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Compilação, Transcrição e
Reprodução Eletrônica:
Luiz Edgar de Carvalho
Mens Sana
Publicações Eletrônicas
Para Ler e Pensar
Março, 2011
Apresentação
Jesus. Aproximação histórica é um livro que suscitou uma enorme polêmica na Europa,
especialmente na Espanha. O autor do livro é José Antonio Pagola, teólogo, autor de
diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Mais de 80 mil exemplares do livro
foram vendidos na Espanha. Duramente questionado pela Conferência Episcopal
Espanhola, o livro já foi traduzido em diversas línguas e também já publicado, no
Brasil, pela Editora Vozes.
O debate suscitado pelo livro está lembrado nos artigos reproduzidos a seguir, coligidos
de Notícias do Dia, publicadas diariamente na página do Instituto Humanitas Unisinos
– IHU Online.
Completando esta edição é discutido o tema do livro em entrevistas especiais,
publicadas na Revista IHU On-Line. No final, traz também uma resenha do livro feita
por Faustino Teixeira e dois textos extraídos do livro: a Apresentação e o Epílogo.
Foram entrevistados Andrés Torres Queiruga, teólogo, professor da Universidade de
Santiago de Compostela, na Espanha, Jacques Schlosser, exegeta, professor na
Faculdade de Teologia de Strasbourg (Université Marc Bloch), Carlos Palacio, teólogo,
superior provincial da Companhia de Jesus no Brasil, Francisco Orofino, teólogo,
professor no Seminário Paulo VI, de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro e Faustino Teixeira,
professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de
Juiz de Fora.
Sumário
Artigos:
— O segredo de um fascinante Galileu, de Faustino Teixeira
— “A tarefa urgente da Igreja atual é voltar a Jesus”, Pagola no sítio Religión
Digital
— O basco Pagola e o norte-americano John P. Meier, de Carlos Aizpurua
Entrevistas:
— Jesus pode ser um desafio muito perigoso para a Igreja atual''. José Pagola
— Faustino Teixeira: O Jesus de Pagola
— Andrés Torres Queiruga: “Em Jesus se realiza o melhor de nós”
— Francisco Orofino: Jesus: um apaixonado por Deus e pelas pessoas
— José Ignacio González Faus : A humanidade de Jesus como divindade e amor
— Jacques Schlosser: Jesus: o profeta da Galileia
— Carlos Palacio: Humanamente divino e divinamente humano
Resenha
— Jesus. Aproximação histórica. Por Faustino Teixeira
Extratos do Livro:
— Prólogo
— Epílogo
Pagola e os inquisidores
IHU Online: 22/3/2011
A Congregação para a Doutrina da Fé, ou seja, a atual Inquisição,
abriu um processo contra o livro Jesus. Aproximação histórica do teólogo
basco José Antonio Pagola, para verificar se está de acordo com a doutrina
da Igreja, embora a edição revisada da obra (a 9ª) tenha o Nihil Obstat
(Nada a Opor) e o Imprimatur (Imprima-se) do ex-bispo de Donosti, Juan
María Uriarte. A iniciativa de Roma se dá três anos após o livro estar nas
livrarias e tem sua origem nas pressões do núcleo mais integrista da
Conferência Episcopal Espanhola, que publicou uma nota contra os
conteúdos do livro. Mesmo que o nome do dicastério tenha mudado, os
processos inquisitoriais continuam, porque os envolvidos sequer sabem do
que são acusados, não sabem quem são seus censores e não podem preparar
sua defesa.
A reportagem está publicada na revista El Ciervo, 21-03-2011. A
tradução é do Cepat.
O caso é que o número dois da Congregação vaticana, Luis
Francisco Ladaria, era favorável a Pagola. O grupo acusador ignorou
Ladaria para que o próprio presidente, o cardeal norte-americano William
Joseph Levada, se envolvesse diretamente na questão. Contudo, o livro de
Pagola tem importantes defensores. O cardeal Gianfranco Ravasi, um
verdadeiro peso pesado do Vaticano, que preside o Pontifício Conselho
para a Cultura, acaba de recomendar o livro do teólogo basco na revista
italiana Il Sole 24 Hore. Ravasi é um renomado biblista e considera a obra
um estudo muito valioso para guiar os leitores não iniciados no
conhecimento da história de Jesus. O artigo de Ravasi não caiu nada bem
no grupo da hierarquia espanhola que persegue Pagola, em especial o bispo
de Córdoba, Demetrio Fernández, que iniciou a cruzada contra o livro, e o
próprio porta-voz da Conferência, o jesuíta Martinez Camino. De fato,
uma iniciativa de diálogo com os não crentes (conhecida como Átrio dos
Gentios), que teria Ravasi como protagonista em Madri, por ocasião de
uma publicação religiosa, foi suspensa por instâncias eclesiais de alto nível.
A perseguição ao livro de Pagola se deu em um momento da Igreja
espanhola de acosso sem precedentes ao pluralismo teológico. Pagola
respondeu em bloco aos seus perseguidores em uma reflexão de 50 páginas
intitulada ‘A verdade nos libertará’, na qual defende seu trabalho e
desmonta as acusações. Monsenhor Uriarte adotou uma postura corajosa
e se envolveu pessoalmente no embate entre Pagola e os fundamentalistas.
Por solicitação de Uriarte, o teólogo concordou em realizar uma releitura
de seu trabalho, esclarecendo a natureza do livro e introduzindo
modificações para dissipar interpretações incorretas. Uriarte concedeu a
permissão para a impressão. Os inimigos de Pagola levantaram o grito ao
céu, enviaram o livro a Roma e, após fortes pressões, conseguiram que a
Editora PPC ordenasse a retirada dessa edição, abençoada por Uriarte, de
todas as livrarias.
O livro Jesus. Aproximação histórica [Vozes, 2010] foi traduzido
para sete idiomas. Foi um grande sucesso de vendas, um best seller
singular para uma obra com estas características. Foram feitas nove
edições, está sendo pirateado pela internet e um missionário basco o
traduziu para o japonês. A popularidade alcançada motivou o zelo censor
do integrismo. O jesuíta González Faus escreve a este respeito que “muitas
autoridades eclesiásticas inquisidoras ficam tão incomodadas com a palavra
“Jesus” que ordenaram para que nos catecismos e livros de texto, não se
diga Jesus, mas Cristo. Talvez por isto estamos hoje assistindo a cruéis
perseguições que se justificam pelo fato de que alguns (pensemos em Jon
Sobrino ou José Antonio Pagola) negam a divindade de Jesus. Não é que
a neguem. É que através de Jesus se dá a Deus um rosto que não é aquele
que os inquisidores quiseram. Porque os põe em evidência. Eu mesmo, no
meu livro El Dios presente. Confesiones de un viejo cristiano (Kairós,
2010) reconheço a dívida contraída com o Jesus histórico, assim como
descrito por Pagola. É um modelo de erudição, de rigor teológico e de
profundidade espiritual. Creio que foi a primeira vez que, sem
sentimentalismo algum, o relato da paixão e morte de Jesus me emocionou
até às lágrimas. Isso é para mim um sinal de que a própria humanidade do
Cristo é o melhor argumento de sua divindade. Se a teologia clássica
colocava a ênfase na divindade de Jesus, a nova cristologia destaca a
divindade em Jesus. Não endeusa o humilde galileu: o entusiasma. Como
disse outra vítima da Inquisição, o teólogo franciscano Leonardo Boff: “Só
Deus pode ser tão humano”.
Artigos
O segredo de um fascinante galileu
Faustino Teixeira comenta o livro Jesús, aproximación histórica de José Antonio
Pagola, alvo de intensa polêmica na Espanha. Traduzido em várias línguas, a tradução
brasileira foi lançada pela Vozes.
Faustino Teixeira, parceiro do IHU, é doutor e pós-doutor em teologia pela Pontifícia
Universidade Gregoriana, de Roma. É professor-associado e pesquisador do
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz
de Fora (PPCIR-UFJF), em Minas Gerais.
O artigo foi publicado para o portal Amai-vos e nos foi enviado pelo autor.
Eis o artigo
Em tempos de “inverno eclesial”, a leitura do livro de José Antonio Pagola sobre Jesus
( Jesús, aproximación histórica. 8 ed. Madrid: PPC, 2008) é reconfortadora e
motivadora de uma renovada perspectiva evangélica. Vivemos tempos difíceis no
âmbito das igrejas: de insulamento dogmático, fechamento aos outros e sedução
fundamentalista. Em diversos segmentos, verifica-se um clima de desconfiança no
potencial transformador das igrejas, muitas vezes fundado em razões que são sólidas.
Em recente artigo publicado no jornal espanhol El País (01/03/2009), o filósofo
italiano, Gianni Vattimo lança seu desencanto com as religiões. A seu ver, “em muitos
aspectos da vida atual, as religiões já não contribuem com uma existência humana
pacífica nem representam um meio de salvação”. São, na verdade, “um poderoso fator
de conflito em momentos de intercâmbio intenso entre mundos culturais diferentes”.
Pode-se discutir a validade da interpretação desse renomado filósofo italiano, mas suas
palavras devem provocar, permanentemente, o nosso discernimento para uma atuação
eclesial mais viva e libertadora.
O livro de Pagola surge como uma brisa refrescante nessa pesada conjuntura
eclesiástica. Há que refletir sobre as razões do sucesso dessa obra, que em apenas seis
meses conheceu oito edições. Vem responder a anseios abafados, a sonhos não
concretizados e teimosas esperanças de um horizonte eclesial alternativo. Infelizmente,
essa obra vem enfrentando duras resistências na Igreja espanhola: como exemplos, a
carta pastoral de Mons. Demetrio Fernández (bispo de Tarazona) e a nota de
clarificação da Conferência Episcopal Espanhola (junho de 2008). O argumento é
conhecido: as presumidas deficiências doutrinais em torno da abordagem sobre Jesus e
o seu afastamento da fé da Igreja. Vive-se hoje um clima de desconfiança diante da
reflexão teológica, sobretudo quando ela ousa pensar o cristianismo de forma aberta e
corajosa. Como assinalou o teólogo José Ignácio González Faus em artigo na revista
Concilium (326 – 2008/3), “a Congregação para a Doutrina da Fé resvala hoje
perigosamente para um monofisismo que, como já advertiu Rahner, é a vertente mais
fácil para falsificar a fé na divindade de Jesus Cristo e ´está latente nas cabeças de
muitos cristãos`”.
No início de sua obra, Pagola apresenta as razões de sua investigação histórica sobre
Jesus. Sua motivação maior é captar “o segredo que se encerra nesse fascinante galileu,
nascido há dois mil anos numa insignificante aldeia do Império romano”. Lança a
questão: “Quem foi esse homem que marcou decisivamente a religião, a cultura e a arte
do Ocidente, a ponto de inclusive impor seu calendário?”. O objetivo do autor é lançar-
se numa séria investigação, a mais rigorosa possível, sobre essa figura fascinante: sobre
sua vida, suas lutas e a força e originalidade de sua atuação na história. E isso para saber
quem está na origem de sua fé cristã.
O livro começa com a investigação sobre Jesus como judeu na Galiléia, nas
proximidades de Nazaré. Trata-se de alguém que nasceu e se desenvolveu no meio de
uma família judia que habitava no campo. Ele “cresceu em torno da natureza, com os
olhos muito abertos ao mundo que o rodeava”, e isso se expressa na abundância de
imagens que emprega em sua fala, adornada com elementos de seu espaço circundante:
os pássaros do céu, as anêmonas das colinas de Nazaré, as ramas das figueiras, a beleza
do sol e a força das chuvas. O seu estilo de vida difere dos ascetas do deserto, pois vem
marcado pela vontade de vida e pelo toque festivo. Com ele convivem, sem
discriminações, os pecadores, excluídos e prostitutas. Todos se admiram com o seu
potencial de alegria e esperança. Dedica-se a algo que João Batista nunca fez: “curar
enfermos que ninguém curava; aliviar a dor das pessoas abandonadas, tocar os leprosos
que ninguém tocava, bendizer e abraçar as crianças e os pequenos”. Sua palavra-poesia
era um sedutor convite para “olhar a vida de forma diferente”. Todos sentiam-se tocados
e fascinados com sua presença e mensagem. Estavam diante de alguém que foi
apoderado pela força singular do reino de Deus. Pagola define a Jesus como um
“buscador de Deus”, um “profeta do reino de Deus”. É ao reino de Deus que ele dedica
suas forças e sua vida inteira: trata-se do núcleo essencial de sua pregação, de sua
convicção mais arraigada, que movimenta sua paixão e atividade.
A mensagem profética de Jesus impressionava particularmente os excluídos. A sua
forma de apresentar e falar de Deus “provocava entusiasmo nos setores mais sensíveis e
despossuídos da Galiléia. Era o que necessitavam ouvir: Deus se preocupa com eles”.
Mediante a linguagem poética, Jesus, na linha dos grandes profetas, encontrava a força e
o vigor para “sacudir as consciências e despertar os corações para o mistério do Deus
vivo”. Jesus apresenta a todos um Deus compassivo, de entranhas de misericórdia, que
acolhe com alegria a todos que necessitam de ajuda. Além de “poeta da compaixão”,
Jesus é também “curador da vida”: alguém que contagia saúde e vida, e junto a ele não
há lugar para a tristeza ou solidão.
Em seu itinerário de defesa dos últimos, sublinha que o caminho que conduz a Deus
passa, sobretudo, pela compaixão com os pequenos e excluídos. O código que marca
sua vida é o da compaixão: sua experiência de Deus não leva à exclusão ou isolamento,
mas à hospitalidade e acolhida. Assim o fez com os pecadores e publicados, e também
com as mulheres, que sempre receberam dele viva acolhida. As mulheres formavam
parte do grupo que o seguia desde o princípio e a ele permaneceram fiéis, tendo uma
presença bem significativa nos últimos dias de sua vida. Como assinala Pagola, as
mulheres permaneceram fiéis a Jesus todo o tempo, assumindo um papel protagônico na
dinâmica da fé pascal.
Não há como explicar a atuação profética de Jesus sem captar o mistério de sua relação
amorosa com Deus. Para Jesus, Deus não se reduz a uma teoria, mas é uma Presença
que o transforma interiormente e faculta a tonalidade de sua vida de abertura e
compromisso com os outros. A Deus, como Pai, dedica sua oração nos momentos
cruciais de sua caminhada. Jesus sempre se dirige a Deus como “Pai”, com quem
partilha confiança e intimidade. É o Pai do céu, que “não está ligado ao templo de
Jerusalém nem a nenhum outro lugar sagrado. É o Pai de todos, sem discriminação nem
exclusão alguma. Não pertence a um povo privilegiado. Não é propriedade de uma
religião. Todos podem invocá-lo como Pai”. O mistério de Deus é vivido por Jesus de
forma peculiar: nele encontra o “melhor ami go do ser humano” e o “amigo da vida”.
Viver hoje o seguimento de Jesus é dar continuidade a esse sonho de fraternidade,
irmandade e comensalidade. Para tanto, faz-se necessário colocar no centro de nossa
mirada o horizonte do reino de Deus, que é o único absoluto. Nesse tempo de forte
centralidade eclesiológica, há que buscar uma “eclesiologia negativa”, ou uma “teologia
da igreja em tom menor”, como bem mostrou o teólogo Edward Schillebeeckx. Uma
eclesiologia menos gloriosa e mais humilde, de modo a poder afinar os ouvidos e o
coração para se envolver na rica melodia da alteridade. O belo livro de Pagola é um
sinalizador positivo desse novo caminho a ser trilhado.
José Antonio Pagola:
''A tarefa urgente da Igreja atual é voltar a
Jesus''
O teólogo e biblista José Antonio Pagola, autor do best-seller "Jesús,
aproximación histórica" (Ed. PPC), concedeu uma entrevista exclusiva para
a Revista 21 sobre Cristo e seu radical desafio aos fiéis. "A tarefa urgente da
Igreja atual é voltar a Jesus", afirma Pagola. Segundo o biblista, talvez o traço
mais generalizado dos cristãos que ainda não abandonaram a Igreja é a
passividade.
A reportagem é do sítio Religión Digital, 26-02-2010. A tradução é de
Moisés Sbardelotto.
"Durante muitos séculos, educamos os fiéis para a submissão e a obediência.
A responsabilidade dos leigos e leigas ficou muito anulada". Para Pagola, "a
tentação mais grave da Igreja atual é fortalecer a instituição, endurecer a
disciplina, conservar de maneira rígida a tradição, levantar barreiras... É difícil
para mim reconhecer em tudo isso o Espírito de Jesus". Por isso, considera
que o restauracionismo pode nos levar a fazer uma religião do passado, cada
vez mais anacrônica e menos significativa para o homem e a mulher de hoje.
Em plena Quaresma e a um passo de celebrar a Paixão e a Glória de Jesus de
Nazaré, o teólogo confessa que lhe surpreende a "nossa perspicácia para ver o
pecado na sociedade moderna e a nossa cegueira para vê-lo em nossa Ig reja".
O basco Pagola e o norte-americano
John P. Meier
John P. Meier é um sacerdote católico, especialista na análise dos evangelhos, tendo
estudado na Universidade Gregoriana e no Instituto Bíblico de Roma, e agora é
professor, dá conferências e escreveu vários livros. José Antonio Pagola estudou
nessas mesmas instituições e, além disso, na Escola Bíblica de Jerusalém, e também é
professor, dá conferências e escreve livros. Ambos coincidem especialmente no fato de
terem escrito uma obra sobre Jesus com uma finalidade muito semelhante: uma
aproximação histórica.
A análise é de Carlos Aizpurua, publicada no jornal Noticias de Guipuzcoa, 10-03-
2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Entre essas duas obras, existe uma diferença que pode se dever à diferença de
de seus autores. Enquanto Meier se dedicou exclusivamente à pesquisa, Pagola foi
currículo
durante muitos anos vigário-geral da diocese, o que o obrigou a dedicar menos tempo à
pesquisa de livros para se entregar a tarefas que envolvem o contato cotidiano com as
pessoas e os problemas do mundo real.
Assim, a obra de Meier é eminentemente científica e especializada. Na realidade, ele já
publicou quatro tomos da obra na edição inglesa e provavelmente fará alguns mais. Por
outro lado, o livro de Pagola é um só tomo que, sem diminuição do rigor científico, é
mais pastoral e acessível. Mas o enfoque e a metodologia de ambos são os mesmos.
As dimensões da obra de Meier permitem-lhe expor extensamente essa metodologia em
seu primeiro tomo, desde a página 1 até a 201, o que Pagola faz de forma resumida.
Assim diz Meier nas primeiras linhas da introdução (vol. 1, p.1): "Por Jesus histórico,
entendo o Jesus que podemos recuperar, recobrar ou reconstruir utilizando os
instrumentos científicos da pesquisa histórica moderna". "Esse Jesus histórico sempre
será um construto científico, uma abstração teórica que não coincide nem pode coincidir
com a plena realidade de Jesus de Nazaré". "Meu método segue uma regra simples:
dispensa o que a fé cristã ou o ensinamento posterior da Igreja dizem sobre Jesus" (Cito
e traduzo a edição inglesa da obra "A Marginal Jew", vol. 1, Ed. Doubleday, New
York, 1991; vol. 2, 1994; vol. 3, 2001; vol. 4, Yale University Press, 2009).
Então, qual é a finalidade de seu trabalho de recuperação dessa "abstração histórica"?
Para explicar isso, Meier imagina um "conclave não papal" de quatro historiadores
especialistas do século I (um católico, um protestante, um judeu e um agnóstico), aos
quais ele tranca em uma biblioteca, da qual não sairão até que, baseando-se em fontes e
argumentos históricos, tenham concordado sobre um documento sobre quem foi Jesus e
quais foram suas intenções em seu próprio tempo e lugar.
Obter-se-ia assim, diz, um documento redutivo, sim, e minimalista, mas que estaria
aberto à verificação de toda pessoa que utilize unicamente os métodos históricos.
Teríamos um rascunho do que "toda pessoa razoável" poderia dizer sobre o Jesus
histórico. "Essa limitada declaração de consenso", acrescenta Meier", é o modesto
objetivo deste trabalho".
Essa metodologia de aproximação histórica, que Meier explica extensamente no tomo 1
(p. 1-201), ele volta a lembrar no começo dos tomos 2 (p. 4-6) e 3 (p. 9-12), enquanto
que no tomo 4, como se estivesse contestando os detratores de Pagola, ele insiste que
esse Jesus histórico não pretende ser "o Jesus real (a realidade total de tudo o que ele
disse e fez durante sua vida), nem o Jesus teológico, objeto da reflexão sistemática
baseada na fé cristã" (tomo 4, p. 12). Ele tenta ser a figura histórica sobre a qual os
especialistas do "conclave não papal" estariam de acordo.
E dá um exemplo. Esses especialistas estariam de acordo que Jesus "padeceu sob o
poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado", palavras que figuram na
confissão de fé da Igreja, mas que testemunham também um fato histórico afirmado
pelos historiadores romanos Flávio Josefo e Tácito, além de numerosas fontes cristãs
independentes entre si. O que eles não aceitariam como historiadores é que "por nós,
homens, e para a nossa salvação, foi crucificado".
Com esses pressupostos, Meier apresenta uma imagem do Jesus histórico que é muito
semelhante à da "aproximação histórica" de Pagola. Além disso, em alguns pontos
"delicados", como os irmãos de Jesus ou a virgindade de Maria depois do parto, pode
ser até mais radical. Ambos os autores utilizam a mesma metodologia. Meier analisa de
forma mais detalhada as fontes históricas e todos os episódios da vida de Jesus para
extrair dessas fontes o que é possível remontar até os anos mais próximos desse tempo.
Pagola faz isso de forma mais resumida, mas citando em suas abundantes notas as
opiniões dos pesquisadores mais importantes que trataram desses temas.
O documento de consenso, o que toda pessoa razoável – crente ou não – poderia admitir
como conclusão desse crivo histórico, isto é, a imagem do Jesus histórico à qual ambos
os autores chegam, é praticamente o mesmo: um homem de seu tempo que, baseando-se
em uma viva experiência de Deus e de intimidade com Ele, anuncia que, em sua pessoa
e nas obras que realiza, faz-se presente o Reino de Deus, que consiste principalmente na
acolhida dos pecadores e excluídos, a libertação e a cura das pessoas e a esperança de
uma vida plena de Deus.
Evidentemente, essa frase não pretende resumir os importantes traços históricos que
aparecem nos quatro tomos de Meier, nem os amáveis matizes de Jesus que Pagola
destaca, mas, na realidade, são essas características não eclesiásticas da pessoa de Jesus,
historicamente comprováveis, que incomodam os censores.
Pois bem, todos sabemos o que aconteceu com o livro de Pagola, a perseguição à qual
foi submetido e, por último, a retirada do livro por ordem de... quem? Por outro lado, da
obra de Meier, publicaram-se quatro tomos nos EUA com o "imprimatur" da diocese
de Nova York (o do quarto tomo tem a data do dia 16 de dezembro de 2008), e seus
três primeiros tomos foram traduzidos para o espanhol e publicados em quatro tomos
pela editora católica do Verbo Divino, com todas as permissões e sem que nenhum
membro da hierarquia espanhola tenha dito alguma coisa.
A que se deve essa diferença? Por que as autoridades eclesiásticas espanholas aprovam
a publicação da tradução da obra de Meier, o que implica que, como as norte-
americanas, entendem e aceitam sua metodologia, mas, por outro lado, acendem suas
fogueiras inquisitoriais contra o livro de Pagola?
Cabe pensar que não é provável que algum membro da citada hierarquia tenha tido a
paciência suficiente para engolir os quatro tomos de Meier com suas milhares notas.
Uma característica comum dos censores é a preguiça intelectual: não é preciso ler muito
para condenar. Além disso, talvez nem tenham ficado sabendo da sua existência. No
entanto, por que condenam Pagola? Se esse livro tivesse sido escrito por um teólogo de
qualquer outra diocese da Espanha (e existem e são bons, e muitos estão de acordo com
Pagola), teria ocorrido a mesma coisa?
Pagola não é norte-americano, é basco. E não só isso, foi durante muitos anos vigário-
geral de Dom Setién, bispo de San Sebastián, tão injuriado e frequentemente caluniado
por parte do nacionalismo espanhol. Não será que com essa perseguição tenta-se dar fim
ao que durante algumas décadas foi a Igreja basca? Uma Igreja que, após ter enfrentado
o franquismo, elevou sua voz com autoridade em defesa de seu povo durante os anos da
tão cacarejada democracia. Não será que tentam menosprezar essa Igreja, para implantar
a que as últimas nomeações episcopais fazem prever?
Se for assim, amigo José Antonio, sinto muito por ti. Coube a ti pagar. Mas, como
dizem na terra dos nossos estudos, "questo non finisce qui" [isso não acaba aqui]. São
inumeráveis os amigos que estão contigo e os leitores – crentes ou não – nos quais a
palavra do teu título irá frutificar. E, principalmente, tu sabes melhor disso do que
ninguém, existe a esperança do grão de trigo que dá fruto, do resto que irá renascer e
tantas outras imagens bíblicas que te ajudarão nestes momentos tão duros.
Entrevistas
''Jesus pode ser um desafio muito perigoso para a
Igreja atual''. Entrevista com José Pagola
IHUOnline - 4/10/2010
EPÍLOGO
Segundo um relato evangélico, ao caminhar pela região de Cesaréia de Filipe,
Jesus perguntou a seus discípulos o que se dizia a respeito dele. Quando eles o
informaram sobre os boatos e expectativas que começavam a originar-se entre o povo,
Jesus lhes perguntou diretamente: "E vós, quem dizeis que eu sou?"
Transcorridos vinte séculos, qualquer pessoa que se aproxima da figura de Jesus
com interesse e honestidade, encontra-se diante desta pergunta: Quem é Jesus?" A
resposta só pode ser pessoal. Sou eu que tenho que responder. Pergunta-se a mim o que
digo eu, e não o que dizem os concílios que formularam os grandes dogmas
cristológicos, não o que explicam os teólogos nem a que conclusões chegam hoje os
exegetas e investigadores de Jesus.
Também eu, ao longo deste estudo, perguntei-me mais de uma vez quem é
realmente Jesus para mim. Não é minha intenção confessar aqui minha fé em Jesus
Cristo. Deverei fazê-lo, como todos os cristãos, sobretudo com minha vida de cada dia.
O que quero efetivamente é compartilhar, com aqueles de vocês que se sentem cristãos,
algumas convicções que foram crescendo em mim com força, à medida que fui
avançando em meu esforço por aproximar-me da pessoa de Jesus.
Estas convicções não pretendem impor nada aos que pensam de maneira
diversa. São apenas expressão de minha fé em Jesus Cristo. Quero compartilhá-las com
vocês que amam a Jesus, crêem em seu projeto do reino de Deus e trazem bem no fundo
do coração a preocupação pelo destino da humanidade.
Voltar a Jesus
A primeira coisa e a mais decisiva é esta: pôr Jesus no centro do cristianismo.
Todo o resto vem depois, é secundário. O que pode haver de mais urgente e necessário
para os cristãos do que despertar entre nós a paixão pela fidelidade a jesus? Ele é o
melhor que temos na Igreja. O melhor que podemos of erecer e comunicar ao mundo de
hoje.
É essencial para os cristãos confessar Jesus Cristo como "Filho de Deus",
"Salvador do mundo" ou "Redentor da humanidade", mas sem reduzir sua pessoa a uma
"sublime abstração". Não quero crer num Cristo sem carne. Resulta-me difícil alimentar
minha fé só de doutrina. Não creio que nós cristãos possamos viver hoje motivados só
por um conjunto de verdades acerca de Cristo. Precisamos do contato vivo com sua
pessoa: conhecer melhor Jesus e sintonizar vitalmente com ele. Não encontro maneira
mais eficaz de aprofundar e enriquecer minha fé emJesus Cristo, Filho de Deus, feito
humano por nossa salvação.
Todos nós corremos certo risco de converter Cristo em "objeto de culto"
exclusivamente: uma espécie de ícone venerável, com rosto sem dúvida atraente e
majestoso, mas do qual ficaram apagados, em maior ou menor grau, os traços daquele
Profeta de fogo que percorreu a Galileia por volta do ano 30. Não precisamos hoje, nós
cristãos, conhecê-lo de maneira mais viva e concreta, compreender melhor seu projeto,
captar bem sua intuição de fundo e contagiar-nos com sua paixão por Deus e pelo ser
humano?
Nós cristãos temos imagens muito diferentes de Jesus. Nem todas coincidem
com a que tinham de seu Mestre querido os primeiros homens e mulheres que o
conheceram de perto e o seguiram. Cada um de nós nos fizemos uma ideia de Jesus;
temos nossa própria imagem dele. Esta imagem, interiorizada ao longo dos anos, atua
como "mediação" da presença de Cristo em nossa vida. A partir dessa imagem lemos o
evangelho ou ouvimos o que nos pregam; a partir dessa imagem alimentamos a fé,
celebramos os sacramentos e configuramos nossa vida cristã. Se nossa imagem
de.Jesus
é pobre e parcial,
experiência nossa
cristã de fé será
forma pobre .eEntre
distorcida parcial
nós; há
se cristãos
está distorcida, viveremos
bons, que crêem ema
Jesus e o amam sinceramente; será que não precisam muitos d eles "mudar" e
purificar sua imagem de Jesus, para descobrir com alegria a grandeza dessa fé que
trazem em seu coração?
C r e r n o D e u s d a v id a
Nestes tempos de profunda crise religiosa não basta crer em qua lquer Deus;
precisamos discernir qual é o verdadeiro . Não é suficiente afirmar que Jesus é Deus;
é decisivo saber qual Deus se encarna e se revela em Jesus. Parece-me muito
importante reivindicar hoje, dentro da Igreja e na sociedade contemporânea, o
autêntico Deus de Jesus, sem confundi-lo com qualque r "deus" elaborado por nós a
partir de medos, ambições e fantasmas que pouco têm a ver com a experiência de
Deus vivida e comunicada por Jesus. Não chegou a hora de promover essa tarefa
apaixonante de "aprender ", a partir de Jesus, quem é Deus, como ele é, como nos
sente, como nos busca, o que quer para os humanos?
Que alegria brotaria em muitos se pudessem intuir em Jesus os traços do
verdadeiro Deus! Como se inflamaria sua fé se captassem com olhos novos o rosto
de Deus encarnado em Jesus! Se Deus existe, parece-se com Jesus . A maneira de
ser, as palavras, os gestos e reações de Jesus são detalhes da revelação de Deus . Em
mais de uma ocasião, ao estudar como era Jesus, surpreendi-me a mim mesmo com
este pensamento: é assim que Deus se preocupa com as pessoas, é assim que ele
olha os que sofrem, é assim que procura os perdidos, é assim que abençoa os
pequenos, é assim que acolhe, é assim que compreende, é assim que perdoa , é assim
que ama.
Resulta-me difícil imaginar outro caminho mais segu ro para aproximar-nos
desse mistério que chamamos Deus. Ficou gravada bem no fundo de mim a maneira
como Jesus o vive. Vê-se imediatamente que, para ele, Deus não é um conceito,
mas uma presença amistosa e próxima que leva a viver e amar a vida de maneira
diferente. Jesus o vive como o melhor amigo do ser humano: o "Amigo da vida".
Não é alguém estranho que, de longe, controla o mundo e pressiona nossas pobres
vidas; é o Amigo que, de dentro, compartilha nossa existência e se converte na luz
mais clara e na força mais segura para enfrentar a dureza da vida e o mistério da
morte.
O que mais interessa a Deus não é a religião, mas um mundo mais humano e
amável. O que ele busca é uma vida mais digna, sadia e feliz para todos, a começar
pelos últimos. Disse-o Jesus de muitas maneiras: uma religião que vai contra a vida,
ou é falsa, ou foi entendida de maneira errada. O que faz Deus feliz é ver-nos
felizes, desde agora e para sempre. É esta a Boa Notícia que nos é revelada em
Jesus Cristo: Deus se nos dá a si mesmo como aquilo que ele é: Amor.
Viv e r p ar a o reino d e D e u s
Uma pergunta brota em quem procura sintonizar com Jesus: o que é para ele
o mais importante, o centro de sua vida, a causa à qual se dedicou por inteiro, sua
preferência absoluta? A resposta não oferece dúvida nenhuma: Jesus vive para o
reino de Deus. Esta é sua verdadeira paixão. Por essa causa se desvela e luta; por
essa causa é perseguido e e xecutado. Para Jesus, "só o reino de Deus é absoluto;
todo o resto é relatívo".
O que ocupa o lugar central na vida de Jesus não é Deus simplesmente, mas
Deus com seu projeto sobre a história humana. Jesus não fala de Deus
simplesmente, e sim de Deus e seu reino de paz, compaixão e justiça. Não chama as
pessoas a fazer penitência diante de Deus, mas a "entrar" em seu reino. Não
convida, simplesmente, a buscar o reino de Deus, mas a "buscar o reino de Deus e
sua justiça". Quando organiza um movimento de seguidores, que prolonguem sua
missão, não os envia a organizar uma nova religião, mas a anunciar e promover o
reino de Deus.
Como seria a vida se todos nos parecêssemos um pouco mais com Deus? É
este o grande anseio de jesus: construir a vida tal como Deus a quer. Será necessário
fazer muitas coisas, mas há tarefas que Jesus realça de maneira preferencial:
introduzir no mundo a compaixão de Deus; levar a humanidade a olhar para os
últimos; construir um mundo mais justo, começando pelos mais esquecidos; semear
gestos de bondade para aliviar o sofrimento; ensinar a viver confiando em Deus Pai,
que quer uma vida feliz para seus filhos e filhas.
Infelizmente, o reino de Deus é à vezes uma realidade esquecida por não
poucos cristãos. Muitos não ouviram falar desse projeto de Deus; não sabem que é a
única tarefa da Igreja e dos cristãos. Ignoram que, para olhar a vida com os olhos de
Jesus, é preciso olhá-la a partir da perspectiva do reino de Deus; para viver como
ele, é preciso viver com sua paixão pelo reino de Deus.
O que pode haver de mais importante para os seguidores de Jesus, neste
momento, do que comprometer-nos numa conversão r eal do cristianismo ao reino
de Deus? Esse projeto de Deus é nosso objetivo primeiro. A partir dele se nos
revela a fé cristã em sua verdade última: amar a Deus é ter fome e sede de justiça
como ele teve; seguir Jesus é viver para o reino de Deus com ele viveu; pertencer à
Igreja é comprometer-se com um mundo mais justo.
Seguir Jesus
Jesus não deixou atrás de si uma "escola", no estilo dos filósofos gregos,
para continuar aprofundando-se na verdade última da realidade. Tampouco pensou
numa instituição dedica da a garantir no mundo a verdadeira religião. Jesus pôs em
marcha um movimento de "seguidores" que se encarregassem de anunciar e
promover seu projeto do "reino de Deus". Daí provém a Igreja de Jesus. Por isso,
não há nada mais decisivo para nós do que reativar sempre de novo, dentro da
Igreja, o seguimento fiel à pessoa de J esus. O seguimento de Jesus é a única coi sa
que nos faz cristãos.
Embora às vezes o esqueçamos, é essa a opção primeira de um cristão:
seguir Jesus. Esta decisão muda tudo. É como começar a viver de maneira diferente
a fé, a vida e a realidade da cada dia. Encontrar, por fim, o eixo, a verdade, a razão de
viver, o caminho. Poder viver dando um conteúdo real à adesão a Jesus: crer no que ele
creu; viver o que ele viveu; dar importância àquilo a que ele dava importância;
interessar-se por aquilo pelo qual ele se interessou; tratar as pessoas como ele as tratou;
olhar a vida como ele a olhava; orar como ele orou; transmitir esperança como ele a
transmitia.
Sei que é possível seguir Jesus por caminhos diversos. O seguimento de
Francisco de Assis não é o de Francisco Xavier ou o de Teresa de Jesus. São muitos os
aspectos e matizes do serviço de Jesus ao reino de Deus. Mas há traços básicos que não
podem faltar num verdadeiro seguimento de Jesus. Assinalo alguns.
Seguir Jesus implica pôr no centro de nosso olhar e de nosso coração os pobres.
Situar-nos na perspectiva dos que sofrem. Fazer nossos seus sofrimentos e aspirações.
Assumir sua defesa. Seguir Jesus é viver com compaixão. Sacudir de nós a indiferença.
Não viver só de abstrações e princípios teóricos, mas aproximar-nos das pessoas em sua
situação concreta. Seguir Jesus pede desenvolver a acolhida. Não viver com
mentalidade de seita. Não excluir nem excomungar. Fazer nosso o projeto integrador e
includente de Jesus. Derrubar fronteiras e construir pontes. Eliminar a discriminação.
Seguir Jesus é assumir a crucificação pelo reino de Deus. Não deixar de definir-
nos e tomar partido por medo das consequências dolorosas. Carregar o peso do
"antirreino" e tomar a cruz de cada dia em comunhão com Jesus e os crucificados da
terra. Seguir Jesus é confiar no Pai de todos, invocar seu nome santo, pedir a vinda de
seu reino e semear a esperança de Jesus contra toda esperança.
Construir a Igreja de Jesus
Falar de Jesus e da Igreja é decisivo, mas também delicado e às vezes conflitivo.
Nem todos os cristãos temos a mesma visão da realidade eclesial; nossa perspectiva e
índole, nosso modo de perceber e viver seu mistério é, com frequência, não só diferente,
mas contraposto. Jesus não separa nenhum crente de sua Igreja, não o põe em confronto
com ela. Ao menos esta é minha experiência. Na Igreja eu encontro Jesus como em
nenhum outro lugar; nas comunidades cristãs ouço sua mensagem e percebo seu
Espírito.
Alguma coisa, no entanto, está mudando em mim. Amo a Igreja assim como ela
é, com suas virtudes e seu pecado, mas agora, cada vez mais, amo-a porque amo o
projeto de Jesus para o mundo: o reino de Deus. Por isso quero vê-la cada vez mais
convertida a Jesus. Não vejo maneira mais autêntica de amar a Igreja do que trabalhar
por sua conversão ao evangelho.
Quero viver na Igreja convertendo-me a Jesus. Essa há de ser minha primeira
contribuição. Quero trabalhar por uma Igreja que as pessoas sintam como "amiga de
pecadores". Uma Igreja que busca os "perdidos", descuidando talvez outros aspectos
que podem parecer mais importantes. Uma Igreja onde a mulher ocupe o lugar que
Jesus realmente quis para ela. Uma Igreja preocupada com a felicidade das pessoas, que
acolhe, escuta e acompanha todos os que sofrem. Quero uma Igreja de coração grande,
na qual cada manhã nos ponhamos a trabalhar pelo reino, sabendo que Deus fez seu sol
nascer sobre bons e maus.
Sei que não basta falar da "conversão da Igreja a lesus", embora pense que é
necessário e urgente proclamá-lo sempre de novo. A única forma de viver em processo
de conversão permanente é que as comunidades cristãs e cada um dos crentes nos
atrevamos a viver mais abertos ao Espírito de Jesus. Quando nos falta esse Espírito,
podemos cair na ilusão de ser cristãos, mas quase nada nos diferencia daqueles que não
o são; brincamos de ser profetas, mas, na realidade, não temos nada de novo a
comunicar a ninguém. Terminamos frequentemente repetindo com linguagem religiosa
as "profecias" deste mundo.
Mens Sana
Publicações Eletrônicas
Para Ler e Pensar
Março, 2011