O termo democracia deriva da junção dos vocábulos gregos demos (povo) e
kratos (poder). O conceito de democracia como “poder do povo” surgiu na Grécia antiga, aproximadamente no século V a.C. O conceito de democracia assumiu diferentes significados ao longo da história e de acordo com o contexto. Em algumas sociedades, a ideia de democracia diz respeito apenas à esfera política (votar e ser votado, por exemplo). Em outras, aplica-se também a áreas da vida econômica, social e cultural. A democracia não foi o sistema político predominante na história. Desde a sua formulação na Grécia até o século XIX, poucos governos a adotaram e, quando o fizeram, foi sempre em resposta à luta dos diferentes grupos excluídos do processo de tomada de decisão política. Foi, portanto, sempre uma conquista dos segmentos sociais segregados. Ágora ateniense, símbolo da democracia Grega, com a Acrópole ao fundo. Neste espaço, os cidadãos reuniam-se para tomar decisões sobre a cidade, atuan- do politicamente de forma direta, sem representantes ou governantes. Expressões históricas da democracia
Ao longo da sua trajetória, a democracia tem se apresentado de
diferentes formas: Democracia direta - Neste modelo, todos os cidadãos devem intervir diretamente nas questões públicas. O conceito de cidadão está associado à participação, pois cada cidadão interfere diretamente nos interesses do Estado. Na prática, o exercício da democracia direta consiste na discussão sem intermediários das principais questões de interesse comum. Democracia representativa - O modelo se caracteriza pela representação política. As deliberações coletivas não são tomadas diretamente pelos cidadãos, mas por pessoas eleitas para tal finalidade representantes políticos como prefeitos, presidente, governadores, deputados, senadores e vereadores. A participação dos cidadãos é indireta, periódica, formal e se expressa por meio das instituições eleitorais. Democracia participativa - Surgiu como forma de superação das deficiências do sistema representativo que, em muitos casos, mostrou- se incapaz de garantir os interesses da maioria dos cidadãos. Visa ampliar a participação social nos assuntos públicos e reduzir a distância entre representantes e representados. Baseia-se na articulação de grupos sociais em rede que, por meio de reuniões, discutem e votam propostas que orientam as ações governamentais. Teoria democrática moderna
Na Idade Moderna, a partir de meados do século XVI, surgiu a ideia de
autonomia do indivíduo, que deu origem ao individualismo e ao liberalismo político. A concepção de democracia que evolui com base nesses princípios assume um perfil bastante diferente daquele desenvolvido na Grécia antiga. Se antes a democracia estava relacionada à ideia de igualdade, em sua versão moderna passa a vincular-se primordialmente à ideia de liberdade. De acordo com os ideais liberais, o principal dilema político fundamentava-se na limitação do poder do soberano (que às vezes confundia-se com o próprio Estado) e na ampliação das liberdades individuais, como o direito à propriedade material e o de defender-se judicialmente. Até hoje, grande parte do debate político sobre a democracia tem como tema a defesa ou a crítica aos ideais liberais. Thomas Hobbes (1588-1679) Os homens, quando em estado de natureza (isto é, compartilhando do direito de agir como desejam, em razão de não haver limitação legal contrária a isso), tendem a agir pela força e pela violência para conseguir o que desejam o que acaba provocando a guerra de todos contra todos. Por isso, para disciplinarem a si mesmos e garantirem seu bem-estar, seria necessário firmar um contrato social, regulado por uma autoridade soberana (monarca). Esse poder absoluto, no entanto, não se justifica pelas teorias do direito divino dos reis, mas sim pela transferência dos direitos dos indivíduos ao soberano. É em nome desse contrato social que o poder deve ser exercido, e não para a realização da vontade pessoal do governante. John Locke (1632-1704) O poder soberano deve permanecer nas mãos dos cidadãos, que são os melhores juízes de seus próprios interesses. Cabe ao governante retribuir a delegação de poderes, garantindo a todos os direitos individuais: segurança jurídica e propriedade privada. Para Locke, o princípio da maioria é fundamental para o funcionamento das instituições políticas democráticas e das leis: devem valer para todos. Por isso, a elaboração das leis deve estar a cargo de representantes escolhidos pelo povo, que exerceriam o papel de legisladores no interesse da maioria: o regime político proposto por Locke é, portanto, uma democracia representativa. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) A desigualdade causada pela existência da propriedade privada seria a causadora de todos os males que assolam o ser humano. Diante disso, em um contrato social que visasse melhor convivência entre os indivíduos seria preciso definir a questão da igualdade e do comprometimento entre todos. Se a vontade individual é particular, a do cidadão (que vive em sociedade e tem consciência disso) deve ser coletiva, devendo haver interesse no bem comum. A participação política é, então, ato de deliberação pública, que organiza a vontade geral e traduz os elementos comuns a todas as vontades individuais. Este seria, portanto, o núcleo do conceito de democracia. O autor afirma que a democracia só pode existir se for diretamente exercida pelos cidadãos, sem representação política, pois a vontade geral não pode ser representada, mas exercida diretamente. Montesquieu e os três poderes Partindo do princípio de que era necessário um controle externo para que os sistemas políticos funcionassem bem, Montesquieu (1689-1755) defendeu a criação de regras que estabelecessem limites aos detentores do poder, de forma a manter a democracia política e a liberdade dos indivíduos. Por isso propôs a divisão da esfera administrativa em três poderes ou funções independentes entre si: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Caberiam ao Poder Legislativo as funções de fiscalizar o Poder Executivo, elaborar e votar leis de interesse público nas instâncias relativas (municipal, estadual e federal) e, em situações específicas, julgar autoridades como o presidente da República ou os próprios membros da assembleia. O Executivo seria o poder do Estado, que, nos moldes da constituição de um país, teria por atribuição governar a nação e administrar os interesses públicos. O Judiciário seria exercido pelos juízes, cujas capacidade e prerrogativa de julgar estariam baseadas nas regras constitucionais e nas leis criadas pelo Poder Legislativo. Marx e Engels
Karl Marx e Friedrich Engels acreditavam que um governo democrático
era inviável numa sociedade capitalista, diante das limitações impostas pelas relações de exploração e dominação entre classes. Para alcançá- lo seria necessário, portanto, mudar as próprias bases da sociedade. Para eles, os princípios que protegem a liberdade dos indivíduos e defendem o direito à propriedade tratam os indivíduos como iguais apenas formalmente. Sendo assim, as democracias liberais seriam limitadas pela prevalência das desigualdades de classe, tornando restritas as opções políticas. Nas palavras de Marx, na democracia liberal, o capital governa. Teoria democrática contemporânea
Ao partir do século XIX, a teoria democrática foi desenvolvida a partir do confronto
entre pelo menos duas expressivas doutrinas políticas: o liberalismo e o socialismo. O liberalismo defende a limitação dos poderes governamentais, buscando a proteção dos direitos econômicos, políticos, religiosos e intelectuais dos indivíduos. Para os liberais, a liberdade depende da menor interferência possível do Estado e das leis. Para a doutrina socialista, o sufrágio universal é apenas o início do processo de democratização do Estado, enquanto para o liberalismo é o ponto de chegada. Alguns dos principais teóricos do socialismo, como Antonio Gramsci e Rosa Luxemburgo, afirmam que o aprofundamento do processo de democratização, na perspectiva das doutrinas socialistas, ocorre por meio da crítica à democracia e pela ampliação da participação popular e do controle do poder por meio dos chamados conselhos operários. Com isso, a regulação da democracia passaria a acontecer nos próprios locais de produção, tendo como protagonista o trabalhador real, não o cidadão abstrato da democracia formal. Antonio Gramsci (1891- 1937) Rosa Luxemburgo (1871- 191 John Kenneth Galbraith (1908-2006)
Dois são os maiores inimigos
da democracia: a miséria e a ignorância. “Quem luta contra eles são os verdadeiros defensores da democracia e não aqueles que bombardeiam países ou invadem territórios”. Cidadania e direitos humanos
Analisando a história de seu país, o sociólogo britânico Thomas Humphrey Marshall
percebeu a ocorrência de três ondas sucessivas de consolidação de direitos. A partir delas, Marshall estabeleceu uma divisão dos direitos de cidadania em três categorias: Direitos civis – garantia das liberdades individuais, tais como a possibilidade de pensar e se expressar de maneira autônoma, liberdade de ir e vir, de poder constituir associação coletiva e firmar contratos comerciais, entre outros. Direitos políticos – estabelece a possibilidade de participação dos indivíduos nas diversas relações de poder presentes em uma sociedade, em especial a escolha de representantes, a candidatura a qualquer tipo de cargo elegível e a manifestação em relação a possíveis transformações a serem realizadas. Direitos sociais – vistos como essenciais para a construção de uma vida digna a partir de padrões de bem-estar coletivamente estabelecidos, como emprego, educação, saúde, lazer e moradia. Thomas Humphrey Marshall (1893-1981)
O conceito de cidadania está em permanente
construção, pois a humanidade está sempre em luta por mais direitos, maior liberdade e melhores garantias individuais e coletivas. A divisão entre direitos civis, políticos e sociais não nos deve levar a perder de vista uma característica intrínseca aos direitos humanos, que é sua indivisibilidade. Isto é, os direitos não podem ser exercidos de maneira parcial ou fragmentada. Democracia, cidadania e direitos humanos no Brasil O sistema político brasileiro preenche, formalmente, os requisitos mínimos de uma poliarquia, ou seja, sistema democrático em que o poder é atribuído com base em eleições livres e em que há ampla participação política e concorrência pelos cargos eletivos. Esse sistema implica disputa pelo poder, tolerância à diversidade de opiniões e oposição política. No entanto, o que se percebe é que essa estrutura formal não garante a democratização dos recursos socialmente produzidos, como os bens, os direitos e os serviços básicos proporcionados pelo Estado. Sendo assim, destaca-se que a questão democrática vai além do estabelecimento das regras formais que caracterizam a democracia como regime. É necessário ampliar a cidadania para reduzir a distância entre as esferas formal e real. Para que essa correspondência entre a cidadania formal e a cidadania real seja estabelecida, é necessária uma constante luta para a implementação dos direitos, por meio tanto de ações da sociedade civil quanto de políticas públicas.
Democracia e Jurisdição Constitucional: a Constituição enquanto fundamento democrático e os limites da Jurisdição Constitucional como mecanismo legitimador de sua atuação