Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG
Célia Maria Ladeira Mota
Universidade de Brasília, Brasília, DF
“Jornalismo e a Construção Narrativa da História do Presente”
Grupo de pesquisa FAC/UnB
ALCAR - 2017 Figura 1: Capa, especial ‘Tudo sobre a ditadura militar’, Folha de S.Paulo
Fonte: acervo dos autores
Figura 2: Detalhe, especial ’50 anos do golpe’, CartaCapital
Fonte: acervo dos autores
Objetivo da pesquisa Nosso objetivo foi estudar a memória dos fatos que envolveram o golpe militar de 1964 a partir das narrativas de dois cadernos especiais, publicados pela Folha de S.Paulo e pela revista CartaCapital, para lembrar os 50 anos do golpe. Buscamos recuperar os significados construídos no passado comparando-os com os sentidos que sobrevivem no presente. Em busca da verdade “O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder. A verdade é deste mundo, ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral de verdade.” (FOUCAULT, 1979, p. 12) Memória e Acontecimento De que ‘memória’ estamos falando? Para Halbwachs (1997), praticamente todo acontecimento constitui memória. Existe um jogo de referência entre os fatos e a memória social já existente e é o que faz a ligação entre o passado e o futuro. No entanto, Halbwachs considera que existe uma fragilidade em se reter o que é vivo, o que sobrevive na consciência histórica de uma determinada comunidade, e que vai desaparecer. O processo da memória Elizabeth Jelin (2002, p. 09), analisando os sentidos dos anos de repressão em seu país, defende que existe no mundo ocidental contemporâneo uma ‘explosão da memória’, uma expressão criada por Huyssen (2000), e que chega a se constituir numa cultura da memória. ‘É preciso lembrar’ é uma frase que determina a necessidade de se recordar os fatos históricos. Esta necessidade de lembrar, no entanto, é feita de esquecimentos, de interdições. Memória e reconstrução Toda memória é uma reconstrução, mais do que uma lembrança. Para reconstruir esta memória é preciso trazer à luz os fatos do passado. Os debates sobre a memória de períodos repressivos demandam acusações, provas, julgamentos, que geram intranquilidades sociais. Como é o caso da Comissão Nacional da Verdade (CNV), no Brasil. Os caminhos da pesquisa Para realizar as análises, utilizamos uma categoria dos Estudos Culturais, a ‘representação’. Ao inserir a pesquisa no campo dos Estudos Culturais adotamos o conceito de cultura como práticas de significação e de construção de valores a partir das vivências, das experiências individuais ou coletivas. Representação é parte essencial do processo pelo qual os significados são produzidos e compartilhados entre os membros de uma cultura. Palavras-chave Certas palavras podem ser consideradas uma chave na correta definição de um fato. Na análise, buscamos palavras-chave nos textos que possam trazer significados diferentes dos que foram considerados a verdade dos fatos. O objetivo é comparar os significados posteriores aos que pertencem historicamente à consciência coletiva dos brasileiros. Os eventos históricos Entre os anos de 1950 e início dos anos 1960, o Brasil vivia um período de efervescência política. As tensões se multiplicavam e o eixo do debate entre os intelectuais assumiu nova dimensão, numa luta contra o autoritarismo. Foi um período em que o estado brasileiro passou a ser visto como campo de luta ideológica. No entanto, os desafios políticos e econômicos erodiam a autoridade do governo de João Goulart. A cronologia da crise Nos primeiros dias de março de 1964, Goulart convoca um comício na cidade do Rio de Janeiro, em defesa das reformas de base.
A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi
uma das respostas ao comício de 13 de março.
Entre os dias 26 e 27 de março, teve lugar a ‘revolta
dos marinheiros’.
No dia 31, as tropas do Gal. Olympio Mourão Filho
partem de Juiz de Fora A posição dos jornais Entre os primeiros meses de 1964 e meados de 1968, a grande mídia assumiu o discurso da necessidade de mudança de governo, o que impediria o avançar da crise no país. ‘Tudo sobre a ditadura militar’ Folha de S.Paulo “A revolução aconteceu para evitar o golpe que o Jango tava preparando pra maio de 64. Então, antes dele iniciar com toda a turma. Grupo dos homens do Brizola e aqueles canalhas lá do Nordeste […], para evitar que eles dominassem o Brasil, como tão dominando hoje […] Iniciaram a contrarrevolução de 31 de março de 64, cumprindo um pedido da família brasileira, só isso.” (MACIEL, 2014). Figura 3: Grid de vídeos, especial ‘Tudo sobre a ditadura militar’, Folha de S.Paulo
Fonte: acervo dos autores
Golpe ou revolução? Esta entrevista mostra como, 50 anos depois, ainda os significados de 64 estão intactos, e como o tempo não mudou convicções que permanecem até hoje.
Ivan Seixas, tendo sido preso político, não credita a
Jango o papel de revolucionário, ao mesmo tempo em que afirma que a esquerda não tinha a intenção de tomada do poder. O que haveria, em sua análise, era o interesse americano em impedir que houvesse uma guinada à esquerda em toda a América Latina. O país dividido A edição da Folha ainda divide o Brasil em esquerda e direita, como se não houvessem outros interesses que tenham motivado o golpe.
“As pressões da direita militar e o combate à
esquerda armada levaram à construção de uma máquina de repressão política feroz e serviram de pretexto para o endurecimento progressivo do regime autoritário inaugurado pelos golpistas em 1964” (FOLHA DE S.PAULO, 2014). ‘50 anos depois’ CartaCapital A edição especial está voltada, em maior grau, para a participação da imprensa. Dos 63 textos que compõem o especial, cinco tratam especificamente da relação entre jornalistas e jornais e o regime ditatorial, ao passo que parte dos demais tangencia a atuação da imprensa. Do corpus de material preparado para a edição, 50 são depoimentos coletados para o especial ‘Ecos da Ditadura’. A imprensa golpista A edição republica o artigo ‘Jornalismo golpista’, de Juremir Machado da Silva, que é enfático ao afirmar que “os intelectuais jornalistas traíram o compromisso com a verdade e com a independência por desinformação, conservadorismo e ideologia”. Ao criticar os jornalistas da época, a revista esquece de informar os limites impostos aos jornalistas. As empresas jornalísticas impuseram regras severas de censura nas redações. Figura 4: Jornalismo golpista, especial ’50 anos do golpe’, CartaCapital
Fonte: acervo dos autores
O conservadorismo da imprensa Em CartaCapital, há a representação de uma imprensa que se rende à ideologia do conservadorismo e que opta por não informar tudo o que sabe. Não há, no entanto, informações sobre a prisão de jornalistas em todo o país. Diferentemente da abordagem do especial da Folha, eximindo a imprensa dos acontecimentos do período ditatorial, opta por trazer ao texto elementos de temporalidades diversas para mostrar o papel desempenhado pela imprensa como personagem. Recompondo a verdade Outra característica marcante do especial é o destaque dado à Comissão Nacional da Verdade. A leitura de cada um dos testemunhos remete à dor que paira sobre aqueles que sofreram, direta ou indiretamente, com o autoritarismo. A sensação de esquecimento público que os personagens possuem em relação ao que ocorreu durante a ditadura transparece em meio aos depoimentos. Desenterrando a história “Mais do que um resgate à memória, os textos lançam luz sobre os atores de uma História interrompida por um Estado de exceção. Ao serem lembrados, servem como um apelo para que os erros que levaram ao golpe não voltem jamais a acontecer” (CARTACAPITAL, 2014). Análise final A expressão ‘é preciso lembrar’ nos remete à necessidade de resgatar uma memória que faz parte da nossa história e que precisa ser recontada. A memória do passado se volta para a construção de um futuro livre dos traumas. Para esta construção, é importante que os acontecimentos do passado possam ser resgatados de um fundo de memórias onde estão adormecidos e possam ser examinados à luz da verdade, livres de injunções políticas. Referências • CARTACAPITAL. Ecos da Ditadura: Especial lembra 50 anos do golpe civil-militar. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/especial-lembra-50- anos-do-golpe-contra-jango-6874.html>. Acesso em: 26. mar. 2017. • _________. “Matei quando foi necessário”, diz torturador. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/matei-quanto-foi-necessario-diz- torturador-1850.html>. Acesso em: 25 mar. 2017. • FOLHA DE S.PAULO. O golpe e a ditadura militar. Disponível em: <http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a-ditadura-militar/>. Acesso em: 23 mar. 2017. • FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. • HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad.: Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 1997. • HALL, Stuart. Representation. Londres: Sage Publications, 2009. • JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. Madrid: Siglo Veintiuno de España Editores, 2002. • MACIEL, Lício. Depoimento. In: FOLHA DE S.PAULO. O golpe e a ditadura militar. Disponível em: <http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a- ditadura-militar/>. Acesso em: 23 mar. 2017. • SILVA, Juremir Machado da. Jornalismo golpista. Depoimento à revista Carta Capital. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/revista/793/jornalismo- golpista-1057.html>. Acesso em: 25 mar. 2017. Obrigada
Andrea Zhouri - O Fantasma Da Internacionalizacao Da Amazonia Revisitado. Ambientalismo, Direitos Humanos e Indigenas Na Perspectiva de Militares e Politicos Brasileiros