942, Capitalismo, Socialismo e
que a existência de padrões tenha como Democracia, como motor de uma inces-
conseqüência a homogeneidade ou que sante competição intercapitalista.13
ela pressuponha continuidade. Portanto, o que leva as organizações
Quando mencionamos anterior- a empreender os arriscados processos de
mente que as rotinas não são todas equi- busca e a engendrar as condições de ruptu-
valentes, explicitamos que não existe uma ra com soluções tecnológicas precedentes
homogeneidade nos processos de busca. é, antes de mais nada, a busca pela criação
Ao contrário, as ações envidadas no âm- de posições diferenciadas nos mercados, a
bito desses processos são movidas por busca pela valorização contínua de seus re-
uma lógica que é pautada pela criação de cursos. Mais do que a busca pela sobrevi-
diversidade, isto é, de mutações. vência, trata-se aqui de uma busca por dese-
Assim, quando se fala em evolução quilíbrios, pela construção permanente de
não se trata de um processo obrigatoria- assimetrias. A competição capitalista que
mente contínuo, uma vez que o evolucio- fundamenta a lógica do comportamento
nismo econômico não implica exclusi- inovativo – fonte da diversidade – é, por
vamente uma perspectiva de mudanças sua vez, fator necessário para a operação
graduais, mas é coerente com alterações do mecanismo de seleção.
abruptas, rupturas, revoluções. Da mesma 13 Em “Capitalismo, empresarial (relativa a
forma que o evolucionismo biológico, Socialismo e Democracia”, empresário no sentido
ele admite descontinuidades, fenômenos Schumpeter critica a noção schumpeteriano). Nesse
aos quais os neo-schumpeterianos se re- walrasiano-marshalliana de confronto é que se dá a
concorrência, opondo-se aos destruição criativa, que bombardeia as
ferem como mudanças de paradigma.
teóricos da concorrência estruturas industriais vigentes.
A posição central que a inovação perfeita. Para Schumpeter De acordo com Schumpeter, o
ocupa no processo de desenvolvimento (1984), na análise da sistema capitalista possui um
econômico é uma idéia presente na abor- concorrência perfeita, as firmas caráter essencialmente
– pequenas e em grande progressista, evolutivo e não
dagem neo-schumpeteriana que é em- número – tentam apenas estacionário. Há, portanto,
prestada, como já afirmamos, de Schum- “administrar a estrutura”. Em um processo de inovação
peter, que a interpreta em seu livro de sua interpretação, porém, as industrial que “revoluciona a
1912, A Teoria do Desenvolvimento Econômi- inovações são os instrumentos estrutura econômica a partir de
da verdadeira concorrência, o dentro, incessantemente,
co, como fonte interna do dinamismo do confronto entre firmas nas destruindo a velha estrutura e
sistema econômico e que a identifica, em quais se desenvolve a atividade criando a nova.”
20 Seria desnecessário dizer – técnico, consiste nas diversidade de origem terceiro aspecto consiste nas
e ademais já o fizemos assimetrias tecnológicas entre técnico-econômica entre diferenças de procedimentos e
anteriormente – que a as firmas de uma indústria. firmas refere-se à variedade critérios da firma em face dos
consideração das relações Trata-se das diferenças entre tecnológica, entendida processos de decisão quanto a
entre diversidade e seleção firmas que dizem respeito à como diferenças preços, investimento –
não é alheia à tradição capacidade tecnológica para não necessariamente especialmente em P&D, em
neo-schumpeteriana. É inovar; aos distintos graus de hierarquizáveis, como no caso quantidade e qualidade – e às
interessante lembrar com o sucesso na adoção e anterior, mas que correspondem rotinas básicas em que se
auxílio de Possas (1988) que, desenvolvimento de inovações a especificidades da traduz a estratégia da firma, a
nessa tradição, a diversidade de produtos e processos; e às acumulação de conhecimentos diversidade comportamental, em
assume diferentes aspectos: estruturas de custo. [...] Um tecnológicos, ao uso de suma” (Possas, 1996 p. 169).
“Uma primeira manifestação, segundo aspecto importante insumos e à linha de produtos
de caráter essencialmente relativo às fontes de das firmas. Finalmente, o
(2000), a uma espécie de obstáculo episte- tente das coisas. A ordem pode ser consi-
mológico, caracterizado pelo fato de que derada como uma seqüência, ou uma su-
os neodarwinistas se dedicavam, tradicio- cessão, no espaço e no tempo. A ordem
nalmente, à análise dos resultados da sele- biológica é tudo isso e, mais especialmente,
ção (por exemplo, quanto a seus aspectos uma seqüência no espaço e no tempo (Lwoff
apud Babloyantz e Goldbeter, 1985, p. 1178).
morfológicos e funcionais) e não propria-
mente do processo seletivo e, sobretudo, É precisamente essa ordem que
não se debruçavam sobre a questão da di- permeia a idéia de evolução na Biologia,
versidade genética. Um tanto ironicamen- uma vez que está associada a um cresci-
te, o autor sugere que a aceitação da ne- mento na organização dos sistemas vivos
cessidade de examinar essa questão: e na formação de estruturas progressiva-
mente mais complexas.
“Moveria a biologia de maneira amea-
No desenvolvimento da Biologia
çadora dos botânicos e zoólogos para os
geneticistas, numa diferente tradição cien-
evolutiva, um problema, que por certo
tífica” (Foster, 2000, p. 315, grifo nosso). tempo não encontrou solução, consistia
em tornar a emergência da ordem obser-
O olhar de botânicos e zoólogos, vada compatível com as grandes leis da
dirigido para o estudo dos resultados do Física, em particular às leis da termodinâ-
processo seletivo, como por meio da aná- mica, que prevêem que um sistema isola-
lise da morfologia e das funções dos se- do (fechado) caminha no tempo rumo
res vivos (inclusive com suas preocupa- à desordem (alta entropia). Pensou-se, por
ções taxonômicas), ilustra bem o que o isso, durante algum tempo, que a vida – a
autor chama de obstáculo epistemológico: tra- organização biológica – não poderia ser
ta-se de investigar o fruto do processo descrita a partir das leis da Física.
evolutivo e não seus condicionantes. Mas, Ora, um sistema vivo não é isola-
ao fazerem esse tipo de estudo, os biólo- do: ele constitui um sistema aberto e, atu-
gos tocam numa questão fundamental: a almente, grande parte dos biólogos con-
ordem que emerge do processo evolutivo. sideram que basta aplicar as referidas leis
Em seu livro intitulado L´ordre bio- físicas ao conjunto ambiente mais organis-
logique, A. Lwoff escreveu: mo, de modo que:
Um certo aspecto da ordem é o arranjo de- [...] a idéia de que a vida pudesse violar
terminado presente na constituição exis- uma lei natural não tem lugar na ciência.
Ao contrário, como se notou [...] recen- ção explicaria o moto interno da geração da
temente na exposição notável d´Erwin diversidade, a seleção natural explicaria sua
Schrödinger [...], a vida parece escapar à redução e ambos os processos são consi-
degradação entrópica à qual é submetida
derados, desde logo, não estanques.
a matéria inerte. Na realidade, todo or-
Os fenômenos de auto-organiza-
ganismo vivo se esforça incessantemente
em compensar sua própria degradação ção mais comuns citados em estudos de
entrópica contínua assimilando a baixa Biologia nesse campo incluem, de um la-
entropia e expulsando a alta entropia do, o aparecimento de múltiplos estados
(Georgescu-Roegen, 1995, p. 84). estacionários e, de outro, a evolução ru-
Trata-se aqui das chamadas estrutu- mo a um regime de oscilações que se re-
ras dissipativas a que nos referimos mais troalimentam, correspondentes a um ci-
acima, que caracterizam sistemas aber- clo em torno de um estado estacionário
tos e que têm certa capacidade de trans- instável. São incontáveis os exemplos da
ferir ou exportar sua degeneração entró- Biologia para esse fenômeno de auto-
pica para seu ambiente: absorvendo ma- organização, envolvendo fenômenos tão
22 Embora compreendamos
téria e energia na forma química de baixa diversos quanto o ciclo da glicólise, a
que esta concepção esteja entropia (alimentos) e liberando matéria agregação de formas unicelulares sociais,
suficientemente clara no texto
e energia na forma de alta entropia (resí- a regulação genética e a embriogênese
de Foster (2000), não parece
ser esta a leitura de Hodgson duos e calor). Operando dessa forma, tais (diferenciação de organismos pluricelula-
(2002), que abraça o estruturas podem contribuir para estabe- res). São todos fenômenos rítmicos que
Darwinismo como uma lecer a ordem biológica que se manifesta podem ser interpretados como aparição
“metateoria universal”,
dentro da qual todas as
espacial e temporalmente. Mas como es- de uma ordem temporal sob a forma de
teorias evolutivas deveriam sa ordem se estabeleceria? oscilações que se retroalimentam.23
se aninhar. O exame do avanço recente do Em meados dos anos 1990, os es-
23 A análise de processos de
pensamento evolucionista em Biologia tudiosos da evolução biológica começa-
auto-organização temporal permitiu a Foster (2000) identificar a ten- ram, de acordo com o autor, a compreen-
recentemente lança luz sobre a
possibilidade de oscilações dência dessa ciência a integrar o conceito der que a auto-organização é mais do que
biológicas (e físico-químicas) de auto-organização à noção de seleção natu- um processo energético no domínio bio-
não periódicas. Esse tipo de ral para definir uma nova Biologia Evo- lógico, envolvendo também a aquisição e
comportamento dos sistemas lutiva. Nenhum dos dois conceitos ex- o processamento de informação que gera
abertos possui caráter
aleatório e, por essa razão, é plicaria per se o fenômeno da evolução o novo: a variedade sobre a qual a seleção
denominado “caos”. em Biologia.22 Enquanto a auto-organiza- competitiva opera. O processo de auto-orga-
nização de um sistema se caracteriza por cresci- Schumpeter. Nesse sentido, o autor per-
mento e oscilação (não linear) e, ainda, pela cria- gunta a si mesmo se:
ção de uma complexidade organizada. O fenô-
Poderia ser o caso que, de um modo algo
meno do desenvolvimento (i. e., gera- intuitivo, ele tivesse chegado a compreen-
ção de variedade) e o de seleção seriam, der o caráter auto-organizador dos proces-
assim, processos históricos sobrepostos sos evolutivos, em um cenário econômico,
(overlapping historical processes). mesmo antes que os processos de auto-
Em suma, os sistemas vivos têm organização fossem reconhecidos na física,
capacidade muito pronunciada de esto- química e biologia? (Foster, 2000, p. 318)
car informações e de adaptar seu com-
Depois de mergulhar em alguns es-
portamento em virtude de estímulos re-
critos sobre a auto-organização nas Ciên-
cebidos do ambiente, fato que os torna
cias Naturais, uma tal questão pode parecer
aptos a se desenvolver e a sobreviver.
admirável. Entretanto, mais do que uma
Dentre as manifestações mais corriqueiras,
questão curiosa, essa é a tese do autor.
existem os ritmos inatos de periodicidade
Para que não fiquemos exagerada-
diversa, além da gênese de formas espaciais
mente surpresos com essa tese, é conve-
quando do desenvolvimento embrionário.
niente ressaltar o sentido ontológico da
Em Ecologia e em Genética, as aplicações
integração da noção de auto-organização
são inúmeras. A modelização matemática,
pelas Ciências Naturais (Física, Química
objeto de esforço concentrado nos últimos
e Biologia) e pela Economia (e eventual-
anos, envolve o recurso aos fundamentos
mente por outras Ciências Humanas): a
da análise dinâmica, com o uso do cálculo
origem dessa integração reside no fato
diferencial não linear.
de que a auto-organização é propriedade
pertinente aos sistemas dissipativos em ge-
3.2_ Auto-organização e variedade
especificamente econômicas: ral. Não se trata, pois, de uma nova ana-
a intuição de Schumpeter logia – seja com a Biologia, seja dessa
A segunda situação à qual Foster (2000) vez com a termodinâmica. É nesse sen-
faz referência é, como já dissemos, a tido que é possível pensar em uma auto-
existência de uma abordagem auto-orga- organização especificamente econômi-
nizadora especificamente econômica, que ca. E a tese de Foster (2000) consiste na
o autor advoga já estar presente, ainda idéia de que Schumpeter tinha forte in-
que intuitivamente, nos escritos de tuição a esse respeito.
das com base em uma perspectiva teórica para a apresentação de um ainda segundo Foster (2000), a
heterodoxa, gostaríamos de pontuar duas modelo de jogos adequação da Matemática para
evolucionários em que representar processos
implicações da consideração do fenômeno
tecnologias competem evolutivos é tema de um
da auto-organização para a agenda de pes- por uma parcela de debate ainda aberto, com
quisas da economia neo-schumpeteriana. mercado, incorporando posições muito distantes de
A primeira diz respeito às possibilidades de fenômenos como a quaisquer consensos, no
sensibilidade dos resultados campo da Biologia. Pode-se
formalização da análise neo-schumpete-
às condições iniciais, esperar igualmente, segundo o
riana, enquanto a segunda (que não é des- da path dependecye dos autor, amplos debates a esse
vinculada da primeira, mas que certamente efeitos de lock-in. respeito também na Economia.
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