• Ponto de partida da comunicação: comparar o modo de produção e as
convenções estilísticas das ficções televisiva e cinematográfica atuais, na área do som. • Padrão recorrente de valoração estética (comentários de fãs, críticas) positiva de produtos televisivos: uso de termos como “cinematográficos”, ou “cinemáticos” (EPSTEIN, 2016; ALEXANDER, 2017). • Convenção tácita: produtos de cinema são esteticamente superiores aos títulos realizados para a televisão. • A partir de descrições baseadas em dados (ajuda do Pro Tools), quais são as diferenças e semelhanças entre modo de produção e modelo estilístico de filmes e seriados, no que se refere ao som. • Soap operas, séries e novelas são realizados com orçamentos menores e cronogramas mais curtos do que longas-metragens (GUIMARÃES, 2007; BUHLER, NEUMEYER, DEEMER, 2010). • Consumo de obras televisivas e cinematográficas se dá atualmente em uma grande variedade de plataformas e dispositivos de reprodução. • O fenômeno da convergência midiática gerou consequências estilísticas importantes para o som. Até que ponto as convenções na construção sonora da narratividade para cinema e TV se aproximaram? • Como o universo sonoro do cinema vem sendo mapeado (BUHLER, NEUMEYER, DEEMER, 2010; SMITH, 2013; OPOLSKI, 2013; ABBATTE, 2015; KERINS, 2010, 2015, 2017, CARREIRO, 2018), decidimos dar materialidade à discussão a partir de um estudo de caso focado em uma ficção televisiva: Game of Thrones (2011-2019). • 58 prêmios Emmy (oito temporadas), 11 pelo som. • A análise será dividida em dois aspectos. • Modo de produção: análise comparativa entre o organograma de produção da série e o modelo tradicional de produção adotado pela indústria cinematográfica (OPOLSKI, 2018, p. 185). • Padrões de estilo: análise estilística do som de “Batalha dos Bastardos” (S06E09), prêmio Emmy de melhor mixagem, tendo como parâmetro as convenções sonoras de presença maciça em produtos cinematográficos, conforme a estética da continuidade intensificada (BORDWELL, 2005; SMITH, 2013). • O contexto: Game of Thrones tem 300 personagens que conduzem uma teia de histórias cruzadas, concentradas em três grandes arcos narrativos. • Filmada em oito países diferentes (Irlanda do Norte, Islândia, Malta, Croácia, Marrocos, Espanha, Escócia e Estados Unidos). Cronograma de 20-25 semanas por ano. Cronograma igual a uma grande produção de Hollywood (três vezes mais tempo de projeção) = um episódio da última temporada custou U$ 10 milhões. No som, 70 profissionais. • Modo descentralizado de produção: fluxo distribuído entre pequenas empresas que trabalham em simultâneo. Modelo adotado pela Netflix (House of Cards e Orange is the New Black) que se espalhou pelas demais redes de TV. • Fragmentação é normal no cinema, mas não nesse nível. • GoT: nove equipes independentes, de seis empresas de pequeno porte, trabalhando em simultâneo: som direto (três equipes que viajavam com três unidades de filmagem, sede na Irlanda), dublagem (Londres), sound design (Malibu, EUA), foley (Westlake Village, EUA), música (Alemanha), edição de som/mixagem (Los Angeles, EUA). • Filmes têm seguido essa tendência de ampliar a descentralização, geograficamente inclusive, tambémno Brasil (confirmado por entrevistas com Kiko Ferraz, Ricardo Cutz, Bernardo Uzeda, Rodrigo Mirelles, Daniel Turini, Justino Passos e outros). • Procedimentos rígidos para manter estética e prazos sob controle: 1. Início do trabalho com todos os episódios da temporada já editados; 2. Utilização dos mesmos equipamentos de som direto (gravadores, microfones, mires) para garantir uniformidade dos sons de locação. 3. Presets de plugins de reverb e equalização no Pro Tools para cada uma das locações. 4. Uso extenso de biblioteca de sons captados pelas equipes de som direto e edição de som, nas primeiras temporadas. • Objetivo: eservar o máximo de tempo possível para tarefas criativas, e construir narrativas em sonoras em progressão. • Exemplo: dragão Drogo, que tem relação afetuosa com Daenerys (nome do ex-marido, possível reencarnação): sons de felinos, leões marinhos e ursos + gemidos de tartarugas fazendo sexo e a voz do ator Jason Momoa. • Parâmetro de análise sonora da sequência são as convenções estilísticas mais frequentes da continuidade intensificada: 1. volume mais alto; 2. graves mais potentes; 3. maior dinâmica (intervalo entre silêncio e barulho); 4. espacialização sonora detalhada (sistemas de reprodução digitais); 5. efeitos sonoros construídos em múltiplas camadas, detalhados; 6. efeitos sonoros não diegéticos como forma de pontuação estilística – tendência à mistura de música e sound design (SMITH, 2013, p. 338). • “Batalha dos Bastardos”: US$ 10 milhões, 500 figurantes, 100 técnicos. Batalha filmada com muitos POV visuais e sonoros, e perspectivas frequentemente subjetivas. • Todos os seis parâmetros da continuidade intensificada estão presentes, incluindo o 4° tópico (espacialização), graças à mixagem no sistema de reprodução Dolby Atmos. • Mixagem densa no canal central: onde no cinema só haveria vozes e foley, em GoT há também ambientes, efeitos sonoros e música. Os mesmos sons aparecem também nos canais laterais frontais e traseiros. • São discretos os movimentos de pan (sons que se movem no eixo horizontal, entre direita e esquerda, e vice-versa). • O motivo: episódios de Game of Thrones se destinam à reprodução em múltiplas plataformas, algumas delas (tablets e smartphones) incapazes de reproduzir com fidelidade canais surround ou mesmo estéreo. • Estratégia de mixagem que Mark Kerins (2013, p. 587) denomina de “centrada na tela”, ou “telocêntrica”, mais conservadora. • Na batalha: uso significativo de pontos de escuta (CHION, 2008) subjetivos: ouvimos o que um personagem ouve (em especial Jon Snow). • Reforço dos sons mais graves (continuidade intensificada). Uso da faixa dinâmica em toda sua extensão (100 db entre sons discretos e barulhentos). • Uso acentuado de efeitos sonoros não diegéticos (hiper-realismo nos sons das flechadas em Rickon Stark). EXIBIR TRECHO (34:00 – 38:30) • Uso de efeitos não-diegéticos integrados com as composições musicais. • Modulação os sons do vento (mais forte nos momentos de maior tensão) e uso da câmera lenta acompanhada de forte reverb nos sons ambientes (percepção subjetiva). • Tendência à cinestesia (engajamento sensorial do espectador através de pontos de escuta subjetivos), como na cena do sufocamento. • Sons de respiração: realismo sensório. Ampliam a conexão afetiva entre personagens e espectadores. • Volume alto, faixa dinâmica consistente (ligeiramente achatada), vozes com muitos elementos não semânticos. EXIBIR TRECHO (46:00 – 47:00) • Conclusões:
1. Modo de produção descentralizado na TV inclui várias equipes trabalhando
em simultâneo. Produtoras pequenas. Prazos rígidos, tendência a cronogramas cada vez menores. Otimização das tarefas criativas com uso extenso de automação. Tendências migrando para o cinema...
2. Modelo estilístico de apresentação sonora é similar em TV e cinema. Duas
diferenças expressivas: espacialização dos sons e faixa dinâmica, um pouco mais estreitas na TV (mídia "telocêntrica"). Tendência futura de redução maior das diferenças. Diferença pouco perceptível ao consumidor comum. Blu-Ray e streaming recebem mixagens “telocêntricas” (ninguém quem assistir à obra com o controle remoto na mão). Multiplicidades de plataformas de consumo está na raiz da diferença.
3. Equipamentos, softwares e profissionais são os mesmos. Filmes de cinema
modificam mixagem para consumo caseiro (estéreo, 5.1, 7.1, Atmos), e essas bandas sonoras têm estética mais “telocêntrica” (menor compressão e espacialidade. • ABBATTE, Carlos. Como fazer o som de um filme. Buenos Aires: Libraria, 2015. • ANDERSEN, Asbjoern. “This is how the fantastical sound in Game of Thrones is made”. A sound effect (06/08/2014). Disponível em https://www.asoundeffect.com/creating-the-fantastical-sound-of-game-of- thrones/. Acesso em 13/08/2019. • BORDWELL, David. The way Hollywood tells it: story and style in modern movies. Los Angeles: University of California Press, 2006. • BUHLER, James; NEUMEYER, David; DEEMER, Rob. Hearing the movies: music and sound in film history. New York: Oxford University Press, 2010. • EMMYS: “Ronan Hill on Game of Thrones”. Sound & Picture (30/07/2012). Disponível em https://soundandpicture.com/2012/07/emmys-ronan-hill-on- game-of-thrones/. Acesso em 13/08/2019. • HUYSSEN, Andreas. Memórias do modernismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1996. • JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2ª edição. São Paulo: Aleph, 2009. • KASSABIAN, Anahid. “The Sound of a New Film Form”. Popular music and film (org. Ian Inglis). London: Wallflower Press, 2003, pp. 91-101. • KERINS, Mark. Beyond Dolby (Stereo): cinema in the digital sound age. Bloomington: Indiana University Press, 2010. • __________. “Multichannel games and the aesthetics of interative surround”. The oxford handbook of new audiovisuals aesthetics (org. John Richardson, Claudia Gorbman, Carol Vernallis). NY: Oxford University Press, 2013. • LASTRA, James. Sound technology and the american cinema. New York; Columbia University Press, 2010. • OPOLSKI, Débora. “A prática de edição e mixagem de som no audiovisual”. O som do filme: uma introdução. (Org. Rodrigo Carreiro). Curitiba: Editora da UFPR/Editora da UFPE, 2018, pp. 181-220. • SERGI, Gianluca. “In defense of vulgarity”. Scope, v. 5, n. 1. Nottingham, 2006. • SMITH, Jeff. “The sound of intensified continuity”. The Oxford Handbook of New Audiovisual Aesthetics (orgs. John Richardson, Claudia Gorbman e Carol Vernallis). New York: Oxford University Press, 2013, pp. 331-356. • THOM, Randy. “Designing a movie for sound”. Iris, n. 27, pp. 9-20, 1999. • WALDEN, Jennifer. “Audio for TV series”. Post Magazine (01/04/2013). • YEWDALL, David Lewis. Practical art of motion picture sound. Waltham: Focal Press, 1999.