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CAPÍTULO III
AÇÃO
Sertão Sangrento: Luta e Resistência
Jovenildo Pinheiro de Souza
DE NADA ADIANTARÁ
AQUELA FORTE ORAÇÃO
QUE TE DEU EM JUAZEIRO
PADRE CÍCERO ROMÃO
93
OLIVEIRA, Xavier. Beatos e Cangaceiros. 1ª ed. Rio de Janeiro, 1920, pág. 55.
Sertão Sangrento: Luta e Resistência
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GUEIROS, Optato. Lampião (Memórias de um Oficial Ex-Comandante de Forças Volantes).
Recife, 1952, pág. 48.
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romarias formadas pelo povo à casa onde Lampião estava hospedado, além das
várias homenagens por parte das altas autoridades da cidade, a este chefe
guerrilheiro de apenas 27 anos de idade, pareciam um despropósito e um exagero.
Também neste caso, a autoridade de Padre Cícero bloqueou qualquer veleidade de
represália contra Lampião.
A Propósito da chamada Batalha de Juazeiro (1913) e a presença de Lampião
nesta cidade, em 1926, quando Juazeiro foi ameaçada de ser invadida pelas tropas de
Franco Rabelo, a epopéia de Canudos (1807 - 1898) foi revivida nesta cidade, através
de dois fatos simbólicos e representativos da história guerreira e popular do
Nordeste.
Primeiro fato:
Antônio Vilanova que tinha sido um dos mais próximos colaboradores de
Antônio Conselheiro, em Canudos, conseguindo escapar do massacre, veio
refugiar-se no Ceará, em Assaré. Quando eclodiu a revolta de Juazeiro, em 1913,
Floro Bartolomeu sabendo de sua experiência adquirida nos combates de Canudos,
convocou-o à sua presença e exigiu a sua colaboração na defesa do Juazeiro. Apesar
de recusar-se a combater nas fileiras das tropas dos jagunços, ele contribuiu,
decisivamente, na formulação de planos para a defesa da cidade. E, entre outras
coisas, “deve-se-lhe a idéia da construção dos valados que a crença exagerada dos
romeiros crismou para a história com o apelido de ‘ Círculo da Mãe de Deus ‘. Além
disso, ensinou a José Pedro, a Manuel Chiquinha, a mestre sapateiro Luís e a muitos
outros noções positivas e úteis de estratégia. Dele ressaltam-se, pois, estes dois
contributos à causa juazeirense: a tática e a imensa linha de valados com que a
cidade insurreta galhardamente se defendeu” 95
Segundo fato:
O Coronel Optato Gueiros, que durante vários anos comandou as Forças
Volantes de Pernambuco contra Lampião, relata no seu livro de memórias um fato
curioso e muito significativo. Segundo ele, as forças militares que atuavam na Bahia,
mais precisamente na região de Canudos, contrataram um velho de mais de 60 anos
para orientá-los naquela região inóspita. Este velho que passou a atuar nas volantes
em missões de busca, captura ou aniquilamento, tinha sido uma espécie de general
de Antônio Conselheiro, quando da guerra de Canudos e era conhecido pelo nome
de Pedrão. Ao rememorar as lutas travadas em Canudos e os insucessos das tropas
do exército brasileiro diante das mortíferas emboscadas dos jagunços canudenses.
Optato Gueiros chama a atenção para o fato de que Pedrão no comando de seus
95
MACEDO, Nortan. Floro Bartolomeu (O Caudilho dos Beatos e Cangaceiros), 2ª edição, Rio
de Janeiro, Ed. Renes, 1986, pág. 69.
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98
MACEDO, Nortan. Ob. cit., págs. 139-148.
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travada pelos seus valentes jagunços, foi levada por Antônio Vilanova para que os
jagunços do Padre Cícero pudessem resistir ao assédio dos seus inimigos.
Por fim, na memória coletiva dos sertanejos, passada uma geração dos
acontecimentos de Canudos, nunca foi esquecida a profecia de Antônio
Conselheiro, a qual previa o surgimento de um poderoso cangaceiro. E o povo
sertanejo, diante de um quadro social de guerra e miséria, ao testemunhar e tomar
conhecimento dos fatos sucedidos em Juazeiro do Norte, na cidade de Padre Cícero,
de que Lampião tinha recebido uma verdadeira consagração popular, não teve
dúvidas de que a profecia de Antônio Conselheiro tinha-se concretizado. Pedrão,
um homem que sonhou, lutou e viveu intensamente este período, desde Canudos
até as campanhas ferozes e implacáveis contra Lampião, resumiu o pensamento do
povo do sertão sobre este assunto. O ex-“general” de Antônio Conselheiro, ao
meditar sobre todas estas histórias e baseado em suas experiências, não hesitou em
reconhecer que “o cangaceiro religioso de que falava o Conselheiro, só podia ser
Lampião”. 99
99
GUEIROS, Optato. Ob. cit., pág. 181.
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100
MELLO, Frederico Pernambucano de. A Tragédia dos Blindados - Um Episódio da
Revolução de 30 no Recife. Recife, FUNDARPE, 1991, pág. 70.
101
LIRA, João Gomes de. Lampião (Memórias de um Soldado de Volante). Recife, Companhia
Editora de Pernambuco (CEPE), 1990, pág. 353
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abaixo, descia o mesmo como um relâmpago. Muitos foram cair em Vila Bela,
Triunfo, Custódia, Flores, Afogados de Ingazeira, Lagoa de
Baixo (Sertânia), Rio Branco (Arcoverde), Salgueiro, Floresta e muitos outros
lugares” 102.
Os militares tiveram vinte e quatro baixas, treze feridos e onze mortos. Os
cangaceiros não tiveram nenhuma baixa.
Pode-se imaginar a comoção que esta derrota, representou para o Governo do
Estado e para alta oficialidade militar. E também o que terá representado para os
sertanejos a chegada nas cidades e vilas de dezenas de soldados estropiados,
assombrados e desmoralizados pelo “fogo devorador”. 103
Respaldado em sua vitória total no campo de batalha, Lampião redigiu e enviou
ao Governador Interino de Pernambuco, o Dr. Júlio de Melo, uma carta com a
seguinte proposta:
“Senhor Governador de Pernambuco
Suas saudações com os seus.
Faço-lhe esta devido a uma proposta que desejo fazer ao senhor para evitar
guerra no sertão e acabar de vez com as brigas ... Se o senhor estiver no acordo
devemos dividir os nossos territórios. Eu que sou Capitão Virgulino Ferreira
Lampião, Governador do Sertão, fico governando esta zona de cá, por inteiro, até as
pontas dos trilhos em Rio Branco. E o senhor, do seu lado, governa do Rio Branco
até a pancada do mar. Isso mesmo. Fica cada um no que é seu. Pois então é o que
convém. Assim ficamos os dois em paz, nem o senhor manda os seus macacos me
emboscar, nem eu com os meninos atravessamos a extrema, cada um governando o
que é seu sem haver questão. Faço esta por amor à Paz que eu tenho e para que não
se diga que sou bandido, que não mereço. Aguardo sua resposta e confio sempre.
Capitão Virgulino Ferreira Lampião, Governador do Sertão”. 104
102
LIRA, João Gomes de. Ob. cit., pág. 365.
103
LIRA, João Gomes de. Idem, pág. 351
104
MACIEL, Frederico Bezerra. Lampião - seu tempo e seu Reinado. 2ª ed., 3º vol., Rio de
Janeiro, Editora Vozes Ltda., 1985, pág. 154.
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105
FERNANDES, Raul. A Marcha de Lampião - Assalto a Mossoró . Editora Universitária -
UFRN, Coleção Mossoroense, 3ª edição, Natal, RN, 1985, pág. 18.
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106
FERRAZ, Marilurdes. O Canto do Acauã - A Luta das Forças Volantes contra os Cangaceiros.
2ª ed., Recife, Editora Rodovalho de Guias Especiais Ltda., 1985, pág. 300.
107
GUEIROS, Optato. Lampião (Memórias de um Oficial Ex-Comandante das Forças Volantes).
Recife, 1952, pág. 101.
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mortos do que vivos” 108. Também Optato Gueiros é da mesma opinião. Ele escreve
que quando Lampião chegou à Bahia, o seu abatimento físico e moral “eram tais
que, os soldados das
volantes falavam mais de capturá-lo à mão do que abatê-lo, fosse quais fossem as
conseqüências”. 109
Depois de ter sido submetido a terríveis pressões por parte das volantes e de ter
sido levado quase ao colapso físico e moral, seria de esperar que Lampião deixasse o
cenário por um longo período, tentando fingir-se de morto. Mas, não. Uma vez
mais, Lampião surpreendeu a todos, renasceu de suas próprias cinzas, em território
baiano, tendo por fundamento “o seu valor pessoal, a sua extraordinária inteligência,
as suas invejáveis qualidades de estrategista nato”. 110
Dois militares, que tiveram destacadas atuação no combate a Lampião e a seu
grupo, não escondem o seu espanto ao relatarem a rapidez como Lampião passou
da extrema decadência para um extremo prestígio entre a população do sertão
baiano. Ele passou a ser chamado pelos sertanejos de o HOMEM, não no sentido de
carlyleano do termo, mas sim no sentido de alta responsabilidade, como se fosse um
santo ou um conselheiro. Abaixo, transcrevemos o testemunho de dois militares,
Optato Gueiros e João Gomes de Lira, sobre a perfeita integração de Lampião com a
população sertaneja, numa região aparentemente - só aparentemente -
desconhecida.
Optato Gueiros:
“Conquistou Virgulino quase todos os habitantes das caatingas, tratando-os com
extrema bondade e esbanjando prodigamente o dinheiro de que se apossara...
Tornou-se Lampião para aquela gente, no que fora o Padre Cícero, no Juazeiro, para
os seus crentes. O seu nome sinistro não foi mais pronunciado, agora era conhecido
por - “o Homem”” 111
João Gomes de Lira:
“Diante do grande conceito que os baianos deram ao chefe Lampião, tornou-se
ele naquele Estado um homem fanatizado. Logo alguns sertanejos o classificaram de
um homem santo, o chamavam de Santo; outros passaram a chamá-lo de ‘ o
Homem ‘. Quando um sertanejo programava uma festa ou um adjunto qualquer na
sua casa, os convidados procuravam logo se já havia ele convidado ‘o Homem ‘, caso
108
FONTES, Oleone Coelho. Lampião na Bahia. 1ª ed., Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1988,
pág.16.
109
GUEIROS, Optato. Ob. cit., pág. 162.
110
CARVALHO, Rodrigues de. Lampião e a Sociologia do Cangaço, Rio de Janeiro, s.d. , pág.
379.
111
GUEIROS, Optato. Ob. cit., pág. 102.
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não tivesse convidado, fosse convidá-lo para vir garantir aquelas reuniões. Dizia ser
ele o Governo do Sertão. Que tudo no Sertão tinha que passar por suas mãos”. 112
Tinha Lampião, por essa época, 31 anos de idade.
112
LIRA, João Gomes de. Lampião (Memórias de um Soldado de Volante). Recife, Companhia
Editora de Pernambuco (CEPE), 1990, pág. 420.
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O episódio no qual o Coronel João Nunes, então na reserva, foi aprisionado pelo
“Capitão” Virgulino Ferreira, no dia 30 de novembro de 1930, na sua fazenda, no
município pernambucano de Águas Belas, tem sido motivo de muitos embaraços e
versões desencontradas por parte dos estudiosos do assunto.
A historiadora Marilurdes Ferraz, por exemplo, uma especialista da história
militar de Pernambuco, tenta amenizar o impacto causado por esta audaciosa ação
militar de Lampião. Segundo a sua versão dos acontecimentos, o aprisionamento
deste personagem tão importante teria ocorrido quase que por um acaso. Lampião
teria ficado muito surpreso ao descobrir a verdadeira identidade militar que caíra
em suas mãos e, constatando que João Nunes tenha sido um ex-comandante da
Força Pública de Pernambuco, resolveu libertá-lo, sem impor condições, “quando se
viu em segurança para evitar maiores problemas com o bando”. 113
Completando esta versão, a historiadora deixa transparecer que Lampião teria
poupado a vida do Coronel para não atrair a ira das forças policiais, segundo ela,
mesmo que Lampião “tivesse optado por seu extermínio, teria guardado de João
Nunes a imagem de um homem corajoso que não se deixou tomar pelo temor da
morte iminente e que se mostrou altivo diante das ameaças sofridas. Ao ser
interpelado, naquela ocasião, se não se arrependeria de ter combatido os
cangaceiros, respondeu-lhes que não, pois havia cumprido o seu dever e se tudo
começasse de novo tornaria a fazê-lo do mesmo modo, pois era, antes de tudo, um
soldado”. 114
Existe outra versão do acontecimento, descrita por João Gomes de Lira, um ex-
militar, veterano das forças volantes que combatiam Lampião. No seu livro,
Memórias de um Soldado Volante, relata como aconteceu o episódio do
aprisionamento do Coronel João Nunes, na sua fazenda Sueca, no município
pernambucano de Águas Belas.
Depois de escrever a chegada de Lampião, a prisão de um irmão do Coronel e
mais alguns detalhes, ele chega ao ponto crucial do acontecimento, que foi o
interrogatório, sem violências, ao qual foi submetido por Lampião. Escreve ele:
“Tudo o que o cangaceiro perguntava, respondia sem titubear.
113
FERRAZ, Marilurdes (Rog.). Lembrai-vos Companheiros. - Polícia Militar de Pernambuco
(1825-1991). Recife, Gráfica e Editora Liceu Ltda., 1991, pág. 140.
114
FERRAZ, Marilurdes. O Canto do Acauã - A Luta das Forças Volantes contra os Cangaceiros.
2ª ed., Recife, Editora Rodovalho de Guias Especiais Ltda., 1985, pág. 322 - 323.
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Não gaguejava. Nem pensava para responder, tudo o que o Capitão perguntava”. 115
Encerrado o interrogatório do Coronel João Nunes, Lampião ordenou a retirada
rumo ao Estado de Alagoas. Levava consigo o ilustre prisioneiro.
O Coronel foi libertado alguns dias depois, para enorme surpresa de seus
familiares, os quais “já não o esperavam mais. Consideravam-no morto nas caatingas
de Alagoas ou Bahia”. 116
A decisão de Lampião em não matar o Coronel João Nunes está envolta em
mistérios. Respeito ao velho inimigo, medo de represálias devastadoras por parte
dos militares, pedidos de cangaceiros do próprio grupo de Lampião, enfim, são
várias hipóteses levadas em consideração por partes dos estudiosos do assunto.
Mas, não pode obscurecer o impacto psicológico que este fato acarretou no
ânimo do Coronel João Nunes. Ser libertado por seu implacável inimigo de tantos
anos, sem sequer um arranhão, deve ter perturbado um pouco o velho militar. Por
parte de Lampião, o seu gesto de clemência para com o seu inimigo vencido
representou, sem dúvidas, um ato propagandístico de grande efeito entre a
população e mesmo entre os militares.
Mais uma vez, Lampião demonstrou que as fronteiras estaduais não
representavam nenhum obstáculo intransponível à sua audácia e às “suas
indiscutíveis qualidades táticas de um gênio militar inaproveitado”. 117
O Coronel João Nunes sobreviveu a este episódio 41 anos, vindo a falecer em
1971, aos 91 anos de idade.
115
LIRA, João Gomes de. Lampião (Memórias de um Soldado de Volante). Recife, Companhia
Editora de Pernambuco (CEPE), 1990, pág. 469.
116
LIRA, João Gomes de. Ob. cit., pág. 470.
117
CARVALHO, Rodrigues de. Lampião e a Sociologia do Cangaço, Rio de Janeiro, s.d. , pág.
105.
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A BATALHA DE MARANDUBA
118
LIRA, João Gomes de. Lampião (Memórias de um Soldado de Volante). Recife, Companhia
Editora de Pernambuco (CEPE), 1990, pág. 512.
119
LIRA, João Gomes de. Ob. cit., pág. 515.
120
FERRAZ, Marilurdes. O Canto do Acauã - A Luta das Forças Volantes contra os Cangaceiros.
2ª ed., Recife, Editora Rodovalho de Guias Especiais Ltda., 1985, pág. 330.
Sertão Sangrento: Luta e Resistência
Jovenildo Pinheiro de Souza
121
CARVALHO, Rodrigues de. Lampião e a Sociologia do Cangaço, Rio de Janeiro, s.d. , pág.
107.
122
CARVALHO, Rodrigues de. Ob. cit., pág. 104.
123
CARVALHO, Rodrigues de. Idem, pág. 104.
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124
LIMA, Estácio de. O Mundo Estranho dos Cangaceiros (Ensaio Bio-Sociológico), Salvador ,
Editora Iapoã Ltda, 1965, págs. 264-265.
125
CARVALHO, Rodrigues de. Ob. cit., pág. 101.
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126
BEZERRA. João. Como dei cabo de Lampião. 3ª ed. Recife, Editor Massangana. 1983, pág.
167.
127
BEZERRA. João. Ob. cit., pág. 169.