Componentes interculturais nos materiais de alemão como
língua estrangeira (ALE): um convite à crítica
Maria Labarta Postigo (2012) A aprendizagem de uma língua é muito mais que a aquisição de vocabulário e de estruturas linguísticas. Trata-se de um processo global, em que o estudante entra em contato com uma determinada forma de entender o mundo por parte de outra sociedade ou comunidade linguística. Esse processo pode servir-lhe, por um lado, para refletir e aprofundar conhecimentos sobre a sua própria cultura e, por outro, para entender, dialogar e se comunicar com os membros da nova comunidade linguística. (p. 429) (...) cultura é um sistema de conhecimentos ou programação coletiva da mente adquirida socialmente e que influencia a percepção, o pensamento e a forma de agir dos indivíduos pertencentes a um grupo social. Consequentemente, para apreendermos a língua de uma comunidade e podermos nos comunicar com seus membros, precisamos, necessariamente, além dos conhecimentos linguísticos, de outros conhecimentos sobre a(s) sua(s) cultura(s). (p. 431) No enfoque intercultural do ensino de LE, a ênfase é colocada na ideia de que a cultura é um conceito muito abrangente, que inclui também, além das regras de comportamento social, um conjunto de crenças e valores que mostram uma visão particular do mundo e que contribuem para se compreender os comportamentos de cada sociedade. Precisamente, na literatura alemã se desenvolve o termo Kulturverstehen (compreensão de cultura) ou Fremdverstehen (compreensão do desconhecido) como uma das bases fundamentais da aprendizagem intercultural. Esta aprendizagem consistiria não só na sensibilização do aprendiz para o estudo de conteúdos socioculturais, partindo-se da premissa de que todos os povos apresentam comportamentos culturalmente condicionados, mas também no fomento de atitudes empáticas e compreensivas em relação às outras culturas, desde a comparação entre a própria cultura e a cultura alvo. (p. 432) Segundo Pauldrach (1992, p. 38), a cultura, quando trabalhada, é realizada nos dois sentidos: da cultura origem à de chegada, e da cultura de objeto de estudo à de origem. É sob esta ótica que aqui entendemos o trabalho com interculturalidade na aula de ALE. Estamos convencidos de que adquirir uma competência intercultural deve ser um dos principais objetivos do ensino e aprendizagem de LE. Para que os estudantes possam adquirir essa competência, precisamos, em primeiro lugar, fazer com que eles tornem-se conscientes da(s) sua(s) cultura(s). Sendo assim, a competência intercultural permitirá aos aprendizes atingir os seguintes objetivos: • Desenvolver a habilidade necessária para localizar e organizar informações sobre a própria cultura e a cultura alvo, além de estimular a curiosidade intelectual por esta última; • Desenvolver uma atitude crítica a respeito das imagens que percebem e recebem através da mídia em geral, incluindo a internet, os livros etc. sobre a sua cultura e as culturas outras, e ensiná-los a interpretar essas informações; • Desenvolver a capacidade de avaliar e realizar generalizações sobre a cultura alvo, partindo de fatos reais e autênticos e não de preconceitos ou estereótipos. (pp. 432-433) No enfoque cognitivo ou clássico, o ensino de cultura limitava-se à cultura como Landesbild (imagem do país), quer dizer, a História, a Literatura, a Geografia, as Artes Plásticas etc. Esses conteúdos não estavam integrados às aulas de língua, tinham tempo e espaços próprios dentro dos chamados cursos de Landeskunde (cultura do país), ministrados somente em níveis avançados e como formação complementar do aprendiz de LE. Por isso, se analisarmos os manuais publicados antes dos anos 1970, comprovaremos que os conteúdos socioculturais não estavam comumente integrados ao processo de aprendizagem. Já a partir dos anos 1980, com o enfoque comunicativo, os manuais incluem alguns aspectos socioculturais que vão além do mencionado Landesbild e começam a dar importância à denominada Alltagskultur ou cultura do cotidiano. Em manuais publicados nesta época (Sprachbrucke, Deutsch Aktiv Neu, entre outros) encontramos exemplos de atividades em que se trabalham as regras sociais, caso fôssemos convidados para um jantar na casa de uma família alemã. No entanto, é a partir de finais dos anos 1980 que o enfoque intercultural começa a ter relevância e vai se desenvolvendo e marcando cada vez mais a sua presença nos manuais de ALE até a atualidade. (p. 435) Quais são e de que forma aparecem os aspectos socioculturais nos materiais didáticos atuais? Como se trabalha a interculturalidade? Que tipo de informações, tarefas e exercícios os livros didáticos apresentam para tratar da interculturalidade? Os aspectos socioculturais, que incluem também a escolha dos temas tratados, são adequados às realidades e contextos sociais das línguas a que fazem referência? O enfoque intercultural pode ir além da comparação entre culturas. Em geral, achamos que grande parte dos exemplos nas seções sobre interculturalidade ou aspectos socioculturais dos livros analisados se dedica em proporcionar informações ou conhecimentos sobre costumes e regras de comportamento na sociedade da língua alvo, fazendo, na sequência, apenas uma comparação superficial entre a cultura do aprendiz e aquela da língua estudada. Somos da opinião de que no confronto com a nova língua, por ser o objeto direto de aprendizagem, os aspectos culturais, valores, regras, crenças, formas de comportamento etc. deveriam ser colocados em outro nível da aprendizagem, já que, à luz de metodologias mais atuais, estes não têm que ser internalizados nem imitados pelos estudantes. Ao contrário, os aprendizes precisam conhecer a cultura do outro e estabelecer um diálogo com a sua própria cultura. Em geral, encontramos temas neutros como viagens, compras, comidas e bebidas, vestuário, entre outros. Contudo, estão ausentes aspectos socialmente problemáticos e desafiadores como altas taxas de desemprego, racismo, alcoolismo, a violência etc., que constituem também o contexto cotidiano dos países da língua alvo. Este fato não é exclusivo dos livros de ALE, muito pelo contrário, parece um reflexo do que acontece com os materiais didáticos de inglês L2/LE, já que o mundo anglo-saxão é pioneiro no âmbito do ensino de LE e serve também de referência para outras línguas. Sob essa ótica, Akbari (2008, p. 281) afirma o seguinte a respeito dos livros didáticos de inglês: “A maioria dos livros didáticos usados em cursos de inglês tem sido anestesiada e tornada social e políticamente inofensiva para um público internacional” . Diante da discussão apresentada, concluímos que está em nossas mãos, professores de LE, o papel de tentar compensar essas deficiências. Enquanto o mercado de materiais didáticos de LE não nos oferecer melhores ferramentas que abordem de forma clara e sistemática os aspectos socioculturais de diferentes comunidades, podemos, como alternativa, utilizar outros recursos que estão ao nosso alcance (livros, revistas, filmes, materiais da internet etc.) e a nossa criatividade para recriar formas de ensinar nossos estudantes a se aproximar e entender as novas culturas. (p.442) [...] nossa prática não deve limitar-se aos aspectos formais, mas sim e, principalmente, preocupar-se com a formação geral dos alunos como cidadãos, o que em línguas estrangeiras se possibilita na medida em que permite-se que o aprendiz conheça-se a si mesmo, seu ambiente, sua cultura, sua idiossincrasia, sempre a partir da comparação com o que lhe é ‘estrangeiro’. Este diálogo, se feito desde o reconhecimento das diferenças que nos constituem, somente pode nos levar à consciência de que somos parte de um complexo conjunto de identidades. Portanto, ensinar e aprender línguas estrangeiras é uma oportunidade inigualável para se promover a interação entre o mundo do aprendiz e o mundo da língua/cultura alvo”. Paraquett (2009, p. 20) LABARTA POSTIGO, M. Componentes interculturais nos materiais de alemão como língua estrangeira (ALE): um convite à crítica. In: SCHEYERLS, D.; SIQUEIRA, S. (Org.). Materiais Didáticos Para o Ensino de Línguas na Contemporaneidade: Contestações e Proposições. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/16424/1/MATERIAISDIDATICOS_Reposi torio.pdf . Acesso em: 18 març. 2018. PARAQUETT, M. Linguística Aplicada, inclusión social y aprendizaje de español en contexto latinoamericano. Revista Nebrija de Linguística Aplicada, California, v. 6, n. 3, p. 47-52, 2009.